3. DUMPING SOCIAL NA ESFERA TRABALHISTA BRASILEIRA
3.1 Conceito
A expressão das práticas de Dumping surgiu, inicialmente, no Direito Comercial e é utilizada para definir a prática injustificada de comercialização de produtos e serviços abaixo do preço de custo com objetivo de eliminar a concorrência e conquistar o mercado.
Para o Direito Comercial, Dumping é uma prática comercial injusta considerada como infração econômica tipificada no art. 36, § 3º , XV da Lei nº 12.529/2011 que diz:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
[...]§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
[...]XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo;
[...] (BRASIL, 2011).
A comercialização de produtos ou serviços pelo preço abaixo de custo é considerada como crime contra a ordem econômica por desrespeitar o princípio da livre concorrência, que tem como objetivo impedir a concentração capitalista.
No entanto, urge ressaltar que não são todas as vendas realizadas por um preço abaixo do mercado que podem ser consideradas como Dumping, pois se faz necessário que o empresário tenha a intenção de conquistar o mercado através da eliminação da concorrência.
Se determinada empresa, por exemplo, faz liquidações e vende os produtos com preços abaixo do custo com o intuito de esvaziar os estoques antigos e adquirir novas mercadorias, não podemos classificar essas ações promocionais temporárias como dumping.
Através dessa prática comercial ilícita, as empresas buscam meios de reduzir o custo de produção para que a comercialização seja realizada por um preço muito inferior ao praticado por outras empresas que cumprem as suas obrigações legais.
O meio mais comum para se conquistar essa redução de custos é explorar os trabalhadores, submetendo-os à condições precárias de trabalho, com o pagamento de baixos salários e descumprimento dos direitos fundamentais do trabalhador. Essa exploração de mão de obra decorrente do dumping comercial configura-se como grave violação aos direitos sociais e, em virtude disso, surgiu a expressão dumping social.
Sobre o tema, Amauri Mascaro Nascimento (2011) entende que:
A figura do dumping social caracteriza-se pela prática da concorrência desleal, podendo causar prejuízos de ordem patrimonial ou imaterial à coletividade como um todo. No campo laboral, o dumping social caracteriza-se pela ocorrência de transgressão deliberada, consciente e reiterada dos direitos sociais dos trabalhadores, provocando danos não só aos interesses individuais, como também aos interesses metaindividuais, isto é, aqueles pertencentes a toda a sociedade, pois tais práticas visam favorecer as empresas que delas lançam mão, em acintoso desrespeito à ordem jurídica trabalhista, afrontando os princípios da livre concorrência e da busca do pleno emprego, em detrimento das empresas cumpridoras da lei. (NASCIMENTO, 2011).
Sobre o assunto, os profissionais do Direito do Trabalho do Brasil aprovaram o enunciado n. 4 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, organizada pela ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho),realizada nos dias 21 a 23 de novembro de 2007, no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, com o seguinte teor:
DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois como tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os arts. 652,d, e 832, § 1º, da CLT.
Como acima exposto, o dumping social pode ser conceituado como as constantes agressões ao Direito do Trabalho pela inobservância dos direitos mínimos dos trabalhadores com o intuito de obter vantagem econômica indevida. Trata-se de um tema que surgiu nas relações comerciais ou de consumo e que tem estreita relação com as características do capitalismo de produção.
Vive-se em uma sociedade capitalista, caracterizada pela busca incessante de diminuição dos custos de produção. Para isso, inúmeras empresas privam os trabalhadores dos seus direitos básicos, previstos na CLT e na constituição Federal, causando uma precarização nas condições de trabalho. O que mais assusta os doutrinadores é saber que o próprio Estado que, a priori, seria o agente responsável para evitar essas práticas ilegais, contribui com o desrespeito à legislação trabalhista, conduta essa bastante criticada por Jorge Luiz Solto Maior em sua obra “Dumping Social nas Relações de trabalho”:
Em muitas situações, assiste-se a participação do próprio Estado nesta exploração, utilizando-se de táticas de redução de custo: Contratação de pessoas sem concurso público, utilização da “terceirização” para prestação de serviços e licitações pelo menor custo para construção de obras. Com resultado, o Estado reduz seu custo, as empresas ganhadoras das licitações adquirem seus ganhos e os trabalhadores executam os seus serviços, mas não recebem, integralmente, seus direitos. As pontes, as ruas, as estradas, os túneis, são construídos à custa do sacrifício dos Direitos Sociais (MAIOR, 2012, p.23).
