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Regulamento disciplinar: ferramenta para a paz na escola

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07/04/2013 às 10:33
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O Regulamento Disciplinar é ferramenta necessária ao aprimoramento do ensino, da formação do educando, do bom funcionamento dos trabalhos escolares e do respeito mútuo entre os membros da comunidade, visando à obtenção do ambiente de diálogo e cidadania, indispensáveis ao objetivo de paz no ambiente escolar.

SITUAÇÃO DAS ESCOLAS

O clima é de geral preocupação com o ambiente deteriorado e desrespeitoso existente nas escolas do país - públicas e particulares. O bullying virou rotina. Furtos aumentam. Depredações se repetem. Invasões em finais de semana reservam vexatórias surpresas de dano e nojo na segunda-feira. As drogas comparecem amiúde. Armas são apreendidas. Mortes ocorreram. Alunos que não querem aprender destroem a paciência de todos. Alunos que desejam aprender toleram o ambiente com dificuldade. Todos aprendem abaixo do essencial.  É grande a evasão, só atenuada pelo advento das obrigações que levam ao Bolsa-Família. Famílias que jamais praticaram disciplina pretendem que a escola eduque seus filhos, mas não apoiam a escola, quando esta precisa exercer autoridade. Profissionais de educação adoecem. Os teóricos do sistema sempre os põem - injustamente - na condição de culpados. E muitos professores, nesse quadro, psicologicamente chutam o balde, tentando levar a aula “de agora” até ao desfecho em que tenham a felicidade – cada vez mais rara – de não serem agredidos de alguma forma. Há os que – em seu prejuízo financeiro – antecipam aposentadorias. Entristecidos, saem imerecidamente pela porta dos fundos da carreira onde ingressaram cheios de esperanças e sonhos. A resultante disso tudo: um país desesperado atrás de mão de obra qualificada, mas com baixíssimos índices de aproveitamento escolar, que não faz boa educação acadêmica porque há falta de educação social e emocional.


INICIATIVAS E SEU INSUCESSO

Frente ao quadro, pessoas de boa vontade se aliam a heroicas diretorias proativas (sim, elas existem!). Multiplicam-se palestras contra o bullying, as drogas, pró-disciplina, pela cultura de paz. Produzem alguns resultados. Mas são de fôlego curto, benefícios restritos. Após a intervenção antibullying reduz-se a mazela específica, mas o álcool ou a sexualidade precoce avançam. Da mesma forma, a intervenção antidrogas pode reduzir portes, índices ou expectativas de consumo de substâncias, mas nem sempre produz benefícios na área específica do comportamento social. Aliás, de passagem, diga-se que, ao contrário do que pode aparentar, o conhecimento aprofundado sobre drogas e seus efeitos nem sempre implica redução do consumo. Há registros exatamente do contrário, do estímulo pela informação. Assim com a sexualidade, etc, etc.

 Outro esforço notável é a ocupação do contraturno visando à almejada escola de horário integral. Mas a oferta de atividades diferenciadas nem sempre apoia o currículo ou o projeto pedagógico existente. Com ele, às vezes, compete. Não é raro o aluno que acha mais “bacana” o monitor do Mais Educação, na comparação com o professor do ensino regular. Opinião nem sempre construída sobre motivos corretos. Às vezes acontece de monitores ou voluntários trabalharem dissociados de uma visão de objetivo conjunto, diretriz de equipe, inclusive na questão disciplinar. Ou porque essa visão não existe, ou porque não é esclarecida e efetivamente praticada.


RESTITUIR AUTORIDADE À FAMILIA E À ESCOLA

Após 15 anos trabalhando na área de infância e juventude, aproveitado em Projetos de apoio à escola, por visão generosa dos magistrados que me comandaram, cheguei a uma conclusão central. À parte o necessário debate sobre modernização de métodos pedagógicos, como a “revolução” de Salman Khan e da sua Academia Khan, a Escola só pode ser restituída à relevância que precisa ter, com o ambiente de respeito e paz que lhe é indispensável, se antes for resgatada a autoridade das famílias e dos professores. Se o aluno for decididamente informado, sem meias palavras, sobre sua posição nesse esquema, que é a de alguém sujeito ao poder familiar. Poder familiar que, à luz do Código Civil, conforme seu Artigo 1.634-VII, determina aos pais que exijam (não tenhamos medo das palavras!) respeito, obediência e serviços dos seus filhos. Poder familiar que, no momento em que os filhos são deixados na escola, é cedido pelos pais à escola-guardiã-temporária. E, se assim é, deve a escola exercê-lo igualmente cobrando respeito, obediência e serviços!

