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A efetivação dos direitos trabalhistas do empregado doméstico

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19/03/2013 às 16:54
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5. A CONVENÇÃO 189 DA OIT

Destarte todo o encargo de preconceito sobre o trabalhador doméstico, fundado, como dito, em razões históricas e, também, em discriminações sociais para com este trabalhador, em sua maioria mulher, sem muita instrução, como lembra o juiz José Soares Filho, em seu artigo “Direitos Trabalhistas e Previdenciários do Empregado doméstico”, a sociedade brasileira, não mais comporta (melhor dizer suporta) este grau de discriminação. Tanto é verdade que os direitos do trabalhador doméstico, vem gradativamente evoluindo, ao ponto de em 2006 gerar disputa no congresso nacional, que resultaria em projeto de Lei estendendo todos os direitos a esta classe, o qual foi vetado em diversos pontos pelo Presidente da República sob argumentos de inconstitucionalidade e de sobrecarga do empregador doméstico, gerando aumento de desemprego e crescimento da informalidade.

Discussões à parte o Brasil participou da Convenção 189 da OIT, acontecida durante sua histórica 100ª Conferência, onde seus delegados, representantes dos empregados, empregadores e governo, votaram todos pela aprovação da Recomendação nº 201 que orienta os países a garantirem os direitos da categoria. Tal comportamento do país no evento revela a tendência que aponta para a mudança legislativa nacional, estendendo aos domésticos todos os direitos assegurados aos celetistas.

Forçoso reconhecer que este debate é longo não apenas no Brasil, mas no mundo, conforme aponta o próprio organismo internacional. E este longo debate é justamente o que reveste a decisão com a pompa da maturidade necessária. Durante sua preparação foram realizados seminários, reuniões, grupos de trabalho, em diversos países. O Brasil foi um dos países que mais contribuiu com a discussão.

Na iminência de mudança legislativa considerável é de suma importância saber o que muda na legislação. O próprio texto constitucional necessitará passar por reforma uma vez que a diferenciação da categoria está abrigada no parágrafo único do artigo 7º da Constituição de 1988, o qual deverá ser suprimido, ou alterar sua redação para “os direitos previstos neste artigo são estendidos aos trabalhadores domésticos” (especulação nossa).

Ainda neste debate devemos chamar a atenção que tais mudanças referidas pela convenção internacionais não se aplicam aos trabalhadores eventuais, ocasionais, prestadores de serviços com frequência intermitente, ainda que no âmbito familiar, pois se tratam de diaristas não empregados.

5.1.  A 100ª CONFERÊNCIA DA OIT E O TRABALHO DOMÉSTICO

No Brasil as principais decisões da Convenção 189 e da Recomendação 201, foram divulgadas pelo Escritório da OIT, o qual em conjunto com o governo federal e representantes de empregados e empregadores domésticos, desenvolveu estudos em 2009, que foram levados para a 100ª Conferência da organização, exercendo, assim, um importante papel na discussão. Vale ressaltar que a nova Convenção estará vigorando a partir da ratificação por, pelo menos, dois países membros.

Dentre os temas aprovados pelo organismo internacional, destacam-se alguns, que seguem uma linha já adotada por diversos países, como vimos acima, inclusive o Brasil, como é o caso do conceito de emprego e empregado doméstico. Neste caso, venceu-se certas celeumas do Direito Comparado, as quais demonstramos neste trabalho. E outros aspectos, é importante que se diga, a legislação brasileira já se encontra em consonância com o texto internacional e em outros, ainda, possuímos legislação mais vantajosa do que a aprovada pela Recomendação, sendo importante neste ínterim observar a aplicação do Princípio da Norma Mais Benéfica, para não corrermos o risco de, sob a desculpa de adequar a legislação local à norma internacional, retroagirmos em certos direitos já conquistados por esta categoria em nosso país.

