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A efetivação dos direitos trabalhistas do empregado doméstico

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19/03/2013 às 16:54
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De uma forma geral, em todo o mundo, levantaram-se vozes durante os 50 anos em que a situação da categoria de empregados domésticos foi discutida, chegando à conclusão de inevitável e necessária correção da desigualdade do tratamento dispensado.

Resumo: O presente trabalho trata da efetivação dos direitos trabalhistas do empregado doméstico, a partir da Convenção nº 189 da OIT, que teve por desdobramentos a Conferência nº 100 e a Recomendação nº 201. O estudo se orientou pela memória legislativa a cerca do tema e sua evolução histórica no Brasil até atingir a atual égide da Constituição Federal de 1988, culminando, por fim, no recente posicionamento da Organização Internacional do Trabalho a respeito do tema. Foram abordados os principais posicionamentos jurídicos do Direito Comparado, bem como da Doutrina interna, enfrentando as divergências técnicas e conceituais pertinentes. Como resultado verificou-se a imensa desigualdade existente entre os trabalhadores domésticos e as demais categorias laborais e a necessidade social de equiparação como medida de segurança jurídica da relação empregatícia. Finalmente se conclui que esta equiparação trará grandes benefícios para a sociedade brasileira, no que concerne às relações de emprego doméstico, mas que ainda tem muitos obstáculos a serem enfrentados para isso, devido ao longo período em que tais desigualdades foram construídas.

Palavras-chave: equiparação legal de direitos – trabalhador do lar – OIT.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. BREVE HISTÓRICO JURÍDICO DO EMPREGO DOMÉSTICO NO BRASIL. 3. CONCEITO DE EMPREGADO DOMÉSTICO. 3.1. CONTINUIDADE E NÃO-EVENTUALIDADE: UMA POLÊMICA SEMÂNTICA. 4. OS DIREITOS TRABALHISTAS DO EMPREGADO DOMÉSTICO. 4.1. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O TRABALHADOR DOMÉSTICO. 4.2. A LEI DO EMPREGO DOMÉSTICO.5. A CONVENÇÃO 189 DA OIT E O TRABALHO DOMÉSTICO. 5.1. A 100ª CONFERÊNCIA DA OIT. 5.2. ASPECTOS TRATADOS PELA CONVENÇÃO 189. 5.3. A RECOMENDAÇÃO 201 DA OIT. 5.4. A DELEGAÇÃO DO BRASIL E A POSIÇÃO DO GOVERNO. 5.5. AS MUDANÇAS NO ÂMBITO DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA..5.6. A APROVAÇÃO DA PEC 478/10. 6. CONCLUSÃO.7. BIBLIOGRAFIA...


1. INTRODUÇÃO

 O presente trabalho tem por objetivo enfocar os aspectos legais que permeiam a relação de trabalho do empregado doméstico. Nos dias atuais considera-se descabida a distinção que se faz desta categoria de trabalhadores das demais. O velho discurso de que não lhes compete todos os direitos laborais por não pertencerem a uma classe economicamente ativa, que produza riqueza para a sociedade, finalmente começa a cair por terra, dando lugar, dentre outros ao Princípio da Dignidade de Pessoa Humana, positivado em nosso ordenamento jurídico no inciso III do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil.

 Dessa forma o recente posicionamento da OIT sobre o assunto traz significativas mudanças sobre o tema, ajudando, inclusive a uma uniformização de conceitos, levando em conta o Direito Comparado. Fica mais claro o que é o trabalho doméstico, propriamente dito e que vem a ser o trabalho dos diaristas, por exemplo. Neste ponto se elucida e muito um antigo problema judiciário que sempre permeia as Reclamações Trabalhistas envolvendo o tema.

 Por fim as mudanças que deverão ocorrer com a implantação definitiva da Recomendação da OIT sobre a categoria profissional de trabalhadores do Lar, deve aumentar a segurança jurídica da relação empregatícia na sociedade, sendo certo que trará benefícios a todos, trabalhadores e empregadores, como veremos no desenvolvimento do trabalho. Finalmente é de importância salutar chamar a atenção para as mudanças que se acarretarão na seara Previdenciária, uma vez que o empregado doméstico, como segurado obrigatório passará ater todos os direitos dos demais, inclusive a obrigatoriedade de inclusão ao Fundo De Garantia Por Tempo de Serviço (FGTS) e, consequentemente, ao Seguro-Desemprego, hoje uma faculdade dos empregadores.