Os Direitos Sociais, no entanto, não podem ser reduzidos por uma questão de custo, uma vez que os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, no entendimento de Maurício Godinho Delgado (2012), são considerados como “normas de indisponibilidade absoluta”.
Compartilhando do mesmo entendimento, Jorge Luiz afirma que:
Não é por razão diversa que a Constituição de 1998 inicia seus artigos estabelecendo os fundamentos da República e, dentre eles, faz constar “os valores sociais de trabalho” e da livre iniciativa. [...] Os valores do trabalho são sociais na ordem constitucional vigente porque não interessam apenas a quem trabalha, importando a toda a sociedade, que se pretende saudável e justa. (Maior, 2012, p. 21).
Os direitos fundamentais são essenciais para garantir a dignidade do trabalhador, portanto, os mesmos não podem ser excluídos. O que pode ser estipulado, como forma de incentivo para as empresas contratarem mão de obra, é a flexibilização de algumas normas trabalhista, que será tratada a seguir.
3.2 Flexibilização das normas trabalhistas
Com o avanço da tecnologia, a mecanização foi um instrumento utilizado para a substituição da mão de obra operária e no auxílio da produção. Ocorre que a mecanização do trabalho humano causou um aumento significativo no número de desemprego, causando prejuízos para toda a sociedade. A internacionalização da economia também contribuiu para o aumento do desemprego, tendo-se em vista que muitas empresas mudaram a sua produção para países que oferecessem mão de obra farta e mais barata.
Diante do aumento da concorrência acirrada e da facilidade de adquirir mão de obra com menor custo em países onde há pouca proteção trabalhista, tornou-se necessário que muitos países flexibilizassem as suas normas trabalhistas como forma de garantir a permanência das empresas em seu território e garantir a empregabilidade da população.
Segundo Sergio Pinto Martins, diversas são as causas motivadoras da flexibilização, a saber:
As causas da flexibilização compreendem vários fatores: (a) desenvolvimento econômico; (b) globalização; (c) crises econômicas; (d) mudanças tecnológicas; (e) encargos sociais; (f) aumento do desemprego; (g) aspectos culturais; (h) economia informal; (i) aspectos sociológicos. (MARTINS, 2009, p.35).
A globalização enseja uma forma de amoldar o Direito do Trabalho às exigências do sistema econômico capitalista, considerando que a empresa é a principal fonte de criação de emprego. Dessa forma, alguns doutrinadores como Amauri Mascaro e Eneida Melo entendem que se faz necessária a implantação de um mecanismo de adaptação do direito à realidade econômica, a esse mecanismo dá-se o nome de flexibilização das normas trabalhistas. Os defensores dessa flexibilização aduzem que as normas de proteção ao trabalhador são economicamente consideradas “pesadas”, sendo considerada um dos fatores que mais encarecem o custo final de produção e que a negociação entre as partes contratantes, sem a intervenção do Estado, tornaria a relação trabalhista menos burocrática e, dessa forma, facilitaria a abertura de novos postos de trabalho e o aumento da contratação de mão de obra.
Sobre o assunto, Amauri Mascaro Nascimento entende que:
“Flexibilização do Direito do Trabalho” é uma expressão que corresponde à corrente de pensamento segundo a qual as necessidades de natureza econômica justificariam o abandono dos tradicionais direitos dos trabalhadores estruturados no bojo do ordenamento jurídico positivo. (NASCIMENTO, 2012 p.120).
No entanto, urge ressaltar que não são todas as normas de Direito que podem ser flexibilizadas, pois, por pior que seja a situação econômica de uma determinada região, há garantias sociais que não podem ser desconsideradas pelo fato dessas garantias terem sido constituídas aos longos dos anos e ter como objetivo garantir a dignidade mínima do trabalhador.
Nesse mesmo entendimento, Eneida Melo Correia de Araújo dispõe que:
Existe um conjunto de princípios, envolvidos por uma forte carga histórica, intangível, portanto, decorrente de luta dos povos pela liberdade e pela igualdade. Esses postulados ensejaram a construção de um sistema jurídico trabalhista dotado de normas com razoável caráter universal. A proteção à vida, à saúde, à integridade física, moral e psicológica do trabalhador; o direito ao trabalho e a um salário em patamares dignos; a garantia aos descansos semanal e anual; a proteção à maternidade e ao trabalho dos menores; o incentivo à qualificação profissional, entre outros direitos, revelam-se bens fundamentais, que não devem ser afastados da ordem jurídica positiva (ARAÚJO, 2003, p.125).