 Apenas para os incautos impressionáveis, que eventualmente ainda não leram textos meus sobre o tema, e acharem muito assertivo o que foi dito, registro que educação consciente e efetiva e exercício de poder familiar consequente e produtivo – papéis de autoridade - incluem necessariamente afeto, respeito, diálogo e compreensão por parte do educador: pai ou professor. Sem mais, fecho parênteses.


RESOLVER A MÁ COMPREENSÃO DO ECA

Visão criminosamente equivocada do ECA tem massificado a errônea crença de que crianças e adolescentes tudo podem, que pais não podem disciplinar e que escolas não podem praticar autoridade. É mentira! Construção midiática que pretende dar gado cordato ao matadouro-mercado: jovens acríticos (na digitação errada, tinha saído “jovens acrílicos” que, pensando bem, não é tão má descrição), consumistas, sexistas e com cabeças de vento. Assassinato moral de gerações, assim melhor manipuláveis

 No Projeto Escola da Paz realizo palestras de esclarecimento para repor as coisas em ordem e trazer os reais valores do ECA. Em duas horas de minucioso e dinâmico trabalho de esclarecimento e motivação, cada uma das plateias (professores, pais e alunos, separadamente) recebe antídotos para os venenos da leitura equivocada do ECA. Um dos conceitos que defendo é o de que o ECA não é uma lei de direitos, mas sim uma lei de cidadania. Disso, fica mais fácil pais descobrirem que devem exercer autoridade, escolas acatarem que devem exercer disciplina e alunos aceitarem que, antes de pleitear ou afrontar - voos normais e necessários ao  desenvolvimento das asas juvenis -, devem obedecer. Entretanto, para chegar a essas conclusões é necessário desnudar com firmeza o sistema de manipulação de interesses por detrás da má compreensão do ECA. O adestramento nocivo promovido pelo mercado e pela mídia a fim de desossar as famílias, desautorizar a escola e idiotizar nossas crianças e adolescentes. Isso tem sido, nas escolas sinceramente engajadas, transformador.

 Só que, após o fim do Projeto, como ficam as coisas? O que acontece com a motivação que é gerada? Tenho deixado claro duas das principais necessidades para que a paz escolar seja sustentável. É preciso existir Regulamento Disciplinar e grupos de alunos organizados em associações e/ou grêmios.

 Como condição acessória, de mais difícil implementação, mas muito desejável,  associações de responsáveis legais, ou, quando menos, Encontros de Pais, independentes da regular e costumeira Reunião de Pais. Nestes encontros ou associações se poderia ter pauta diferenciada, ao estilo de grupos de ajuda mútua, em que seriam repartidas experiências, prestados esclarecimentos sobre questões centrais para melhor desenvolvimento da saúde relacional da família e da sua segurança afetiva e moral, tais como drogas, sexualidade, métodos de criação, etc.


ASSOCIAÇÕES DE ALUNOS

Quanto às associações, tenho cuidado de que os alunos interessados recebam treinamento, para que sejam lideranças positivas. Aprendem Técnica de Reunião e de Solução de Problemas, Direitos e Deveres à Luz do ECA, Técnicas de Oratória. Daí, partem para dentro das escolas onde praticam pequenas palestras com os colegas, que devem culminar com a criação das associações de alunos. Este esforço deve ser apoiado e acompanhado de perto pelas Direções de Escola, através da Coordenação Pedagógica ou outro setor designado para tal. O importante é permitir que os alunos se organizem. Não basta dizer a eles “não faça isso ou aquilo” apontando seus erros. Crianças e adolescentes precisam gastar energia. É importante complementar com “vocês podem fazer isso e aquilo”, que são acertos, ações positivas. Daí, a ideia das associações.

 Surgidas as associações, o desejável é que grupos de escolas participantes do Projeto, ou que estejam em mesmo empenho de criação de novo ambiente de convívio através das práticas aqui sugeridas, realizem intercâmbio de suas lideranças juvenis, para palestras de jovens para jovens, cuja força é incomparavelmente maior do que qualquer fala de um adulto. Disso podem surgir associações de alunos de um bairro, coletivos por cidade, e assim por diante, todos trocando experiências e fazendo surgir uma nova consciência de cidadania escolar que, naturalmente, se estenderá para as comunidades em que atuam.


