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A proteção dos direitos fundamentais dos animais no contexto da prática dos rodeios no Brasil

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3 ANÁLISE DA JURIDICIDADE DOS RODEIOS NO BRASIL NO CONTEXTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ANIMAIS

3.1 A Declaração Universal dos Direitos dos Animais

A Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi editada pela UNESCO, em 27 de janeiro de 1978 na cidade de Bruxelas na Bélgica, levando ao mundo a visão dos animais como sujeitos de direitos. O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais.

Ressalta-se que a Declaração, em termos normativos, é extremamente avançada, principalmente para é época em foi editada, pois expressa a nível mundial a necessidade de uma compreensão diferente acerca dos animais, no sentido de entendermos que eles sentem dor, possuem sentimentos, honra e dignidade.

A Declaração traz em seu texto preceitos notáveis como os previstos nos artigos abaixo:

Art. 1º - Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.

Art. 2º. 1. Todo o animal tem o direito a ser respeitado.

2. O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos a serviço dos animais.

3. Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

Art. 3º 1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.

2. Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia. (...)

Art. 6º. 1. Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. 2. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

Art. 7º Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.

Art. 8º. 1. A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.

2. As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.

Art. 13º.1. O animal morto deve de ser tratado com respeito.

2. As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal.

Art. 12º. 1. Todo o ato que implique a morte de um grande número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie.

2. A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.

Art. 14º. 1. Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível governamental.

2. Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.[49]

Tais normas apresentadas acima se mostram sensatas e de uma aplicabilidade possível e até necessária no mundo em que vivemos, contudo, algumas disposições trazidas pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais se revelam inaplicáveis, desprendidas, totalmente alheias a uma realidade presente ou futura, uma vez que não levam em consideração as peculiaridades que integram a prática da cada prova do rodeio profissional. essas se mostram nos seguintes artigos:

Art. 4º. 1. Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir.

2. Toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.

Art. 5º. 1. Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie.

2. Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.

Art. 9º. Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.

Art. 10º. 1. Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem.

2. As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

Art. 11º. Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida.

Já no artigo 4° da Declaração, nos vemos diante de um preceito de difícil e até inviável aplicabilidade, pois a proibição da privação da liberdade em todas as suas formas é absurda, mesmo porque o avanço das técnicas de medicina veterinária e humana, de cura e tratamento de enfermidades animais só foi e é possível pela privação destes. Não seria possível coletar materiais, observar resultados, experimentar novos medicamentos e acompanhar os resultados se fosse, de fato, proibida a privação da liberdade de todo e qualquer animal.

Da mesma forma não seria possível a coleta de veneno de serpentes para a produção de soro antiofídico, uma vez que são animais selvagens e é indispensável a privação da liberdade desses répteis para tal procedimento.

Liberdade pode ser interpretada de muitas formas, um elefante que antes vivia na savana africana e agora vive em uma pequena reserva, de certa forma teve sua liberdade tolhida, mesmo porque esses mamíferos, quando realmente vivem em liberdade, caminham dezenas de quilômetros por dia, sendo que os parques e reservas ecológicos onde esses proboscídeos vivem “livres”, em geral, não tem tamanho superior a um hectare, ou seja 10.000 metros quadrados. Portanto, os elefantes que vivem em reservas ecológicas, de certa forma também estão sendo privados de sua liberdade.

Também de acordo com o artigo 4° os zoológicos seriam inviáveis, pois nestes estabelecimentos indispensável é a privação da liberdade dos animais para que estes sejam apreciados pelos visitantes.

No mesmo norte, o artigo 5° da Declaração, também se revela incoerente com a realidade, pois os animais que compartilham do meio ambiente do homem não vivem de acordo com sua respectiva espécie, uma vez que o simples fato de fornecer ração aos animais retira o caráter natural de seu crescimento e de suas condições de vida.

A exterminação de pragas é outro exemplo de que o artigo 5° é absolutamente inaplicável, pois ratos, besouros, pulgas, lagartas, moscas e outros similares, são animais e tem seu ciclo de vida interrompido por questões mercantis. Como deixar que uma lavoura inteira seja devorada por lagartas, simplesmente pelo fato de ser este seu ambiente natural? Seria plausível que um pomar se perdesse pela ação da mosca da fruta (Drosophila melanogaster[50]) pelo motivo de que este inseto não poderia ser exterminado? Se não é aceitável sacrificar a natureza de um animal, também não se pode admitir sacrificar a nossa natureza. Ora, há que ser ter equilíbrio na interação homem-animal, até mesmo para fins mercantis.

O artigo 9° da Declaração Universal dos Direitos dos animais, à primeira vista parece-nos aceitável, contudo, diante uma minuciosa análise se revela inaplicável. Primeiramente destaca-se que o termo “morto” utilizado na citada norma é absolutamente inapropriado, pois animais utilizados para alimentação são abatidos.

Um animal criado para alimentação, por mais que seja bem alojado e alimentado, no transporte ele sofrerá estresse, a não ser que seja um animal acostumado a ser transportado, o que acontece com os animais de rodeio por exemplo, que não sofrem tanto estresse e ansiedade no transporte porque aquele ambiente já lhes é familiar.

O abate de um animal dispensa comentários no que diz respeito à estresse e ansiedade. Atualmente no Brasil ainda são utilizadas técnicas de abate cruéis, que não atendem às regras de manejo e bem-estar. Galináceos e suínos são abatidos diariamente nos quintais das fazendas e casas sem a menor preocupação com bem-estar desses animais.

O 10° artigo da Declaração Universal dos Direitos dos Animais traz o comando de que nenhum animal deverá ser utilizado para divertimento do homem, neste sentido estariam proibidas quaisquer atividades com animais que não tivessem como finalidade o trabalho. Esta regra levaria à absurda proibição das cavalgadas que são praticadas com intuito exclusivamente recreativo. Da mesma forma os zoológicos seriam proibidos, assim como a criação de animais de estimação como cães, gatos, pequenos roedores, peixes ornamentais e outras espécies que vem sendo criadas em ambientes domésticos com o objetivo de entretenimento e diversão. No mesmo sentido todas as práticas esportivas que envolvem animais como esportes equestres, rodeios, pesca esportiva entre outros, estariam proibidas.

A utilização de animais para divertimento do homem deveria ser vedada no limite que esta atividade possa ser cruel ao animal e não de forma indiscriminada, sem parâmetros, fazendo com que a convivência entre homem e animal aproxime-se do impossível.

O artigo 11 da Declaração nos traz a regra de que a morte de um animal sem necessidade é um crime contra a vida, um biocídio. Assim, matar uma barata que entra na cozinha de nossas casas seria um crime contra a vida, uma vez que poderíamos pacificamente colocá-la para fora. É certo que a morte de um animal sem necessidade se revela um ato cruel, mas há que se ter uma análise do contexto de um ato dessa natureza, pois uma norma de caráter geral e indiscriminado como se mostra o artigo 11, nos colocaria constantemente no lugar de criminosos.

Apesar da Declaração Universal dos Direitos dos Animais revelar-se consideravelmente inaplicável, haja vista seu caráter genérico e alheio à realidade do mundo em que vivemos, este documento internacional foi a base e incentivo para muitos países estabelecerem normas internas que tratassem dos direitos dos animais.

Tal declaração foi recepcionada pela Constituição de 1988, contudo se mostra no cenário jurídico brasileiro apenas como diretriz do direito ambiental, não tendo aplicabilidade, porém, as organizações de proteção aos direitos dos animais, bem como autores que se posicionam contra os rodeios embasam suas teses e ideais no texto da Declaração Universal dos Direitos dos Animais mas deixam de aplicá-la em tantas outras áreas e atividades que se mostram mais necessárias, como no caso da pesca, da caça, da criação de animais para produção de alimento e outros tantos exemplos que já foram citados.

3.2 Proteção jurídica dos animais sob a ótica do Direito Ambiental Brasileiro

3.2.1 Natureza jurídica dos animais e a concepção antropocêntrica da sociedade brasileira: os animais à serviço do homem

A ideia do homem como centro de todas as coisas surgiu com Sócrates (479-399 a.C), colocando o ser humano acima de todas as outras criaturas e voltado para si mesmo, assim ensina Luisiana Lima de Medeiros[51]:

Sócrates dá ensejo ao antropocentrismo após o Século V a.C., com a máxima “conhece-te a ti mesmo”. No mesmo caminho e aperfeiçoando a idéia germinada pelos socráticos, Aristóteles acreditava na superioridade do homem porque este tem o dom das palavras. Então, neste momento da história, o animal passa a ser visto como escravo do homem. Surge, então, o racionalismo de Descartes (1596–1650), com a máxima “penso, logo existo”, reduzindo o homem à sua própria mente. Segregando o homem da natureza e dos demais seres humanos, o racionalismo dá ensejo à vivissecção, que se difundiu pela Europa rapidamente.

Com passar dos anos a ideologia antropocentrista se difundiu pelo mundo justificando muitas práticas cruéis contra os animais, contudo, atualmente o meio ambiente como um todo, foi e ainda é assunto principal nas pesquisas jurídicas, isso se deve à imediata necessidade de proteção à fauna e à flora sob o risco da própria espécie humana perecer por falta de recursos naturais. E neste sentido antropocêntrico, muitos operadores do direito interpretam a Constituição de 1988, a qual ainda assim, é considerada uma das mais avançadas do mundo em matéria ambiental, como comenta Édis Milaré, que a Constituição Federal de 1988 é

[...] marco histórico de inegável valor, dado que as Constituições que precederam a de 1988 jamais se preocuparam da proteção do meio ambiente de forma específica e global. Nelas sequer uma vez foi empregada a expressão ‘meio ambiente’, a revelar total despreocupação com o próprio espaço em que vivemos [...][52]

Apesar da Constituição de 88 ter sido pioneira a elevar a matéria ambiental à nível de Lei maior do Estado Brasileiro, a visão antropocêntrica ainda permanece na interpretação do texto constitucional, retirando, de certa forma, a importância do meio ambiente no contexto jurídico nacional, sendo a vida humana objetivo final da tutela estatal ao meio ambiente. Fiorillo adota este entendimento do homem como centro de todas as coisas, assim ensina:

Dessa forma, a vida que não seja humana só poderá ser tutelada pelo direito ambiental na medida que sua existência implique garantia da sadia qualidade de vida do homem, uma vez que numa sociedade organizada este é destinatário de toda e qualquer norma. (...) Na verdade o direito ambiental possui uma necessária visão antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem cabendo a este a preservação das espécies, incluindo a sua própria. Do contrário, qual será o grau de valoração, senão for a humana eu determina, v.g., que animais podem ser caçados, em que época se pode fazê-lo, onde etc.? (...) Parece-nos inaceitável aludida concepção, porquanto devamos considerar a proteção da natureza como um objetivo decretado pelo homem exatamente em beneficio exclusivo seu. Do contrário, estaríamos desenvolvendo um raciocínio no sentido de que nossa Constituição, de maneira inédita estendido o direito ambiental a todas as formas de vida.[53]

