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A constitucionalidade das modalidades de licitação do Banco Mundial vis-à-vis dos princípios constitucionais da Administração Pública

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13/04/2013 às 08:14
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Dentre as modalidades de aquisição oriundas do BIRD mais utilizadas no Brasil, o Shopping/Comparação de Preços é inconstitucional, porque não obedece aos princípios constitucionais da impessoalidade e da publicidade.

Resumo: Este trabalho procura analisar a permissibilidade, aplicabilidade e constitucionalidade das modalidades de aquisição oriundas de organismos internacionais, mais especificamente do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD. A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Sendo assim, os Acordos de Empréstimo celebrados pelo Governo Federal com o BIRD, instrumentos que indicam que as normas de aquisição a serem utilizadas são as do organismo internacional, devem, necessariamente, obedecer aos princípios constitucionais da Administração Pública. De acordo com o acima exposto, o argumento apresentado é que, dentre as modalidades de aquisição oriundas do BIRD mais utilizadas no Brasil, quais sejam, a Licitação Pública Internacional, a Licitação Pública Nacional e o Shopping/Comparação de Preços, esta última é inconstitucional, uma vez que não obedece aos princípios constitucionais da impessoalidade e, principalmente, da publicidade, elencados no art. 37, caput, da Carta Magna.

Palavras-chave: Direito Administrativo, Direito Constitucional, Licitação, Princípios, Organismos Internacionais, Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento.

Sumário: 1 Introdução. - 2. O Banco Mundial e sua atuação no Brasil. - 3. Das modalidades de licitação do BIRD. - 4. Dos princípios constitucionais da Administração Pública: uma análise dos preceitos do art. 37, caput, da Carta Magna. 5. A constitucionalidade das modalidades de licitação do BIRD em face dos princípios constitucionais da Administração Pública. 6 – Conclusão. – Referências bibliográficas.


1. Introdução

Muitos estudos nacionais têm denotado a importância dos organismos multilaterais/internacionais na formulação e implementação da política externa brasileira nos últimos sessenta anos[1], vale dizer, após o término da Segunda Guerra Mundial. Em sua grande parte, os estudos relatam a importância que os organismos internacionais foram adquirindo desde a criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, perpassando pelas décadas que se seguiram, e as contribuições que os foros multilaterais de discussões propiciaram para os países signatários.

Poucos estudos, por sua vez, destinam-se a analisar, com a importância que é devida, as especificidades jurídicas de cada organismo, como por exemplo, as modalidades de licitação e a aplicabilidade das mesmas nos países signatários. Obviamente, o foco de análise desloca-se do âmbito da elaboração/implementação da política externa para a aplicabilidade e permissibilidade das modalidades de licitação de cada organismo, fenômeno que até o presente momento carece de um estudo mais aprofundado. Dentre esses organismos que possuem legislação própria para a realização de licitações, destacam-se o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD ou Banco Mundial, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

O Banco Mundial foi criado pouco antes do término da Segunda Guerra Mundial, na Convenção de Bretton Woods, em New Hampshire (EUA), com o objetivo inicial de prover auxílio aos países que estavam em situação delicada imediatamente após a deflagração mundial. Inicialmente, o Banco Mundial tinha como pressupostos prover a reconstrução sob o ponto de vista social, ecológico e humanitário.[2] Atualmente, entretanto, o Banco Mundial tem dado especial ênfase a questões que estejam mais intimamente relacionadas com a redução da pobreza e com o fortalecimento do processo de desenvolvimento em países de Terceiro Mundo. Importante salientar que o Brasil foi signatário de tal Convenção e que a promulgou por meio do Decreto n.º 21.177, de 27 de maio de 1946.

O Banco Mundial, atualmente, é uma das maiores fontes mundiais de assistência para o desenvolvimento, proporcionando cerca de US$ 30 bilhões por ano em empréstimos para os seus países clientes. No caso do Brasil, especificamente, o BIRD financia projetos em sete grandes áreas, somando cerca de 70 projetos aprovados ou em execução. As principais áreas de atuação no Brasil são: Educação, Saúde e Proteção Social; Pobreza Rural; Gestão de Recursos Hídricos; Meio Ambiente; e Desenvolvimento Urbano e Infra-estrutura.