REGULAMENTO DISCIPLINAR

Mas vamos ao Regulamento, motivo deste trabalho. Muitas Secretarias de Educação editam Regulamentos ou Regimentos Padrão. Muitas escolas têm Regulamentos próprios. Outras têm listas de “Combinados”. É saudável que exista essa preocupação. Mas por que nem sempre funciona? Por que a maioria dessas normas são ineficazes?

  Nos debates que travo em escolas, noto sempre a preocupação grande e central com o desregrado comportamento dos alunos. Quando falo em regulamento disciplinar, todas as ideias se voltam, unilateralmente, para regrar o comportamento dos adolescentes, elencar seus deveres e estabelecer sanções por descumprimento. Como se eles fossem os únicos e exclusivos culpados. Em  reuniões de pais, estes querem que os filhos sejam “chamados” aos seus deveres. A crítica mais comum ao ECA - “cadê os deveres?” - é sempre repetida. Coloco na conta da má compreensão do ECA, explico sobre a essência dos deveres, outra face da moeda da cidadania. Não raro vejo plateias surpreendidas quando elas próprias, sejam docentes, sejam pais, são “chamadas às falas” sobre seus próprios deveres, descumpridos, ou – quando cumpridos – esterilizados pela má compreensão da Lei. Nós, adultos, é que, negligenciando nosso dever de impor deveres, estabelecemos falso paraíso de direitos absolutos para crianças e adolescentes. Paraíso enganador, véspera de infernos.

 Inexistem direitos absolutos, como repete à exaustão o STF. Na verdade, mesmo os direitos precisam de ponderação entre si, como praticam diariamente nos fóruns os julgadores, eis que há direitos prioritários, direitos fundantes, e direitos derivados. Não existem direitos sem contrapartida de deveres. E, na verdade todos, na Comunidade Escolar, têm deveres. Mas todos têm também direitos. E aqui, inclusive, os alunos os têm.

 O ambiente não chegou a esse ponto por culpa exclusiva do aluno. De Marte, ele  não veio. A sociedade – nós todos! - é a primeira culpada, ao darmo-nos governos cuja inconsequência permitiu mídias emburrecedoras, adestradoras do caos. A pretexto de liberdade de expressão, permitimos a criação de cárceres de hedonismo juvenil: consumismo, drogas, sexismo precoce. Daí, a família, sem defesas, errou. Logo depois, errou a escola, manietada. Só então, o aluno, no erro adestrado, errante continua.

 Feita essa já longa introdução, estamos a bom caminho de apresentar a minuta que desenhei como proposta para base de debates nas escolas e secretarias. Mas ainda são indispensáveis alguns esclarecimentos.


ESCLARECIMENTOS, PRINCÍPIOS E QUESTÕES FORMAIS

ESCLARECIMENTOS

· ESCOLA É UM RELACIONAMENTO HUMANO – Antes de ser prédio, antes de ser conjunto de equipamentos, antes de ser um sistema, antes de ser uma organização, antes de qualquer coisa, a escola é um relacionamento humano. Pode acontecer debaixo de uma mangueira ou de um viaduto. Se há educando e educador, cada um consciente e estimulado ao seu papel, há escola. Hoje a crise é basicamente de relacionamento.

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·  FALTA DE EDUCAÇÃO, INDISCIPLINA E ATO INFRACIONAL – O ambiente anda tão conturbado que, frequentemente, percebemos remédios mal aplicados, soluções desastrosas, porque a diagnose da ocorrência ou incidente foi mal feita. Há comportamentos inaceitáveis no ambiente escolar. Mas eles precisam ser corretamente identificados. Podem ser classificados, basicamente, como mera falta de educação, ato de indisciplina e ato infracional. Falta de educação - É quando o aluno se comporta mal, simplesmente porque não tem noção do que é comportamento correto ou vida social respeitosa. Ao mal educado, educa-se, não se pune. Claro que ao aluno já reiteradamente alertado, que se mantém nos atos reprováveis de falta de educação, pode-se atribuir, na sequência, um ato de indisciplina. Porque a orientação recebida, que reprova o comportamento até então inocente, passa a ser aviso e determinação. E determinação da autoridade escolar descumprida é ato de indisciplina. Ato de indisciplina – É o descumprimento de uma regra posta no Regulamento Disciplinar. Precisa sanção ou Medida Educativa Disciplinar. Ato infracional – É o cometimento de um ilícito penal, descrito como crime ou contravenção no Código Penal. Sempre é uma indisciplina. Mas, independente das providências de apuração e disciplina escolar, este ato extrapola os limites da escola. Sua repressão ou correção passa a ser de interesse público, pelo que exige providências em esfera policial. Estas providências criarão as ferramentas para a pedagogia adequada, agora extra-muros da escola.