Em contraponto a esta visão surgiu o biocentrismo, dogma que entende a vida como centro de todas as coisas e pela qual o direito deve existir para tutelá-la em todas as suas formas. A idéia biocentrista nasce da concepção de que a vida no planeta deve existir por si e não em virtude exclusiva da sobrevivência da espécie humana. Nesta direção leciona Antunes

Provavelmente, a principal ruptura que o Direito Ambiental cause na ordem jurídica tradicional seja com o antropocentrismo tradicional. Com efeito, toda a doutrina jurídica tem por base o sujeito de direito. Com o direito Ambiental ocorre uma transformação do próprio sujeito de direito, pois mediante a utilização de um vasto sistema de presunções e de atribuição de personalidade jurídica e processual a coletividades, associações e reconhecimento de algum status jurídico a animais e ecossistemas, tem sido possível a defesa de formas de vida não humana. As normas de Direito Ambiental, nacionais e internacionais, cada vez mais, vêm reconhecendo direitos próprios da natureza, independentemente do valor que esta possa ter para o ser humano. [54]

Os recursos naturais em geral (fauna e flora) são ainda considerados pelo direito como coisas, objetos apropriáveis, haja vista ser o homem destinatário da norma ambiental, contudo atualmente não comporta esse entendimento fechado e absolutamente antropocêntrico da legislação ambiental.

Uma das principais preocupações mundiais atualmente é a degradação da natureza e por isso é clara a face do meio ambiente como objeto de tutela jurídica sem ter o homem como alvo principal. Por outro lado, não defende-se nesta pesquisa a visão biocêntrica pura e simples, mesmo porque, da mesma forma que a natureza não pode existir em função da raça humana, o homem também não pode pautar sua existência na preservação incondicional do meio ambiente, pois também depende de seus recursos para viver.

Os animais como sujeitos de direitos no mesmo patamar jurídico no qual nos encontramos não parece ser uma idéia razoável, pois seria inaplicável a muitos animais uma gama de normas e desse modo, excluiríamos certas espécies da tutela estatal começando a criar um ciclo discriminatório no direito dos animais, pois quando se fala em animais como sujeitos de direitos pensa-se logo nos animais domésticos, como cães, gatos, bovinos, equinos entre outros, mas esquecemos os répteis, os anelídeos como as minhocas, roedores como os ratos, insetos como as baratas e moscas e outros tantos que certamente ficariam excluídos dessa proteção jurídica. A ter um patamar de direitos com vício de discriminação, é preferível não tê-lo.

Adriano Marteleto Godinho e Helena Telino Neves Godinho assim entendem:

Há que se tutelar de forma efetiva os animais sem cair na famigerada e inadequada tentação de personalizá-los. Se considerarmos as diferenças entre os animais, a personalidade não poderia ser concedida da mesma maneira a todos eles. Parece difícil admiti-la, pois, com efeitos tão limitados a certas espécies. Não há como valorar juridicamente seres vivos em função de sua complexibilidade biológica, pois preceitos que não consideram o interesse de todos os animais também configurariam uma hipótese de discriminação. Com isso, o mesmo “especismo” apontado pelos defensores dos supostos direitos dos animais se repetiria entre eles, uma vez que proclamaríamos uma nova classificação jurídica, a discernir entre os animais personalizados e os animais despersonalizados. A extrema dificuldade para encontrar critérios biológicos e jurídicos precisos para enquadrar os animais numa ou noutra categoria revela a incongruência da ideia. A “promoção” dos animais à categoria de pessoas não é necessária para que seus defensores atinjam o objetivo visado, qual seja: a sua efetiva tutela. Tal medida seria inócua. Excetuando-se a proteção da vida e da integridade física, que pode ocorrer independentemente da atribuição de personalidade aos animais, não há, repita-se, que se falar em direitos ao nome, à imagem, à honra, à privacidade, à intimidade do animal, direitos estes incompatíveis com a sua essência. Não há como lhes conferir estes e outros direitos, tão pouco lhes atribuir obrigações. Ontologicamente, o animal não permite a atribuição de personalidade.(...) O Direito deve evoluir sem perder a consciência da interdependência entre as espécies, abandonando se a idéia de coisa como sendo algo totalmente submetido à vontade humana. Poderia ser entendido como direito dos animais o conjunto de regras jurídicas destinadas à sua tutela. Sendo o animal objeto de transações, poderia, sem se negar sua natureza, deixá-lo figurar no direito das coisas, mas com a criação de uma nova categoria específica: sua classificação comportaria as coisas móveis, as imóveis e as sensíveis (os animais). [55](grifo nosso)

Portanto conclui-se que há uma mútua dependência entre meio ambiente e a raça humana, dessa forma é razoável a idéia de que um existe à serviço do outro, reciprocamente.

Diante o acima exposto, mostra-se mais equilibrada a idéia de que os animais estão a serviço do homem, sendo que este em contrapartida é responsável pelo bem bem-estar e integridade física e psicológica daqueles, não comportando neste contexto os maus-tratos e crueldade com a justificativa de que os animais estão a serviço da raça humana e são subordinados a ela.

Nesse sentido, a prática do rodeio profissional se mostra legítima uma vez que os animais utilizados neste esporte prestam um serviço ao homem, sendo que este preserva o bem-estar e a saúde física e psicológica daqueles, disponibilizando água, alimento, abrigo e assistência especializada.

3.2.2 Compreensão crítico-constitucionalizada dos Direitos Fundamen tais dos Animais

3.2.2.1 proposições teóricas ao entendimento do conceito de crueldade como instrumento de violação dos Direitos dos Animais

O legislador ao construir o inciso VII do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal de 88 não estabeleceu quais seriam os parâmetros ou o conceito de crueldade, deixando para o operador do direito essa interpretação.

Contudo, faz-se necessário esclarecer que o conceito de crueldade parece variar de acordo com a atividade desenvolvida com animais. Isso porque para o rodeio, o conceito de crueldade utilizado é sempre mais inflexível, mais rígido, porém os operadores do direito, bem como as instituições de defesa dos animais, deveriam entender o conceito de crueldade de forma equânime.

Como podemos julgar como cruel a montaria em um touro de rodeio, utilizando-se a corda americana e o sedém e não ter essa mesma visão de um cão amarrado em um coleira ou em uma corrente. Considerando ainda que o touro permanece com tais apetrechos em tempo não superior a 15 minutos, enquanto que o cão pode permanecer assim por dias, ou muitos passam assim por toda a vida.

As mesmas pessoas que consideram o rodeio uma prática cruel não deveriam ingerir nem utilizar produtos de origem animal, pois a produção animal, bem como outras atividades do cotidiano que os envolvem, diferentes do rodeio, se revelam cruéis.

Uma vaca leiteira de alta produção passa grande parte de sua vida sobre um piso úmido e tendo contato próximo com o ser humano nos momentos da ordenha, a qual é realizada três vezes ao dia, o que lhe causa grande estresse. Neste sentido se manifestam Danielle Azevêdo[56] e René Souza de Araújo[57]:

Ao contrário do que muitos imaginam, os bovinos estão, sim, sujeitos ao estresse psicológico. Este tipo de estresse – psicológico – está relacionado basicamente ao medo, seja de outros animais de seu próprio grupo, seja do homem (tratador) ou medo de qualquer situação nova que o animal possa perceber. É importante que o produtor considere que qualquer situação estressante para o animal pode alterar o bem-estar e consequentemente, reduzir a produtividade final de seu sistema.

Em criação de bovinos leiteiros, onde os animais são criados em espaços restritos, as interações entre animais e entre estes e o homem são exacerbadas, e, portanto, diversas situações estressantes podem ser vividas em um único dia.[58]

No mesmo sentido entende o médico veterinário Marcos Veiga Santos:

Situações de estresse são comuns em vacas leiteiras e têm sérios efeitos negativos sobra a sua saúde, produtividade e conforto.(...) De uma maneira simplificada, os dois principais sistemas fisiológicos que respondem ao estresse são: o sistema nervoso simpático e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Além disso, as vacas respondem ao estresse agudo por meio de mudanças no comportamento, como vocalizar (berrar), defecar e urinar. Quando as vacas são submetidas a uma situação de estresse prolongado (crônico), a resposta desencadeada causa gasto de energia e limita as demais funções fisiológicas como o crescimento, a reprodução e a resposta imune. Em termos práticos, significa que nas situações de estresse a resposta imune não é adequada e, portanto a susceptibilidade a ocorrência de doenças é maior. Um exemplo bastante comum do efeito deletério do estresse em vacas leiteiras ocorre durante a ordenha. (grifo nosso).[59]

As vacas de alta produção leiteira recebem alimentação riquíssima em proteína, fato que desenvolve patologias podais que ocasionam dor e extremo desconforto a esses animais, aos quais este tipo de situação é infelizmente habitual, considerando a alimentação que recebem.

Deolinda Silva, Médica Veterinária do laboratório Pfizer Saúde Animal, assim ensina:

Do grupo das doenças não infecciosas, a mais frequente é a laminite, sendo mesmo a doença podal com maior incidência nas explorações (pode afectar até 75% dos animais em situações graves). A laminite predispõe ao aparecimento de úlceras da sola e doença da linha branca, porque fragiliza o casco (formação de unhas mais moles). Podemos classificar a laminite como aguda ou crónica, clínica ou sub-clínica. A laminite aguda tem 1 aparecimento súbito, afecta, em norma mais do que 1 membro. Os membros afectados encontram-se 'inchados', avermelhados e quentes ao tacto. Quando não se resolve, evolui para crónica e podem ocorrer deformações do casco, rotação da 3ª falange, levando a um apoio incorrecto do membro no chão. (fig. 6) Estas lesões crónicas dificilmente têm recuperação.