5.2. ASPECTOS TRATADOS PELA CONVENÇÃO 189

Com relação à questão conceitual a convenção traz seu conteúdo nos artigos 1 e 2, assim definindo: “Trabalho doméstico: aquele realizado em ou para domicílio (s); trabalhador: (sexo feminino ou masculino) quem realia o trabalho doméstico no âmbito de uma relação de trabalho, estando excluídos aqueles/as que o fazem de maneira ocasional e sem que seja um meio de subsistência. A convenção se aplica a todos/as domésticos/as. Há possibilidade de exclusão de categorias, desde que justificadas (outra proteção equivalente ou questões substantivas).” (Brasil, 2011). Observa-se que neste sentido pouca coisa muda em relação à conceituação legal pátria, ficando resolvido o problema da técnica redacional da Lei 5.859/72, em relação ao local do trabalho (em ou para). Permanecerá ainda a problemática em relação ao trabalho ocasional, parecendo certo dizer que tende a permanecer a exclusão do trabalhador diarista desta categoria, uma vez que a norma internacional é silente neste ponto.

Os Direitos Fundamentais da categoria foram descritos nos artigos 3 e 4 da Convenção, reclamando medidas efetivas para sua asseguração, bem como o estabelecimento de idade mínima e doção de medidas protetivas para o trabalho de menores de 18 anos. Vale lembrar que em nosso sistema a idade mínima para o trabalhador doméstico é sua maioridade civil (18 anos), não devendo haver mudanças neste sentido.

O artigo 5 trata da necessidade de medidas protetivas contra abusos, assédio e violência ao trabalhador doméstico. Como sabemos o lar é um castelo, em tese inviolável e por este motivo é o palco perfeito para o cometimento de abusos e violências. A violência doméstica é um dos grandes problemas de nossa sociedade e com relação ao trabalhador doméstico essa problemática cresce ainda mais. Muitas vezes, ainda hoje no Brasil, os trabalhadores, principalmente dom sexo feminino se submetem a verdadeiras torturas físicas e psicológicas por parte de seus patrões, com medo de perder o emprego, ou, simplesmente, por receio de brigar com “o barão”. Muitas trabalhadoras são estupradas pelos patrões e seus filhos, ficando caladas com relação a estes abusos. Em terreno internacional a situação muitas vezes é pior, sendo que a Àsia, Oriente e Leste Europeu, são considerados os piores locais em termos de proteção contra a violência ao trabalhador doméstico.

Já no artigo 6 temos a questão das condições equitativas e trabalho decente. Equitativo é qualidade de equidade que, em termos jurídicos significa um sentimento de justiça que impõe o reconhecimento dos direitos de cada um, ou um critério de julgamento legal e imparcial. Neste sentido significa dizer que deverão ser tomadas medidas de modo a assegurar a igualdade de condições entre os trabalhadores. O chamado “trabalho decente” é um conceito criado em 1999 pela OIT, onde sintetiza sua missão histórica de “promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.” (Brasil, 2011)

O artigo 7 define a obrigatoriedade de informações sobre termos e condições, devendo, quando possível, fazê-las constar em contratos de trabalho.

O artigo 8 trata da migração dos trabalhadores domésticos, asseverando a necessidade de proposta de emprego por escrito e contrato de trabalho, com condições estabelecidas, ainda no país de origem. Por uma questão de analogia e observando-se a hipossuficiência do trabalhador, que deve ser bastante oservada nesta categoria dadas suas peculiaridades, podemos afirmar que também para trabalhadores emigrantes, ou seja, para trabalhadores domésticos que são contratados em uma cidade/estado para outra cidade/estado do mesmo país devem ser observadas as mesmas condições estabelecidas neste artigo.

O artigo 9 trata da liberdade de o trabalhador poder decidir moradia, acompanhamento, ou não dos patrões m farias de família e a manutenção de documentos em sua posse.

