Credor desconhecido
O caso mais corriqueiro de consignação em pagamento na Justiça do Trabalho por desconhecimento do credor se dá quando o empregado falece em serviço e ainda não foi aberto inventário. Nas empresas mais bem organizadas, a ficha de registro de empregados é sistematicamente atualizada e o patrão sabe quem são os herdeiros e dependentes do morto. Na maioria dos casos, porém, isso não acontece, e a empresa tem dúvidas sobre quem pode legitimamente receber os haveres do ex-empregado. O art.1º da Lei nº 6858/80 diz que os valores devidos ao empregado, o PIS e o FGTS, não recebidos em vida, serão pagos, em cotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento. Assim, se a empresa tem dúvida sobre a quem pagar, e não dispõe de uma atualizada ficha de registro de empregados, deve pedir ao juiz da causa, já na petição inicial, que mande oficiar ao INSS para que informe quem está habilitado perante a Previdência Social e, uma vez conhecido o beneficiário, mandar citá-lo para vir receber e dar quitação. Se houver menores, o mais prudente é dividir o quinhão entre a viúva ou viúvo e os herdeiros menores, depositando a quantia cabente aos menores em cadernetas de poupança até a sua maioridade. Se não houver habilitados perante o INSS, paga-se segundo a vocação da lei civil.
O que acontece se o empregado (credor) não comparece?
Todo o procedimento da ação de consignação em pagamento visa forçar o credor, a pedido do devedor, a comparecer ao foro em dia e hora designados pelo juiz para receber a quantia que o devedor quer pagar, e dar quitação, sob pena de ser feito o depósito da quantia confessadamente devida. Se o juiz designa dia e hora para que o devedor compareça em cartório para pagar e obter quitação e o credor não comparece, há revelia (CPC, art.897), e reconhecimento jurídico do pedido, ficando o devedor autorizado a promover o depósito. Realizando-o, e assim que escoado o prazo preclusivo de dez dias para o credor contestar a lide, o juiz julgará a causa conforme o estado do processo (CPC, art.330, II).
O que acontece se o patrão (devedor) não comparece?
O depósito por consignação é meio indireto de pagamento e consequente extinção da obrigação. Se o devedor pede a intimação judicial do credor para que venha receber e dar quitação, sob pena de ser feito o depósito, e ele próprio não comparece para a “oblação”(oferta), o juiz deve extinguir o feito por falta de um de seus pressupostos de constituição e desenvolvimento válido (CPC, art.267, IV). Se o credor provar ter contraído despesas para vir ao foro, a pedido do devedor, pode pedir que isso fique consignado nos autos para futura responsabilização do consignante.
Depósito ou “oblação”
Na Justiça do Trabalho, ajuizada a ação de consignação em pagamento pelo sedizente devedor, o juiz designa dia e hora para que o autor-consignante venha ao foro pagar ao empregado-consignatário a quantia que reconhece dever, e traditar a guia AM para saque do FGTS, ou restituir a CTPS, ou algum outro documento pertencente ao ex-empregado, se for o caso. Normalmente, esses processos não são incluídos em pauta e o pagamento pode ser feito na secretaria da Vara. Em seguida, manda intimar o empregado-credor para que venha receber, nomeie quem o faça por ele ou diga por que se recusa a receber. A esse depósito Pontes de Miranda chama “oblação”.Como o devedor quer, por meio da ação de consignação em pagamento, livrar-se da mora, e obter quitação, é o depósito, e não a sentença que vier a ser proferida na ação consignatória que terá força constitutiva para a extinção da obrigação. A sentença irá apenas declarar que o depósito é integral e substitui o pagamento direto que o credor não quis receber ou não foi encontrado a tempo(cf. Arnaldo Marmitt. Consignação em Pagamento, Editora AIDE, 1990, 1ª edição, p.13). Se o empregado comparecer, receber e não contestar a ação, o processo irá à conclusão do juiz, que julgará procedentes os pedidos, declarará integral o depósito e extinta a obrigação, condenando ou não o réu-consignatário em custas. Contra essa sentença o empregado pode interpor recurso ordinário para o tribunal regional, em oito dias contados da intimação. Se o