2. BREVE HISTÓRICO JURÍDICO DO EMPREGO DOMÉSTICO NO BRASIL

 Até o ano de 1923 o trabalho doméstico no Brasil não tinha qualquer regulamentação. Somente naquele ano veio a lume o Decreto 16. 107, o qual regulamentou, pela primeira vez, os serviços domésticos, determinando quais seriam tais trabalhadores. Antes disso a questão era tratada pelo Código Civil, na parte atinente à locação de serviços.

 Já em 1941 o Decreto-Lei 3.078 trouxe o primeiro conceito de empregado doméstico, estabelecendo que este “era o que prestava serviços em residências particulares mediante remuneração (Martins, 2011 p. 148)”. Estabeleceu, ainda, certos direitos referentes à relação de trabalho, tais como aviso-prévio de oito dias, após um período probatório de seis meses e o direito a rescisão em casos de: atentado à honra ou integridade física; mora salarial; falta de cumprimento das obrigações do empregado em proporcionar ambiente higiênico de alimentação e habitação, sempre garantido o direito indenizatório de oito dias.

No ano de 1943 entrou em vigor o Decreto-Lei 5.452 (Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT), estabelecendo claramente em seu artigo 7º, alínea ‘a’ a inaplicabilidade dos seus preceitos aos trabalhadores domésticos. Desta forma estava aprovada em texto legal a diferenciação entre trabalhadores, o que muitos criticam como a criação de uma espécie de subtrabalhador (o emprego doméstico, então, seria um subemprego).

Apenas depois de quase trinta anos de vigência da CLT, entrou em vigor uma lei própria destinada a regular a situação do empregado doméstico. Trata-se da Lei 5.859 de 11 de dezembro de 1972, regulada pelo Decreto nº 71. 885 de 9 de março de 1873. Esta lei até os dias de hoje é a que define especificamente a relação de emprego doméstico, tendo passado por determinadas alterações, com o objetivo de adequá-la a nova realidade constitucional vivida pelo país desde 1988, com a promulgação da chamada Constituição Cidadã.

Dentro deste quadro evolutivo das leis que regem a relação do trabalho doméstico é preciso afirmar que, embora com diversos avanços por força da nova realidade social e conceitual experimentada pelo Brasil, os trabalhadores domésticos ainda não alcançaram a efetividade de todos os direitos trabalhistas, permanecendo, ainda, uma categoria diferenciada dos demais trabalhadores. Prova disso é que a própria Constituição Federal, ao instituir os direitos fundamentais dos trabalhadores em seu artigo 7º, dedicou parágrafo único para enunciar quais dos seus trinta e quatro incisos poderiam ser aplicados aos domésticos, destinando destes apenas nove incisos, sobre os quais nos deteremos mais em momento oportuno deste estudo.


3. CONCEITO DE EMPREGADO DOMÉSTICO

Em nosso ordenamento jurídico a atividade de empregado doméstico vem regulamentada, como vimos acima, pela Lei nº 5. 859/72 a qual traz em seu artigo 1º o conceito definidor deste trabalhador. Assim, empregado doméstico é, nas palavras da lei, “... aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no ambiente residencial destas...”. A clareza definidora deste conceito é apenas aparente e guarda divergências de ordem conceitual e de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, que passaremos a analisar.

A mais comum divergência doutrinária a respeito do conceito extraído da Lei do Emprego Doméstico diz respeito a um problema semântico trazido no conceito legal de empregado doméstico. Com efeito, a lei fala na parte final do conceito acima referido que empregado doméstico é o que exerce suas atividades no ambiente residencial das famílias. Esta determinação do local de exercício da função do trabalhador doméstico é alvo de crítica pela doutrina. Isto porque, asseveram os doutrinadores, para uma correta definição do empregado doméstico deveria ter sido utilizada a expressão para o em lugar da contração da preposição em com o artigo o. Neste sentido temos a posição do já citado Serio Pinto Martins:

 “... se pode dizer incorreto quando o artigo 1º da Lei 5.859/72 de termina que o serviço deve ser prestado no âmbito residencial, pois o motorista nãompresta serviços no ambiente residencial, mas externamente para o ambiente residencial. Assim deve-se empregar a expressão para o ambiente residencial” (Martins, 2011 p. 148)

Da mesma forma temos o posicionamento de André Luiz Paes de Almeida:

“Devemos entender, portanto, que o empregado doméstico não precisa, necessariamente, prestar serviços no âmbito residencial, mas sim para o âmbito residencial.” (Almeida, 2008 p. 54)