A jornada de trabalho, tratada no artigo 10 da Convenção, certamente trará grandes impactos na realidade brasileira. São pedidas medidas assecuratórias da jornada, compensação de horas extras, períodos de descansos diários e semanais (24 horas consecutivas), além de férias. Também deve contar como horas de trabalho, o período em que o trabalhador estiver a disposição.  Dentro deste tema o Brasil já contempla o descanso semanal remunerado e as férias. Os demais itens listados, foram excluídos ao trabalhador doméstico no texto constitucional de 1998. Assim, ratificada a Convenção o trabalhador doméstico fará jus à jornada de trabalho de oito horas diárias com o pagamento de horas extras, coisa que até então não ocorre. Também poderá passar a ser contabilizado a chamada hora in itinere, além de outras demandas relativas ao tema. Com certeza uma grande conquista para a categoria.

A remuneração mínima, prevista no artigo 11 já é praticada no Brasil, que estabelece o pagamento de, pelo menos, o salário mínimo para o trabalhador doméstico. Já o artigo 12 trata da proteção social à remuneração,estabelecendo o pagamento em dinheiro, ao menos uma vez por mês, com possibilidade de pagamento do salário in natura, desde que através de condições favoráveis. Neste tema do pagamento em utilidades teremos confronto com a norma internacional, o que veremos mais adiante ao tratarmos especificamente da Recomendação 201, principalmente no que tange a questão da alimentação, devendo mais uma vez, para este caso ser observado o Princípio da Norma mais Benéfica.

Os artigos 13 e 14 tratam das medidas de saúde e segurança no trabalho, devendo ser observada a proteção social e à maternidade. Neste sentido o Brasil já conta com a segurança da estabilidade provisória para a gestante doméstica, não sendo novidade para nós, neste sentido. Contudo, ainda neste tópico deverá ocorrer outra grande e significativa alteração em nossa legislação, no que diz respeito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Sabe-se que a inscrição do trabalhador doméstico no FGTS, atualmente, não é obrigatória, sendo uma faculdade do empregador.Com a ratificação da Convenção isto deve mudar, devendo passar a ser obrigatório o recolhimento fundiário, como o é para os demais trabalhadores. Este ponto tem sido polêmico, inclusive citado em razões de veto presidencial ao tema em alteração da Lei Previdenciária, argumentando-se o impacto negativo que poderia causar até no aumento do desemprego da categoria. Ao nosso ver, no entanto, tal argumento não prospera, mas antes irá corrigir erro histórico e garantir dignidade ao trabalhador doméstico. Não cremos que quem necessita dos séricos de um trabalhador doméstico irá deixar de contratar por conta disso, sendo frágeis os argumentos em contrário, calcados em uma época histórica de vergonhoso passado escravagista de nossa nação.

O artigo 15 trata das agências de emprego. Busca-se estabelecer condições, com vistas a evitar abusos destas empresas, mediante certas obrigações jurídicas que deverão ser adotadas no âmbito interno de cada país, a partir da Recomendação 201, sobre a qual tratamos mais adiante.

Ao estabelecer o acesso a instâncias de resolução de conflitos, o artigo 16 contempla prática já existente no Brasil, que a muito tempo destina a Justiça do Trabalho, e Delegacias Regionais do Trabalho, principalmente, como os entes destinados à reloção dos Conflitos oriundos da relação de emprego doméstico.

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O artigo 17, novamente traz uma situação polêmica de difícil trato na legislação de muitos países, inclusive o nosso. Trata-se da Inspeção do Trabalho. Como se dará Esta inspeção no ambiente do lar, sendo a casa um asilo inviolável? Em que condições poderá ocorrer? Ex oficio, por iniciativa do Ministério Público do Trabalho, ou outro órgão que venha a ser estabelecido? E o sindicato, como poderá atuar nesta seara? Com certeza é mais uma medida a ser debatida para que se preserve a segurança jurídica, garantindo-se o direito do trabalhador doméstico, sem, contudo violar demais princípios constitucionais importantes, como é o caso da inviolabilidade do lar.

Por fim, os artigo 18, 19 e 20 tratam dos procedimentos e da necessidade de tais disposições serem postas em prática, por meio de legislação, acordos coletivos e tantas outras medidas adicionais que se fizerem necessárias para o procedimento da ratificação e implementação da convenção.