empregado comparecer ao foro e contestar a ação, aceitando ou não o depósito, sob ressalva, o feito passa a correr pelo rito normal de qualquer ação trabalhista, com ampla possibilidade de provas. Nesse caso, o juiz designará pauta e determinará as provas necessárias, julgando o feito em seguida. Como o feito correrá no rito ordinário das demais ações trabalhistas, o juiz poderá determinar, de ofício, a audição das partes, para os efeitos da confissão, e limitará a prova testemunhal a três para cada parte. A parte não tem direito à audição de três testemunhas, mas até três. O juiz pode dar-se por esclarecido com a audição de apenas uma, e não há, nisso, cerceamento de defesa, a menos que as testemunhas que não tenham sido ouvidas pudessem ter colaborado com informação sobre fatos controvertidos e relevantes que a testemunha ouvida desconhecia, que sejam necessários ou úteis ao esclarecimento da controvérsia e que o juiz deva levar em consideração para decidir. O depósito oferecido pelo devedor deve estar corrigido e acrescido de juros de mora desde o dia em que a obrigação era devida e não foi paga até o momento da oblação, para evitar que o credor o recuse alegando que não é integral. Se for essa a única alegação do credor, o consignante tem dez dias para completar o depósito (CPC, art.899). O depósito já feito pode ser levantado pelo credor-réu, prosseguindo a lide por eventual diferença(CPC, art.899,§1º).
Pagamento por cheque
Cheque é ordem de pagamento à vista. Ninguém é obrigado a aceitar cheque, especialmente pós-datado (ou “pré-datado”, como se diz popularmente). O único pagamento que efetivamente quita a obrigação é aquele feito em dinheiro, isto é, “moeda corrente”. Ninguém é obriga a aceitar pagamento em moeda estrangeira, ainda que mais estável ou valiosa do que a nossa. O art.477,§4º, da CLT, diz que o pagamento da rescisão do contrato de trabalho deve ser feito em dinheiro ou em cheque visado. Pagamento a empregado analfabeto só é válido se feito em dinheiro. Na consignação, o empregado não está obrigado a aceitar pagamento por cheque. A menos que o empregado aceite, não é possível pagar com cheques de terceiros ou de outra praça diferente daquela por onde tramita a ação.
Honorários de advogado
No processo do trabalho, os honorários de advogado não decorrem apenas da sucumbência da parte. Para fazer jus a eles, é preciso que a parte, além de vencer a lide, esteja assistida por seu sindicato de classe e receba, no dia do ajuizamento da ação, até dois salários mínimos por mês. Se receber mais do que isso, deve declarar, sob pena de responsabilidade, que não pode litigar sem prejuízo de seu sustento ou do sustento de sua família (Lei nº 1.060/50, art.11, §1º c/c Lei nº 5.584/70, art.14, §1º).
Custas pelo vencido
O valor das custas e o ônus de pagá-las são questões controvertidas na ação de consignação. Para alguns, se o credor comparece em dia e hora fixados pelo juiz e recebe sem contestar o valor oferecido, há reconhecimento jurídico do pedido e a lide não chegou a se formar, devendo ser extinto o processo, por falta de objeto. Não é isso o que está na lei. O art.897 do CPC diz que se o credor não contestar, ou for revel, o juiz julgará procedente o pedido, declarará extinta a obrigação e condenará o réu nas custas e honorários. O parágrafo único do art.897 diz que assim também será se o credor receber e der quitação. Se o credor reconhece o pedido, e aceita o oferecimento do depósito sem contestar, "deverá, como forma de justiça e com base na lei, indenizar os prejuízos causados a quem foi compelido a buscar a tutela jurisdicional do Estado, a fim de fazer valer seus direitos"(cf. Marmitt, cit., p.211). No processo do trabalho, custas (à taxa de 2%, cf. art.789 da CLT) são pagas pelo vencido, após o trânsito em julgado da decisão. Em acordos ou condenação, incidem sobre o valor acordado ou sobre o arbitrado na sentença ou acórdão (CLT, art.789, I); na procedência ou improcedência do pedido e na extinção do processo, sem resolução do mérito, sobre o valor da causa (CLT, art.789, II e III); se o valor da causa for omitido ou indeterminado na inicial, sobre o valor que o juiz fixar (CLT, art.789, IV).