O BIRD proporciona empréstimos e assistência para o desenvolvimento a países de rendas médias com bons antecedentes de crédito. Para a realização desses empréstimos, o BIRD levanta grande parte dos seus fundos através da venda de títulos nos mercados internacionais de capital. O poder de voto de cada país-membro está vinculado às suas subscrições de capital, que, por sua vez, estão baseadas no poder econômico relativo de cada país.

Para o financiamento das atividades nas áreas acima descritas, por sua vez, o Banco Mundial utiliza-se de Acordos de Empréstimo como o instrumento jurídico que vincula as duas partes no alcance das finalidades específicas de cada situação. A título ilustrativo, cite-se o Projeto Vigisus, que traz em seu bojo a Vigilância e o Controle de Doenças. Este Projeto, como qualquer um em que o Banco Mundial seja uma das partes financiadoras, é resultado de um Acordo de Empréstimo, no caso o 4394-BR, referente à primeira fase de execução do mesmo, com duração de quatro anos. Entretanto, como todo Projeto deve passar por uma estruturação inicial para depois se modernizar e consolidar-se, houve previsão de duração de doze anos para a execução do Projeto, sendo quatro anos para cada fase de execução, totalizando US$ 600 milhões.[3]

Sendo assim, a primeira fase, com início em 1999, estendeu-se até 2004, e a segunda fase, já com um novo Acordo de Empréstimo (7227-BR) assinado pelas duas partes interessadas, iniciou-se em 2005. Para cada fase, estipulou-se o montante de US$ 200 milhões, competindo US$ 100 milhões ao financiamento do Banco Mundial e US$ 100 milhões à contrapartida nacional.

Para a execução das atividades que visem a alcançar os objetivos previstos no Acordo de Empréstimo, os Projetos financiados com recursos do Banco Mundial utilizam normas licitatórias diversas das dispostas na Lei 8.666/93, contendo, neste diploma legal, inclusive, artigo permissivo para utilização das normas de organismos internacionais nos procedimentos de aquisição. Nesse sentido, diante dessa permissibilidade facultada aos organismos internacionais, o objetivo deste trabalho será analisar a constitucionalidade das modalidades de licitação do Banco Mundial mais utilizadas no Brasil, em face dos princípios constitucionais da Administração Pública.

Para o alcance desse objetivo, preliminarmente, será realizada uma análise acerca da permissibilidade das modalidades de licitação do Banco Mundial, bem como dos princípios que regem essas modalidades. Com o intuito de clarificar ainda mais este estudo, será realizado, ainda, um breve comentário acerca dos Princípios de Direito como fontes de Direito Administrativo.

Em um segundo momento, será dada atenção às modalidades de licitação do Banco Mundial, uma vez que os procedimentos utilizados são de pouco conhecimento no meio jurídico. Conforme visto, será dada ênfase às modalidades de licitação mais utilizadas no Brasil, quais sejam, a Licitação Pública Internacional, a Licitação Pública Nacional e o Shopping/Comparação de Preços. As aquisições e contratações inseridas no âmbito de empréstimos do Banco Mundial estão sujeitas às normas de licitação contidas nas Guidelines (diretrizes) deste organismo, especificadas nos Acordos de Empréstimo celebrados entre os Governos e o Banco. Tais normas são as diretrizes aplicadas a todos os países que implementam projetos financiados, total ou parcialmente, com recursos deste organismo.

Mais adiante serão analisados os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, tendo como objetivo principal explicá-los e verificar, em cada princípio, a função primordial de prevalência do interesse público sobre o interesse particular e, como não podia deixar de ser, a legalidade à qual os atos da Administração Pública estão submetidos. Esses dois princípios, portanto, sustentáculos da Administração Pública, estarão no cerne dos argumentos desenvolvidos.

Será dada ênfase, por via de conseqüência, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Obviamente, princípios matrizes da Constituição, como isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, não serão deixados de ser abordados, no entanto sua visão será complementar à dos outros princípios, haja vista que o cerne deste trabalho será analisar a constitucionalidade das modalidades de licitação do Banco Mundial vis-à-vis dos princípios constitucionais, enumerados no art. 37, caput.

Por derradeiro, será realizado o confronto entre as modalidades de licitação oriundas do Banco Mundial e os princípios constitucionais da Administração Pública, com a finalidade de observar se as modalidades de licitação estão em consonância com os princípios basilares que regem os atos emanados da Administração.

