4. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM FACE DOS DISSÍDIOS COLETIVOS DECORRENTES DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS TRABALHADORES REGIDOS POR ESTATUTO
Contextualizados em um cenário em que o trabalhador público em nada difere do trabalhador particular, no que tange a exploração da força laboral, visto que ambos são subordinados ao detentor dos meios de trabalho, ambos são remunerados em troca da força laboral e, de outro lado, o tomador dos serviços pretende sempre desenvolvimento, crescimento e aprimoramento de suas atividade, não há dúvidas que os direitos decorrentes da relação de trabalho celetista ou estatutária devem ser idênticos.
Também não há dúvidas de que a legislação específica que regula o exercício do direito de greve de ambos os trabalhadores (públicos ou particulares) é a mesma, face o mandado de injunção 712/PA.
Assim sendo, uma vez que a jurisdição do trabalho tem por competência os conflitos decorrentes da relação de trabalho e do exercício do direito de greve, (incisos I e II do artigo 114 da CR/88) é patente sua competência para julgar os dissídios oriundos do exercício do direito de greve pelos trabalhadores públicos, visto que agora greve no serviço público é regida por lei específica.
Contudo, muito embora a afirmativa supra pareça correta e óbvia, não há segurança jurídica quanto a sua efetividade, tendo em vista que a competência trabalhista em face dos dissídios individuais foi subtraída da Justiça do Trabalho pela ADI 3395 “através da famosa e errônea liminar do ex-ministro Jobim que, não obstante a solar clareza do art. 114, I, decidiu que a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar a relação individual estatutária”. (SILVA, 2008)
Neste contexto posiciona-se Antônio Álvares da Silva (SILVA, 2008): “Agora, surge o problema com roupagem nova, através do conflito coletivo de trabalho que, pela liminar do Min. Eros Grau, pode tomar o mesmo destino do conflito individual, esvaziando por completo a possibilidade de renovação da Justiça do trabalho”.
Contudo, cabe a nova doutrina confrontar o, data venia, equivocado posicionamento cotido na ADI 3395, na tentativa de fixa-se a correta aplicação (e não aplicação visto que esta é obvia), do disposto nos incisos I e II da CR/88.
Depois da já citada decisão do mandado de injunção 712, a Lei 7783/89 passa a ser aplicada ao servidor público, nos seguintes termos, in verbis:
"Em face de tudo, conheço do presente mandado de injunção, para, reconhecendo a falta de norma regulamentadora do direito de greve no serviço público, remover o obstáculo criado por essa omissão e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no art. 37, VII da Constituição do Brasil, nos termos do conjunto normativo enunciado. Restou claro pelo voto do Relator que os artigos 1º ao 9º, 14, 15 e 17 da Lei 7783/89, com as alterações necessárias ao atendimento das peculiaridades da greve nos serviços públicos, são aplicáveis ao trabalhador público.
Ainda, o Mandado de Injunção nº 712/PA, adaptou questões de ordem material da Lei 7783/89, às peculiaridades do serviço público e não de ordem processual, senão vejamos.
Os artigos 3º e 4º da Lei 7783/89 foram adaptados, sendo o termo “cessação coletiva” substituído pelo termo “cessão”, assim como o termo paralisação coletiva foi substituído pelo termo paralisação parcial, respectivamente, além da alteração atinente a majoração do prazo de 48 para 72 horas, para a paralisação.
No artigo 7º, retirou-se a referência ao art. 9º, tendo em vista que não é possível que a Administração Pública, enquanto perdurar a greve, contrate diretamente mão-de-obra substitutiva, mantendo-se a referência do art. 14.
No art. 14, o abuso do direito foi regulado da seguinte forma:
“Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, em especial o comprometimento da regular continuidade na prestação do serviço público, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho."