Ação de consignação e procedimento sumaríssimo
Outra questão recorrente no foro é saber se é possível reunir duas ações — uma principal, de rito sumaríssimo, e outra acessória, de consignação em pagamento—. A meu ver, tramitando, ao mesmo tempo, em duas Varas distintas, uma ação de consignação em pagamento e outra de rito sumaríssimo, em princípio não há qualquer óbice na sua reunião. Os ritos de uma e de outra são compatíveis. É preciso considerar, contudo, que as ações trabalhistas de procedimento sumaríssimo se sujeitam a uma alçada de até 40 salários mínimos (art. 852-A). [2] Assim, o valor da ação de consignação em pagamento não pode exceder o limite de quarenta salários mínimos, na data do seu ajuizamento. A lide deduzida na ação de consignação em pagamento é sempre contida, isto é, o objeto de sua cognição é menor que o da ação principal; a deduzida na ação trabalhista de rito ordinário ou sumaríssimo, continente, isto é, o objeto de sua investigação, por ser mais amplo que o da ação de consignação, abarca o daquela. A lide deduzida na consignação é contida porque a atividade cognitiva nela desenvolvida é mais restrita, já que, em regra, se destina a dar subsídios ao juízo apenas para declarar a integralidade do depósito consignado e a extinção da obrigação de pagar, fazendo cessar a mora do devedor. Em contrapartida, diz-se que a lide deduzida na ação de rito ordinário ou sumaríssimo é continente porque contém a lide deduzida na consignação, isto é, por permitir cognição ampla.
Declaração incidental na ação de consignação
Como dito, um dos casos mais comuns de ação de consignação em pagamento na Justiça do Trabalho é aquele em que o patrão dispensa o empregado, por justa causa, mas o empregado se recusa a receber o valor oferecido porque discorda dessa acusação para a terminação do contrato e, claro, da quantia que o patrão se dispõe a pagar. De modo geral, ocorre o seguinte: citado para vir defender-se da ação de consignação, o empregado vem a juízo, recebe os valores que o patrão oferece, contesta a ação de consignação e, num momento seguinte, ajuíza ação trabalhista em face do patrão pedindo todas as verbas rescisórias que entende devidas, alegando, especialmente, não ter dado motivo para a dispensa por justa causa. Como o juiz que recebeu por distribuição a ação de consignação está prevento, essa ação trabalhista do empregado em face da empresa é distribuída por dependência à ação de consignação em pagamento e será julgada na mesma sentença e pelo mesmo juiz. Todo o esforço do patrão foi inútil porque a justa causa, que foi o fundamento da ação de consignação, não foi discutida naquela ação, e agora o será na ação trabalhista movida pelo empregado, cabendo à empresa o ônus de provar que o empregado de fato praticou uma falta grave. Isso tudo poderia ter sido evitado com um pouco mais de técnica e com base na aplicação dos arts. 5º e 325 do CPC.É que, segundo o CPC, não fazem coisa julgada (1º) a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da decisão e (2º) os motivos da sentença, ainda que relevantes para a determinação do alcance da sua parte dispositiva. Assim, em tese, ainda que o juiz reconheça na fundamentação da sentença da ação de consignação em pagamento ter existido justa causa para a dispensa do empregado, dirá, no máximo, que o depósito feito pelo patrão é integral, porque compatível com a forma de rescisão do contrato de trabalho, e declarará extinta a obrigação da empresa, julgando procedentes os pedidos postos na ação de consignação. Nada mais. Isso não impedirá o empregado de ajuizar ação trabalhista sustentando, exatamente, não ter havido justa causa para a dispensa, e deduzindo, quando muito, os valores já recebidos na ação de consignação. Embora o art.468, III, do CPC, diga que não faz coisa