Buscar-se-á, portanto, contribuir para com a escassa literatura acerca da permissibilidade, aplicabilidade e constitucionalidade das modalidades de licitação oriundas de organismos internacionais no Brasil, mais especificamente das normas oriundas do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento. 


2. O Banco Mundial e sua atuação no Brasil.

2.1. A permissibilidade e aplicabilidade das normas do Banco Mundial.

O Banco Mundial, para execução de atividades no Brasil, utiliza-se, como instrumento vinculante entre as partes, Acordos de Empréstimo devidamente aprovados pelo Congresso Nacional. Para a realização das atividades acima mencionadas, como por exemplo, aquisições de bens, realização de obras e contratação de consultorias, todavia, as normas licitatórias que devem ser obedecidas não são as contidas na Lei 8.666/93, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, mas sim as normas de licitação próprias do Banco Mundial. A previsão para a utilização destas normas está contida em todos os Acordos de Empréstimo celebrados por este organismo e possui respaldo na própria Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, em seu art. 42, § 5º.

O referido artigo permite a utilização de modalidades de licitação decorrentes de acordos, protocolos, convenções ou tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, em que conste expressamente sua exigibilidade, sem fazer, todavia, menção aos princípios constitucionais da Administração Pública. Estes princípios, no entanto, são de fundamental importância no Direito Administrativo, calcados na moralidade administrativa, sendo, portanto, requisito de eficácia dos atos.

Segundo o art. 42, §5º, da Lei 8.666/93,

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“para realização de obras, prestação de serviços ou aquisição de bens com recursos provenientes de financiamento ou doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou organismo financeiro multilateral de que o Brasil seja parte, poderão ser admitidas, na respectiva licitação, as condições decorrentes de acordos, protocolos, convenções ou tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, bem como as normas e procedimentos daquelas entidades, inclusive quanto ao critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, o qual poderá contemplar, além do preço, outros fatores de avaliação, desde que por elas exigidos para a obtenção do financiamento ou da doação, e que também não conflitem com o princípio do julgamento objetivo e sejam objeto de despacho motivado do órgão executor do contrato, despacho esse ratificado pela autoridade imediatamente superior” [grifo nosso].

Nesse sentido, infere-se que, caso o Banco Mundial estipule, em determinado Acordo de Empréstimo celebrado com o Brasil, que as normas licitatórias para a aquisição de bens ou serviços sejam as suas, o Brasil, por força do artigo supracitado, deverá considerá-las como pertinentes e aplicáveis.

De acordo com Folgosi[4], a norma internacional pode ser interpretada de modo que não se comunica com o direito interno. Seriam, portanto, ordens paralelas, coexistindo independentemente uma da outra. Esta seria a teoria dualista, em que para que a norma internacional tenha validade no ordenamento jurídico interno deve haver um processo de recepção para se transformar em regra jurídica interna. Com a divergência de Kelsen à teoria dualista, surgiu a teoria monista, da ordem jurídica concêntrica, abrangendo tanto a norma interna como a internacional. Seria o direito uno, admitindo, inclusive o conflito entre a norma interna e internacional.[5]

Com a evolução da teoria monista, esta se desmembrou em monismo moderado e monismo internacionalista. Pelo monismo moderado há a primazia do direito interno, ou seja, prevalência da Constituição Federal. O monismo internacionalista, por sua vez, argumenta que em caso de conflito prevalece a norma internacional, sobrepujando a normas de direito interno. Este trabalho, por sua vez, utilizar-se-á do monismo moderado para se proceder às explicações acerca da constitucionalidade das modalidades de licitação do Banco Mundial em face dos princípios norteadores da Administração Pública.[6]

Como se percebe, os acordos do Brasil e de todos os países tomadores de empréstimo com o Banco Mundial são resultantes de um tratado internacional do qual tais países são signatários. No caso brasileiro, os Acordos de Empréstimo devem ser formalizados por agente capaz, tendo objeto lícito e forma prescrita, não sendo dispensada a manifestação do Congresso Nacional, por intermédio do Senado Federal, em face do disposto no art. 49, I da Carta Magna.

Este dispositivo determina ser de competência exclusiva do Congresso a aprovação de tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Além disso, a Constituição disciplina que, para operações externas de crédito, necessária se faz a autorização do Senado Federal para sua validação (art. 52, V, CF). Assim, por mandamento constitucional, os Acordos de Empréstimo, embora espécies de acordos executivos, devem, como condição de validade, submeter-se à aprovação do Senado Federal. 

