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Os princípios da precaução e prevenção como fundamento para a inversão do ônus da prova no processo ambiental

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O CPC segue a teoria estática do ônus da prova, prevista em seu art. 333. Assim, cabe ao autor cabe comprovar os fatos constitutivos de seu direito, enquanto que, ao réu compete a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado. É o que a doutrina conceitua como “ônus da prova”.

Não obstante, há casos que é admitido conferir à parte adversa o encargo de provar os fatos, retirando da parte que invocou esse ônus. Tal hipótese é denominada “inversão do ônus da prova”, o que comprova a primeira hipótese levantada.

O CDC adota o instituto da inversão do ônus da prova como um dos meios de defesa do consumidor, estipulado pelo art. 6º, inciso VIII.

Não obstante a regra estar estipulada no CDC, entende-se que há possibilidade de inversão do ônus da prova também nos processos ambientais, em face da integração dos diplomas consumerista e civil público, que, em conjunto, formam o sistema processual civil coletivo (art. 21, LACP). Por tal razão, a segunda hipótese formulada restou negada.

Além do mais, há fundamento para a adoção desse mecanismo ante a vulnerabilidade do meio ambiente e da coletividade, em analogia a hipossuficiência do consumidor, bem como na aplicação do princípio da isonomia e a preponderância do bem coletivo e indisponível (meio ambiente ecologicamente equilibrado) sobre o interesse individual (mormente, o lucro). Trata-se, portanto, de instrumento processual adequado à complexidade do dano ambiental.

 A inversão do ônus da prova é uma presunção relativa em prol da coletividade, atribuindo ao suposto degradador o encargo de comprovar o não desenvolvimento de atividade de risco ou a falta de nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e o resultado prejudicial. Com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.049.822/RS, tem-se que o instituto também pode significar a imputação dos custos da produção da prova ao poluidor, já que a responsabilização deve compreender todos os custos para reparação da lesão (art. 225, § 3º, CRFB/88). Comprovada, pois, a terceira hipótese.

A aplicação do mecanismo da inversão do ônus da prova segue os mesmos requisitos exigidos no âmbito consumerista: hipossuficiência, ou verossimilhança da alegação. A hipossuficiência pode ser técnica, econômica, científica. Esta última é corroborada pelo princípio da precaução.

Na tutela do meio ambiente observa-se o princípio da precaução, o qual estabelece que, ante a insegurança científica acerca dos danos ambientais que podem ser ocasionados pela prática de certa atividade econômica, é necessária a adoção de medidas de precaução, a fim de minimizar os riscos derivados da atividade.

Por certo, a falta da certeza científica não pode servir de motivo para delongar as ações que visem impedir a degradação ambiental.

Deste modo, primeiramente, abordou-se acerca do meio ambiente e a sua efetividade pela jurisdição, em seguida, tratou-se acerca da prova dos danos ambientais: desafios e perspectivas. Por fim explanou-se sobre o tema central do presente artigo, os princípios da precaução e prevenção como fundamentos para inversão do ônus da prova em matéria ambiental, concluindo-se que a inversão do ônus da prova é regra nos processos ambientais por responsabilidade civil, onde o dano é concreto, conforme o princípio da prevenção.

Em um segundo momento, em razão do princípio da precaução, abrange-se o instituto: há a imposição da inversão do ônus da prova como regra de julgamento em benefício do meio ambiente, até mesmo quando houver incerteza científica acerca do dano, ainda na etapa precedente à instalação da atividade econômica, a fim de que o empreendedor comprove, desde o começo, que sua atividade não gerará danos ambientais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 46. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.  v. 1.


Notas

[1] Adiante denominada apenas como CRFB/88.

[2] Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Adiante denominada apenas como CDC.

[3] Adiante denominado apenas como CPC.

[4] Lei 7.347, de 24 de julho de 1985. Adiante denominada apenas como LACP.

[5]    “Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev.atual.amp.Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p.104 .

[6] STONOGA, Andreza Cristina. Tutela inibitória ambiental: a prevenção do ilícito. Curitiba: Juruá, 2006. p.  75

[7] ABELHA, Marcelo Rodrigues. Ação civil pública e meio ambiente. 3.ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 218.

[8] BRASIL. Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Política Nacional do Meio Ambiente. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm >. Acesso em 20 fev. 2012.

[9] BRASIL. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 20 fev. 2012.

[10] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 46. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.  v. 1. p. 472.

[11] BRASIL. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 20 fev. 2012.

[12] BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Código do Consumidor. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm >. Acesso em 20 fev. 2012.

[13] DELFMANN apud MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. pp. 823/824.

[14] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 824.

[15] CAMBI, Eduardo. A inversão do ônus da prova e tutela dos direitos transindividuais: Alcance exegético do art. 6º, VIII, do CDC. Revista de Direito Ambiental nº 21, ano 8 jul/set 2003.

[16] BRASIL. Lei 7.347 de 24 de julho de 1985. Ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347Compilada.htm>. Acesso em 20 fev. 2012.

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[17] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. pp. 1095/1096.

[18] CAPPELLI, Sílvia; BONATTO, Cláudio; TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. A necessidade de inversão do ônus da prova e a responsabilidade civil do poluidor degradador do meio ambiente. Porto Alegre, 9 p. Trabalho não publicado.

[19] PILATI, Luciana Cardoso. A inversão do ônus da prova na lei da ação civil pública ambiental. Fundamentos, requisitos e procedimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1786, 22 maio 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11294>. Acesso em: 21 fev. 2012.

[20] NERY JÚNIOR, Nelson; ROSA, Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagente em vigor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. p. 1049.

[21] BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edição Técnica, 2011.

[22] PILATI, Luciana Cardoso. A inversão do ônus da prova na lei da ação civil pública ambiental. Fundamentos, requisitos e procedimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1786, 22 maio 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11294>. Acesso em: 21 fev. 2012.

[23] ABELHA, Marcelo Rodrigues. Ação civil pública e meio ambiente. pp. 224/225.

[24] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. p. 1097.

[25] SAMPAIO, Francisco José Marques. Responsabilidade civil e reparação de danos ao meio ambiente. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 232.

[26] GRINOVER, Ada Pellegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 55.

[27] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 251

[28] ABELHA, Marcelo Rodrigues. Ação civil pública e meio ambiente. p. 227.

[29] ABELHA, Marcelo Rodrigues. Ação civil pública e meio ambiente. p. 226/227.

[30] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Empresa deve pagar por perícia em ação civil pública do MP por incêndio em vegetação nativa. Disponível em <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=92092>. Acesso em 21 abr. 2012.

[31] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.049.822/RS. Rel. Ministro Francisco Falcão, publicado em 18.05.2009. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 fev. 2012.

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Sobre os autores
Jaqueline Menon

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí do 8º período – UNIVALI, Itajaí, Santa Catarina

Zenildo Bodnar

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-Doutorado em Direito Ambiental na Universidade Federal de Santa Catarina) e na Universidade de Alicante (Espanha). Professor no Doutorado e Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí e Juiz Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENON, Jaqueline ; BODNAR, Zenildo. Os princípios da precaução e prevenção como fundamento para a inversão do ônus da prova no processo ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3553, 24 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24033. Acesso em: 23 abr. 2024.

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