Destaca-se especialmente aqui que nenhuma alteração quanto à competência da Justiça do Trabalho para decidir questões de greve caso não haja celebração de acordo, convenção de trabalho. Ademais, em toda a adaptação firmada pelo MI 712 a jurisdição do trabalho se mantem de forma clara, veja-se. “No artigo 5º a jurisdição trabalhista em nada é alterada, cabendo, assim com no artigo 7º, no qual uma das vias eleitas para a solução das lides decorrentes do exercício do direito de greve é a Justiça do Trabalho”.
Outro exemplo claro e incontestável no que tange ao alcance da jurisdição trabalhista está disposto no artigo 8º da Lei 7783/90, senão vejamos: “8º - A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão”.
Não bastasse, o artigo 14 da citada norma menciona que caberá à Justiça do Trabalho decidir questões relativas a abuso do direito de greve e à inobservância das normas contidas na presente Lei, além das regras fixadas após a celebração de acordo, convenção.
Outro argumento que sustenta o alcance da jurisdição da Justiça do Trabalho no que tange ao exercício do direito de greve dos trabalhadores públicos é a competência definida pelo artigo 15 da lei de greve, que em nada foi alterado pelo Mandado de Injunção nº 712, dispondo que até mesmo as questões relativas aos atos e ilícitos cometidos durante a greve serão apurada, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal, conforme o caso.
Diante da clareza do completo normativo decorrente da decisão texto e da expressa referência à Justiça do Trabalho, fica claríssima sua competência para julgar os conflitos provenientes do exercício do direito de greve no serviço publico. Nem podia ser diferente.
Diante do exposto, no complexo normativo definido pela decisão do Mandado de Injunção nº 712 é patente que a Justiça do Trabalho é competente e negociação coletiva sem qualquer restrição. Portanto, está inequivocamente garantida sua competência para os conflitos enumerados no acórdão.
Em última ratio se a Lei 7783/89, destinada a priori ao trabalhador particular, foi adaptada e compatibilizada com o serviço público, por que se haveria de subtrair da Justiça do Trabalho peculiar ao trabalhador particular. Ainda, caso a intenção do Legislador fosse reduzir a competência da Justiça do Trabalho no que tange aos trabalhadores da Administração Pública, a Emenda nº 240 da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Vereadores teria sido vetada.
Assim sendo, diante do sistema Constitucional vigente e da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal as lides decorrentes do direito de greve, seja ela exercida pelos trabalhadores na iniciativa privada ou da pública estão abarcadas pela jurisdição trabalhista.
5. O MODELO ITALIANO
Partindo do pressuposto que o presente artigo não tem por escopo tratar da Jurisdição Trabalhista Italiana, mas, tão somente traçar um breve comparativo no que tange ao julgamento das questões decorrentes do exercício do Direito de Greve, no Brasil e na Itália, cumpre destacar apenas alguns pontos, senão vejamos.
O modelo italiano de jurisdição, em linhas gerais, tem fortes traços civilistas sendo que todo o procedimento correlato ao Processo judicial está definido pelo Código de Processo Civil, ao contrário do Brasil que há tempos já possui jurisdição do trabalho bem definida, com regras de processo próprias.
Contudo, muito embora não haja na Itália justiça especializada do trabalho, há varas específicas de Direito do Trabalho, especialmente nas grandes cidades, varas estas que processam e julgam todas as questões relativas ao contrato de trabalho latu sensu, não havendo, portanto, diferença quanto a competência em relação às partes.
Ressalta-se que na Itália também há uma lei específica que regula, mesmo que genericamente, a relação de trabalho na Administração Pública, qual seja, o Decreto Legislativo 165/2001, contudo, a tendência italiana é no sentido de uniformização de direitos, conforme o esclarece o Prof. Giancarlo Perone (PERONE, 2008). Logo, não há que se falar em distinção quanto ao empregador para que se possa firmar a competência da jurisdição do trabalho.