Após as explanações acima, verifica-se que existem dois tipos de normas trabalhistas: Uma de indisponibilidade absoluta e outra de indisponibilidade relativa. As normas de indisponibilidade absoluta são aquelas de interesse público, que visam garantir um patamar mínimo de dignidade do trabalhador e em virtude da sua essencialidade, não podem ser objeto de acordo entre empregado e empregador. Dentre as normas de indisponibilidade absoluta, pode-se citar a assinatura da CTPS e a medicina e segurança do trabalho.
Já as normas de indisponibilidade relativa são aquelas que não possuem caráter de essencialidade e, por isso, podem ser flexibilizadas. A própria Constituição Federal Brasileira, mais precisamente no art. 7º, admite algumas medidas de flexibilização das normas trabalhistas como a redução dos salários por convenção ou acordo coletivo do trabalho (inciso VI), compensação ou redução da jornada de trabalho mediante acordo ou convenção coletiva (inciso XIII), aumento da jornada de trabalho nos turnos ininterruptos de revezamento para mais de 6 horas diárias, através da negociação coletiva (inciso XIV).
Impende salientar que a flexibilização não se confunde com a desregulamentação das normas jurídicas trabalhistas. Partindo dessa premissa, Sergio Pinto Martins assinala que:
Desregulamentar significa desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulamentação o Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na desregulamentação a lei simplesmente deixa de existir. Na flexibilização, são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. A flexibilização é feita com a participação do sindicato. Em certos casos, porém, é permitida a negociação coletiva para modificar alguns direitos, como reduzir salários, reduzir e compensar jornada de trabalho, como ocorre nas crises econômicas (MARTINS, 2010, p.14).
Sabe-se que o trabalhador é a parte hipossuficiente da relação empregador X empregado, portanto merece atenção e proteção para que os seus direitos fundamentais não sejam excluídos. Por isso, uma eventual flexibilização das normas trabalhistas deve ser feita de forma muito criteriosa, com o auxílio e vigilância dos Sindicatos e do Poder Judiciário, de forma a evitar que essa medida seja utilizada pelo empregador de má-fé com o intuito de reduzir os direitos trabalhistas conquistados sem que haja nenhum benefício compensatório para o empregado.
Eneida Melo (2003) entende que diante da concorrência acirrada e dos desafios oriundos do processo de globalização, é necessário a aplicação do princípio da flexibilização das normas trabalhistas, desde que se garanta a eficácia dos direitos mínimos dos trabalhadores, os quais são intangíveis, não podendo sofrer nenhum tipo de supressão.
Ainda sobre o assunto, Eneida Melo afirma que:
Podemos, assim, afirmar que o aspecto da globalização, que enseja a flexibilização do direito, principalmente do Direito do Trabalho, não pode ser conciliado com a quebra dos direitos sociais, com o afastamento dos princípios construtores desse ramo e o desprezo ao conjunto de prescrições jurídicas de natureza protetora contidas no sistema. (ARAÚJO, 2003, p.129).
Os defensores desse método entendem que com a flexibilização das normas trabalhistas através dos acordos ou convenções coletivas é possível adaptar as normas trabalhistas à realidade econômica, facilitando a contratação de mão de obra. Esse método é importante principalmente durante as crises econômicas, onde os ajustes das condições trabalhistas são capazes de conter os problemas financeiros, evitando maiores prejuízos à economia interna como o fechamento de empresas e o aumento do desemprego.
No entanto, essa flexibilização só deve ser exercida de modo excepcional, diante de situações que justifiquem a diminuição dos direitos trabalhistas, como nos casos de crises econômicas, por exemplo, pois não faz sentido quando a empresa empregadora estiver bem estruturada, economicamente falando, se utilize desse benefício para diminuir os direitos trabalhistas apenas como forma de diminuir os seus custos e aumentar os seus lucros, pois, nesse caso, identifica-se a prática de dumping social.