5.3. A RECOMENDAÇÃO 201

A Recomendação 201 traz em seu conteúdo as medidas práticas que deverão ser adotadas por cada Estado membro, dentro de suas respectivas legislações, para tornar realidade as deliberações da Convenção 189. Aqui temos medidas espinhosas a serem enfrentadas pelo legislador brasileiro, como passaremos a ver.

Já em seu artigo 2 a Recomendação trata da liberdade de associação e sindical do trabalhador doméstico. Até aí, tudo bem, não é novidade para nós. Ocorre que este mesmo dispositivo assevera o direito às negociações coletivas. Estas negociações até ocorrem, contudo o artigo 7º da Constituição Federal não estendeu à categoria o reconhecimento de sua convenção coletiva, o que na prática torna a atividade sindical da categoria inócua, uma vez que podem acordar com representação dos empregadores remuneração salarial diferenciada, por exemplo, que não será reconhecida em juízo, numa eventual Reclamação Trabalhista que pleiteie diferenças salariais por inobservância da norma coletiva. No atual modelo brasileiro o empregador não está obrigado a seguir estas convenções, sendo certo que sua obrigação no exemplo elencado é o pagamento do salário mínimo, conforme texto constitucional. Trata-se, portanto, de medida de suma importância para a dignidade política da categoria, que deve passar a ser observada após a Ratificação.

O artigo 3 da Recomendação diz respeito ao Princípio da Confidencialidade, com relação ao exames médicos, com impedimentos para exames de HIV e gravidez, bem como determina a não-discriminação em função de exames, estabelecendo no artigo 4 que, com relação a tais exames médicos, acarreta informação sobre saúde pública.

O artigo 5 trata de medidas protetivas e proibitivas de trabalho para crianças e jovens (adolescentes). No primeiro caso se tem a proibição de trabalhos identificados como insalubres (no Brasil, o trabalho doméstico infantil é proibido). Para as adolescentes determina limitação da jornada de trabalho com proibição do trabalho noturno, proibição de tarefas penosas e vigilância das condições de trabalho. No sistema brasileiro o trabalho doméstico para menores de 18 anos é proibido. No entanto, a nosso ver tal proibição pode ser relativizada com a permissão dos pais, desde que sejam observadas as condições que, agora, a Recomendação traz. Explica-se isso, por exemplo, porque não se caracterizaria grandes danos a formação de jovens trabalhadoras domésticas que exerçam a função de babás, desde que resguardado seu direito a uma jornada de trabalho que lhe permita a conciliação com os estudos. Ou mesmo do jovem trabalhador doméstico, que se emprega para realizar tarefas de jardinagem, ou para realizar determinadas diligências para o lar. Devemos, nestes casos, ter em mente que o Brasil ainda é, infelizmente, um país de enormes contradições sociais e que esses jovens, muitas vezes complementam o orçamento doméstico com tais atividades. De certo é, sempre, a garantia, de que tais atividades não irão lhe tirar o direito a um futuro mais digno;

O artigo 6 trata da segurança jurídica da relação de emprego doméstico por meio do estabelecimento de contrato de trabalho. Entre nós já é obrigatória que o empregador assine a Carteira de Trabalho do empregado doméstico, embora isso não aconteça muito na prática. Mesmo quando se ajuíza Reclamação Trabalhista, em sua grande maioria, termina em homologação de acordo indenizatório, muitas vezes sem a referida assinatura aposta na CTPS. De toda forma, pela Recomendação do organismo internacional pensamos que além da assinatura obrigatória da CTPS (agora com mais valor) dever-se-á, em paralelo, se efetivar Contrato Escrito, apresentando termo e condições do emprego e demais informações que se façam necessárias. Esta segurança serve não apenas ao empregado, mas também ao empregador, o que se exige por parte dos órgãos públicos e de classe, uma campanha educativa neste sentido, pois muitos empregadores deixam de realizar tais procedimentos por pura ignorância e acabam prejudicados pela falta de adoção de tão simples medida.