PRINCÍPIOS

·  PRINCÍPIO DA CIDADANIA ESCOLAR - DIREITOS E DEVERES – Um dos objetivos prescritos aos educadores, pais e Equipes Escolares, é o da preparação da criança e do adolescente para o exercício da cidadania. Por isso, o conceito de “Cidadania Escolar”, trabalhado no Projeto Escola da Paz. O Regulamento Disciplinar eficaz deve ser norteado por esse conceito, que corrige os mencionados erros de compreensão do ECA e esclarece os papeis de cada segmento na realidade da escola, lembrando a todos os integrantes da Comunidade Escolar que direitos e deveres caminham sempre de mãos dadas e em passo igual.

·  PRINCÍPIO DO RESPEITO PELA SALA DE AULA – Uma das mazelas pós-modernas é a perda do sentimento de sacralidade. O sagrado que reveste a vida, dá lugar a uma cultura que vê o outro, seja o diferente, o idoso, o feto, como alguém que pode ser descartado. A sacralidade da família, base da sua autoridade e liga mestra de seus laços, se esvaiu numa frouxidão gelatinosa, que produz famílias sem qualquer autoridade. A sacralidade dos templos religiosos também se foi, e não é incomum ver-se pessoas inadequadamente trajadas em serviços religiosos, ou consumindo alimentos em plena missa, ou praticando jogos ao celular no culto. Há muito a ser resgatado, com urgência, nessa área. Claro que não se pode retornar a uma atitude artificialmente reverencial e sombriamente passiva das salas de aula de tempos remotos. Mas, da mesma forma que um templo religioso é local de interdição de certos comportamentos, assim o é, em devida proporção, a sala de aula. Ou seja, professores e alunos precisam entender que – sem que isso implique em ambiente pesado, formal, ou cerceamento da espontaneidade, da pedagogia lúdica e da alegria do convívio – na sala de aula não se pode fazer tudo, vestir-se de qualquer maneira, falar qualquer coisa ou agir de formas antissociais, como se a aula fosse apenas um recreio menos desordenado.

· PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE DO ALUNO – Uma das grandes dificuldades no processo de ensino/aprendizagem se traduz na verdade profunda: “não adianta ensinar a quem não quer aprender”. É do aluno, o aprender. Depende de vontade. Não é ato receptáculo, de espectador passivo. É exercício ativo de captação e investigação do que é ensinado. Habilidade que não surge no aluno de forma espontânea, voluntária. Criança ou adolescente que é, está na escola porque foi obrigado. Ou se tem sincero prazer de lá estar, nem sempre assim acontece pelos motivos corretos. Ciente, portanto, de que educar é motivar, cabe à Equipe Escolar e à família o desenvolvimento do ambiente e dos métodos propícios a despertar, de dentro da obrigação que é virtuosa, o fascínio pela aventura da aprendizagem. Despertado, este fascínio gera amor por tudo que ajuda o aluno a alcançá-lo e, portanto, respeito ao Regulamento Disciplinar. O que nos leva ao princípio seguinte.

·  PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – Conforme o art. 227 da Constituição Federal, combinado com o art. 205 da Lei Maior e com o art. 2º da LDBE, sendo prioritários os direitos de crianças e adolescentes, e sendo a educação direito de todos, é também de todos – Estado, família, sociedade e aluno - o dever da sua prestação e garantia, e - portanto - também geral a necessidade da construção coletiva e da observância do Regulamento Disciplinar.

