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Ação de consignação em pagamento na Justiça do Trabalho

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11/04/2013 às 18:17
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Valor da causa

A simplicidade da petição inicial do processo do trabalho não exige nem mesmo que se fixe valor para a causa. A omissão desse detalhe não é causa de inépcia. Doutrinariamente ensina-se que o valor da causa tem importância processual e tributária e deve corresponder ao valor do bem jurídico buscado na lide. Não existem causas inestimáveis(cf. Pontes de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1996, 3ª edição, Tomo IV, p.19). Não tem serventia processual o ditado, encontradiço nas iniciais, de que se fixa este ou aquele valor “para efeitos fiscais”, ”fins de alçada”, ou expressão que o valha(cf. Barbosa Moreira. O Novo Processo Civil Brasileiro, 17ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1995, p.24). Quando se diz que se está fixando um valor “para fins fiscais”, essa quantia não corresponde, por suposto, à soma dos valores unitários dos pedidos, e é, quase sempre, apequenada para fraudar o fisco, pois é sobre ele que se cobram custas e emolumentos. O juiz pode, de ofício, fixar valor que lhe pareça mais consentâneo com o bem jurídico perseguido na lide(cf. Moniz de Aragão. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1991, 7ª edição, Vol.II, p.442; Humberto Theodoro Junior. Curso de Direito Processual Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1991, 3ª edição, Vol.I, p.304). Como pode servir de parâmetro para a fixação de competência, segundo as leis de organização judiciária(CPC, art.91); ao rito do processo(ordinário ou sumaríssimo)de conhecimento(CPC, art.275); à disciplina dos recursos(Lei nº 5.584/70, art.2º, §4º); às sanções processuais (CPC, art.538, parágrafo único); às multas(CPC, art.488, II) e aos honorários de advogado(CPC, art.20,§4º), é matéria de ordem pública e não deve ficar sujeita ao talante das partes, ainda quando nisso estejam de acordo. O autor somente está autorizado a fixar aleatoriamente um valor para a causa quando esta não tiver conteúdo imediato e ainda assim o réu poderá impugná-lo.

A L. nº 5.584, de 26/6/70, diz que o juiz, antes de passar à instrução, fixará o valor da causa, se este for indeterminado no pedido. Não o sendo, e mesmo que não haja impugnação ao seu valor, pelo réu, o juiz pode, de ofício, na sentença, fixar o valor que mais se aproxime do equivalente à expressão econômica dos pedidos. Numa palavra: valor da causa é a soma da expressão econômica do pedido. Logo, valor da causa na ação de consignação em pagamento é o valor exato que o devedor entende dever ao credor e oferece para depósito. Essa é a "expressão econômica do pedido". Se o pedido vale 10, o valor da causa deve ser 10, e não 5 ou outro qualquer, apenas para diminuir eventual condenação em custas. 


Limites da cognição na ação de consignação

O fato de dizer-se que a ação de consignação em pagamento é de natureza meramente declaratória, e que o juiz deve, na sentença, se limitar a declarar se o depósito é integral e se a obrigação de pagar ou de dar está ou não extinta, não exclui a possibilidade de que a sua atividade investigativa no plano da cognição seja ampla. Para chegar à certeza do veredicto, o juiz pode investigar absolutamente tudo o que disser respeito a qualquer ação declaratória. Se o objetivo da ação de consignação é declarar a integralidade do depósito e a extinção da obrigação, liberando o devedor, o juiz pode interpretar cláusulas, revolver fatos, “examinar a substância da obrigação, para aferir o direito invocado pelas partes, e o teor da justiça ou injustiça da recusa manifestada pelo credor. Como ação de conhecimento, com vasto potencial probatório, é meio processual idôneo para examinar o conteúdo do pacto e a extensão das responsabilidades dos contratantes”(cf. Marmitt, cit.p.18/19). A doutrina ensina que "O caráter apenas declaratório da ação de consignação em pagamento abre-lhe espaço para abarcar a mais ampla investigação das questões postas em juízo. Matéria estranha à extinção da obrigação e à exoneração do devedor, porém, será impertinente. Mas o debate sobre a origem, a natureza e o montante da dívida muitas vezes é indispensável. Sem essa geral averiguação da presença ou não do direito invocado pelas partes, o magistrado não terá condições de dar uma prestação jurisdicional tranquila"(cf. Marmitt, cit.,p.223). De fato. Se o legislador permite ao credor recusar a oferta alegando que o faz porque o depósito não é integral, do mesmo modo deve permitir ao devedor provar que é, e para isso pode tornar-se indispensável a discussão a “a respeito da existência ou não da relação jurídica que constitua causa da obrigação, e sobre o valor efetivamente devido. Se não admitisse essa prova, estaria impedindo a realização da justiça. Aliás, essa carga probatória é necessária e inevitável em muitas ocasiões, não sendo intenção do legislador afastá-la, pois no art.899 concede a complementação do depósito, se oportunamente apontada a sua insuficiência"(Marmitt, cit.,p.224). O juiz não está impedido de “analisar outras questões levantadas pelas partes, e mesmo por elas não suscitadas, a fim de que possa firmar soberanamente a sua convicção. Nada lhe proíbe perquirir se o consignante efetivamente deve, quanto deve, a quem deve, e por que deve. Nada lhe veda decidir incidentalmente sobre todas essas obrigações e perguntas, sem que suas resoluções sobre tais itens passem a integrar a sentença como coisa julgada material. Vale aí a diferença fundamental entre cognitio e judicium, entre meras resoluções e sentenças que operam a res judicata. Somente esse conteúdo autorizativo da sentença prolatada na consignatória é delimitado, muito embora seja plena a cognição sobre todas as questões suscitadas na fase instrutória, e que culminam com a análise do ato sentencial. A origem da dívida, sua natureza, sua validade, a consistência das relações jurídicas entre os litigantes, etc., são fatores que podem e devem ser apreciados, como o são no rito ordinário, vez que após a contestação a consignatória envereda pelo mesmo caminho e oferece às partes as mesmas garantias"(cf.Marmitt, cit.,p.19/20).