Já em seu artigo 9 a Recomendação preconiza a necessidade de se estabelecer mecanismos de queixa, programas de reinserção e readaptação de trabalhadores vítimas de abuso, assédio e violência. Trata-se de necessidade posta na ordem do dia para assegurar a estes trabalhadores o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, muitas vezes esquecido, dentre as quatro paredes de uma casa ao se tratar desta espécie de empregado. Ainda hoje existem trabalhadores e trabalhadoras vítimas de abuso sexual (muitas vezes é a doméstica quem inicia a vida sexual do “patrãozinho”) e que, literalmente “apanham” de seus empregadores.

Dos artigos 8 a 13 a Recomendação explana sobre a Jornada de Trabalho desta classe de trabalhadores. Verdadeiro e importantíssimo avanço para o nosso ordenamento jurídico, onde não há reconhecimento de horas extras para a categoria, que muitas vezes são contratados para “dormir no emprego”, e são submetidos a uma jornada extenuante, muitas vezes tendo que acordar no meio da noite para atender aos interesses de seus patrões, sem receber qualquer adicional por isto. De acordo com o texto da Recomendação a Jornada de Trabalho deverá contar com: registro exato das horas trabalhadas, horas extras e dos períodos de disponibilidade imediata para o trabalho de fácil acesso; regulamentação do tempo disponível para o trabalho; estabelecimento de medidas para o trabalho noturno; estabelecimento de pausas durante jornada diária; descanso semanal de 24 horas em comum acordo; compensação por trabalho em dia de descanso; acompanhamento dos membros do domicílio nos períodos de férias não deve ser considerado férias do trabalhador.

Este conjunto de orientações para a Jornada de Trabalho, certamente abarca grande parte dos problemas enfrentados pela categoria no Brasil, ficando por definitivo equiparado às demais classes.

Os artigos 14-15 tratam da proteção salarial frente ao recebimento de utilidades, o chamado salário in natura, impondo limites e critérios objetivos para o cálculo do valor com o estabelecimento de informações precisas quanto a estes valores. Com relação ao tema nossa legislação apresenta um avanço maior na medida em que proíbe expressamente que sejam consideradas as despesas com alimentação e moradia (ressalvada esta última para casa distinta do local de trabalho) enquanto que a Recomendação determina que considere estes itens.

O artigo 17 traz a determinação de observância das condições adequadas para acomodação e alimentação destes empregados. De fato é forçoso reconhecer que, em pleno século XXI ainda temos empregados domésticos que são obrigados a dormir no chão, ou a comer sobras das refeições de seus patrões. Bem vemos que é um grande avanço para a classe a segurança de seus interesses nestes pontos.

O artigo 18 podemos dizer que trata de regulamentar o Aviso Prévio no que tange ao período de busca de uma nova colocação no mercado de trabalho, para os empregados que dormem no emprego. De fato este dispositivo da Recomendação orienta que as legislações estabeleçam um prazo, com tempo livre durante o trabalho, caso o término da relação de emprego se dê por iniciativa do empregador. Isto, claro para os empregados que moram nas residências em que prestam o serviço. Comparando com o Aviso Prévio trabalhado, poderíamos dizer que ao grandes as semelhanças.

O artigo 19 certamente traz uma Recomendação que trará muita polêmica. Assevera o instituto a cerca da necessidade de se tomar medidas e dados sobre saúde e segurança no trabalho. Até aí, tudo bem. Se estamos falando de equiparação entre os direitos dos Domésticos aos demais trabalhadores, nada mais justo. O problema está no estabelecimento de um sistema de inspeção. Embora aconteça normalmente nas demais categorias profissionais, aqui estamos lidando com a residência da pessoa, estabelecida na Constituição Federal como “asilo inviolável” do ser humano. Prevemos que neste ponto os debates deverão render. O Ministério Público do Trabalho fará as inspeções? Ótimo! Mas como? Deverá avisar o dia em que o fará? Chegará de surpresa para a inspeção? E como fará para cobrir todas as residências? Seria possível, por exemplo, o estabelecimento de acordo ou convênio com o sindicato da categoria, ou outro órgão qualquer? E a legitimidade destes, em caso afirmativo, para realizar uma inspeção forçada, por exemplo? Bem vemos que ainda demandará tempo e debates para que se possa chegar a um consenso na sociedade sobre esta questão.

