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A (in)constitucionalidade da criminalização das drogas

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18/03/2013 às 16:01
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CONCLUSÃO

Diante do exposto, extrai-se pelo menos uma convicção: o proibicionismo não é compatível com a forma deste Estado. A bilionária política de combate às drogas que persegue, extermina e encarcera grupos sociais em massa – em flagrante violação aos direitos humanos – ignora que o Brasil é constituído sob a forma de um Estado Democrático de Direito, segundo o qual princípios constitucionais e direitos fundamentais do ser humano devem ser respeitados.

Conforme amplamente explicitado ao longo deste trabalho, o exercício do poder punitivo estatal sobre aquele que usa, porta, produz ou adquire drogas atinge o direito à liberdade individual, à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, à igualdade e a garantia de que a tutela jurisdicional só será exercida quando da lesão ou ameaça a direito.

A criminalização das drogas opõe-se ao fato de que “toda a idéia de Justiça está fundada na idéia de que os homens nascem livres e são livres para agir conforme suas vontades”[49]. Logo, manter o proibicionismo, que estabelece um o tratamento injustificavelmente diferenciado entre as pessoas, impede que determinados indivíduos sejam felizes em escolher o seu próprio destino, sem que isso interfira na esfera de terceiros.

Além disso, em que pese o tratamento injustificavelmente diferenciado que a política proibicionista estabelece, violam-se não só os direitos daqueles que desejam consumir a droga – enquanto que a toda sociedade é permitida consumir bebidas alcoólicas e cigarros de tabaco, que também são drogas –, mas também o direito daquele que objetiva comercializar a droga. Ora, drogas como álcool e tabaco também causam problemas na saúde do ser humano, tão ou mais graves do que as drogas hoje consideradas ilícitas. Mesmo assim, são liberadas, de forma que sua produção e comercialização são reguladas. Seus fabricantes proporcionam uma altíssima arrecadação tributária ao governo, e lucram mais ainda.

Destarte, é inegável que a criminalização do uso, da produção e da comercialização de drogas no Brasil é contrária aos princípios consagrados na CRFB. Sendo assim, é imperioso admitir a necessidade de uma descriminalização e legalização das drogas, o que deve ser estudado e acompanhado de uma ampla política de informação e de prevenção e redução dos danos.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Segue o texto original: “Article I. Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits. [...] Article IV. La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à autrui. Ainsi l’exercice des droits naturels de chaque homme n’a de bornes que celles qui assurent aux autres Membres de la Société, la jouissance de ces mêmes droits. Ces bornes ne peuvent être déterminées que par la Loi. Article V. La Loi n’a le droit de défendre que les actions nuisibles à la Société’’ . (In: FRANCE. Déclaration des Droits de L’homme et du Citoyen. 1789. Disponível em: <www.assemblee-nationale.fr>. Acesso em: 25 fev. 2012).

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 233.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 231-232.

[4] Ibidem, p. 207-208.

[5] Ibidem, p. 206.

[6] O referido conceito, apresentado por José Afonso da Silva, foi estabelecido em decisão da Corte Suprema dos EUA, em 1965, no caso Griswold x Connecticut.

[7] MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Trad. Alberto da Rocha Barros. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 53.

[8] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 59.

[9] Sobre a proteção constitucional da dignidade da pessoa humana, vale dizer que “[...] a Constituição, reconhecendo sua existência e sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. [...] A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem [...], concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais” (In: SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 38).

[10] PEDROSO, Marcelo Batuíra Losso. O princípio fundamental da liberdade, sua importância e hierarquia sobre os demais direitos humanos. Revista do Advogado, São Paulo, ano XXIV, n. 78, p. 53-60, set. 2004. p. 59-60.

[11] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 39.

[12] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 356.

[13] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 234.

[14] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 2. ed. Portugal: Coimbra Editora, 2008. p. 237, grifo nosso.

[15] TJ/SP, Apelação Criminal n. 993.07.126537-3, 6ª Câmara de Direito Criminal, Rel. José Henrique Rodrigues Torres, j. 31.03.2008.

[16] TJ/SP, Apelação Criminal n. 993.07.126537-3, 6ª Câmara de Direito Criminal, Rel. José Henrique Rodrigues Torres, j. 31.03.2008.

[17] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 432.

[18] OLIVEIRA, Marco Aurélio Moreira de. Crimes de perigo abstrato. Revista de Estudos Criminais, Sapucaia do Sul, ano IV, n. 15, p. 95-100, 2004. p. 99.

[19] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. (Série As Ciências Criminais no Século XXI, v. 6). p. 14.

[20] Ibidem, p. 14.

[21] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 2. ed. Portugal: Coimbra Editora, 2008. p. 236.

[22] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1996. p. 92-94.

[23] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 57.

[24] BATISTA, op. cit., p. 92-93, nota 210.

[25] GRECO, op. cit., p. 57, nota 211.

[26] KARAM, Maria Lúcia. Guerra às drogas encarcera mais negros do que apartheid. Brasil de Fato, São Paulo, 10 dez. 2010b. Disponível em: <www.brasildefato.com.br>. Acesso em: 25 ago. 2011.

[27] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 58.

[28] CARVALHO, Salo de; BUENO, Amilton. Aplicação da pena e garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 9.

[29] CARVALHO, Salo de; BUENO, Amilton. Aplicação da pena e garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 7.