Mas será que a flexibilização dos direitos trabalhistas realmente é capaz de conter a crise econômica e manter os trabalhadores em seus postos de trabalho? É justo que o proletariado “pague a conta” da crise financeira mundial? Sabe-se que no Brasil a carga tributária e para-fiscal é altíssima, o que muitas vezes contribui para o fechamento das empresas, principalmente as de pequeno porte. A legislação trabalhista tem como intuito garantir a proteção mínima do trabalhador, flexibilizar esse direito seria reduzir o que já é mínimo, chocando-se com o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.
A atitude mais correta para conter a crise econômica seria a redução dos impostos, que possuem uma carga tributária muito alta, e não reduzir os direitos, que já são mínimos, dos trabalhadores. O incentivo fiscal seria, de fato, o método mais correto para estabilizar a crise e menos prejudicial ao trabalhador.
3.3 Como identificar a prática do Dumping Social
Não é toda e qualquer agressão aos direitos trabalhistas que deve ser considerada dumping social.
Na prática, não é muito difícil identificar as empresas praticantes do dumping social, uma vez que no dia-a-dia das varas trabalhistas é muito comum que o nome de determinadas empresas sempre esteja estampado nas pautas diárias de audiências devido à grande quantidade de reclamações trabalhistas que as mesmas possuem.
Ao notar a grande quantidade de demandas judiciais contra a mesma empresa e sempre em razão do desrespeito reiterado à determinados direitos do trabalhador como a ausência de registro na Carteira de trabalho e previdência social, falta de pagamento de salários, horas extras, férias e gratificações natalinas, alguns doutrinadores entendem que configura-se a prática do dumping social, uma vez que, nesses casos, as reclamações trabalhistas não são eventuais e sim, rotineiras, conforme demonstra Jorge Luiz Solto Maior:
A Justiça do trabalho é pródiga em manter “clientes especiais”, que estão praticamente todos os dias nas salas de audiências, representadas por “prepostos oficiais”, contratados para a exclusiva tarefa de “montar” e acompanhar processos trabalhistas. São empresas que optam pelo não pagamento de horas extras, pelo pagamento de salário “por fora”, pela contratação de trabalhadores sem reconhecimento de vínculo de emprego ou mesmo por tolerar e incentivar condutas de flagrante assédio moral no ambiente de trabalho. (Maior, 2012, p. 9).
Com o notório intuito de obter vantagem econômica, as empresas praticantes do dumping social burlam a legislação trabalhista e eliminam os direitos fundamentais dos empregados. Não resta dúvida que o pagamento da mão-de-obra é um dos fatores que mais encarecem o custo final de produção e é justamente por isso que os empregadores aproveitam-se da hipossuficiência dos empregados para ditar as suas próprias normas.
A supressão desses direitos faz com que o custo de produção seja diminuído de uma forma bastante considerável, facilitando a introdução do produto no mercado de consumo com um preço mais atrativo se comparado com o preço das empresas que zelam a legislação trabalhista. Com o preço baixo fica mais fácil eliminar a concorrência e, consequentemente liderar o mercado. Acerca dessa concorrência desleal, Jorge Luiz Souto Maior dispõe que:
Constituem uma minoria dentre os empregadores e, por isso mesmo, perpetram uma concorrência desleal que não prejudica apenas os trabalhadores que contratam, mas também as empresas com as quais concorrem no mercado. Além disso, passam a funcionar como indesejável paradigma de impunidade, influenciando negativamente todos aqueles que respeitam ou pretendem respeitar a legislação trabalhista (Maior, 2012, p. 9).
Diariamente, inúmeros trabalhadores são lesados por empresas que praticam, de forma reiterada, condutas ilegais com o objetivo de auferir lucros cada vez maiores. Essas empresas utilizam-se dessas práticas abusivas aproveitando-se da lentidão processual e pela possibilidade de interposição de inúmeros recursos para se eximir de suas responsabilidades. Em virtude da morosidade processual e da impunidade do sistema jurídico brasileiro, diversos empregadores entendem como vantajoso suprimir os direitos trabalhistas já que essa é uma forma de obter lucro e uma eventual demanda processual levaria muito tempo para ser concluída.
Também se configura como Dumping Social, o fato das empresas transferirem a sua produção para localidades onde a proteção jurídica do trabalhador seja escassa. Visando a diminuição dos custos e o aumento dos lucros, inúmeras empresas transferem a sua produção para países onde há pouca proteção às relações trabalhistas.
Essa atitude ilícita é bastante eficaz na redução de despesas através da exploração da mão de obra operária, através de longas jornadas de trabalho ininterruptas, pagando baixos salários, sem efetuar o pagamento de horas extras, folgas remuneradas, férias, dentre outros direitos fundamentais do trabalhador.
