O presente artigo trata da análise da denunciação da lide e da ação regressiva, ambas em face do agente público nos casos de responsabilidade civil do Estado, a fim de confirmar quais das duas medidas servem para garantir os princípios da economia, da celeridade processual, bem como o princípio da efetividade.
Este assunto tem importância prática, uma vez que frequentemente ocorrem casos de o Estado, por meio de seus agentes, lesar bens ou direitos de particulares, causando-lhes prejuízos a serem reparados pela Administração Pública e, posteriormente, esta será ressarcida pelo próprio agente público.
Não se pode esquecer que o atual entendimento constitucional e processual assevera, como direito fundamental, a necessidade de garantir à rápida e eficaz prestação jurisdicional ao hipossuficiente, que, no caso, é a vítima do ato estatal. Ou seja, a pessoa prejudicada pela conduta administrativa deve ser ressarcida o mais rápido possível, uma vez que a Constituição Federal garante a duração razoável do processo e tem como princípios a dignidade da pessoa humana, a solidariedade e a efetividade.
Entretanto, para garantir essa rápida prestação jurisdicional, a doutrina, a jurisprudência e as normas jurídicas divergem sobre o tema. Senão vejamos: o art. 37, § 6º, da Constituição Federal (CF) ensina que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Já, o art. 70, inc. III do Código de Processo Civil (CPC) prevê que “a denunciação da lide é obrigatória àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”.
Isto é, a Carta Magna garante a reparação do prejuízo sofrido ao particular e depois possibilita ao Estado o direito de regresso contra o agente causador do dano. Como o CPC é norma infraconstitucional, ele deve ser interpretado com base na CF. Sendo assim, a obrigatoriedade de denunciar a lide deve ser relativizada e entendida como faculdade da Pessoa Jurídica de Direito Público de usá-la ou não. E, no caso de não denunciar a lide, a Administração Pública não perde o direito de regresso que o Texto Maior lhe garantiu.
Para uma corrente doutrinária, liderada por Vicente Greco Filho[1], chamada de restritiva, a supremacia da Constituição Federal será mantida, pois o Estado não é obrigado denunciar a lide e nem deve fazê-la, uma vez que, com esta intervenção de terceiros, ingressará novo “thema decidendum”, o que ofenderiam os princípios da economia e celeridade processual, além da dignidade da pessoa humana. O certo, portanto, é usar a ação regressiva para que a Administração Pública tenha seu direito tutelado.
Não raras às vezes, o particular prejudicado necessita da reparação dos danos rapidamente para manter o mínimo existencial que a dignidade da pessoa humana lhe garante. Se fosse possível a denunciação da lide do agente agressor nos casos de responsabilidade civil do Estado, haveria a introdução de diversos responsáveis dentro do processo o que acarretaria uma sequência de relações jurídicas intermináveis.
Não só por isso, o prejudicado, também, teria seu processo suspenso até terminar o litígio entre a Administração Pública e seus agentes, para só depois findar sua demanda, o que causaria uma espera indefinida até ver seu direito resguardado.
Para essa corrente, só cabe denunciação da lide em casos de “ação de garantia”, pois a derrota nessa ação já geraria responsabilidade do garante, automaticamente, como ocorre nos casos de evicção. Já na hipótese de ação de regresso, que é o caso da responsabilidade civil do Estado, não cabe a denunciação da lide, pois o agente público terá direito de se defender em outra ação, ele não terá seu direito tolhido.
Outro argumento impeditivo da denunciação da lide nesses casos é o princípio da lealdade processual, pois, se a intervenção de terceiros ocorresse, seria uma “confissão” da responsabilidade civil do Estado, na medida em que ele reconhece expressamente a conduta dolosa ou culposa de seu agente.
Por fim, o Estado só pode ressarcir-se dos prejuízos depois que o sofrer. Sendo assim, o Estado deve ressarcir o particular e só posteriormente se voltar contra o agente e reembolsar-se das despesas que teve, sob pena de enriquecimento sem causa.
Há de se observar, ainda, que a responsabilidade civil do Estado em face do prejudicado é na modalidade objetiva – teoria do risco administrativo – em que não se discute dolo ou culpa do agente. Já no caso de denunciar da lide o agente público, a responsabilidade civil dele em face do Estado é na modalidade subjetiva – comum – cuja discussão inclui o dolo ou a culpa do agente. Com isso, aumentaria em desmedida a causa de pedir da demanda principal, acarretando prejuízos irreparáveis à vítima.
A despeito disso, o entendimento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acompanha tal raciocínio, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR. ERRO MÉDICO. MORTE DE PACIENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FACULTATIVA. 1. Os recorridos ajuizaram ação de ressarcimento por danos materiais e morais contra o Estado do Rio de Janeiro, em razão de suposto erro médico cometido no Hospital da Polícia Militar. 2. Quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias não se caracteriza uma relação de consumo nem se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. 3. Nos feitos em que se examina a responsabilidade civil do Estado, a denunciação da lide ao agente causador do suposto dano não é obrigatória. Caberá ao magistrado avaliar se o ingresso do terceiro ocasionará prejuízo à celeridade ou à economia processuais. Precedentes. 4. Considerando que o Tribunal a quo limitou-se a indeferir a denunciação da lide com base no art. 88, do CDC, devem os autos retornar à origem para que seja avaliado, de acordo com as circunstâncias fáticas da demanda, se a intervenção de terceiros prejudicará ou não a regular tramitação do processo. 5. Recurso especial provido em parte.