Para que o Acordo de Empréstimo celebrado possua eficácia plena no mundo jurídico, mutuário deverá obedecer a alguns requisitos. Trata-se das condições impostas pelo Banco para que o Acordo possua eficácia no mundo jurídico, como, por exemplo, a utilização das normas do órgão financiador para as licitações a serem realizadas no âmbito do Acordo de Empréstimo, afastando a aplicação da Lei 8.666/93. São, portanto, pressupostos previstos no próprio Acordo, assumindo, normalmente, a forma de condições suspensivas.

Ao abrigo dos argumentos acima arrolados, cumpridos todos os requisitos de eficácia, o Acordo de Empréstimo estará apto a produzir efeitos no mundo jurídico, recebido que é pelo ordenamento jurídico nacional.

2.1.1. Objetivos e Princípios das Normas do Banco Mundial – As Guidelines

Para a realização das licitações no âmbito do Banco Mundial, por faculdade do art. 42, §5º da Lei 8.666/93, este organismo editou duas categorias de diretrizes (Guidelines[7]), devendo ser aplicadas em projetos por ele financiados, conforme disposição de suas cláusulas nos Acordos de Empréstimo: para aquisição de bens e contratação de obras, bem como serviços a eles relacionados, tais como transporte, seguro, instalação, treinamentos etc. – Red Guidelines; e para contratação de consultores (empresas ou individuais) – Green Guidelines.[8]

A aplicabilidade das normas constantes nas Red Guidelines tem plena lógica, uma vez que, caso contrário, o Banco teria que se submeter às diversas legislações dos países signatários quando tivesse de realizar algum empréstimo. Nesse sentido, para evitar essas intempéries, o Banco exige o cumprimento de determinadas obrigações por parte do tomador de empréstimo, sendo habitual sua exigência no instrumento jurídico que vincula as partes, seja ele acordo, tratado, convenção ou qualquer instrumento congênere constante do art. 42, §5º da Lei 8.666/93.

As Red Guidelines procuram fomentar o comércio internacional, estimulando a realização de licitações de maior vulto para que possam ser convidados licitantes de outros países, vez que é um dos princípios das Nações Unidas intensificar as relações entre os seus países-membros. Nesse sentido, não se evidencia nenhuma discriminação contra a indústria nacional, pois esta compete em igualdade de condições, inclusive em outros países, sempre que as licitações forem para aplicação de recursos emprestados pelo Banco Mundial.[9]

Os procedimentos constantes nas diretrizes aplicam-se a todos os contratos de bens e obras financiados, total ou parcialmente, por empréstimos do Banco.[10] No entanto, nos contratos de bens e obras que não forem financiados por empréstimos do Banco, o mutuário pode adotar outros procedimentos de aquisição.

De acordo com as Red Guidelines, mesmo nesta hipótese, o Banco recomenda, todavia, que os procedimentos a serem utilizados atendam às obrigações do mutuário no sentido de que a implementação do projeto se dê com diligência e eficiência e que os bens e obras a serem adquiridos: (a) sejam de qualidade satisfatória e que sejam compatíveis com as características do projeto; (b) sejam oportunamente entregues ou finalizados; e (c) sejam oferecidos a preços que não afetem adversamente a viabilidade econômico-financeira do projeto.[11]

Nos casos de execução de atividades utilizando-se de recursos provenientes do Banco Mundial, caso não sejam aplicadas as modalidades de licitação pertinentes constantes das Red Guidelines, as despesas para com as licitações serão glosadas, fechando um imenso canal de financiamento para o Brasil, destinado basicamente a projetos de interesse eminentemente social.[12]

O Banco, para a implementação de um projeto que deva seguir as regras de aquisições previstas nas Red Guidelines, estabelece quatro princípios que são os alicerces de suas modalidades de licitação, quais sejam: (a) a necessidade de economia e eficiência na implementação do projeto; (b) o interesse do Banco em oferecer a todos os licitantes elegíveis de países desenvolvidos e em desenvolvimento a oportunidade de competir para fornecimento de bens e obras financiados pelo Banco; (c) o interesse do Banco em estimular o desenvolvimento da construção civil e da indústria nacional do país mutuário; e (d) a importância da transparência no processo de aquisições.[13]