No que tange ao Direito de Greve, na Itália este direito também é constitucionalmente assegurado, conforme dispõe o artigo 40 da Constituição Italiana16, que dispõe que o direito de greve será exercido nos limites da lei, qual seja, a Lei nº 146/60, que na Itália regulamentou o exercício desse direito, não havendo qualquer distinção quanto a que exerce este direito, ou seja, se é um trabalhador da iniciativa pública ou privada.
Destarte, na Itália, além de todos os trabalhadores estarem livres e amparados por lei para exercer o direito de greve, não há qualquer distinção quando da fixação da competência para julgar as lides decorrentes do exercício da greve, visto que, tanto os trabalhadores do setor privado, quanto os trabalhadores da administração pública, nos conceitos do Direito Italiano, em ambos os casos está configurada a relação de trabalho onde uma parte cede sua mão de obra em troca de remuneração, com fins de evolução do capital do empregador, seja ele público ou privado.
6. CONCLUSÃO
Diante do exposto, para enfretamento do objeto deste estudo, para fixação da competência de um jurisdição é preciso muito mais que interpretar a literalidade da letra da lei, é preciso contextualizar a questão especialmente no que tange a sua evolução história e legislativa, sob pena de retrocesso social irreparável.
Conforme já citou o Professor Antônio Álvares (SILVA, 2008), muito embora a decisão política proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3395 tenha extirpado da Justiça do Trabalho a competência para julgar a relação individual estatutária, o mesmo não poderá ocorrer com as lides coletivas.
Ora, a alteração do texto constitucional introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004 não pode ser interpretada como mera atecnia legislativa, visto que a evolução da Competência da Justiça do Trabalho é evidente em todos os textos constitucionais, sempre no sentido de especificação das lides decorrentes da relação ampla de trabalho. E, se assim não fosse, não haveria mais razão para especialização da competência trabalhista, que se justifica nas peculiaridades da relação em que a obrigação de fazer é a prestação laboral.
Destarte, no contexto constitucional e histórico da Justiça do Trabalho, ela é sim competente para processar e julgar os dissídios decorrentes do exercício do direito de greve dos trabalhadores na Administração Pública, seja em virtude da nova redação do caput do artigo 114 da CR/88, combinado com seu inciso II, e mais ainda em decorrência da adoção da Lei 7783/89, como reguladora do exercício do Direito de Greve na Administração Pública, tendo em vista que a Corte Máxima do Poder Judiciário brasileiro ratificou a competência já estabelecida por esta lei, seja pelo fato de nada ter alterado neste sentido, seja pelo fato de adotar explicitamente todos artigo da lei 7783/89 que elegem a Justiça do Trabalho como competente para processar e julgar as lides oriundas do direito de greve.
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Notas
[1] EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2004, que alterou os dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências.
2 Lei 7.783 de 28 de junho de 1989, dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.
[2] Mandado de Injunção 712/PA, impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário do Pará impetraram o Mandado de Injunção nº 712/PA, no qual se pleiteava o preenchimento da lacuna legislativa quanto ao exercício do Direito de Greve pelos trabalhadores na Administração Pública.
[3] Constituição Política do Império do Brazil, outorgada em 25 de março de 1824.
[4]EMENTA: “CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 37, VII. PRECEITO CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA. NECESSIDADE DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. AGRAVO IMPROVIDO. I - O preceito constitucional que garante o exercício de greve aos servidores públicos é de eficácia contida, de acordo com jurisprudência consolidada desta Corte. II - A eficácia plena do preceito constitucional demanda a existência de norma infraconstitucional que regulamente os efeitos e a forma de exercício deste direito. III - A ausência de lei não conduz a conclusão de que a Administração Pública deveria considerar justificadas as faltas, a ofensa ao texto constitucional, se ocorrente, seria meramente reflexa. IV - Agravo regimental improvido.” (AI 618986 AgR / SP; Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI; DJ 06-06-2008; PP-01097). (grifos nossos)