A laminite clínica é facilmente identificada porque o animal manifesta sinais de 'manqueira', pata 'inchada', etc. (fig. 6) A laminite sub-clínica dificilmente é identificada pela observação visual do animal. Caracteriza-se por lesões no córion (sabugo), muitas vezes só identificadas quando se faz o corte funcional dos cascos (ex. existência de hemorragias e zonas mais moles) (fig. 7). A principal consequência deste tipo de laminites, é o amolecimento dos cascos, predispondo a úlceras e à perfuração do casco por corpos estranhos e podem desenvolver-se infecções posteriores (ex. abcessos). (fig. 7)

A ocorrência de laminites está relacionada com desequilíbrios alimentares que conduzem a acidoses ruminais. Como exemplos temos: dietas ricas em hidratos de carbono e pobres em fibra, mudanças bruscas de alimentação (alimentação da secagem para a de produção), excesso de proteína total da dieta. A condição corporal também é um factor importante, vacas gordas têm menos apetência para forragens, comem mais concentrado, logo têm um risco aumentado para acidoses ruminais. Por outro lado, vacas muito magras, estão mais carenciadas, o tecido duro do casco é de fraca qualidade, predispondo-as a patologias podais.[60] (grifo nosso).

No que diz respeito às galinhas na avicultura de postura, atividade que mais uma vez se mostra cruel pois, antes de serem colocadas nas gaiolas esses animais são submetidos a um processo denominado debicagem, que é a amputação de parte do bico da ave de forma que não fique pontiagudo, contudo esta técnica é altamente dolorosa.

Sobre a debicagem ensina Diego Augusto da Silva Moreira:

A debicagem é uma das principais praticas de manejos da avicultura, mesmo ainda não estando padronizado. Essa pratica varia de criador para criador, possuindo orientação e manuais de criação buscando melhor desempenho. Quando ocorre uma debicagem com erros, afeta diretamente todo processo de desenvolvimento da ave, consequentemente sua produtividade terá uma queda tendo em vista diminuir sua viabilidade econômica, mas se realizada corretamente não afetara em nada na produção da ave, assim não interfere mesmo em nada em seu ciclo de produção. A debicagem pode ser dividida em leve, média e severa, assim tendo sua influência diferente nas aves de acordo com sua classificação. (...) A debicagem é a amputação parcial do bico da ave; um processo de corte e cauterização; tem por seu objetivo melhorar o desempenho produtivo e conversão alimentar, manter a uniformidade do lote em padrões técnicos aceitáveis, prevenir o canibalismo e a quebra de ovos. Segundo DUNCAN (1989) o comportamento das aves mudam durante há primeira semana após a debicagem devido à dor severa que a pratica proporciona, porém em um máximo de cinco semanas o ritmo apresenta uma volta ao normal.[61] (grifo nosso).

Realizada a debicagem, as galinhas são criadas em até 10 animais por metro quadrado, o que sem sobra de duvidas gera um enorme desconforto e estresse para esses animais que mal podem se locomover. Assim são as recomendações para a criação de galinhas poedeiras:

O produtor de aves deve saber que, ao completarem sete semanas de idade, as galinhas devem ser transferidas para o galpão de recria. O importante nessa fase é diminuir a densidade populacional para no máximo 10 aves por metro quadrado, pois, caso contrário, poderão surgir situações indesejáveis para o pecuarista.[62](grifo nosso)

A avicultura de corte se realiza em uma atividade cruel sem margem para dúvidas, uma vez que já no processo de seleção de gêneros (macho e fêmea), os pintinhos com alguma deformidade, por menor que seja, são considerados refugos, e como tais, são jogados em um recipiente próprio e destinados à compostagem. “Na chegada dos pintos, além de efetuar-se a contagem dos pintos existentes nas caixas, deve-se separar aqueles que apresentam pernas retorcidas, cabeças e olhos defeituosos, bicos cruzados e aspecto de inviabilidade de sobrevivência (refugo).”[63] De acordo com o site da EMBRAPA Suíno e Aves, após esta seleção, “as aves refugo ou machucadas devem ser sacrificadas e destinadas à compostagem.”[64]

Os frangos selecionados são colocados em galpões, no quais atualmente a densidade populacional é de 18 a 22 aves por metro quadrado segundo informações do site da UFV (Universidade Federal de Viçosa)[65]. Dessa forma esses animais são privados até do simples movimento de seus membros.

O abate de animais para a produção de carne dispensa comentários acerca das técnicas cruéis ainda utilizadas, contudo merece destaque a produção de peixes, pois se mostra uma das técnicas mais cruéis de abate animal considerando que após ser retirado vivo da água, o pescado agoniza pela falta de ar nas células ate morrer por asfixia. Neste sentido as informações retiradas do site da USP (Universidade Federal de São Paulo):

Embora o peixe seja descrito como uma carne de consumo no Brasil, não há regulamentação para os métodos de abate destes animais como existe para as carnes bovina e de aves.(...) O estudo Avaliação de métodos de abate sobre a qualidade da carne de matrinxã (Brycon cephalus) armazenados em gelo, orientado pela professora Elisabete Maria Macedo Viegas, analisou três métodos: morte por choque térmico (com água e gelo), asfixia por saturação de gás carbônico, e choque elétrico. Não foi observada diferença significativa na qualidade da carne entre os métodos, mas constatou-se que o choque elétr.ico é mais rápido e causa menor sofrimento ao animal (morte em dois segundos, enquanto o choque térmico matou em 6,21 minutos e a asfixia em 14 minutos). [66](grifo nosso).

Assim também demonstra Sheyla Cristina Vargas em sua tese de mestrado:

Os animais abatidos por asfixia por CO2 na água levaram 14 minutos para deixarem de apresentar sinais de movimento e durante todo este tempo apresentavam batimentos de fuga e “boquejavam” na superfície da água. Depois deste período alguns animais voltavam a apresentar atividade muscular vigorosa, movimentação de opérculo e movimentação ocular quando retirados da água para avaliação destes comportamentos, que só cessaram completamente aos 32 minutos de exposição ao CO2.[67] (grifo nosso).

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Os zoológicos da mesma forma se mostram outra crueldade com os animais. Por mais que sejam bem tratados, o ambiente no qual passam toda a vida não lhes é natural. São confinados em pequenos espaços que diferem e muito do ambiente selvagem no qual nasceram ou possuem instinto para viver. Um elefante que, em liberdade na savana, caminha dezenas de Km por dia fica limitados à poucos metros. Os felinos que possuem instinto de caça ficam privados de externar essa aptidão inata. Ainda, animais originários da América do norte e Europa, regiões onde naturalmente as temperaturas são muito baixas, são trazidos para o Brasil país de clima tropical, onde a temperatura média é quase insuportável para eles.

Estes poucos exemplos demonstram que animais que vivem em zoológicos sofrem crueldade, principalmente psicológica e além, o desconforto físico.

Neste sentido ensina Joseth Filomena de Jesus Souza.

Os animais alojados em zoológicos podem ter diversas origens tais como: apreensão por órgãos ambientais devido a situações ilegais (por exemplo, tráfico e maus tratos em circos), nascimento no próprio zoológico, captura na natureza, transferência entre zoológicos e, em casos excepcionais, entregas voluntárias da sociedade. Independente da sua procedência todos eles apresentam necessidades de expressar comportamento típico de sua espécie. Entretanto, devido principalmente aos tipos de recintos utilizados, isso nem sempre é possível. Extremamente comum, o estresse pode ser facilmente observado e percebido nos animais de zoológicos de todo o mundo. Isso ocorre porque estes animais, uma vez em cativeiro, são submetidos a um ambiente artificial, onde na maior parte das vezes não conseguem suprir o mínimo de suas necessidades fisiológicas, psíquicas e comportamentais (BOSSO, 2008). O estresse pode ser entendido como o conjunto de reações fisiológicas que sendo exacerbada e prolongada pode resultar em desequilíbrio na homeostase, freqüentemente com efeitos danosos e possivelmente irreversíveis (FERREIRA, 2008). (...) Os principais sinais clínicos causados por estresse são anorexia ou hiporexia, apatia, emagrecimento, imunodeficiência, úlceras gastrointestinais (CUBAS 2007). Além desses sinais, pode haver também: agressividade excessiva, tentativas contínuas de fuga - o animal se debate contra grades ou telas, às vezes ferindo-se gravemente até a morte, coprofagia, autoflagelações, arrancamento de pêlos ou penas, tentativas constantes de cópula, ausência de comportamento de corte, por parte dos machos, e de aceitação do acasalamento pelas fêmeas, infanticídio e/ou canibalismo de filhotes, após o parto (CAPELETTO, 2002).[68] (grifo nosso).

Por outro lado o rodeio, onde os animais recebem alimentação balanceada, assistência veterinária permanente, e ficam soltos em pastos antes e depois das provas, ambiente que lhes é próprio.

Cerca de uma hora antes do início das provas os animais são acondicionados nos currais de manejo, para que possam ser colocados na ordem de entrada para a arena. Posteriormente são levados aos bretes onde recebem os apetrechos necessários para a montaria com os quais estes animais não permanecem tempo superior a 15 (quinze) minutos e finalmente são soltos na pista com o peão sobre seu dorso por um tempo que pode variar de 08 a 40 segundos dependendo da prova realizada. E após a realização das montarias estes animais são novamente levados aos pastos ou fazendas.

No que diz respeito aos touros de rodeio, somente os melhores são montados mais de uma vez no mesmo evento, portanto, após uma montaria os demais ficam soltos no pasto até o dia do embarque para outra localidade.

Neste sentido demonstra Angélica Nunes Lopes Cruvinel em artigo intitulado “Direitos dos animais e a ausência de maus-tratos em touros de rodeios”[69] ao apresentar trechos de entrevistas com os profissionais que realizam as provas de rodeio:

Entre os entrevistados Henrique Duarte Prata, tropeiro relatou que: É apenas imaginar como é feito o preparo de um atleta para ir a uma competição, os animais comem uma ração hiper balanceada de proteínas, vivem em seu hábitat natural que é no campo, tem um condicionamento psicológico eles vêm para os rodeios para se adaptar com o barulho, com o som. [...] tem uma fase de adaptação, tem uma fase de preparo, tem a fase de condicionamento físico pra depois eles virem para os rodeios. Quando eles chegam ao rodeio é como um atleta que chega no dia da competição, ele está apto a pular oito segundos ou até mais, no mínimo são oito segundos para eles explodir todo o potencial que ele tem, porque o prazer deles é pular (PRATA, 2010).

Posição confirmada por Esnar Ribeiro, comentarista:Antes existe uma preparação que já começa na fazenda do proprietário, que os animais têm um descanso, faz um rodízio, enfim o animal foi escolhido para vir para o rodeio ele chega na terça- feira é levado para um pasto tem todo um trabalho com ração, água diária, porque o animal chega ele quer saber onde ele está então ele começa a vistoriar tudo, isso é um trabalho que os tropeiros têm muita preocupação [...] no rodeio o animal aprende, ele sabe que ali em oito segundos ele vai trabalhar e depois ficar o dia inteiro descansando, comendo. [...] o processo dele chegar ao rodeio fica em cerca de duas horas eles ficam esperando ali atrás nos currais esperando a vez dele. Se você comparar isso com um animal em quaisquer outras circunstâncias esses animais leva uma vantagem pelos outros. (RIBEIRO, 2010).