Para tanto, o Banco evidenciou que as necessidades e interesses acima relatados podem ser melhor atingidos por meio da Licitação Pública Internacional, modalidade que propicia a todos os possíveis licitantes elegíveis[14] o amplo e oportuno acesso às informações relativas às necessidades do mutuário, bem como igualdade de oportunidade para apresentar propostas para o fornecimento dos bens e obras pretendidos.  Todavia, haverá casos em que a Licitação Pública Internacional, modalidade que será abordada com maior intensidade no próximo capítulo, não será o método de aquisição mais econômico e eficiente. Nesses casos, o Acordo de Empréstimo ou instrumento congênere que vincule as partes estipulará a adoção de outros métodos de aquisição.[15]

 Cabe aqui ressaltar que as Guidelines sofrem revisões quando da necessidade observada pelo próprio Banco Mundial. A título ilustrativo, as Red Guidelines de 1995 foram revisadas em janeiro e agosto de 1996, em setembro de 1997, em janeiro de 1999 e em junho de 2004.

Os Projetos, representados pelo Governo Federal, por sua vez, durante a negociação do Acordo de Empréstimo junto ao Banco Mundial, devem utilizar-se da revisão em vigor no momento da fase de negociações, não prevalecendo assim, o princípio da lex posteriori derrogat legi priori, ou seja, de que a Lei posterior revoga a Lei anterior.

De acordo com as Red Guidelines, o objetivo das diretrizes é informar os executores de projetos financiados, total ou parcialmente, por empréstimo do Banco Mundial, a respeito das políticas que regem a aquisição de bens e contratação de obras e serviços necessários à implementação do Projeto.[16]

Ainda de acordo com Rosolea Folgosi, a validade das Guidelines repousa, pois, de forma direta, na referência estabelecida nos acordos de empréstimo firmados pelo Brasil. E de forma indireta – mas nem por isso menos importante –, na sua consonância com os princípios e normas constitucionais.[17]

De acordo com as Red Guidelines, compete ao mutuário a responsabilidade pela implementação do projeto e, por via de conseqüência, pela outorga e administração de contratos abarcados pelo empréstimo. Sendo assim, as atividades arroladas são de cunho eminentemente administrativo, pois ficam a cargo do mutuário, ou seja, da Administração Pública, a implementação do projeto. Ao Banco Mundial, por sua vez, cabe

“assegurar que o produto de qualquer empréstimo seja utilizado tão somente para os propósitos que motivaram a concessão do empréstimo, com a devida atenção às considerações de economia e eficiência e independentemente de influências ou considerações políticas ou não econômicas”[18].

Na análise da aplicabilidade das Guidelines, cabe citar o Parecer n.º 1413/CONJUR/MMA/99[19], de 8 de dezembro de 1999, que decide que a regra geral a ser aplicada nos Tratados ou Acordos internacionais é a que está disposta no parágrafo 5º do art. 42 da Lei n.º 8.666/93 e alterações posteriores.

De acordo com o exposto no parecer, há no parágrafo 5º do art. 42 da Lei n.º 8.666/93, alterada pela Lei n.º 9.648/98, o permissivo legal de se afastar a aplicabilidade da legislação brasileira e aplicar as normas específicas (Guidelines) do Banco Mundial, às quais se encontram em plena vigência, onde aos mutuários está previsto inserir modificações mínimas, previamente autorizadas pelo Banco. Verifica-se que, para a elaboração dos Tratados ou Acordos, há a previsão de etapas, tais como: negociação, assinatura, internalização e ratificação, onde o texto é levado ao Congresso Nacional, tramitando como Lei sem emendas. Quando o texto é aprovado pelo Congresso Nacional, significa dizer que o produto é exclusivo de elaboração jurídica, resultante da vontade conjugada de certo número de Estados, caracterizando-se por ser ato constitutivo de organização internacional, cuja tônica principal, além de autorizar o funcionamento e disciplinamento do crédito externo e interno, é também haver-lhe dado vida, sem que nenhum elemento material preexistisse ao ato jurídico criador.[20]