julgada a apreciação de questão prejudicial decidida incidentalmente no processo, o art.470 do CPC diz que faz coisa julgada a resolução de questão prejudicial se a parte o requerer e essa questão constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide. Assim, segundo penso, sempre que a ação de consignação em pagamento for proposta pelo patrão tendo como fundamento a recusa do empregado em receber o dinheiro de uma rescisão de contrato, por justa causa, a petição inicial dessa ação consignatória deveria explorar exaustivamente, nas causas de pedir, a forma da rescisão (dispensa por justa causa), protestar pela prova do fato alegado(justa causa do consignatário para a rescisão do contrato de trabalho) e conter, desde logo, pedido expresso de que seja declarado incidentalmente na sentença ter havido justa causa para a rescisão do contrato de trabalho. Em regra, os advogados resistem à ideia de pedir a declaração incidental partindo do entendimento equivocado de que essas questões não podem ser debatidas no âmbito da ação de consignação. Isso é um erro. O fato de se dizer que a ação de consignação em pagamento é meramente declaratória não impede uma cognição ampla sobre os fundamentos da consignação. Tudo pode ser debatido na fase de conhecimento, e deve mesmo sê-lo, para permitir ao juiz um amplo espectro de fatos que lhe permitam ditar uma sentença segura, exaustiva e justa. Dessa forma, essa declaração, que é incidental, embora lançada nos fundamentos da sentença proferida na ação de consignação, passará a constar do dispositivo da sentença da ação consignatória e fará coisa julgada. Mais tarde, depois de receber os valores consignados, se o empregado ajuizar ação trabalhista em face do patrão alegando inexistência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, o patrão poderá suscitar, em preliminar de defesa, existência de coisa julgada sobre a natureza da rescisão contratual(se houve ou não justa causa para o desfazimento do vínculo de emprego), e pedir a extinção do processo, quanto a esse ponto, e quanto aos demais que dele decorrem(como aviso prévio, multa do art.477 da CLT, seguro-desemprego, férias e 13º proporcionais, entre outros). É claro que, em relação a outras questões de fato ou de direito que não tenham ligação direta com a existência da falta grave (anotação de CTPS, desvio de função, diferença de salários, férias vencidas, horas extras etc), o processo terá de seguir o seu curso natural.
Julgamento na mesma sentença
Tramitando, ao mesmo tempo, uma ação principal e outra de consignação em pagamento conexa a ela e distribuída por dependência, ambas devem ser instruídas pelo mesmo juiz e julgadas numa só sentença. O juiz não deve ditar duas sentenças no mesmo processo, uma para a ação principal e outra para a consignatória, mas abrir, na mesma sentença, um capítulo para decidir a ação de consignação. Se se trata de uma só sentença, haverá apenas uma condenação em custas paras ambas as lides(consignatória e principal) e um único depósito recursal, embora o juiz possa, atendendo ao princípio de que o valor da causa é a soma das expressões econômicas do pedido, somar os pedidos das duas ações para arbitrar um valor para a causa mais compatível com o bem em disputa. Sobre esse valor único serão cobradas as custas judiciais e esse valor único servirá para o depósito. Se o valor arbitrado pelo juiz da causa superar o valor para depósito fixado pelo TST por ocasião da interposição do recurso ordinário ao tribunal regional, a parte que quiser recorrer deve recolher o depósito até o limite fixado pelo TST. Se o valor fixado pelo juiz for menor que o valor do depósito recursal fixado pelo TST, o recorrente deve recolher a totalidade do valor arbitrado pelo juiz que decidiu a lide consignatória e principal.