O transporte é realizado de forma segura e de maneira a evitar ao máximo o estresse, pois esses animais precisam chegar aos eventos íntegros fisicamente, e um descontrole psicológico pode fazer com que os animais briguem entre si causando lesões que impossibilitariam a participação no evento.

Sebastião Procópio Ribeiro, juiz de rodeio completa que: Os tropeiros têm toda uma preocupação com horários do transporte para que os animais não peguem muito sol, eles nunca enchem o caminhão tem que ser sempre folgado para eles ficarem mais tranquilos e não correr o risco de um pisar no outro que esteja deitado, são caminhões preparados para carregar esse tipo de animal (RIBEIRO, 2010).[70]

Na realização do evento há juízes de pista e de brete, os quais avaliarão as condições físicas do animal antes e depois da prova e caso constatem que o animal está lesionado, por menor que seja a lesão, este animal é proibido de entrar na pista, ou se a lesão ocorrer na montaria, esta será desclassificada.

Da mesma forma são fiscalizados os apetrechos utilizados na montaria, os quais se estiverem fora dos padrões são proibidos de serem utilizados.

Portanto, considerando todas as condições expostas acima, conclui-se que o conceito de crueldade é conveniente a quem o interpreta, pois se fosse equânime a todas as atividades que envolvem animais, o rodeio claramente seria uma atividade de promoção do bem-estar e saúde animal formalmente, porque na prática já o é.

3.3 A proteção jurídica dos direitos dos animais especificamente em cada prova do rodeio

O rodeio profissional compreende cinco provas, sendo elas a montaria em touros, a montaria em cavalos, três tambores, laço de bezerro (individual/dupla) e bulldog. Contudo, na grande maioria dos principais rodeios realizados atualmente no Brasil, apenas admite-se as três primeiras modalidades, sendo as demais praticadas em menor escala.

Como já exposto, os animais que participam do rodeio recebem alimentação balanceada, assistência veterinária constante, zelo e cuidado nos períodos anteriores e posteriores às provas, bem como a preocupação com o conforto no transporte, tendo neste contexto, seus Direitos Fundamentais resguardados. Porém, de acordo com o entendimento acerca do conceito de crueldade tratado neste trabalho, nem todas as provas que integram o rodeio profissional isentam os animais de sofrimento.

Todos os animais que participam do rodeio profissional (com exceção dos bezerros que integram as provas de laço e bulldog) recebem treinamento baseado em técnicas específicas para cada modalidade, sendo que tal treinamento não gera maus-tratos aos animais.

Faz-se importante esclarecer as reais diferenças entre adestramento e treinamento.

O adestramento tem como objetivo principal a obediência, a submissão do animal ao homem, restringindo a liberdade daquele de forma agressiva e gerando a obrigação de um comportamento muitas vezes atípico da espécie. O site pet rede explica o método de adestramento para cães:

O adestramento garante um cão mais obediente e feliz por conseguir entender o dono. Para o adestrador Wanderley da Silva, o ideal é que o cão comece a ser adestrado enquanto é filhote, de preferência a partir dos 5 meses. Wanderlei, na área há 20 anos, diz que, no começo do treinamento, são passados os comandos básicos de obediência. “Eles entendem o significado da palavra ‘não’ e aprendem a sentar, deitar, dar a pata e andar com a guia junto ao dono. Esse treinamento básico dura de 3 a 6 meses, dependendo do cão”, disse o adestrador[71]. (grifo nosso).

Como exposto acima, os animais domésticos acabam por reproduzirem movimentos anormais para a espécie, característica das apresentações de animais em circos. Diferente do treinamento, o adestramento leva a um comportamento previsível, a movimentos esperados, muitas vezes condicionados pela dor e pelo medo da reprimenda, e desta forma, o adestramento se realiza em um método cruel para com os animais. Daniela Cristina Bertolucci esclarece o método utilizado no adestramento:

Os Circos adestram os animais pelo condicionamento através da dor. (...) Método usado nos circos que é o condicionamento do animal com violência física, são dados vários golpes com instrumentos contundentes, chibatadas e sovelas elétricas. A memória da dor faz com que os animais executem o seu número, de acordo com a exigência do domador[72].

Por outro lado, o treinamento utiliza-se de técnicas específicas da modalidade esportiva para estimular características próprias dos animais selecionados para o rodeio. Não há maus-tratos porque não há a obrigação de realizar uma atividade que seja atípica. Um animal selecionado para o rodeio já tem uma pré-disposição genética para o esporte.

No que diz respeito ao treinamento dos cavalos que participam das provas funcionais (três tambores, laço e bulldog), o médico veterinário André Galvão Cintra esclarece:

O treinamento de cavalos para esporte é específico para cada esporte e deve ser delegado a profissionais especializados. Alguns cuidados gerais devem ser tomados para que se possa alcançar a melhor performance e grande longevidade (o cavalo compete até idade mais avançada). A base do treinamento deve ser buscar potencializar as características genéticas do animal, além, é claro, da preocupação com o esporte a ser competido. Isto é, para cavalos de explosão, como puro sangue inglês e quarto de milha, o trabalho deve ser feito priorizando-se as fibras de contração rápida, que utilizam principalmente glicose como fonte energética, sendo um trabalho principalmente anaeróbico. Desta forma, o treinamento destes animais deve ser intenso, porém por um curto espaço de tempo, e não por duas a três horas diárias. Ao se trabalhar estes animais por um longo tempo diariamente, começa-se a priorizar a utilização de uma fonte energética, como lipídeos, que não será disponível na competição, assim como estimulará as fibras lentas, não utilizadas em trabalho de explosão. Da mesma forma ocorre com os animais que trabalham por mais tempo, onde o treinamento deve ser condizente com o tipo de trabalho a ser executado[73]. (grifo nosso).

Ainda sobre o treinamento de equinos para o esporte, a Vetnil, empresa reconhecida no mercado veterinário brasileiro, assim se pronunciou:

Cavalos são predestinados a serem atletas. Seus organismos são maravilhas da evolução, com gigantesco potencial de desenvolvimento de velocidade, resistência, força e explosão muscular. Basta lembrar que sua freqüência cardíaca em repouso fica em torno de 40 batimentos por minuto (BPM), e que num cavalo de corrida bem treinado ela pode passar de 220 BPM – mais de cinco vezes o valor de repouso. Isto é como se um corredor humano conseguisse passar de 80 BPM em repouso a 400 enquanto competindo. O mesmo vale para os pulmões do cavalo, que utilizam apenas uma pequena fração de sua capacidade total no animal parado, com 8 a 12 movimentos respiratórios por minuto (MPM), porém passando facilmente a 100 MPM quando necessário. (...) Tudo isso se alia à existência de uma estrutura muscular onde três tipos de fibras atuam em conjunto: as de contração rápida, de metabolismo anaeróbico, utilizadoras do glicogênio muscular, e que agem nas atividades de velocidade explosiva, tais como prova de tambores, e também em movimentos rápidos, como nos saltos. As fibras de contração lenta têm metabolismo aeróbico e atuam nos esforços lentos, repetidos e prolongados, sendo as mais importantes para os animais de passeio e trabalho, e também no enduro. Já as fibras mistas convertem em energia tanto o glicogênio estocado quanto o oxigênio da respiração, e são utilizadas em todo tipo de esforço. (...) além do condicionamento físico, o pleno aproveitamento da capacidade do cavalo atleta depende de um programa de treinamento técnico voltado tanto à modalidade em foco, quanto às características de cada indivíduo, valorizando seus pontos fortes ao mesmo tempo em que procura compensar suas deficiências relativas[74]. (grifo nosso).

Para os animais de pulo, o treinamento também é realizado para estimular as características do animal, uma vez que não é qualquer touro ou equídeo que está apto para participar do rodeio. Segundo o entendimento da médica veterinária Patrícia Benassi Fagundes o treinamento de touros de rodeio se dá da seguinte maneira:

Para se formar um touro de pulo não basta escolher um touro qualquer e treiná-lo com vários peões montando-o. Hoje a “conversa” é outra. Com o avanço da tecnologia, os criadores estão optando primeiro pelo melhoramento genético dos animais para depois formarem os touros de pulo. Eles estão, por exemplo, cruzando filhos de touros renomados com filhas de outros astros das montarias para produzirem possíveis touros de pulo. Os produtos desses cruzamentos, antes de iniciarem uma carreira nas arenas, passam primeiramente por uma seleção feita pelos tropeiros, que tem por finalidade escolher os animais que possam dar um bom resultado posteriormente. (...) Com a vinda da ABBI para o Brasil, a seleção e qualificação dos futuros touros de pulo tornaram-se mais fáceis de serem realizadas. Um criador compra ou vende com maior facilidade um tourinho registrado na ABBI, que tenha genética de pulo e que já tenha mostrado seu potencial em um dos eventos da ABBI.(...) Um dos principais itens para garantir o bom desempenho na arena é a alimentação dos animais. Os touros de pulo recebem uma alimentação balanceada, que inclui rações específicas para atletas. Essas rações suprem as maiores necessidades nutricionais de um animal que requer força e muita energia, além de proporcionarem ótimos níveis de desempenho e recuperação dos animais submetidos às atividades físicas.

O treinamento desses animais também passou a ser mais específico. Na fazenda, eles fazem natação e trote para o fortalecimento da musculatura e resistência. A natação também serve para o relaxamento dos atletas. A frequência com que esses animais são examinados por médicos veterinários passou a ser periódica, por se tratarem de atletas e também pelo seu alto valor agregado.

Os animais, principalmente os atletas, necessitam de cuidados especiais com seus cascos, a higienização destes é fundamental para o bem estar desses animais. É por isso que o casqueamento é um serviço que está sendo muito requisitado pelos criadores. A principal forma de evitar determinadas enfermidades podais, tais como Broca, Erosão da Sola, entre outras, é através do casqueamento. Essas doenças podem comprometer o sistema locomotor do atleta e se isso ocorrer, com certeza, o seu desempenho nas arenas será totalmente afetado. Como todos os atletas, os touros necessitam de muitos cuidados com sua saúde.

Atualmente, criar touros de pulo não requer apenas um simples investimento, mas sim uma grande dedicação e cuidados. A valorização do esporte de montarias em touros acabou exigindo essas mudanças na vida dos animais-atletas, para que eles pudessem acompanhar a evolução do esporte e também se valorizassem ainda mais[75]. (grifo nosso).