De fato a técnica redacional da lei falhou. É preciso entender que dentro desta definição estão incluídos diversos ramos profissionais que a primeira vista aparentam não estar enquadrados no conceito clássico de empregado doméstico que temos por força da tradição (babás, cozinheiras, etc.). São empregados domésticos: os profissionais de enfermagem, que desenvolvam suas atividades no âmbito familiar; os motoristas de automóveis, que dirigem para a família; os jardineiros, que cuidam de pequena plantação, própria para o consumo da família, sem que haja sua comercialização, dentre outros que venham realizar suas atividades laborativas diretamente para a pessoa ou as famílias dentro residências, ou externamente (caso do jardineiro e dos motoristas), mas que não deixam, por isso, de estarem enquadrados na definição de domésticos.

 O detalhe importante para saber se um trabalhador é caracterizado como doméstico (além do ambiente familiar) é identificar se sua atividade gera produção de riqueza, ou seja, saber se com sua atividade seus empregadores terão algum tipo de lucro. Assim se uma trabalhadora é contratada para desenvolver atividades de culinária para determinada família, em seu âmbito familiar e para o consumo próprio da família, ela é empregada doméstica. Se, no entanto, com o desenvolvimento de sua atividade, seus empregadores a colocam para, além dos serviços caseiros, fazer comida, salgados, doces, com o intuito de comercializá-los, esta trabalhadora deixa de ser enquadrada na definição de doméstica e passa a ser considerada como Cozinheira, ou auxiliar de cozinha, passando a ter sua relação empregatícia regida pela CLT, como nos ensina o professor Renato Saraiva:

“Imaginemos a hipótese em que o trabalhador labora na residência do empregador, preparando refeições que irão ser comercializadas. Nesse caso, embora labore no ambiente residencial de seu empregador, está exercendo uma atividade lucrativa, econômica, sendo empregado regido pela CLT.” (Saraiva, 2011 p. 65)

  Mesmo que, com o tempo, seus empregadores resolvam abandonar o negócio, já não poderão mais considerar esta trabalhadora como doméstica, devendo prevalecer a regência celetista, dados os Princípios da Inalterabilidade do Contrato de Trabalho e da Condição mais Benéfica.

3.1. CONTINUIDADE E NÃO EVENTUALIDADE: UMA POLÊMICA SEMÂNTICA.

 Em seu conceito legal a Lei do Emprego Doméstico determina que uma das características desta relação trabalhista é a sua natureza “contínua”. Já o artigo 3º da CLT define como empregado “... toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador...”. Esta não eventualidade a que a lei celetista se refere é a habitualidade do serviço prestado pelo empregado a seu empregador. O problema da questão reside em saber se Continuidade e Habitualidade (ou não eventualidade, com preferem alguns) são sinônimos ou não. Se forem consideradas sinônimas então as diferenças entre o trabalhador doméstico e o trabalhador comum começam a desaparecer, perdendo sentido a distinção. Se não forem sinônimos, então as dicotomias apresentadas guardam semelhança com a realidade, justificando a distinção. Mas aí surge outro grande problema: a faxineira-diarista estabelece vínculo empregatício com seus contratantes? Sua atividade, ainda que não seja diária, mas que se reproduza no tempo possui continuidade e por isso deve ser enquadrada como empregada doméstica? Ou será que possui habitualidade e por isto deve ser enquadrada dentro das normas da CLT?

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Para responde a tais questões é necessário que passemos a conceituar os termos. O que é continuidade? Sérgio Ximenes em seu Minidicionário da língua Portuguesa define como sendo “qualidade de contínuo; sequência.” Seguindo nos dá a definição de Contínuo, que significa “ininterrupto; seguido”. Assim temos um vocábulo que transmite a ideia de algo que se propaga no tempo, que apresenta uma determinada repetição. Já a habitualidade, nos dirá o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (versão on line), é caráter ou qualidade de habitual. E aqui, voltando a Ximenes o linguista nos definirá habitual como algo “que se repete por hábito; comum, frequente”. Finalmente hábito nos é apresentado como uma “disposição para certo ato, adquirida por sua frequente repetição; Costume.” Vemos que em ambos os casos nos é passado uma sensação de repetição, de uma ação que se mantém, que não se interrompe.

Sendo assim como diferençar uma e outra expressão, se em seus significados filológicos se apresentam como a mesma coisa, transmitindo sensação semelhante? Esta questão é um ponto de alta divergência entre os doutrinadores na hora de definir se uma faxineira-diarista apresenta vínculo empregatício como doméstica ou não.