O artigo 20 trata de adoção de medidas para contribuição à Previdência Social. Isto, no Brasil já é feito, devendo apenas se intensificar a obrigatoriedade de assinatura da CTPS e recolhimento das contribuições. A novidade ficará a cardo das verbas do FGTS que na atual legislação tem natureza de faculdade do empregador, passando a ter, com a modificação natureza obrigatória.

A migração de trabalhadores domésticos é tratada nos artigos 21 e 22 da Recomendação, que orienta medidas protetivas aos trabalhadores que se encontrem nessa condição com: sistema de visitas; alojamento de urgência; informações quanto as obrigações dos empregadores, direitos e legislação no caso dos trabalhadores nos países de origem e destino, além de prever medidas para repatriação. Estas medidas ( e outras que se façam necessárias a partir da realidade de cada país) são de extrema importância dadas as peculiaridades dos trabalhadores e sua vulnerabilidade aumentada Por esta condição.

As agências de emprego privadas são regulamentadas no artigo 23 da Recomendação, prevendo para as mesmas, que promovam “boas práticas com relação ao trabalho domestico”. Claro que isto ficou bastante vago. Acreditamos que as Agências podem ter um papel decisivo nesta nova fase de evolução das relações empregatícias no âmbito do lar, intermediando a contratação de modo mais imparcial e fazendo valer, para ambos os lados, os direitos que cada um, empregador e empregado, possuem. Além disso, podem contribuir para o aprimoramento da mão de obra, através de cursos de qualificação da mão de obra de suas indicadas, mas também, com esclarecimentos aos empregadores, sobre suas responsabilidades, com a nova realidade.

O artigo 24 fala, de modo vago, do estabelecimento de sistema  de inspeção, o que já foi tratado no item 19, dispensando de nossa parte maiores comentários a respeito, acrescentando apenas que a Lei deverá prever este sistema de forma que não se fira a dignidade e inviolabilidade do lar (tarefa complexa).

O artigo 25 trata da qualificação da mão de obra, prevendo programas e políticas que visem o aperfeiçoamento dos empregados, especialmente em: desenvolvimento continuado de competências e qualificação, inclusive alfabetização; favorecimento do equilíbrio entre trabalho e família; formulação de dados estatísticos sobre os trabalhadores domésticos.

Finalmente o artigo 26 da Recomendação trata da cooperação, em âmbito internacional, dos trabalhadores domésticos, seguido os princípios norteadores próprios da Organização Internacional do Trabalho.

5.4.  A DELEGAÇÃO DO BRASIL E A POSIÇÃO DO GOVERNO

Na histórica convenção o Brasil teve papel fundamental e todos os seus delegados votaram pela aprovação das mudanças. Os representantes do governo, empregadores e empregados, não tem a obrigação de votarem em comum acordo, podendo divergir a respeito do tema apreciado, mas não foi o caso. O clima que se tinha dos representantes da bancada brasileira era de que o Brasil seria um dos primeiros países a adotar as mudanças necessárias. Isto seria importante já que a Convenção apenas se torna válida após a ratificação de pelo menos dois estados-membros.

Mas não foi o que aconteceu. O ministro do Trabalho, a época Carlos Lupo, sempre se mostrou empenhado nesta tarefa, apresentando propostas que viabilizassem a formalização da mão de obra doméstica e não causasse tanto impacto ao empregador. No entanto o ministro acabou sendo afastado do ministério e as prometidas propostas do governo não foram encaminhadas ao Congresso Nacional, o qual consta, pelo menos, com a PEC 478/10, que visa à revogação do parágrafo único para assegurar a equiparação dos direitos dos trabalhadores domésticos aos demais.