Cabe reconvenção na ação de consignação?

Cabe. Além de contestar, o réu — credor na consignatória — pode reconvir. Reconvenção é uma ação do réu, contra o autor, no mesmo processo. "A conexidade com a ação principal ou com o fundamento da defesa nela apresentada é o único requisito da reconvenção" (cf. Marmitt, cit.,p.221). Há conexidade de fundamentos entre a reconvenção e a ação de consignação em pagamento quando (1º) os fundamentos da reconvenção e da contestação da causa principal forem idênticos; (2º) houver identidade de causa de pedir, ainda que remota, entre a reconvenção e a ação de consignação; (3º) houver identidade de objeto entre essas duas causas. "Impossível reconvir para alcançar uma dívida diversa daquela que o demandante e reconvindo (sic) deseja consignar. Na consignatória o autor busca liberar-se de sua obrigação de satisfazer a prestação injustamente recusada pelo réu. O cerne da questão limita-se ao valor da prestação, à existência ou não da recusa em recebê-la, e aos fatos justiça ou não da recusa"(cf. Marmitt, cit.,p.222). O que o consignatário(credor) não pode fazer é reconvir contra o autor da consignatória(devedor)pretendendo obter pagamento de dívida de natureza diversa daquela que o autor da consignatória(devedor) pretendeu consignar. Se o consignante — autor da consignação — chamou a juízo o empregado para que viesse receber verbas rescisórias, e dar quitação, o empregado não pode reconvir alegando, por exemplo, que não aceita o valor oferecido porque trabalhou em igualdade de condições a outro empregado e faz jus à equiparação salarial, com o que o valor das rescisórias seria outro se se levasse em conta esse plus decorrente de um suposto tratamento isonômico. Como a defesa é um ônus, e não uma obrigação, o empregado-consignatário não está obrigado a se defender. Pode comparecer ao foro apenas para reconvir. Se preferir responder e reconvir, a petição de reconvenção pode até mesmo ser feita na própria defesa de mérito da lide deduzida na ação de consignação, embora seja aconselhável que venha em peça autônoma. Nesse caso, haverá uma única sentença para a consignatória e para a reconvenção.


Denunciação da lide

O art.70 do CPC diz que a denunciação da lide é obrigatória (1) ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta; (2) ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada; (3) àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

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O STJ já decidiu que a denunciação da lide é possível na ação de consignação em pagamento(STJ-4ª T., Ag.17.386-0-AgRg, Min. Sálvio de Figueiredo, julgado em 2/2/1992, publicado no DJU de 8/3/93). Em princípio, a denunciação da lide não é cabível no processo do trabalho porque contraria o seu princípio mais caro — a celeridade — e obriga o juiz a decidir lide que não é da sua competência originária. O juiz do trabalho decide lide entre o empregado e o empregador. Quando se admite denunciação da lide no processo do trabalho, forma-se uma relação triangular: uma entre o empregado e o patrão, outra entre o patrão e um terceiro(pessoa física ou jurídica). A relação jurídica entre a empresa(denunciante) e o terceiro(denunciado) é de natureza civil, res interalios para o empregado. Ojuiz do trabalho não tem competência material para decidi-la, ainda que se dê interpretação elástica ao art.114, IX, da CF/88, quando afeta ao juiz do trabalho competência para decidir “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”. Em tese, o inciso III do art.70 do CPC permitiria a denunciação no processo do trabalho se a empresa denunciante, embora não se confesse devedora direta do crédito do empregado, provasse ter interesse jurídico numa possível ação regressiva de cobrança em face do denunciado para ressarcir-se do que tiver pago em seu nome.  Outra hipótese de admissibilidade da denunciação seria a do sócio demandado por dívida da empresa da qual se desligou há mais de dois (Código Civil, art.1.032).