Neste ponto, diz Sérgio Pinto Martins:

“Não vejo como fazer a distinção entre continuidade, prevista no artigo 1º da Lei nº 5.859/72 para caracterizar o empregado doméstico, e não eventualidade, encontrada na definição de empregado do artigo 3º da CLT.” (Martins, 2011 p. 149)

O doutrinador chama a atenção para que a continuidade é um dos requisitos do contrato de trabalho, sendo esse contrato um acordo de trato sucessivo, de duração. Tanto importa se a faxineira comparece ao trabalho todos os dias, ou uma ou mais vezes por semana durante anos, pois em um e noutro caso inexistiria eventualidade, restando caracterizado o trabalho doméstico.

Posição semelhante é apresentada por André Luiz Paes de Almeida. Para este autor a atividade contínua do empregado doméstico se equipara à habitualidade prevista no referido artigo da CLT, o que gera uma expectativa de retorno do empregado a seu local de trabalho. O autor vai além afirmando a necessidade de revisão doutrinária e jurisprudencial do conceito de diarista, afirmando que para caracterizar o vínculo deve ser observado se o empregado vai ao trabalho em dias predeterminados pelo empregador, ainda que seja apenas um único dia na semana, o que sujeita a relação ao artigo 7º, parágrafo único da Constituição Federal. (Almeida, 2008 pp. 53-54)

Certamente o entendimento que mais chama a atenção neste caso é o de José Cairo Júnior. Para ele continuidade e não eventualidade (habitualidade) apresentam, sim, diferenciações. Chegará, mesmo a fazer distinção entre não eventualidade e habitualidade, senão vejamos:

“O elemento continuidade difere da não-eventualidade, tendo em vista que, no primeiro caso, exige-se o labor em todos os dias da semana (excetuando-se o repouso semanal remunerado), durante um lapso de tempo e com certa habitualidade.” (Júnior, 2011 p. 260)

Este mesmo autor seguirá adiante trazendo um conceito de continuidade até aqui diferente do que temos visto:

“A continuidade diz respeito à natureza da atividade doméstica realizada pelo obreiro. Assim, se o trabalhador executa serviços de natureza contínua, como cozinhar, lavar pratos, etc.,será empregado doméstico mesmo que trabalhe duas ou três vezes por semana. Caso contrário, se o serviço não tem caráter diário, como cortar grama, fazer faxina, etc., o trabalhador será considerado diarista” (Júnior, 2011 p. 261)

Frisa-se que toda esta polêmica é enfrentada devido a duas questões centrais:

1 – Definir se o trabalhador diarista está dentro do vínculo de emprego doméstico, ou não (e neste ponto a maioria dos autores acordam que se pode responder a esta questão pelo número de dias e subordinação que o empregado dispensa ao empregador)

2 – Estabelecer se existe de fato alguma diferença substancial no conceito de empregado estabelecido pela CLT, ao de empregado doméstico estabelecido pela legislação especial ( e neste caso, mesmo que se acorde que continuidade e habitualidade se referem ao mesmo conceito, restaria enfrentar a questão da atividade econômica do labor, enquanto geradora de lucro para o empregador).

O que interessa saber em descobrir se um trabalhador está ou não enquadrado na condição de doméstico, reside, justamente, nos seus direitos trabalhistas. Isto porque a nossa Constituição Federal, a própria Consolidação das Leis Trabalhistas, e legislações extravagantes, tratam de maneira diferenciada este trabalhador, não lhe sendo assegurados todos os direitos inerentes aos demais trabalhadores, como veremos a seguir.


4. OS DIREITOS TRABALHISTAS DO EMPREGADO DOMÉSTICO

No Brasil os direitos dos trabalhadores são tutelados por um conjunto de normas protetivas, aglutinadas na Consolidação das Leis do Trabalho, e encontram abrigo fundamental na previsão constitucional do artigo 7º da CF/88. No entanto, ainda hoje, estes direitos não foram todos efetivados à classe dos trabalhadores domésticos. A razão disso pode ser encontrada em definição da própria CLT, em seu artigo 7º ao considerar que os empregados domésticos “prestam serviço de natureza não econômica”, ao defini-los e determinar que seus preceitos não sejam a eles aplicados, salvo em caso expressamente determinado em contrário.