Ademais, o adestramento é inutilizável para o rodeio, principalmente para os animais de pulo, pois este método cria comportamentos previsíveis e submissos sendo que no referido esporte para se ter uma boa montaria é indispensável a surpresa, o movimento inesperado do animal.

Os cavalos utilizados para as provas funcionais do rodeio, regra geral, são da raça quarto-de-milha, equinos com excelente estrutura óssea e muscular e que são treinados para tais atividades, sendo que o cavaleiro, muitas vezes, precisa segurar o animal nas rédeas, tamanha sua vontade de correr. Para estes animais, as provas são quase um divertimento.

Considerando o tratamento que é dispensado a estes cavalos desde a alimentação até os acessórios bem como o cuidado com a condição física e psicológica destes, conclui-se que não há maus-tratos na utilização dos cavalos para provas cronometradas (três tambores; laço em dupla, laço individual e bulldog).

Na seleção das provas que geram algum tipo de sofrimento aos animais que delas participam estão a prova de laço (individual/dupla), o rodeio em cavalos e a prova de bulldog no que diz respeito ao bezerro utilizado.

Trataremos primeiramente da prova de laço individual, que é uma prova cronometrada, na qual o competidor, montado em um cavalo, deve laçar, pelo pescoço, um bezerro de aproximadamente 50 dias e 120kg.

Depois de laçado, o cavaleiro precisa descer do cavalo, derrubar o bezerro e amarrar três de suas patas. Ganha a prova quem fizer isso em menos tempo[76].

O bezerro sai do partidor em alta velocidade, podendo alcançar ate 40 km/h, e subitamente é laçado pelo pescoço, arremessado para trás e derrubado ao chão de forma violenta. O laço utilizado é preso na cabeça da sela, de modo que quando o animal é laçado, o cavalo para de repente e quando percebe que o peão desceu ele começa a recuar mantendo a corda esticada para que a rês não se solte e arrastando-a para que a distância entre cavaleiro e bezerro diminua, otimizando assim o tempo da prova.

Não bastasse, o cavaleiro obrigatoriamente deve derrubar o bezerro antes de laçar-lhe as patas, dessa forma, a rês que se encontra deitada, é levantada a força e novamente derrubada ao solo, e só então se realiza o final da prova, com três patas fortemente amarradas por uma peia pelo tempo mínimo de seis segundos.

A pressão que o laço exerce no pescoço do bezerro pode causar sérias lesões cervicais, ou até levá-lo à morte.

Não obstante esse entendimento, atualmente existem estudos técnicos que demonstram que os bezerros utilizados na prova de laço não demonstram alterações clínicas significativas, e que as graves lesões causadas seriam acidentes, fatos que não acontecem com frequência, assim ensina Raquel Mincarelli Albernaz[77].

No presente experimento, a análise do sistema locomotor não revelou alteração nos parâmetros estudados durante o período experimental. Não se registraram quaisquer anormalidades nos movimentos de levantar-se e caminhar. Quando em posição quadrupedal não foi observada claudicação ou assimetrias decorrentes de deslocamentos articulares ou fraturas. Os membros torácicos e pélvicos não apresentaram assimetria ou aumento de volume ósseo, articular e tendíneo e não houve a ocorrência de feridas ou hematomas durante inspeção. Os músculos trapézio, omotransversal e clido occipital e os processos espinhosos cervicais não apresentaram durante inspeção e palpação aumentos de volume ou sensibilidade dolorosa local. Após o procedimento da laçada os animais permaneceram em piquete para pastoreio e todos os animais foram capazes de flexionar o pescoço, apreender e deglutir alimentos. (...) A modalidade de rodeio denominada Prova do Laço de Bezerro não causou alteração nos parâmetros clínicos e radiográficos avaliados neste trabalho sob as condições experimentais pré-estabelecidas.[78]

Contudo, entende-se que a crueldade se realiza primeiramente pela utilização de animais muito jovens, pois 50 dias de vida considera-se ainda um filhote, e sendo assim estes pequenos animais não são treinados para estas provas, não tem noção do que precisam fazer, simplesmente correm para se livrar do corredor do brete, e nesta corrida são súbita e violentamente laçados pelo pescoço. Neste sentido demonstra Mariângela Freitas de Almeida e Souza[79] e William Ribeiro Pinho[80]:

A contenção brusca de um animal em disparada e sua violenta derrubada contrariam a biomecânica do aparelho locomotor, produzindo um sistema de forças com resultante contrária à biologia do andamento do animal. Essa situação pode provocar ruptura de músculos, tendões e ligamentos, hemorragias, luxação ou fratura de vértebras e de outras estruturas ósseas, produzindo, portanto, lesões traumáticas que podem, inclusive, levar ao comprometimento da medula espinhal com paralisia ou morte imediatas. Nessas provas são usados animais de 40–45 dias de vida, ainda com seu desenvolvimento ósseo imaturo, o que significa possuir estruturas frágeis e mais vulneráveis. Ao sofrerem contenção brusca, suspensão do solo à altura da cintura do peão, derrubada violenta e imobilização dos membros, tudo no menor tempo possível, correm, portanto, riscos de lesões graves, entre elas, ruptura de órgãos internos, hemorragia, lesões e fraturas de músculos, ossos e ligamentos, traumatismos na coluna vertebral e crânio-encefálico, podendo gerar danos irreversíveis, inclusive a morte do animal. A prática, conseqüentemente, é acompanhada de reações intensas ao estresse, configuradas especialmente pelo medo e pelas tentativas contínuas de escape. A repetição desses procedimentos com o mesmo bezerro, em competições e no treinamento, provoca o agravamento e cronificação das lesões, podendo produzir danos irreparáveis, incluindo paralisias e morte, e a intensificação do estresse com os sinais característicos de ansiedade e medo exacerbados, perda de peso, agressividade e estereotipias.[81] (grifo nosso).

Por mais que não haja lesões graves, certamente é uma experiência de altíssimo nível de estresse e muito dolorosa, portanto conclui-se que aprova de laço individual gera maus-tratos e se realiza em uma atividade cruel para os bezerros que dela participam, pois mesmo utilizando o redutor de impacto no laço, como estabelece o parágrafo 3°, do artigo 4° da Lei Federal 10.519, de acordo com as regras da modalidade é indispensável a queda do animal para que tenha três de suas patas fortemente amarradas, sendo assim entende-se que não há uma técnica válida para minimizar a crueldade exercida na prova de laço individual.

No que diz respeito à prova de laço em dupla, esta se mostra uma atividade aceitável em oposição à atividade apresentada acima uma vez que os bezerros utilizados geralmente são maiores, pesam em torno de 200 kg e ainda possuem cornos.

De acordo com normas da ABQM (Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Quarto de Milha) a prova de laço em dupla ou team roping funda-se em:

Uma prova de velocidade e habilidade e consiste em uma dupla de cavaleiros laçar uma rês, o primeiro laçando pela cabeça e o segundo pelos pés, num tempo máximo de 02 dois minutos; sendo vencedora a dupla que fizer o trabalho em menor tempo.[82]

A prova de laço em dupla é menos agressiva que o laço individual porque o animal precisa permanecer de pé para que as patas traseiras sejam laçadas, e assim o bezerro acaba por não sofrer o impacto abrupto do laço em seu pescoço, mesmo porque a laçada, muitas vezes se dá pelos chifres da rês, diminuindo drasticamente o choque físico.

No mesmo sentido, o fato do bezerro não ser derrubado, requisito indispensável do laço individual, faz da prova de team roping uma atividade menos agressiva, mas que ainda apresenta um risco físico se forem utilizados animais muito jovens, pois assim, podem ocorrer lesões e estiramentos no animal.

Sendo assim, entende-se que a prova de laço em dupla pode ser executada sem causar maus-tratos aos animais se forem utilizados bezerros maiores (com peso superior a 200 kg) e houver um redutor de impacto no laço utilizado. Assim sendo, o impacto da corda com o corpo do animal seria reduzido consideravelmente, anulando a agressividade ocorrida na prova.

Já a prova de bulldog consiste em dois cavaleiros ladearem um garrote, e um deles deve pular em cima do animal e derrubá-lo com as mãos, sem o auxilio de nenhum objeto, no menor tempo possível.

A prova de bulldog, à primeira vista pode parecer inofensiva, contudo a manobra que é realizada para derrubar a rês é extremamente violenta, pois além do impacto físico entre o corpo do cavaleiro e do bezerro, há a torção do pescoço deste para que seja derrubado e muitas vezes, manobras erradas, podem levar o bezerro à morte ou deixá-lo paralítico.

Desta feita, a prova de bulldog, se mostra como sendo uma atividade cruel, pois submete o animal a uma queda forçada, tendo seu pescoço torcido pelo cavaleiro.

De outra banda, a prova de três tambores, modalidade exclusivamente feminina no rodeio profissional e que consiste em a amazona montada em seu cavalo, o qual na grande maioria das vezes é da raça quarto de milha, contornar três tambores dispostos em forma triangular no menor tempo possível.

Tal prova não se realiza em uma atividade cruel, ao contrário, para o cavalo que dela participa é quase uma diversão, isso porque enquanto está esperando a liberação da pista para a realização da prova, a amazona deve segurar seu cavalo nas rédeas, tamanha a vontade deste em correr. Não há estresse, uma vez que o ambiente é comum a esses animais e qualquer ferimento acidentalmente causado ao animal no decorrer da atividade, esta montaria será imediatamente desclassificada, pois, após o término da prova, um juiz de pista realiza uma fiscalização no animal e qualquer vestígio de sangue ou marcas no corpo do cavalo são susceptíveis de desclassificação da competidora.

Do mesmo modo a montaria em touros, considerado um dos esportes mais radicais do mundo no qual o competidor chamado de peão, deve permanecer em cima do touro enquanto este corcoveia, segurando com apenas uma das mãos pelo tempo de 8 (oito) segundos.

Há entendimentos no sentido de que esta prova causa maus-tratos e crueldade aos touros que dela participam. Assim entende Gabriel Campos de Souza:

Existem ainda outros métodos e artifícios, utilizados antes dos animais entrarem na arena dos rodeios que, além de provocarem mais saltos e corcoveios dos animais, não são percebidos claramente pelos espectadores. Vale destacar: o uso de choques elétricos e mecânicos, que são aplicados nos órgão genitais do animal; a utilização de objetos pontiagudos, tais como pregos, pedras, alfinetes e arames em forma de anzol colocados sob a sela do animal; a inserção de terebintina e pimenta no corpo do animal, para que fiquem ainda mais enfurecidos; a disposição de substâncias abrasivas, que ao entrarem em contato com cortes e outros ferimentos no corpo do animal causam uma sensação de ardor insuportável; a aplicação de golpes e marretadas na cabeça do animal que costumam produzir convulsões no animal, sendo métodos bastante utilizados quando o animal já está velho ou cansado, com o objetivo de provocar sua morte; e, a prática da descorna, que é a retirada, sem anestésico, dos chifres do touro com a utilização de um serrote, para a realização de determinadas provas, provocando ainda mais sangramentos e dor.