Recusa do credor

Como o devedor tem o direito de pagar e obter quitação, o credor somente pode se recusar a receber e dar quitação se tiver um motivo justo para isso(CPC, art.896, II). A lei não diz o que é “motivo justo”, cabendo ao juiz sopesar essa justificativa em cada caso em concreto. A recusa pode ser expressa ou tácita, mas não precisa ser escrita. Na expressa, o credor diz, objetivamente, que não vai receber, por esta ou aquela razão; na tácita, seomite, não se apresenta para receber nem nomeia quem o faça por ele ou dificulta o pagamento por parte do devedor. A doutrina equipara à recusa tácita o fato de o credor se afastar do local do pagamento sem aviso prévio e sem deixar procurador que o represente (cf. Marmitt, cit.,p.52). No processo do trabalho, a recusa do empregado-consignatário em receber o valor oferecido pela empresa na ação de consignação em pagamento quase sempre se restringe à alegação de que não houve a falta grave imputada para a rescisão do contrato de trabalho; o contrato de trabalho não poderia ter sido rescindido porque o empregado tinha algum tipo de proteção provisória, como acidente do trabalho, mandato sindical, eleição para a CIPA etc; ou porque o depósito não é integral.


Inércia do credor

Sabendo-se que a dívida trabalhista é de natureza quérable, e que cabe ao empregado buscar a empresa para receber o crédito, a empresa deve, em até dez dias após a terminação do contrato de trabalho, propor ação de consignação se o empregado não comparece para receber nem diz por que não o faz. Se a sociedade empresária dispensar o empregado e não agir nesse prazo, cairá em mora. Por que dez dias? Porque é esse o prazo que o art.477 da CLT estabelece para a quitação da rescisão do contrato de trabalho (CLT, art.477, §6º, “b”) quando o empregado é dispensado sem justa causa e não foi previamente avisado da dispensa, teve o aviso prévio indenizado ou foi dispensado de seu cumprimento. 


Credor ausente ou em lugar ignorado ou inacessível

São também comuns casos de consignação em que o ex-empregado foi declarado ausente, ou reside em lugar incerto, perigoso ou de difícil acesso. “Ausência” é a total falta de notícia sobre determinada pessoa e o desconhecimento absoluto de seu paradeiro. A doutrina recomenda que nos casos de ausência o juiz deve nomear curador(cf.Marmitt,cit, p.57). No processo do trabalho não se aplica essa regra, mas o juiz deve notificar o representante do Ministério Público do Trabalho para que assuma a defesa do empregado ausente. O membro do parquet poderá contestar a ação, aceitar ou recusar o pagamento. Também são comuns ações consignatórias em que o empregado está em lugar incerto, perigoso ou de difícil acesso. Neste caso, entende-se que o devedor não pode ser apenado com gastos excessivos nem ser obrigado a se expor a perigo manifesto apenas para cumprir a obrigação de pagar e exercer o direito de obter quitação. Em particular no Rio de Janeiro, em que é notória a existência de áreas de morros dominadas por facções criminosas, não faz sentido exigir do empresário que delegue a empregado seu a tarefa de procurar o credor que, fortuitamente, resida numa dessas regiões.


Disputa pelo pagamento

Pode ocorrer, ainda, que por ocasião da morte do empregado duas ou mais pessoas se apresentem para receber o quinhão a que aquele tinha direito. Nesse caso, mesmo que o devedor não tenha dúvida sobre quem está legitimado a receber, a lei proíbe o pagamento. Se o devedor pagar a um dos sedizentes credores, mesmo tendo ciência da disputa sobre a titularidade da quantia, corre o risco de repetir o indébito, isto é, pagar duas vezes (Código Civil, art.344). Feito o depósito, a lide passa a ser travada entre os sedizentes credores, e não mais entre o devedor e o credor originário.


Incapacidade do credor

O art.335, III, do Código Civil, autoriza a consignação em pagamento quando o credor for incapaz de receber e dar quitação. O art.439 da CLT autoriza o trabalhador menor de idade firmar recibo de pagamento de salários, mas proíbe o menor de 18 anos de assinar recibo de quitação de indenizações sem assistência de seus responsáveis. Assim, tratando-se de ação consignatória proposta em face de trabalhador menor de 18 anos, a intimação deve ser feita na pessoa de seus responsáveis, e esses darão quitação. Caso não possam ou não saibam assinar nem mesmo o nome, a quitação deve ser feita a rogo, isto é, com aposição de impressões digitais seguidas de assinatura de duas pessoas presentes ao ato.

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Sobre o autor
José Geraldo da Fonseca

Advogado - Veirano Advogados. Desembargador Federal do Trabalho aposentado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, José Geraldo. Ação de consignação em pagamento na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3571, 11 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24141. Acesso em: 24 abr. 2024.

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