(STJ - RESP 201000330585 – Relator Ministro CASTRO MEIRA – Segunda Turma - DJE DATA:01/12/2010)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO (ART. 541 DO CPC E ART. 255 DO RISTJ) – INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC – DENUNCIAÇÃO DA LIDE – DIREITO DE REGRESSO – CPC, ART. 70, III – OBRIGATORIEDADE AFASTADA – PRECEDENTES – REDUÇÃO DO QUANTUM DA INDENIZAÇÃO – SÚMULA 7/STJ. 1. É entendimento sedimentado o de não haver omissão no acórdão que, com fundamentação suficiente, ainda que não exatamente a invocada pelas partes, decide de modo integral a controvérsia posta. 2. Não havendo o recorrente demonstrado, mediante a realização do devido cotejo analítico, a existência de similitude das circunstâncias fáticas e do direito aplicado nos acórdãos recorrido e paradigmas, resta desatendido o comando dos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ. 3. A denunciação da lide só é obrigatória em relação ao denunciante que, não denunciando, perderá o direito de regresso, mas não está obrigado o julgador a processá-la, se concluir que a tramitação de duas ações em uma só onerará em demasia uma das partes, ferindo os princípios da economia e da celeridade na prestação jurisdicional, sendo desnecessária em ação fundada na responsabilidade prevista no art. 37, § 6º, da CF/88, vez que a primeira relação jurídica funda-se na culpa objetiva e a segunda na subjetiva, fundamento novo não constante da lide originária. 4. Não perde o Estado o direito de regresso se não denuncia a lide ao seu preposto. 5. É pacífico nesta Corte o entendimento de que a revisão do valor da indenização nos casos de responsabilidade civil do Estado esbarra no óbice da Súmula 7/STJ, exceto nos casos de valores irrisórios ou exorbitantes, o que não se afigura no caso concreto. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.
(STJ - RESP 200701206434 – Relatora Ministra ELIANA CALMON – Segunda Turma - DJE DATA:29/06/2009)
Diametralmente oposto, a doutrina e a jurisprudência divergentes, liderada por Cândido Rangel Dinamarco[2], chamada corrente ampliativa, argumentam que em toda intervenção de terceiros haverá introdução de causa de pedir nova na lide principal, uma vez que o denunciado há de se defender com base no princípio da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, não podendo ser restringido em seu direito de defesa.
Além disso, a denunciação da lide, para essa corrente, não ofenderia a economia e a celeridade processual, pois a fato de ter causa de pedir nova em nada demoraria a efetiva prestação jurisdicional, pois o processo não pode se desenvolver para satisfazer o autor a qualquer custo, deve-se atentar ao fato de que o réu também pode ser titular de direito.
O professor Cândido Rangel Dinamarco em seu livro Instituições de Direito Processual Civil arremata assim:
“a litisdenunciação da lide inclui-se entre as intervenções de terceiro que ampliam o objeto do processo. Além da pretensão deduzida pelo autor em face do réu e visando a uma medida a ser proferida com relação a este, feita a denunciação o juiz terá diante de si, para conhecer e julgar, também essa outra que visa à condenação do terceiro a prestar a quem o trouxe ao processo uma indenização pelo que ele eventualmente venha a perder.
Essa configuração do instituto permite apontar como sua ratio não só a economia processual, pois propicia o julgamento de duas causas em um processo só e sentença única, preparada por uma só instrução; como ainda a harmonia de julgados, pois evita o duplo sucumbimento daquele que, vencido em uma causa, correria o risco de receber depois outra sentença desfavorável na ação de garantia, declarando o juiz a inexistência da obrigação que lhe foram impostas antes”.
Para eles, caso a denunciação da lide venha a não ser aceita, a coisa julgada formada em processo anterior pode ser colocada em dúvida no caso de eventual ação regressiva, uma vez que nesta ação é possível ao agente tentar desconstituir a coisa julgada da primeira demanda, tornando, portanto, contraditória a atividade jurisdicional.
Não obstante tudo isso, vale anotar o posicionamento intermediário de Cássio Scarpinella Bueno[3], que, após examinar jurisprudência o STJ, concluiu que “toda a vez que a ação indenizatória também se basear na existência de culpa, a denunciação ao agente público não destoará da mesma fundamentação da ação principal. Deve, pois, ser admitida nestes casos.”
Todavia, por tudo que foi exposto, acredita-se que nos casos de responsabilidade civil do Estado a ação regressiva é a melhor forma de acionar o agente público para ressarcir os danos causados aos cofres públicos, em nome da garantia dos princípios da economia e celeridade processuais, além da efetividade da tutela jurisdicional.
Referências bibliográficas:
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DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
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Notas
[1] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
[3] BUENO. Cassio Scarpinella. Intervenção de terceiros: questões polêmicas. 2 ed. São Paulo: CPC, 2002.