Todos esses métodos e artifícios são praticados no brete, que é o local onde os animais ficam presos antes das provas e são preparados para montaria. Durante a preparação para as provas, o animal passa por uma situação de enorme estresse e depois da aplicação de quase todas as práticas sofríveis, ele é solto na arena, devendo o competidor permanecer montado sobre ele durante aproximadamente 8 (oito) segundos. Sucede, porém, que o tempo de 8 (oito) segundos é o que o competidor deve permanecer montado sobre o animal para fins da disputa e não o tempo que efetivamente o animal sofre as conseqüências dos artifícios utilizados. Além do período em que o animal sofre com a preparação e a permanência na arena do rodeio, há o tempo em que ele sofre durante o treinamento dos peões, que também deve ser levado em conta na análise da situação dos animais nos rodeios. Efetivamente, o sofrimento do animal se dá muito antes dele entrar na arena e seus efeitos permanecem durante a montaria, continuando por muito tempo depois de ele ter saído da arena. Luxações e fraturas nas pernas, torções no pescoço, feridas nos órgãos genitais, nas axilas e nos peitos, bem como lesões na cabeça são o resultado mais comum da violência sofrida pelos animais nos rodeios.

Como se vê, enquanto o animal é submetido aos mencionados maus-tratos, o competidor permanece sobre o animal e será declarado vencedor aquele que continuar nessa situação pelo maior tempo possível. Essas atrocidades contra os animais são totalmente admitidas por um grande público, que concorda com a exibição das crueldades sobre os animais ao demonstrar louvor ao vencedor.[83] (grifo nosso).

Estes absurdos argumentos utilizados, infelizmente são compartilhados pelos defensores dos animais e por aqueles que se posicionam contra os rodeios, contudo tais afirmações são irreais e até mesmo ilógicas, isso porque se um animal sofresse tantas atrocidades como as descritas acima, ele sequer teria forças para caminhar, ademais, após tantos ferimentos, estes animais seriam descartáveis, não poderiam ser utilizados uma segunda vez, tamanhas consequências dos atos de crueldade.

Um touro de rodeio é um animal melhorado geneticamente e treinado para a prática desta atividade, não são necessários artifícios para que corcoveiem. Ademais um touro de rodeio tem um valor econômico muito alto, não raramente essas quantias ultrapassam a casa dos R$ 100.000,00 (cem mil reais), portanto é de grande interesse dos tropeiros que seus animais entrem e saiam da arena íntegros, assim explica Henrique Moraes, comentarista e diretor de rodeio:

Outro incalculável é Agressivo, do Paulo Emilio, que só tem uma parada até hoje e na PBR nunca foi montado com sucesso, levando-o inclusive ao Título de Melhor Touro da PBR em 2010. Uma coisa é certa, US$ 100 mil hoje é um preço baixo para animais do calibre de Agressivo, Pesadelo e tantos outros como Convento (Cia. Califórnia), Mistério e Masquerano (Cia. Jr. Zamperlini) e Ciumento [84]

Marcelo Toledo jornalista do informativo online da Folha de São Paulo, também realiza matéria a respeito do valor dos touros do rodeio profissional e afirma que “o preço médio do mercado é de R$ 40 mil a R$ 50 mil, por animais que ainda não chegaram ao auge, normalmente atingido aos quatro anos”.[85]

Matéria intitulada “Melhores touros do Brasil valem até R$ 1 milhão; veja lista:” de 02 de Julho de 2012 da página de esportes do site terra traz alguns exemplos de touros brasileiros que tem um alto valor econômico:

Desde a morte do mais famoso touro do Brasil, o Bandido, em 2009, outros animais têm levado a fama de "mau" para dentro da arena. É o caso de Britânico, da Cia Paulo Emílio, considerado o número um do país. Eleito o touro de 2011 do Brahma Super Bull PBR, o Campeonato Brasileiro de Montaria em Touros, o bovino detém outro título: está invicto no torneio. Atualmente, é avaliado em R$ 350 mil e pesa 890 quilos. (...) Outro touro que se destaca nos rodeios é o Agressivo, também da Cia Paulo Emílio (o tropeiro era o dono do Bandido, vale destacar). Em 2010, o animal foi eleito o touro do ano do PBR, sendo segundo no ano seguinte. Invicto no campeonato brasileiro, é avaliado em R$ 350 mil e pesa 950 kg. De acordo com o ranking da PBR, o touro Mistério, da Junior Zamperlini, vem na terceira posição, com uma bagagem de 13 fivelas conquistadas (título de melhor touro da etapa). Em 2010, ganhou o título de melhor touro de Londrina e Paranavaí, ambas no Paraná. Pesa 900 kg e tem preço não divulgado. Na quarta posição está um bovino de apelido nada amistoso: Pesadelo, da 3B. Com 860 kg, nunca rendeu uma nota abaixo de 90 pontos. Por essa razão, muitos caubóis preferem enfrentá-lo. Assim como o Mistério, já conquistou 13 fivelas. Tantos méritos deram ao animal um valor salgado para qualquer comprador: R$ 1 milhão.[86] (grifo nosso)

Considerando a média de preço de touros de rodeio seria insanidade mau-tratá-los ou machucá-los intencionalmente, mesmo porque são os próprios tropeiros que manejam seus animais dentro dos currais e que preparam os touros para entrar na arena, isso porque cada animal tem suas especificidades não sendo possível estabelecer um padrão na utilização dos instrumentos de montaria. Portanto, a colocação do sedém, da corda americana e dos demais apetrechos para a realização da prova é feito como muito cuidado e atenção pelos proprietários.

Questão de grande polêmica e discussão acerca do rodeio no cenário jurídico é a utilização do sedém. Há muitos entendimentos no sentido de que o sedém causa dor, desconforto e até ferimentos nos animais que o utilizam, neste sentido Gabriel Santos de Souza:

Com efeito, o sedém é uma tira de crina de animal que é fortemente amarrada no flanco inguinal (virilha) dos animais. Do uso do sedém resulta a compressão dos ureteres dos animais (canais que ligam os rins à bexiga), além da compressão do prepúcio, do pênis e do escroto que fazem o animal saltar desesperadamente, a fim de livrar-se do incômodo e da dor. (...) A compressão dos órgãos genitais dos animais, mesmo com o sedém ‘confortável’, é intensa e na maioria das vezes causa feridas abertas ou cicatrizes irreparáveis. Quando dão saltos e pinotes para derrubar seu montador, esses animais tão somente querem se livrar da dor e do sofrimento a que são submetidos.[87] (grifo nosso).

Em ação cível pública ambiental manejada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, Laerte Fernando Levai, promotor de justiça da comarca de São José dos Campos, utilizou em citada ação o parecer da Professora Irvênia Luíza de Santis Prada, Titular Emérita de Anatomia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, e assim diz:

O sedém é aplicado na região da virilha, bastante sensível já por ser de pele fina mas, principalmente, por ser área de localização de órgãos genitais. No caso dos bovinos, o sedém passa sobre o pênis e, nos cavalos, pelo menos compromete a porção mais anterior do prepúcio. (…) Quanto à possibilidade de produção de dor física, pelo uso do sedém, a identidade de organização das vias neurais da dor no ser humano e nos animais é bastante sugestiva de que eles sintam, sim, dor física. O contrário é que não se pode dizer, isto é, nada existe, em ciência, que prove que os animais não sentem dor com tal procedimento.[88](grifo nosso)

O entendimento mais uma vez conveniente de acordo com a crença de cada um se mostra no relato acima. Ora, se há a possibilidade que os animais sintam dor e não há nada na ciência que comprove que não sentem, do mesmo modo não há nada que comprove que sentem dor com a utilização do sedém. Contudo, é sabido que, um animal que sinta tanta dor quanto descrito pela ilustre professora, não iria corcovear, não teria forças para saltar, mesmo porque o local onde sedém é colocado é deveras muito sensível.

Ademais, é visível que os touros de rodeio são treinados para pular, sendo que o sedém é simplesmente um sinal para que o animal entenda quando é a hora de corcovear. Tal afirmação se mostra clara e evidente no momento que peão cai ou pula do touro, este para de pular e entra caminhando para dentro do brete. Se fossem verdades as afirmações feitas pelo acadêmico Gabriel Santos de Souza (vide nota 74), o sedém deveria ser retirado do touro ainda na arena, tendo em vista que destruiria os bretes com coices e pinotes, uma vez que o animal entra nos currais ainda com o instrumento em seu corpo.

Outra conclusão equivocada acerca do sedém é de que o instrumento é fortemente amarrado, puxado no momento que o portão do brete é aberto e o animal é solto na arena. Assim o parecer da Mountarat Associação de Proteção Ambiental:

Momentos antes de o brete ser aberto para que o animal entre na arena, o sedém é puxado com força, comprimindo ainda mais a região dos vazios dos animais, provocando muita dor, já que nessa região existem órgãos, como parte dos intestinos, bem como a região do prepúcio, onde se aloja o pênis.[89]

De fato, o sedém é puxado pelo tropeiro no momento em que o touro sai do brete, contudo, assim que ele o solta, a cinta volta para um estado mais folgado, isso porque os proprietários dos animais utilizam talco na cinta de couro para que esta escorregue e retorne à posição anterior. A compressão é apenas um sinal, um comando para o animal saber que é hora de pular. O equívoco da afirmação está no sentido de entender que o sedém fica comprimindo o corpo do animal todo o tempo, fato inverídico.

Outro ponto polêmico é a utilização de esporas na montaria em touros. Assim demonstra o parecer da Mountarat Associação de Proteção Ambiental:

As esporas são objetos pontiagudos ou não, acoplados às botas dos peões, servindo para golpear o animal (na cabeça, pescoço e baixo-ventre), fazendo, em conjunto com o sedém e outros instrumentos, com que o animal corcoveie de forma intensa. Além disso, quanto maior o número de golpes com as esporas, mais pontos são contados na montaria. (...) Improcedente o argumento de que as esporas rombas (não pontiagudas) não causam danos físicos nos animais, pois ocorre a má utilização destes instrumentos, e como dissemos anteriormente, visa-se golpear o animal e, portanto, com ou sem pontas, as esporas o machucam, normalmente provocando cortes na região cutânea e perfuração no globo ocular.[90] (grifo nosso).