[30] Vale ressaltar que o princípio da secularização “está incorporado em nossa realidade constitucional, não sendo deduzível dos demais valores e princípios, mas sendo ‘o’ princípio do qual aqueles são deduzíveis (In: CARVALHO, Salo de; BUENO, Amilton. Aplicação da pena e garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 12). Por exemplo, além do princípio da ofensividade, do princípio da secularização derivam também os princípios da liberdade individual e da inviolabilidade da vida privada e da intimidade, todos previstos na CRFB.

[31] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 53.

[32] TJ/SP, Apelação Criminal n. 993.07.126537-3, 6ª Câmara de Direito Criminal, Rel. José Henrique Rodrigues Torres, j. 31.03.2008.

[33] Segue o texto original: “Article I. Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits. Les distinctions sociales ne peuvent être fondées que sur l’utilité commune’’. (In: FRANCE. Déclaration des Droits de L’homme et du Citoyen. 1789. Disponível em: <www.assemblee-nationale.fr>. Acesso em: 25 fev. 2012).

[34] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 212-213.

[35] Art. 1º. [...]. Parágrafo único. Para fins desta lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

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Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS n. 344, de 12 de maio de 1998.

[36] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 215-216.

[37] SAIBA mais sobre drogas. Portal Drogas, Jundiaí, 17 nov. 2009. Disponível em: <www.drogas.org.br>. Acesso em: 2 jun. 2012.

[38] BONAVIDES, Paulo. O princípio da igualdade como limitação à atuação do Estado. Revista Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, Método, n. 2, p. 209-224, jul./dez. 2003. p. 217.

[39] Ibidem, p. 222.

[40] WORLD HEALTH ORGANIZATION. The World Health Report: reducing risks, promoting healthy life. Geneva, 2002. Disponível em: <www.who.int>. Acesso em: 2 jun. 2012. p. 9-10.

[41] Segue o texto original: “Smoking causes substantially increased risk of mortality from lung cancer, upper aerodigestive cancer, several other cancers, heart disease, stroke, chronic respiratory disease and a range of other medical causes. As a result, in populations where smoking has been common for many decades, tobacco use accounts for a considerable proportion of mortality, as illustrated by estimates of smoking-attributable deaths in industrialized countries […] Worldwide, it is estimated that tobacco causes about 8.8% of deaths (4.9 million) and 4.1% of DALY’s (59.1 million). Worldwide, the attributable fractions for tobacco were about 12% for vascular disease, 66% for trachea bronchus and lung cancers and 38% for chronic respiratory disease, although the pattern varies by subregion”.             (In: WORLD HEALTH ORGANIZATION. The World Health Report: reducing risks, promoting healthy life. Geneva, 2002. Disponível em: <www.who.int>. Acesso em: 2 jun. 2012. p. 76-77).

[42] Segue o texto original: “Alcohol consumption has health and social consequences via intoxication (drunkenness), dependence (habitual, compulsive, long-term heavy drinking) and other biochemical effects. Intoxication is a powerful mediator for acute outcomes, such as car crashes or domestic violence, and can also cause chronic health and social problems. Alcohol dependence is a disorder in itself. Overall, there are causal relationships between average volume of alcohol consumption and more than 60 types of disease and injury. […] Worldwide, alcohol causes 3.2% of deaths (1.8 million) and 4.0% of DALY’s (58.3 million). [...] Besides the direct effects of intoxication and addiction resulting in alcohol use disorders, alcohol is estimated to cause about 20–30% of each of the following worldwide: oesophageal cancer, liver cancer, cirrhosis of the liver, homicide, epilepsy, and motor vehicle accidents”. (In: WORLD HEALTH ORGANIZATION. The World Health Report: reducing risks, promoting healthy life. Geneva, 2002. Disponível em: <www.who.int>. Acesso em: 2 jun. 2012. p. 77-78).

[43] Segue o texto original: “Globally, 0.4% of deaths (0.2 million) and 0.8% of DALYs (11.2 million) are attributed to overall illicit drug use”. (In: WORLD HEALTH ORGANIZATION. The World Health Report: reducing risks, promoting healthy life. Geneva, 2002. Disponível em: <www.who.int>. Acesso em: 2 jun. 2012. p. 79).

[44] AQUINO, Ruth de. Hora de legalizar? Época, Rio de Janeiro, n. 561, p. 82-88, 16. fev. 2009. p. 87.

[45] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Neurociências: consumo e dependência de substâncias psicoativas. Genebra, 2004. Disponível em: <www.who.int>. Acesso em: 2 jun. 2012. p. 11.

[46] CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 270.

[47] SANTOS, Lycurgo de Castro. Tóxicos: algumas considerações penais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 5, jan./mar. 1994. p. 123-124.

[48] TJ/SP, Apelação Criminal n. 993.07.126537-3, 6ª Câmara de Direito Criminal, Rel. José Henrique Rodrigues Torres, j. 31.03.2008.

[49] PEDROSO, Marcelo Batuíra Losso. O princípio fundamental da liberdade, sua importância e hierarquia sobre os demais direitos humanos. Revista do Advogado, São Paulo, ano XXIV, n. 78, p. 53-60, set. 2004. p. 59-60.

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Sobre a autora
Andressa Barboza Félix

Advogada e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FÉLIX, Andressa Barboza. A (in)constitucionalidade da criminalização das drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3547, 18 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23980. Acesso em: 19 mai. 2024.

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