Pensamos que a melhor forma para a alteração legal da situação do empregado doméstico no país, não seja necessariamente a revogação pura e simples do parágrafo único do já referido dispositivo legal, mas a sua alteração redacional propriamente dita a qual poderia passar a ser grafada do seguinte modo: “As disposições contidas neste artigo se aplicam a todas as categorias de trabalhadores, inclusive a do trabalhador doméstico, resguardado a todos o reconhecimento à condição mais benéfica.”.

Explica-se: Como vimos anteriormente a distinção da categoria dos trabalhadores domésticos carrega uma forte conotação história que tem profundas raízes sociais, traduzidas nas diversas evoluções legislativas a cerca do tema. Encontramos tratamento dispensado ao assunto tanto na legislação específica (Lei nº...) e decretos referentes, quanto na Consolidação das Leis Trabalhistas, bem como nas Leis Previdenciária e Fundiária. Todas tratam de colocar o empregado doméstico em situação desigual. Alterando o texto constitucional para a forma sugerida, ou outra forma a que se assemelhe, restariam, de logo, resolvidas quaisquer dúvidas e divergências, pois seja qual for a disposição infraconstitucional em contrário, estaria em contradição com a constituição, não sendo pela mesma recepcionada. Isto seria muito útil caso as alterações legais não abarcassem de uma só vez todas as leis atinentes ao tema.

5.5. AS MUDANÇAS QUE DEVERÃO OCORRER NO ÂMBITO DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA

Várias mudanças deverão ocorrer, na prática, no âmbito das relações empregatícias. O rol dos 34 direitos trabalhistas assegurados aos trabalhadores no artigo 7º da Constituição Cidadã de 1988 deverão abranger a categoria, de uma forma completa.

Resultados práticos que se reverterão em benefício desta classe podem, de logo, mudar completamente a feição que temos deste setor da sociedade. A fixação de uma jornada de trabalho de 8hs diárias e 44 semanais, no máximo, já se mostra a grande modificação que se apresentará na relação empregatícia direta. Hoje, estima-se que o trabalhador doméstico trabalhe em média de 58 horas por semana, sem nenhum controle. Os trabalhadores que dormem no próprio serviço estão muito mais vulneráveis, ainda, pois podem ser requeridos a qualquer hora do dia ou da noite. Quantas empregadas domésticas não são obrigadas a acordarem de madrugada para servir aos patrões quando estes chegam da “balada”?  Com a ratificação da Convenção pelo Brasil este abuso seria corrigido, pois seria pago, além de horas extras, o adicional noturno para quem trabalha após as 22hs.

Outra significativa mudança está no âmbito da segurança social. Os trabalhadores domésticos são segurados obrigatórios da Previdência Social, mas por não terem acesso a todos os direitos de um trabalhador comum, não fazem jus ao seguro acidentário. Significa dizer que, uma empregada doméstica que se acidenta em seu trabalho, pode, além de ser demitida, ficar sem o recebimento do auxílio-acidente.

Apontado pelos críticos da ratificação da Convenção pelo Brasil como um fator de encarecimento perigoso e possível causa de aumento da informalidade e demissão no setor, o FGTS, que hoje é facultativo para o empregador, deverá se tornar obrigatório no país. Ao contrário destes críticos aliamos nossa posição àqueles que acreditam não ser este um fator tão preponderante para demissões em massa e aumento da informalidade. Quem quer ter empregado doméstico, pode pagar e isto é um fato. Não seria a elevação de 11,7% nos custos que impediria a contratação do trabalhador doméstico, mas ao contrário aumentaria a autoestima do setor, historicamente relegado, esquecido e, praticamente, invisível para a sociedade.