É importante ressaltar que os golpes de espora no animal somente aumentam a pontuação na prova de montaria em equinos, sendo que na montaria em touros é indiferente este ato. Ademais, de acordo com o parágrafo segundo do artigo 4° da Lei Federal 10.519 é vedada a utilização esporas pontiagudas. Assim estabelece a citada norma: “§ 2° Fica expressamente proibido o uso de esporas com rosetas pontiagudas ou qualquer outro instrumento que cause ferimentos nos animais, incluindo aparelhos que provoquem choques elétricos”.

De fato, as esporas rombas, ou seja, sem rosetas pontiagudas não causam ferimentos nos animais, pois tem a função exclusiva de comando e não de causar dor. No adestramento e no hipismo, esportes olímpicos, a utilização de esporas rombas é autorizada e em alguns campeonatos é até obrigatória, pois integram a indumentária de montaria.

Ainda em relação às esporas, o parecer supracitado menciona que ocorre a má utilização desta peça, podendo ocasionar ferimentos e lesões nos animais, contudo, entende-se que qualquer instrumento mal utilizado pode causar uma lesão. Neste contexto está o uso da coleira para cães. Acessório de comando e controle, objeto de uso habitual por milhões de pessoas para seus animais de estimação, a coleira se mal utilizada pode levar um cão a óbito por enforcamento. Da mesma forma na criação de pássaros, se a anilha for mal colocada, poderá causar sérias lesões a esses animais. Assim ensina o biólogo Francisco Peruzzo: “realmente se anilharmos uma ave com a anilha inferior a sua medida poderemos machucar e às vezes até causar uma lesão grave que pode decepar a pata da ave”[91].

Portanto o risco de ferir o touro com a espora está presente na má utilização desta, mas não por isso deve-se impedir o uso desta ferramenta, pois assim teríamos que proibir a utilização de qualquer acessório em um animal haja vista o risco de ferí-los. Contudo, no rodeio profissional, se acidentalmente o peão lesionar o touro com a espora, esta montaria será imediatamente desclassificada, e o peão será penalizado.

Portanto, de acordo com o acima exposto, resta claro que a montaria em touros não gera maus-tratos aos animais, podendo o esporte ser praticado sem ferir as normas específicas estabelecidas.

Por outro lado, a montaria em cavalos, modalidade integrante do rodeio profissional e que se subdivide em três categorias, sendo elas sela americana, bareback[92] e cutiano.

De acordo com o site da festa de peão de Barretos, as modalidades acima citadas consistem respectivamente em:

O competidor segura um "cabo de cabresto" com cerca de 1,20m com apenas uma das mãos e obrigatoriamente tem que realizar o "mark-out", ou seja, ao abrir a porteira do brete quando o animal tocar com as duas patas dianteiras na arena as esporas tem que estar posicionadas na altura do pescoço do animal e em contato. Caso isso não ocorra será desclassificado. As esporas "são puxadas" para trás, obrigando o competidor a flexionar o joelho, na frequência do pulo do animal. O tempo regulamentar é de oitos segundos. Usa-se uma sela diferente da de trabalho - não tem pito, ponto de apoio do laço. Como em todas as modalidades de montaria a avaliação varia de 0 a 100 pontos.

Estilo que também nasceu nos Estados Unidos, só que mais recentemente. Como no anterior, há necessidade do competidor executar o mark-out. Usa-se um equipamento - bareback - que consiste em uma alça de couro que é feita sob medida para cada competidor que é colocada na altura da cernelha do animal e o mesmo "monta" diretamente sobre o dorso do animal. As esporas são puxadas no sentido do pescoço para o bareback, o que faz com que o competidor fique praticamente "deitado" sobre o dorso do animal. A nota também varia de Zero a 100 pontos desde que o competidor suporte o tempo regulamentar que é de 8 segundos.

Estilo de montaria em cavalos praticado apenas no Brasil. Tudo começou oficialmente em Barretos no ano de 1956. No decorrer do tempo as regras foram sofrendo alterações. O nome cutiano provém do formato do arreio de um "v" ao contrário. O competidor segura a rédea com apenas uma das mãos, sendo que a livre também não pode tocar em nada como na montaria em touros. A espora tem que ser "puxada" do pescoço para a alça do arreio na frequência do pulo do animal. Enquanto mais alta, melhor a nota. O tempo regulamentar também é de oito segundos e a variação da nota de 0 a 100 pontos.[93] (grifo nosso).

Como pode-se auferir das descrições acima expostas, todas as modalidades da montaria em cavalos requer os golpes de espora. Nas duas primeiras em especial, tal movimento deve ser feito no pescoço do cavalo, porém essa manobra técnica pode acertar diretamente o globo ocular do cavalo se o movimento do golpe de espora não estiver sincronizado com o salto animal.

Percebe-se que neste caso que há um conjunto de fatores que deixa evidente a possibilidade de uma lesão séria no equino, pois não é o risco lesivo da espora, mas o local onde obrigatoriamente deve-se esporear.

No que diz respeito a utilização do sedém na montaria em equinos, cabem aqui as mesmas considerações apresentadas na montaria em touros, contudo é importante ressaltar que na contramão do que muitos defensores dos animais defendem, no sentido que os cavalos pulam porque tem seus testículos apertados, atualmente há no rodeio profissional muitas éguas em atividade, as quais, obviamente, não possuem testículos. Um bom exemplo é a égua Mala Pronta, vencedora do prêmio arena de ouro em 2011:

A égua Mala Pronta da Cia de Rodeio GG de Jaguariúna foi novamente o centro das atenções, na arena e desta vez, recebeu o prêmio de melhor animal no Rodeio de Colorado, no Paraná, no domingo, 1. Dirigida pelos irmãos Gabriel, Gustavo e Guilherme Granguelli, responsáveis desde a compra de novos animais, alimentação balanceada, tratamentos veterinários, treinos diários e participação da tropa nos rodeios pelo Brasil, a Companhia vem colecionando troféus e a égua Mala Pronta continua invicta, pois nenhum peão conseguiu até hoje parar os oito segundos em cima desse animal. Para os irmãos, esse prêmio representa mais uma etapa vencida, pois o Rodeio de Colorado é o maior evento do Paraná. Segundo eles, a expectativa é conquistar muito mais com a Mala Pronta e o maior orgulho que têm foi a conquista do troféu Arena de Ouro em 2011, onde ficou claro que a égua é capacitada para ganhar muitos outros prêmios, pelos rodeios no Brasil e assim concorrer ao Arena de Ouro novamente em 2013[94]

Outro exemplo é a égua Malícia:

A égua Malícia, de propriedade do tropeiro Juliano Verde, é uma das mais valiosas e temidas do rodeio brasileiro, tendo derrubado vários campeões. Em 2004 ela alcançou a maior nota do rodeio em cavalos em Barretos – 94 pontos. Atualmente, quatro homens cuidam de sua segurança diariamente[95].

Portanto, da maneira que é praticada atualmente, a montaria em cavalos se mostra uma atividade cruel. Por outro lado poderia ser praticada legalmente se houvesse uma modificação das regras proibindo esporear próximo ao pescoço do animal.

Sendo assim, o rodeio profissional não pode ser considerado em um conceito amplo e geral, haja vista as especificidades de cada prova. Após uma análise técnica de cada uma pudemos observar os detalhes e concluir acerca da viabilidade das provas no que diz respeito aos direitos e garantias dos animais.

3.4 A necessidade dos profissionais do Direito compreenderem sistematicamente a prática do rodeio como critério de análise crítica da proteção dos Direitos dos Animais

Ao redigir a Lei Federal n° 10.519 que dispõe sobre a promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio, o legislador na tentativa de proteger os animais de maus-tratos elaborou regras, contudo, tais padrões estabelecidos pela legislação acabam muitas vezes por piorar a situação dos animais.

Exemplo disso está no parágrafo 1° do artigo 4° o qual determina que “as cintas, cilhas e as barrigueiras deverão ser confeccionadas em lã natural com dimensões adequadas para garantir o conforto dos animais”[96].

A lã natural muitas vezes não é o melhor material para a confecção dos apetrechos utilizados na montaria, principalmente no que diz respeito ao sedém, o qual é colocado em um local sensível do animal. Sendo de lã natural, esses equipamentos podem causar certo incômodo, sendo assim, os proprietários dos animais, geralmente preferem as cintas confeccionadas em algodão, material que possui uma consistência mais macia.

O citado comando legal não deveria estabelecer qual material a ser utilizado na confecção dos instrumentos, caberia ater-se simplesmente no sentido de estabelecer que as cintas, cilhas e barrigueiras devem ser confeccionadas em material macio e confortável para o animal.

Outro equívoco da Lei 10.519 está no parágrafo 2° no artigo 4° que estabelece “fica expressamente proibido o uso de esporas com rosetas pontiagudas ou qualquer outro instrumento que cause ferimentos nos animais, incluindo aparelhos que provoquem choques elétricos[97] (grifo nosso).

O engano está na inclusão do choque elétrico como instrumento proibido, isso porque o manejo dos animais dentro dos currais é necessário, e se utilizado, o estímulo elétrico diminui consideravelmente o contato das pessoas com os animais. De outra banda se o choque não for utilizado há que se conduzir os animais de outra forma sendo com ferrões, varas e outros instrumentos, ainda há os gritos e vozes que podem elevar o grau de estresse dos animais, ao passo que com o uso do condutor elétrico, muitas vezes não é necessário sequer tocar no animal, apenas pelo barulho do choque o mesmo já entende e dirige-se à porteira aberta a sua frente.

Marcos Almeida Prado, veterinário chefe da PBR Brasil (Professional Bull Riders) assim se manifesta:

É sabido cientificamente que o choque elétrico provoca rigidez muscular paralisando, portanto, a musculatura do animal, dificultando sua movimentação impedindo seu impulso para o salto. O leigo, na verdade, confunde o choque elétrico com o estímulo fisio-elétrico. O choque elétrico é constituído por voltagem somada a amperagem formando assim corrente contínua enquanto o estímulo fisio-elétrico contém apenas amperagem não formando corrente contínua. Na prática, podemos correlacionar esse condutor elétrico com o chamado “tens” utilizado em fisioterapia humana e que está sendo objeto de estudo por Os Independentes[98]

É importante ressaltar que o manejo de touros e equinos de rodeio é diferente dos demais animais da espécie, isso porque trata-se de animais bravios, que não titubearão em atacar quem quer que se aproxime demais. Por isso o uso do estímulo elétrico é mais benéfico para esses animais e para quem os conduz.