·  PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO – O Brasil, de milhões de regras e leis que se contorcem em cipoal espinhoso, conhece bem a expressão que dá conta das leis que não “pegam”. Uma das razões é a nossa democracia ainda rudimentar, de baixa participação popular, e muita política de gabinetes. Por isso, se queremos que um Regulamento Disciplinar “vingue”, “pegue”, seja aplicado, é necessário que a Comunidade Escolar o construa, debata, aprove, pratique e fiscalize. Por isso, não adianta dar “copiar/colar” e achar que isso muda o mundo. Não muda. É necessário debate, construção, convencimento, exercício democrático.

·  PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – Quem acompanhou a reflexão até agora deve ter notado a preeminência do princípio da legalidade. Ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo não exigido por lei. E, no consequente “princípio da reserva legal”: não pode ser crime aquilo que a lei anteriormente não definiu. Vem da área penal, mas se estende ao Direito Administrativo, vale, portanto, para regulamentos disciplinares. O regulamento, sem ser gigantesco, deve ser detalhado.


QUESTÕES FORMAIS

·   REGULAMENTO X REGIMENTO – Este trabalho tem foco específico. Por isso, resulta em sugestão de Regulamento Disciplinar. Regimento Escolar é documento mais amplo, estruturante da Unidade de Ensino, normatizador de seus princípios, organização administrativa, instâncias, funcionamento, papeis e perfil didático-pedagógico.  A questão disciplinar é apenas um dos seus capítulos.  Mas nada impede que onde trata de disciplina, direitos e deveres, adote propostas deste trabalho, ou que faça remissão à existência de Regulamento Disciplinar autônomo, que ao Regimento complementa.

· EQUIPE ESCOLAR – Nas palestras que faço à Equipe Escolar, peço a presença de diretores, orientadores, professores, e... inspetores, merendeiras, auxiliares-gerais. Porque, se está na escola como parte da equipe, educador é, apenas com função diferenciada. E enfrenta também seus dramas com a questão do ambiente difícil. Portanto, o Regulamento Disciplinar não pode esquecê-los, deve integrá-los como parte da equipe, educadores. Além disso, o espírito de equipe deve ser real, concreto, tudo se devendo fazer em prol da harmonia e do bom relacionamento do grupo, de maneira que as diretrizes – que devem ser construídas participativamente – sejam praticadas e defendidas por todos. Pais e alunos indisciplinados adoram equipes desunidas, pois sempre as podem manipular em prol do erro e da confusão.

· VEDAÇÕES - Deveres são ações que devem ser praticadas. Direitos são ações que podem ser praticadas. Mas há atos que são simplesmente inaceitáveis. Jamais podem ser praticados. São as vedações. Também delas o Regulamento deve tratar.

·   PROCEDIMENTO DISCIPLINAR – Um dos problemas quando se escreve uma lei ou regulamento é a possibilidade de abuso e arbítrio na sua execução, por deficiência de redação ou desleixo que deixa margem a interpretações equivocadas. Para que a sanção seja corretamente aplicada, deve existir no Regulamento um modelo de procedimento. Os passos a seguir para correta apuração de uma indisciplina e aplicação do corretivo adequado. Isso porque a Constituição, também na escola, deve prevalecer, garantidos o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

·  COMISSÃO DISCIPLINAR – Para ser consequente com a ideia de gestão participativa, a disciplina deve ser aplicada, em casos mais graves, por comissão na qual haja representantes de todos os segmentos da Comunidade Escolar, com preponderância necessária e lógica, entretanto, da equipe diretiva.

·  MEDIDA EDUCATIVA DISCIPLINAR E SANÇÕES - Mas qualquer regulamento é ineficaz se não trouxer as sanções por descumprimento, pois norma é preceito mais sanção. E essas sanções têm que fornecer o leque mais ampliado possível de opções, para que haja gradação e equilíbrio. O aluno precisa perceber que há proporção e senso de justiça no Regulamento e em sua aplicação. No caso do aluno, as sanções são aqui nominadas como “Medidas Educativas Disciplinares”. Não caiamos no erro já atribuído ao ECA, de achar que essa sugestão de nomenclatura indicará ausência de punição. Há punição, mas esta não tem caráter retributivo (“olho por olho, dente por dente”), não se quer a “vingança” da Comunidade Escolar contra o infrator. Quer-se sua educação e integração ao grupo. No caso dos adultos, Equipe Escolar e pais, estes respondem a leis próprias, penais ou administrativas, acima do Regulamento Disciplinar da Unidade de Ensino, e este apenas lhes fará remissão. Remissão somente, mas fundamental para que fique claro que adultos também merecem sanção quando infringem.

