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O direito à creche

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14/08/2013 às 14:30
Leia nesta página:

A obrigação do município em fornecer o atendimento

A obrigação de fornecer vaga em creche pode e deve recair sobre os municípios, consoante se deflagra do artigo 211, § 2º da Constituição da República de 1988, senão, vejamos:

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

(...)

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

E a Constituição do Estado de São Paulo:

Art. 240 - Os Municípios responsabilizar-se-ão prioritariamente pelo ensino fundamental, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria, e pré-escolar, só podendo atuar nos níveis mais elevados quando a demanda naqueles níveis estiver plena e satisfatoriamente atendida, do ponto de vista qualitativo e quantitativo.

No mesmo sentido, a LDB:

Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:

(...)

V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Por fim, o ECA:

Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:

I - municipalização do atendimento;


Da competência para apreciar a demanda

O artigo 148, inciso IV do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece que:

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:

(...)

IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209.

O artigo 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por seu turno, dispõe que:

Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores.

Em contrapartida, o artigo 208, inciso III do Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza que:

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

(...)

II- de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.

Os dispositivos legais sequencialmente transcritos não deixam dúvidas: demanda judicial para proteção de interesse de crianças a frequentarem creches ou entidades equivalentes é de competência da Vara da Infância e Juventude. Nesse sentido, a jurisprudência:

INFÂNCIA E JUVENTUDE. COMPETÊNCIA. VARA ESPECIALIZADA. ENSINO. MATRÍCULA. AÇÃO MANDAMENTAL. É DA VARA DA INFÂNCIA JUVENTUDE A COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO MANDAMENTAL PROPOSTA COM FUNDAMENTO NO ART. 212, § 2º, DA LEI 8.069/1990 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE) PARA ASSEGURAR O DIREITO DE MENORES À REMATRÍCULA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO. (STJ, Resp nº 135695/MG, Min. Rel. Ruy Rosado De Aguiar).

PROCESSO CIVIL - COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - LEI N. 8.069/90 – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. Ação civil pública que busca o exame de diplomas locais, sob o aspecto legal, mas que se assenta em interesses regulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. Aplicabilidade do art. 148, IV da Lei n. 8.069/90. 3. Recurso conhecido e provido (STJ, Resp 47.104/PR, Min. Rel. Eliana Calmon, j. 02.05.2000).

Do posicionamento prevalecente nas Cortes Brasileiras não discrepa o Tribunal de Justiça de São Paulo, com entendimento jurisprudencial sumulado:

Súmula 68: Compete ao Juízo da Infância e da Juventude julgar as causas em que se discutem direitos fundamentais de crianças ou adolescentes, ainda que pessoa jurídica de direito público figure no polo passivo da demanda.


Conclusão

Deste modo, por todos os dispositivos legais e jurisprudências transcritas no corpo deste artigo, temos que o direito à creche é universal e gratuito a todo cidadão que desejar utilizar este equipamento. Em caso de recusa do Poder Público, perfeitamente cabível a judicialização da demanda.

Importante salientar que, embora todas as crianças que se encontrem na faixa etária de 0 a 06 anos tenham direito a vaga em creche, isso não significa que tenham direito à assistência jurídica gratuita, que é destinada àqueles comprovadamente pobres. E este alerta se justifica na medida em que diariamente famílias de classe média procuram a Defensoria Pública do Estado para ingressarem com ações desta natureza.

Quanto aos argumentos favoráveis à tese que defendemos ao longo deste artigo, os municípios sempre tentam se escorar na reserva do possível e em questões orçamentárias, todavia como muito bem fundamentado pelo Pretório Excelso, este argumento deve ser rechaçado, sob pena de tornar letra morta o texto constitucional.

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Sobre o autor
Rafael de Souza Miranda

Defensor Público do Estado de São Paulo. Membro do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Coordenador Regional da Escola da Defensoria Pública – Regional Mogi das Cruzes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Rafael Souza. O direito à creche. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3696, 14 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24112. Acesso em: 2 nov. 2024.

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