Assim também se pronunciou a CMI (Centro de Mídia Independente) em matéria realizada no rodeio da cidade de Barretos em 2008:

Para auxiliar na condução dos animais dentro das instalações, entrada no brete de contenção e preparo para a prova é utilizado um condutor (choque) equipamento que produz um choque elétrico de 6 volts de acordo com os veterinários responsáveis dr. Kiko (Marcos Almeida Prado) e o prof. Tenório (idealizador do equipamento). Tal equipamento de condução contraria a legislação que regra a atividade de rodeio, pois esta proíbe o uso de qualquer estimulo elétrico na condução dos animais durante todo e qualquer etapa do evento e provas. A utilização do choque foi detectada nos bastidores da arena para o manejo dos animais (manejo não etológico). Foi tanto utilizado pelos funcionários como, em algumas situações mais dificultosas, pelo veterinário responsável.[99]

Desta forma o manejo é mais silencioso, menos físico e estressante para o animal.

Ademais, os operadores do direito ao tratar sobre o rodeio deveriam ter conhecimento prático acerca desta atividade, haja vista os equívocos apresentados em trabalhos científicos e na mídia que muitas vezes são utilizados como base de argumento em decisões judiciais que tratam sobre o rodeio. Assim, o desembargador Samuel Júnior do Tribunal de Justiça de São Paulo se equivoca em sua afirmação:

Ora, o instrumento sedém, como cediço, visa produzir estímulos dolorosos nos animais, sendo, por isso, irrelevante o material com o qual é confeccionado. A função de tal instrumento é pressionar a virilha, o saco escrotal, o pênis e o abdômen do animal, provocando a dor e o sofrimento, que por sua vez levam o animal a pular, a corcovear (...)[100]. (grifo nosso).

Restou comprovado que o sedém não pressiona o saco escrotal dos animais que o utilizam, mesmo porque até éguas participam das provas de montaria em equinos. Este argumento utilizado pelo representante do Ministério Público é absolutamente equivocado e desprovido de conhecimento prático.

Contra os rodeios, também se posiciona a bióloga Barési Freitas Delabary, cujos artigos são comumente utilizados como argumento pelos defensores dos animais. Assim diz:

Outro exemplo é a prática dos rodeios, eventos que tem por objetivo premiar o participante que se mantiver mais tempo em cima de cavalos ou touros (SOUZA, 2008). Essa prática também ocorre em vários outros estados do Brasil, sendo apoiada pelas prefeituras devido à renda que é capaz de gerar. Basta ir ao local onde ficam alojados os animais ao final do dia para perceber o tamanho da crueldade que envolve esse tipo de evento. De acordo com SOUZA (2008), os cavalos e touros apresentados nos rodeios parecem ser furiosos e indômitos por natureza. Mas na verdade, esses animais são mansos e normalmente encontram-se no último estágio de sua vida, sendo submetidos à dor intensa para que pareçam naturalmente furiosos.[101]

No mesmo sentido, o promotor de justiça Laerte Fernando Levai:

De fato, o rodeio – demonstra aquela missivista - nada mais é do que uma farsa, pois numa simulação de doma, os peões fazem crer ao público que estão montando animais xucros e bravios, quando, na verdade, trata-se de animais mansos e domesticados que corcoveiam em desespero por causa dos instrumentos que neles são colocados[102]. (grifo nosso)

As afirmações acima expostas são absurdas haja vista que os cavalos e touros utilizados nas montarias tem a característica de pular. São animais selecionados geneticamente para esta atividade. Muito provavelmente as mesmas pessoas que afirmam que tais animais são de uma docilidade admirável, nunca entraram em um curral ou pasto onde esses touros e equinos se encontram soltos, pois sabem o quanto é arriscada essa façanha.

Como é de conhecimento geral, no mercado agropecuário existem linhagens de bovinos de corte e bovinos de leite, bem como equinos que demonstram excelente desempenho em determinado esporte e quando testados em outra atividade se mostram absolutamente incompetentes, da mesma maneira existem touros que tem a característica do pulo e não aceitam que um ser humano se aproxime demasiadamente haja vista o extinto que já trazem consigo.

Paulo Emílio, criador de touros para rodeio no Brasil assim explica:  “A raça dos animais pouco importa dentro da arena. Os touros bons para rodeio já nascem com as características que determinam garra, inquietude e a vontade de derrubar o peão. Isso não é característica de nenhuma raça específica” [103].

No mesmo sentido explica o médico veterinário Brás Simões Nogueira Filho, criador de touros e proprietário da companhia BF Rodeo:

Na BF Rodeo três pessoas cuidam dos animais. Eles são tratados com composto orgânico e mineral, que dão energia e desenvolvem a massa muscular. Quando chega a temporada de rodeio a ração é dada proporcional ao peso do animal. Um touro de rodeio pesa entre 600 a 1.000 quilos e a ração garante qualidade, energia e ritmo. Geralmente apenas 10% de um rebanho são aptos a se tornarem animais de rodeio. A minha companhia tem 37 animais e dou preferência a animais habilidosos e com bom porte físico[104]. (grifo nosso)

Portanto, resta claro que apenas determinados animais estão aptos para participar desse esporte. Deste modo, os animais que participam do rodeio não se mostram tão pacíficos em contado com os seres humanos.

Infelizmente, muitas decisões foram proferidas no sentido de proibir a prática do rodeio em algumas cidades brasileiras. Assim informa Renata de Freitas Martins:

A exemplo dos EUA, também já existem diversas cidades brasileiras com legislação específica proibitiva à realização de rodeios em seus limites, como, por exemplo, São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Sorocaba (SP), Guarulhos (SP), Jundiaí (SP), Campinas (SP) etc. Há, ainda, diversas ações judiciais julgadas procedentes, impedindo-se a realização de rodeios nas comarcas onde foram impetradas e/ou se impedindo a utilização de instrumentos considerados cruéis (sedém, peiteira, esporas etc.), o que na prática também inviabiliza a realização dos cruéis rodeios, tendo-se em vista que o animal, sem o estímulo humano, de fato não pulará ou correrá de forma intermitente[105].

Essas decisões lamentavelmente baseadas em informações equivocadas, advindas do senso comum, sem nenhum conhecimento prático e também sem parâmetros do que se entende por crueldade, vem sendo tomadas pelo Poder Judiciário brasileiro proibindo a prática desse esporte que, claramente, possibilita aos animais que dele participam qualidade de vida.

3.5 A ineficácia da atuação do Estado na fiscalização dos rodeios amadores como forma de violação dos Direitos dos Animais

O rodeio profissional é de fato uma ferramenta de efetividade dos direitos dos animais, contudo é importante ressaltar que infelizmente, ainda há no Brasil a prática do rodeio amador, que muitas vezes não atende às regras e legislação vigentes, de forma que os organizadores não se preocupam com o bem-estar e saúde dos animais.

O Estado é extremamente falho na fiscalização dos rodeios no Brasil, tanto do profissional como do amador, contudo no rodeio profissional, os próprios organizadores e proprietários dos animais criaram parâmetros, regras de responsabilização e penalidades para aqueles que cometerem algum ato de crueldade para com os animais.

O inciso II, do artigo 3°, da Lei Federal n° 10.519 estabelece que a entidade promotora do evento deverá providenciar médico veterinário que será responsável pela boa condição física dos animais, contudo, coube à algumas entidades do rodeio profissional criarem regras próprias estabelecendo a responsabilização dos médicos veterinários em caso de ferimentos ou maus-tratos aos animais, a fim de garantir a integridade dos animais participantes do rodeio.

De outra forma, muitas vezes os veterinários contratados pelos rodeios amadores não são especializados no esporte e o desconhecimento da prática retira a possibilidade da melhor assistência médica aos animais.

Nos rodeios amadores, muitas vezes, são utilizados materiais sucateados, como os bretes nos quais os animais ficam acondicionados, bem como os apetrechos de montaria como o sedém e a corda americana que se encontram impróprios para o uso. Assim, o rodeio amador, em muitos casos, é uma atividade que infelizmente gera maus-tratos aos animais, pois não há preocupação com o bem-estar e segurança.

Hélia Araújo, em reportagem para a página virtual do jornal Folha de São Paulo, demonstra os riscos que peões e animais correm ao participarem de eventos clandestinos na cidade de Ribeirão Preto:

Em Ribeirão Preto, eventos acontecem sem condições básicas de segurança; faltam ambulatórios e ambulâncias. O diretor de rodeio da associação Os Independentes, de Barretos, Marcos Abud Wohnrath, afirma que o problema é generalizado. Pode ser visto em várias cidades, principalmente nas menores e mais próximas da capital.Segundo o veterinário Orivaldo Tenório de Vasconcelos, coordenador do Ecoa (Centro de Estudos do Comportamento Animal), os eventos colocam em risco a vida dos animais.Órgãos fiscalizadores afirmam que precisam de denúncias da população para coibir os rodeios e que isso dificulta as ações.Os organizadores admitem que não têm autorização para realizar os eventos. Apesar de eles não verem problemas para a prática, a reportagem constatou o contrário: até o público corre riscos, já que as arenas são improvisadas -uma delas é cercada por ripas finas de madeira.Lá, os touros ficam horas em corredores estreitos. Os animais levam socos e chutes com esporas antes e depois de entrar na arena. Ao contrário das esporas arredondadas usadas em rodeios profissionais, os peões utilizam outras, com pontas, que machucam ainda mais os touros. Nada disso, no entanto, parece preocupar os peões que participam dos eventos. A maioria, amadores, não usa equipamentos de segurança, como coletes e capacetes, e conta com a sorte quando cai do touro.Num dos rodeios, cada peão paga R$ 10 para competir e, em datas especiais, disputam prêmios -algumas competições oferecem motocicletas. A prática é irregular e pode causar a interdição do local e recolhimento dos animais participantes dos rodeios[106]. (grifo nosso).

O rodeio amador, se insere nas atividades que utilizam animais, como a criação de cães amarrados em correntes, ou criados de forma indevida, não é porque isso acontece com alguns que todos que criam cães como animais de estimação os criam mal, o entendimento acerca do rodeio não deve ser generalizado, mas compreendido de forma específica, justa e além de tudo baseado no conhecimento prático.

Sendo assim, cabe ao Estado fiscalizar de forma efetiva a realização dos rodeios e não julgar às cegas e baseado em senso comum.

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Sobre a autora
Lohana Pavylowa Corradi da Silva

Graduanda em Direito; Estagiária do Ministério Público da comarca de Pedro Leopoldo-MG; Competidora em prova de três tambores.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Lohana Pavylowa Corradi. A proteção dos direitos fundamentais dos animais no contexto da prática dos rodeios no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3698, 16 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24121. Acesso em: 25 abr. 2024.

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