Em igual sintonia se encontra o Parecer n.º 100/PGF/PF/FUNASA/2005/BCG.[21] Segundo o parecer, não há impedimento para a utilização das normas do Banco Mundial na contratação de consultores desde que tais regras estejam em conformidade com os princípios que pautam os procedimentos licitatórios e os atos administrativos em geral, em especial os princípios do julgamento objetivo e da isonomia. Indo mais além, para dar total segurança ao procedimento licitatório, mister se faz que os procedimentos obedeçam objetivamente os princípios que regem a Administração Pública constantes do art. 37 da Carta Magna.[22]

Portanto, o art. 42, §5º, da Lei Federal n.º 8.666/93, com natureza de norma geral, respalda a aplicação das normas do Banco Mundial nas licitações promovidas no bojo dos projetos internos executados com recursos do referido Banco, ainda que parcialmente. Importante salientar também que, embora na referida norma haja um caráter facultativo da utilização das normas do organismo financiador, a adoção das normas do Banco se dá por força de previsão contratual.

2.1.2. Plano de Aquisições

Para as aquisições no âmbito de projetos com recursos provenientes de Acordo de Empréstimo, mister se faz que seja elaborada pelo Projeto uma lista dos bens que serão adquiridos na vigência do mesmo. Este documento, denominado de Plano de Aquisições, é parte da preparação do Projeto, devendo o mutuário prepará-lo antes das negociações do empréstimo e fornecer ao Banco para sua aprovação.[23]

No documento deverão constar dados básicos acerca das aquisições, bem como as modalidades que se presume serão utilizadas, baseadas nos valores dos bens a serem licitados. Nesse sentido, é pertinente constar “os contratos específicos para os bens, obras e/ou serviços necessários à execução do Projeto durante o período inicial de dezoito meses, os métodos propostos para a licitação de tais contratos e os respectivos procedimentos de revisão pelo Banco”[24].

O Banco deverá sempre ser comunicado quando houver qualquer modificação do Plano de Aquisições, uma vez que este é a espinha dorsal das aquisições, ou seja, tudo que será adquirido pelo Projeto deve estar em estrita consonância com o planejamento evidenciado no plano, sob risco da atividade ser glosada caso haja alguma divergência com o encaminhado ao organismo internacional.

2.1.3. Aquisição Viciada, Fraude e Corrupção

Área sensível no ramo do Direito Administrativo, as licitações podem envolver inúmeras situações de fraude e corrupção. Em um país que historicamente possui incidentes de corrupção na Administração Pública, restou como medida saneadora, e mesmo preventiva, a adoção de leis muitas vezes amarradas e que deixam o gestor público de mãos atadas frente a uma possível discricionariedade, deixando os trâmites licitatórios mais burocratizados e, por via de conseqüência, menos céleres e eficientes.[25] Todavia, como já mencionado acima, esta foi uma das medidas utilizadas para se tentar conter procedimentos licitatórios corruptos.

O Banco, ciente desta situação, editou em suas Guidelines algumas medidas assecuratórias para evitar tais práticas, haja vista que este organismo só financia atividades em países de Terceiro Mundo, onde os riscos de corrupção e fraude nos procedimentos licitatórios são mais recorrentes.

Nesse sentido, em primeiro lugar, o Banco não financia despesas relativas a bens e obras adquiridos em desacordo com os procedimentos ajustados no Acordo de Empréstimo e no Plano de Aquisições, sendo política deste organismo glosar a parcela do empréstimo correspondente aos bens e obras adquiridos em tais circunstâncias. Em segundo lugar, o Banco também exige de seus mutuários a observância do mais elevado padrão ético no decorrer da aquisição e da execução dos contratos, evitando quaisquer práticas de corrupção ou fraudulenta.[26]

No caso do Banco detectar essas mazelas, este se resguarda no direito de rejeitar a recomendação de adjudicação, cancelar a parcela do empréstimo alocada ao contrato e declarar a inexigibilidade da empresa, por prazo determinado ou não.[27] Além disso, é possível introduzir nos formulários de proposta para os interessados no certame que também será obedecida a legislação do mutuário referente à fraude e corrupção, a fim de dar maior credibilidade às atividades por ele financiadas. 

2.2. Princípios como Fontes do Direito Administrativo

Nesse sentido, como este estudo irá se pautar na análise minuciosa dos princípios contidos no art. 37 da Constituição Federal, não basta que o gestor público considere as normas pertinentes e aplicáveis. É necessário ter o pleno discernimento acerca da possibilidade fática e jurídica da aplicabilidade destas normas, verificando a plausibilidade de sua utilização em face dos princípios constitucionais da Administração Pública.