O processo de globalização gerou grandes mudanças na esfera econômica e social, ocorre que nem todos os países evoluíram do mesmo modo e ao mesmo tempo, pois alguns países foram capazes de se desenvolver mais que outros. Diante disso, os países foram classificados em desenvolvidos e subdesenvolvidos, cada um com suas características econômicas, suas leis e modos de produção.
Nos países desenvolvidos, as pessoas geralmente possuem uma melhor capacidade financeira e mais estudos, portanto, a mão de obra por ser mais qualificada, torna-se, também, mais cara. Já nos países subdesenvolvidos a mão de obra, em sua grande maioria, é desqualificada, o que contribui para o seu baixo custo.
Com a internacionalização da economia, inúmeras empresas passaram a transferir as suas produções para os países subdesenvolvidos pelo fato dos mesmos ofertarem condições mais atrativas para que as empresas lá se instalem.
Diante da concorrência acirrada, grandes empresas, conhecidas mundialmente, transferiram suas produções para países de extrema pobreza, onde há, inclusive, exploração da mão de obra infantil. A respeito disso, Jorge Luiz Souto Maior, exemplifica:
A Nike vende tênis produzidos em países asiáticos, explorando mão de obra aviltada. Um levantamento feito junto a 4 mil trabalhadores de uma fábrica que serve a empresa na Indonésia, revelou que 56% queixaram-se de receber insultos verbais, 15,7% das mulheres reclamam de bolinas e 13,7% contam que sofrem coerção física em serviço. Outro levantamento feito no Vietnã mostrou que os trabalhadores ganham U$ 1,60 por dia e teriam que gastar U$ 2,10 para fazer três refeições diárias. Só podem usar o banheiro uma vez por dia e tomar água apenas duas vezes. Contam ainda que o descumprimento de normas, como o uso de uniforme, é púnico com corridas compulsórias. Em outros casos o trabalhador é obrigado a ficar de castigo ajoelhado.
[...] A mesma Nike, no ano de 2011 pagou ao atleta Michael Jordan a importância de U$ 30.000.000,00 ( trinta milhões de dólares) para participação em uma campanha publicitária, valor idêntico ao que gastou durante o ano todo com os seus 30.000 empregados no Vietnã, numa demonstração inequívoca da utilização do trabalho escrevo escravo. Tudo isso com as bênçãos do mercado (MAIOR, 2012, p. 31).
Muitas empresas alegam a dificuldade financeira para justificar o descumprimento da legislação trabalhista. No entanto, Como se pôde ver, não são apenas as pequenas empresas que se utilizam desses artifícios para burlar a lei e aumentar os seus lucros. A empresa acima citada, por exemplo, faturou US$ 549 milhões no trimestre de março a maio de 2012, batendo recorde de receita, segundo informações disponíveis no site UOL. Diante dessas informações, não há como justificar a necessidade que empresas de grande porte, que a cada ano batem recorde de faturamento, continuem desrespeitando, de forma deliberada, os direitos trabalhistas.
No dia 02.08.2012, vários sites, entre eles o site Globo, noticiaram que a empresa Magazine Luiza foi condenada pela Justiça do Trabalho da cidade de Franca- SP ao pagamento de indenização no valor de R$ 1,5 milhão por dano moral coletivo causado pela prática do dumping social.
A indenização deu-se porque a empresa já tinha recebido 87 autuações por desrespeitar os direitos trabalhistas, principalmente por submeter os funcionários ao cumprimento de carga horária excessiva. O Ministério Público do Trabalho já havia firmado dois TACs (Termo de Ajustamento de Conduta) em 1999 e 2003, onde a empresa ficou obrigada a registrar o ponto dos funcionários e não exigir o cumprimento de horas extras além do limite permitido em lei.
Ocorre que, mesmo após as 87 atuações, a empresa varejista insistiu em permanecer descumprindo a legislação trabalhista e, ainda assim, há 14 anos consecutivos é eleita como uma das melhores empresas do país para se trabalhar, segundo a avaliação do Instituto Great Place to work.
Como se pôde ver, apesar de não haver punição jurídica específica para esse fim, o Poder Judiciário tem se preocupado com essa exploração de mão de obra e, em muitas decisões já é possível verificar a condenação de empresas pela prática do dumping social.