Trata-se, evidentemente, de compreensão atrasada, pela qual se entendia como trabalhadores aptos à proteção legal, apenas àqueles com vínculo empregatício formal junto à empresa. Por tal entendimento o trabalhador doméstico, não vinculado à empresa, pela própria natureza do serviço, encontrando-se fora da produção de riquezas do país, não deveria ser contemplado com os direitos protecionistas à “classe produtiva”.

Claro que tal entendimento, eivado pelo preconceito, encontra raízes históricas profundas, que nos remetem à época em que no Brasil havia o trabalho escravo. O próprio trabalhador doméstico em nossa nação encontra aí seu passado, nos chamados “negros de dentro”, ou seja, aqueles escravos que eram retirados dos trabalhos da lavoura e outros, para servir a seus donos nos serviços domésticos. Após a abolição da escravatura e sob uma forte égide de preconceito, imperou durante muito tempo a compreensão que a estes trabalhadores bastavam casa e comida, sendo muitas vezes até tratados como agregados “membros” da família, numa forma de tão somente esconder às características de trabalho escravo que ainda eram inatos a esta classe.

Com o tempo as legislações foram amadurecendo e os trabalhadores domésticos, foram aos poucos e ainda muito timidamente, alcançando “seu lugar ao Sol”. Na década de 70, sob o Regime de ditadura militar, foram editadas a Lei do Emprego Doméstico (5.859/72) e, um ano depois, o seu decreto regulamentador (DEC nº 71.885/73). Mas apenas com a constituição federal de 1988 os trabalhadores domésticos tiveram oportunidades reais de verem seus direitos efetivados. O Legislador Constituinte concedeu alguns destes direitos e outros foram incorporados à legislação específica, por meio de legislações posteriores.

Hoje o que se tem é que a luta pela efetivação dos direitos destes trabalhadores continua avançando, agora com um aliado importantíssimo. Em 2011 a OIT (Organização Internacional do Trabalho) organismo do qual o Brasil faz parte, aprovou na Convenção nº 189, a Recomendação de nº 201, para que todos os seus países-membros procedam com as devidas efetivações, garantindo a todos os trabalhadores domésticos, idênticos direitos ao demais trabalhadores.

4.1. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O TRABALHADOR DOMÉSTICO

A Constituição Federal de 1988 trata dos direitos sociais dos trabalhadores em seu artigo 7º. Neste artigo da Carta Magma estão assegurados em sede constituição os direitos inerentes à classe trabalhadora, tais como: garantia de Repouso Semanal Remunerado, Férias, Jornada de Trabalhado, pagamentos pelas horas extraordinárias, dentre outros, como o direito de sindicalização e de respeito às convenções coletivas.

O que chama a atenção neste artigo e vem sido há muito tempo discutido é o seu parágrafo único, que trata justamente dos direitos garantidos ao empregado doméstico. Observa-se que o Legislador Constituinte se preocupou em detalhar taxativamente quais seriam os direitos garantidos á esta classe de trabalhadores. Sendo assim lhe foram garantidos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI E XXIV, a saber, respectivamente: salário mínimo; irredutibilidade salarial; décimo terceiro salário; repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; férias remuneradas; licença à gestante; licença-paternidade; aviso prévio; aposentadoria. Ficam de fora deste rol importantes conquistas da classe trabalhadora, em geral, como por exemplo, o controle da Jornada de Trabalho e o pagamento por Horas extraordinárias, inscrição no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, dentre outros.

O Constituinte de 1988, na realidade, apesar de garantir alguns direitos, se limitou à reproduzir o ideário dominante de épocas anteriores, relegando à categoria de trabalhadores domésticos, uma situação de subemprego, na medida em que não reconheceu a plenitude de seus direitos. Isto em que pese ter sido a Constituição elaborada num clima de intensa mobilização popular, com o fim do período dos regimes militares de exceção de direitos, aonde foram ampliados, criados e garantidos diversos direitos fundamentais da sociedade a qual se pretendia criar.

4.2. A LEI DO EMPREGO DOMÉSTICO

Analisando a Lei do Emprego Doméstico percebemos ser um instrumento que visa a proteção dos dois lados da relação trabalhista doméstica. Garante ao empregador exigir um mínimo de segurança quando da contratação da mão de obra, como estabelece o artigo 2º, o qual determina que o empregado deva, necessariamente, apresentar, no momento de sua contratação: a) CTPS; b) Atestado de boa conduta; c) atestado de saúde, a critério do empregador.