·  ATITUDES DE REPARAÇÃO – Sendo a escola um relacionamento humano, a indisciplina pode ter como conseqüência exatamente a ranhura que atravessa a paz dos convívios e afetos. Neste caso não basta a sanção ou Medida Educativa Disciplinar. É a tese do cristal quebrado. Pode-se remendar tudo com cola, mas a fissura lá estará, exposta. Por isso, a sadia purgação da culpa e a iniciativa do perdão podem muito. Um pedido de desculpas honesto, muitas vezes seguido de um ato de reparação consciente, pode trazer restauração do status quo afetivo anterior. Esta é uma tese da Justiça Restaurativa, prática adotada em alguns Tribunais de Justiça para mediação e resolução de conflitos. A técnica adotada põe frente a frente ofendido e ofensor, buscando dar chance de verbalização dos sentimentos do prejudicado pelo ilícito, pondo o ofensor, pela escuta ativa, no lugar do outro, sentindo ao menos parcela do que o outro sentiu. Catarse de um lado, empatia do outro. Frequentemente o pedido de perdão. Muitas vezes a concessão desse perdão. Esta prática regeneradora pode encontrar espaço no ambiente escolar. Mas - embora possa ser habilmente estimulada - deve ser absolutamente voluntária. No Regulamento Disciplinar aqui proposto há um segmento que busca oportunizar essa prática restaurativa, sob as formas de reparação moral e de reparação material.

·  MÉTODO PARA CONSTRUÇÃO DO REGULAMENTO – Como já disse, não adianta vir a este texto e ao regulamento sugerido e na magia do “copiar/colar” supor que algumas palavras mais ou menos bem arranjadas farão milagres na sua escola. Não. Existe uma lógica a ser construída, que é a que uso no Projeto Escola da Paz. Primeiro motive pais, alunos e professores, de forma segmentada, ao cumprimento de suas responsabilidades, resgatando a autoridade da escola e da família e o protagonismo dos alunos. Vá ao blog do Projeto Escola da Paz. Você vai achar textos que podem ajudá-lo, que reproduzem trechos das palestras que são realizadas nas escolas. Use quem de melhor você tiver para realizar as palestras ou atividades muito dinâmicas, efetivamente mobilizadoras. Não se esqueça que, mesmo que o palestrante ou dirigente da atividade seja outro, talvez com mais habilidade para essa tarefa específica, a Diretoria da Escola deve sempre estar no comando. Se equipe, pais e alunos não percebem o engajamento da Direção da Escola, tudo se perde. Daí, não desperdice a energia potencialmente gerada. Parta para motivar os alunos à organização de associação ou associações. E mobilize, então, a sua escola para a elaboração do Regulamento Disciplinar. Aproveite a sugestão que coroa este trabalho e siga os procedimentos sugeridos. Dá trabalho, mas pode ser revolucionário para a sua escola.

· ESTA É APENAS UMA SUGESTÃO - RESPONSABILIDADE DAS ESCOLAS E SECRETARIAS – Seria desnecessário dizer, mas sempre há surpresas desagradáveis em assuntos da espécie. Portanto, ESCLAREÇO que este documento é mera sugestão, por mim elaborada a partir de estudos, vivências e consulta a regulamentos, leis e normas relacionadas. O fato de ser funcionário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, particularmente de Vara da Infância e da Juventude, não dá a este documento caráter oficial, autoridade ou expressão maior. Justiça não faz consultoria. Só examina documentos dessa ordem no momento em que eles impõem ou compõem demanda levada a um juiz. Portanto, aproveite a sugestão, mas discuta-a com a sua equipe,  debata-a na Comunidade Escolar, leve-a à sua assessoria jurídica, sobe ela reflita, a modifique, adapte ao seu contexto e circunstância, e então assuma responsabilidade, como instituição, pelo que vai aplicar.

 Vamos à proposta.

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Sobre o autor
Denilson Cardoso de Araújo

Serventuário de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Escritor. Palestrante.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Denilson Cardoso. Regulamento disciplinar: ferramenta para a paz na escola. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3567, 7 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24097. Acesso em: 28 mar. 2024.

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