Artigo Destaque dos editores

A constitucionalidade das modalidades de licitação do Banco Mundial vis-à-vis dos princípios constitucionais da Administração Pública

Exibindo página 3 de 5
13/04/2013 às 08:14
Leia nesta página:

4. Dos princípios constitucionais da Administração Pública – uma análise dos preceitos do art. 37, caput, da Carta Magna

Princípio, como afirmado anteriormente, é mandamento nuclear de um sistema, compondo o espírito da norma e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.[86] Nesse sentido, para que o ato administrativo esteja de acordo com o disposto na Carta Magna, faz-se necessária que a obediência aos princípios seja completa, uma vez que é exigência constitucional essa sujeição.

Dar-se-á destaque aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, constantes do art. 37, caput, CF. A isonomia, razoabilidade e proporcionalidade não serão deixadas de ser abordados. No entanto a visão dos demais princípios será complementar, uma vez que o cerne deste trabalho será analisar a constitucionalidade das modalidades de licitação do Banco Mundial em face dos princípios constitucionais elencados no art. 37, caput.

4.1. Visão Geral

A Carta Magna de 1988 inovou o tema referente à Administração Pública e consolidou a sua constitucionalização, estabelecendo a principiologia que há muito domina o seu regime jurídico.

Como já dito anteriormente, princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes, ou seja, são os alicerces da Ciência. Por definição, princípio é mandamento nuclear de um sistema, base dele, ou seja, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo.[87]

Por princípio constitucional, por sua vez, “deve-se entender a diretriz, a determinação do norte magnético da Constituição e, assim sendo, a agressão de um princípio constitucional é muito mais grave que a agressão de uma simples regra constitucional”[88].

 De acordo com a obra de Hely Lopes Meirelles, os princípios básicos da Administração Pública estão consubstanciados “em doze regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador”[89], quais sejam, a legalidade, a moralidade, a impessoalidade ou finalidade, a publicidade, a eficiência, a razoabilidade, a proporcionalidade, a ampla defesa, o contraditório, a segurança jurídica, a motivação e a supremacia do interesse público. Este último seria o princípio norteador da atividade pública, haja vista que qualquer ato da Administração Pública deve estar obrigatoriamente subordinado ao interesse geral. Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro argumenta que:

“os dois princípios fundamentais e que decorrem da assinalada bipolaridade do Direito Administrativo – liberdade do indivíduo autoridade da Administração – são os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular, que não são específicos do Direito Administrativo porque informam todos os ramos do direito público; no entanto são essenciais, porque, a partir deles, constroem-se todos os demais”[90].

Os cinco primeiros princípios citados acima estão expressa e taxativamente enumerados no art. 37, caput, da Carta Magna, sendo, portanto, os princípios constitucionais da Administração Pública. Nesse sentido, todos os atos emanados do Poder Público deverão, necessária e obrigatoriamente, obedecer a estes cinco princípios, salvo exceções de índole sigilosa. De acordo com Meirelles, estes princípios constituem “os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais”[91].

A cada um destes princípios será dada atenção especial, pois, como visto anteriormente, no capítulo posterior buscar-se-á observar se as modalidades de licitação utilizadas no âmbito de empréstimos do Banco Mundial obedecem a esses princípios.

4.2. Princípios Constitucionais da Administração Pública (art. 37, caput, CF)

4.2.1. Princípio da Legalidade

Este princípio constitui uma das principais garantias de respeito aos interesses individuais, uma vez que a Lei, além de definir, estabelece os parâmetros de atuação administrativa. Nesse sentido, de acordo com Meirelles, a Legalidade, como principio de Administração,

“significa que o administrador público está em toda a sua atividade funcional sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”[92].

Assim, o Administrador somente poderá fazer o que de fato estiver taxativa e expressamente autorizado na Lei e nos demais instrumentos normativos, fazendo com que não exista incidência de vontade subjetiva do administrador, visto que, na esfera da Administração Pública, só é permitido fazer aquilo que a lei autoriza, diferentemente do âmbito particular, em que é possível fazer o que a lei e a moral não proíbem. Nesta última esfera predomina o princípio da autonomia da vontade, princípio este em que é dado ao indivíduo fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem, devendo ser limitado apenas pela Lei. O administrador público está, portanto, diretamente vinculado à supremacia do interesse público sobre o particular, pois vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação. A máxima expressão do princípio da legalidade seria a afirmação de que deve prevalecer o rule of law, not of men, ou seja, a supremacia de Lei sobre a vontade individual do administrador.

Para Bandeira de Mello, este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo, vez que “contrapõe-se visceralmente a quaisquer tendência de exacerbação personalista dos governantes”[93]. Citando Renato Alessi[94], Bandeira de Mello argumenta que o princípio da legalidade é fruto da submissão do Estado à Lei, ou seja, “a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da Lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares”[95].

De acordo com Meirelles, “as leis administrativas são de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos nem por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários”[96], pois essas Leis ou atos normativos contêm não apenas um mandamento, mas um poder-dever inafastável pelo agente público. Obviamente é um poder-dever que deve ser usado em beneficio da comunidade, não podendo ser renunciado ou descumprido pelo agente público sem ofensa ao bem comum, que é o objetivo supremo da atividade administrativa.