Ao indicar como dever a obrigação de o empregado apresentar tais documentos, no momento de sua contratação, vê que o mesmo se dá para a segurança de toda a relação empregatícia, pois se serve à segurança dos empregadores em ter certeza de estarem contratando um profissional sério e saudável, que estará dentro de sua casa, tendo contatos com sua família, também serve, via de conexão, ao empregado para comprovar sua condição idônea de trabalhador honesto, competente e saudável. Percebe-se que a Lei não menciona Referências anteriores, embora seja comum sua exigência. Ao falar em atestado de boa conduta, trata-se de certidão emitida pela Secretaria de Segurança Pública, garantindo que contra a pessoa não pesa qualquer imputação criminal. Com relação ao Atestado de Saúde fica clara a opção de taxar tal requisito, posto que o trabalhador estará no ambiente domiciliar do empregador, muitas vezes tendo contato com idosos e crianças, que requerem cuidados sempre especiais. A obrigatoriedade de apresentação da Carteira de Trabalho, como sabemos, é uma garantia de via dupla, servindo tanto ao trabalhador, quanto ao empregador. Infelizmente ainda existem trabalhadores, principalmente mulheres que, por vergonha, deixam de entregar o documento e, com isso, muitos empregadores aproveitam a situação e deixam de realizar sua obrigação de fazer: assinar a CTPS e recolher o que devido ao INSS.

O artigo 2º-A da Lei traz, ainda, importante avanço para os empregados domésticos ao vedar que lhes sejam descontados gastos pelo fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, sendo que em caso deste último item a legislação permite que sejam descontadas as despesas, desde que haja expressado acordo entre as partes e a moradia seja local diverso da residência onde se presta serviço. A lógica aplicada é óbvia e segue preceito semelhante ao do chamado salário in natura para sua justificação. Se a utilidade é fornecida para o trabalho os itens não podem prejudicar o salário em hipótese alguma (e neste caso a moradia in loco do empregado doméstica se ajusta). Agora se a utilidade é fornecida pelo trabalho, então pode ser caracterizado até mesmo como adiantamento salarial para tal despesa. O que importa saber é que, em todo o caso, não ocorrerá os efeitos do salário in natura previsto na CLT, por expressa vedação à aplicação das normas consolidadas á esta categoria.

Como vimos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço não está previsto no rol taxativo constitucional. Ainda assim a Lei em análise faculta ao empregador promover a inscrição do trabalhador doméstico, por sua liberalidade, consoante prescreve no artigo 3º-A da referida lei. Em assim procedendo, de acordo com o artigo 6º-A, § 1º da Lei, o trabalhador inscrito fará jus ao benefício do seguro-desemprego, quando demitido sem justa causa, na forma determinada pela Lei nº 7.998/90, qual seja um salário mínimo por período máximo de três meses, de forma contínua ou alternada. Já o §2º do mesmo artigo 6º-A da Lei do Emprego Doméstico determina ser a justa causa considerada pelo rol do artigo 482 da CLT, trazendo exceções às alíneas c e g, bem como o parágrafo único, o que pode ser considerado até mesmo um contrassenso ao que dispõe a CLT e o Decreto nº 71. 885/73, ao determinarem que a estes trabalhadores apenas se aplique os dispositivos pertinentes às férias. 

Igualmente a Lei e o decreto em análise traz a inclusão desta categoria de trabalhadores aos benefícios e serviços da Lei Orgânica de Previdência Social (LOPS), na condição de segurados obrigatórios. Desta maneira o empregador fica responsável pelo recolhimento de 12% de sua parte como empregador e 8%, 9% e 11% da parte do empregado, varando de acordo com a remuneração de um até o limite de 3 salários mínimos, respectivamente. Descumprida sua obrigação de fazer recai sobre o empregador juro moratório de 1% ao mês e multa que pode variar de 10% a 50% do valor do débito.

Mas tudo isto ainda é muito pouco para assegurar aos trabalhadores domésticos uma condição efetivamente digna decorrente de seu labor. Por esta razão, após anos de discussão, a OIT aprovou, em 2011, a Recomendação para que os direitos dos tabeladores domésticos sejam efetivados em conformidade com as demais categorias, acabando com a distinção que os oprime. O Brasil é signatário deste acordo internacional, devendo proceder as devidas mudanças legais para que a Recomendação possa encontrar eco em nossa sociedade. No momento a discussão é pauta no Congresso Nacional.

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Sobre o autor
Toni Frank Britto Santos

Bacharel em Direito em Salvador (BA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Toni Frank Britto. A efetivação dos direitos trabalhistas do empregado doméstico . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3548, 19 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24003. Acesso em: 21 nov. 2024.

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