De acordo com José Cretella Júnior, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios, nesse sentido, são os alicerces da ciência”[28]. Aos princípios cabem duas ações, de um modo geral: a primeira seria uma ação imediata, quando os princípios forem diretamente aplicáveis à determinada relação jurídica; uma segunda ação é a de natureza mediata, quando os princípios têm a finalidade de funcionar como critério de interpretação e integração.

Segundo Di Pietro,

“sendo o Direito Administrativo de elaboração pretoriana e não codificada, os princípios representam papel relevante nesse ramo do direito, permitindo à Administração e ao Judiciário estabelecer o necessário equilíbrio entre os direitos dos administrados e as prerrogativas da Administração”[29].

A Carta Magna de 1988, inovadora em relação às anteriores no que se refere à Administração Pública, regulamenta um capítulo específico para a organização da Administração Pública, determinando, em seu art. 37, que esta deverá obedecer, além dos diversos preceitos expressos, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, este último inserido pela Emenda Constitucional n.º 19, de 05/06/1998.

Os princípios básicos da Administração Pública estão consubstanciados em 12 regras, que devem ser observadas incessantemente pelo administrador, a fim de que proporcione aos súditos transparência e lisura dos atos administrativos. São eles, além dos cinco princípios supracitados, a razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público. Todavia, como este estudo será pautado pela análise sob os auspícios do art. 37, da Carta Magna, somente aos cinco primeiros princípios elucidados no parágrafo anterior é que será dada ênfase. Cabe ressaltar que, embora os demais princípios não sejam analisados nesse estudo, “os mesmos decorrem do nosso regime político, tanto que, ao lado daqueles, foram textualmente enumerados pelo art. 2º da Lei Federal 9.784, de 29.1.99”[30].

  Os princípios da Administração Pública consubstanciam as premissas básicas do regime jurídico administrativo, indicando o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos. Nesse sentido, utilizando o argumento de Geraldo Ataliba, é necessário evidenciar-se uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionada pelos princípios. Estes princípios se harmonizam, assegurando plena coerência interna do sistema.[31] É claro, portanto, que os princípios, como fontes de interpretação e integração do ordenamento jurídico, servem de alicerces para o Direito Administrativo, não podendo haver norma ou regra de Lei que seja contrário ao disposto na Carta Magna no que se refere aos princípios que regem a Administração Pública.

Segundo a obra de Hely Lopes Meirelles, por meio desses padrões é que deverão se pautar todos os atos e atividades administrativas de todo aquele que exerce o poder público, constituindo os fundamentos da ação administrativa, ou seja, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los, portanto, seria desvirtuar a gestão dos negócios públicos e esquecer o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais.[32]

 Ante o exposto, é possível compreender o significado do termo princípio, seguindo o ensinamento de Bandeira de Mello, da seguinte forma:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”[33].

A licitação, segundo ensinamento de Carlos Ayres Britto, “é processo ‘público’, na rigorosa acepção que toma a publicidade como princípio regente de toda a atividade administrativa”[34]. Deste argumento e do exposto anteriormente, é possível se inferir que, em se tratando da Administração Pública, as licitações internacionais, apesar de aberta a possibilidade de não utilização da Lei 8.666/93, deverão obedecer a todos os princípios que a regem. Nesse sentido, os cinco princípios constantes no artigo 37 da Carta Magna, e que serão mais aprofundados oportunamente, são fontes primordiais de interpretação do Direito Administrativo.

Completa, ainda, Bandeira de Mello, que

“violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”[35].

Em suma, os princípios de Direito Público contidos na Constituição são normas jurídicas, mas não se reduzindo única e exclusivamente a isso, pois enquanto uma norma é um marco legal dentro do qual existe uma certa liberdade (discricionariedade), o princípio, no dizer do argentino Augustín Gordillo, “tem substância integral”.[36]

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Sobre o autor
Marcos Felipe Pinheiro Lima

Mestre pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e em Relações Internacionais (UnB). Analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União, atualmente requisitado pelo Superior Tribunal de Justiça, exercendo o cargo de Assessor Especial da Presidência.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Marcos Felipe Pinheiro. A constitucionalidade das modalidades de licitação do Banco Mundial vis-à-vis dos princípios constitucionais da Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3573, 13 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24185. Acesso em: 21 nov. 2024.

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