Os empregados domésticos, também, deverão fazer jus à proteção pela despedida imotivada, neste caso, recebendo uma indenização compensatória, além do aviso-prévio, como qualquer trabalhador tem direito. Adicionais de insalubridade e até periculosidade, quando for o caso serão devidos. O importante aqui é termos em mente que o trabalhador doméstico não se restringe às tradicionais “empregadas”, que fazem tudo dentro de uma casa, mas qualquer profissional que se encaixe na definição, ou seja, exerça a função no âmbito do domicílio do empregador e não gere lucro com seu trabalho. Isto, claro, aliado às características próprias que devem ser levadas em consideração: pessoalidade (para o empregador e/ou sua família), habitualidade, onerosidade, subordinação, alteridade.

5.6. A APROVAÇÃO DA PEC 478/10

 Durante a finalização deste Trabalho de Conclusão de Curso, a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno de votação, no dia 05 de dezembro de 2012, a Proposta de Emenda Constitucional nº 478 de 2012 (PEC 478/10), ou PEC das Domésticas como ficou conhecida. O texto, de relatoria da deputada Benedita da Silva, seguiu para votação no senado.Atualmente o Projeto de Lei se encontra no Senado Federal, sob o número 66, com relatoria da senadora Lídice da Matta. Basicamente se prevê a revogação do Parágrafo Único da Constituição Federal de 1988, garantindo aos trabalhadores domésticos igualdade de direitos com as demais categorias profissionais.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A efetivação dos direitos trabalhistas para os empregados domésticos é uma necessidade que visa a segurança jurídica social da relação de emprego dentro do lar. É uma exigência da sociedade que chega ao século XXI carregando máculas de um passado que cada vez mais precisa ser superado para que a nação possa seguir seu cominho evoluindo suas instituições e relações.

De uma forma geral em todo o mundo levantaram-se vozes durante os 50 anos em que a situação da categoria foi discutida, chegando a conclusão de inevitável e necessária correção da desigualdade do tratamento dispensado. Também no Brasil se vê essa necessidade, fazendo-se sentir em reflexo da participação da delegação nacional na histórica conferência que aprovou a 100ª Convenção e a Recomendação nº 201, traduzindo os aspectos legais a serem indicados para os Estados-membros.

Resta, finalmente que tais resoluções sejam implementadas e que se possa, enfim, verificar sua praticidade. Não podemos negar que o Brasil tem papel essencial neste processo, pelo desempenho que teve frente as demais nações do planeta, esperando-se que se torne, de fato, um dos primeiros países a implantar as medidas aconselhadas pelo Organismo Internacional.

No âmbito de nosso ordenamento jurídico interno se espera por parte do parlamento agilidade na aprovação das mudanças essenciais nos textos legais, para sua aplicação na resolução das diversas lides jurídicas, tanto trabalhistas, quanto de natureza previdenciária, pela relação intrínseca aos temas. Dos tribunais não devemos esperar muito, uma vez que há a dependência da ação legislativa para que se possa dar ao trabalhador doméstico um tratamento equiparado aos demais em uma eventual Reclamação Trabalhista. Isto porque não acreditamos ser possível aos tribunais aplicar o Princípio da Norma Mais Benéfica, julgando a partir da Convenção e Recomendação da OIT antes de sua ratificação pelo Congresso Nacional, haja vista a necessidade de preservação da Soberania Nacional, Princípio Fundamental da República Brasileira.


7. Bibliografia:

Almeida André Luiz Paes de Direito do Trabalho Material, Processual e Legislação Especial [Livro]. - São Paulo : Rideel, 2008.

Brasil Escritório da OIT no Convenção e REcomendação sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos [Relatório]. - Brasília : Escritório da OIT no Brasil, 2011.

Júnior José Cairo Curso de Direito do Trabalho [Livro]. - São Paulo : Jus Podium, 2011. - Vol. 6ª edição.

Martins Sérgio Pnto Direito do Trabalho [Livro]. - São paulo : Atlas S.A., 2011.

Saraiva Renato Direito do Trabalho [Livro]. - São Paulo : Método, 2011.

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Sobre o autor
Toni Frank Britto Santos

Bacharel em Direito em Salvador (BA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Toni Frank Britto. A efetivação dos direitos trabalhistas do empregado doméstico . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3548, 19 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24003. Acesso em: 19 abr. 2024.

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