Desse modo, mister se faz trazer à tona alguns ensinamentos de Meirelles, quando este elucida que apenas cumprir a Lei no auge de sua frieza textual não é o mesmo que atendê-la na sua letra e no seu espírito. Por isso, segundo o autor, a Administração deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral, para que ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos interesses sociais.[97]

Especificamente no que concerne à licitação, o princípio da legalidade é de fundamental importância, pois constitui a base para um procedimento vinculado à Lei, ou seja, todas as fases de uma licitação deverão estar disciplinadas em Lei. No caso brasileiro, como já é de conhecimento, a Lei que rege as licitações públicas é a 8.666/93. Todavia, como já visto no capítulo primeiro e será novamente abordado no capítulo posterior, há na própria Lei 8.666/93, em seu art. 42, §5º, faculdade de utilização de normas externas nos casos de financiamento total ou parcial de atividades internas como recursos oriundos de acordos, tratados ou convenções internacionais, desde que o ente financiador expressamente exija que suas modalidades sejam as aplicadas. Nesse sentido, embora não sejam utilizados os procedimentos constantes na referida Lei, a legalidade está presente, pois há previsão expressa de utilização de outra norma diferente da Lei nacional.

4.2.2.Impessoalidade

Seguindo o argumento de Meirelles, o princípio da impessoalidade nada mais é que o clássico princípio da finalidade, “o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para seu fim legal, e o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal”[98].

Esse princípio, em conformidade com o argumentado por Alexandre de Moraes[99], completa a idéia de que o administrador é um executor do ato, que serve de veículo de manifestação de vontade estatal, e as realizações administrativo-governamentais não são do agente que as fez, mas sim da entidade pública em nome da qual atuou. Não deve, portanto, o administrador utilizar-se da esfera administrativa para se promover pessoalmente utilizando suas realizações administrativas como trampolim.

O objetivo central da impessoalidade ou finalidade é justamente alcançar o interesse público do meio mais correto, uma vez que todo ato da Administração que se furte deste princípio estará sujeito à invalidação por vicio de desvio de finalidade. Segundo Meirelles, o que este principio veda “é a prática do ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a administração, visando a, unicamente, satisfazer interesses privados por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade”[100].

Em suma, não deve o administrador atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear o seu comportamento.   

Na esfera da licitação, o princípio da impessoalidade aparece intimamente ligado aos princípios da isonomia e do julgamento objetivo. Desse modo, segundo Di Pietro:

“todos os licitantes devem ser tratados igualmente, em termos de direitos e obrigações, devendo a administração, em suas decisões, pautar-se por critérios objetivos, sem levar em consideração as condições pessoais do licitante ou as vantagens por ele oferecidas, salvo as expressamente previstas em lei ou no instrumento convocatório”[101].

O princípio da igualdade, também informado acima, constitui um dos alicerces da licitação, na medida em que esta visa não apenas permitir à Administração a escolha da melhor proposta, mas também assegurar a igualdade de direitos a todos os possíveis interessados em contratar. Segundo os ensinamentos de Di Pietro, esse princípio veda o estabelecimento de condições que impliquem preferência em favor de determinados licitantes em detrimento dos demais.

A igualdade entre os licitantes, de acordo com Meirelles, é princípio impeditivo da discriminação entre os participantes do certame.[102] O desatendimento a esse princípio constitui a forma mais capciosa de desvio de poder, com que a Administração quebra a isonomia entre os licitantes.[103] Essa discriminação, no entanto, não deve ser confundida com a estipulação de requisitos mínimos aos eventuais interessados no certame, porque a Administração pode e deve fixá-los, a fim de que sejam garantidas a execução do contrato, a segurança e perfeição da obra ou serviço e o atendimento a qualquer outro interesse público.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

 Em suma, neste princípio se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os seus súditos sem discriminações, sejam elas benéficas ou não. Para Bandeira de Mello, este princípio não é senão o princípio da isonomia transvertido de outra nomenclatura, mas trazendo em seu bojo a mensagem de que todos devem ser iguais perante a lei.[104]

4.2.3. Moralidade Administrativa

Este princípio, inovador textualmente na Constituição de 1998, traz à baila a noção de moral no desempenho da atividade administrativa, sendo requisito de validade de todos os atos da Administração Pública. Está intimamente ligado, portanto, à idéia de probidade, dever inerente do administrador público. Nesse sentido, como recorda Alexandre de Moraes:

“não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício da função pública, respeitar os princípios éticos da razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública”[105].

Cabe salientar que este princípio, embora denotado acima explicitamente com relação ao administrador, deve ser observado não apenas por este, mas também pelo particular que se relaciona com a Administração Pública. Corroborando este argumento, Di Pietro acrescenta que, em matéria administrativa, caso seja evidenciado que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a Lei, “ofenda a moral, os bons costumes, as regras de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa”[106].

O administrador, portanto, não poderá, em sua atuação como ente da Administração Pública, desprezar o elemento ético da sua conduta. Está intimamente ligado ao conceito de “bom administrador”, que seria aquele que, “usando de sua competência legal, se determina não só pelos preceitos vigentes, mas também pela moral comum”[107].

Em suma, a moralidade administrativa, juntamente com a legalidade e impessoalidade, além da adequação aos demais princípios, constituem requisitos de validade do ato administrativo, sem os quais toda atividade pública seria ilegítima. Em sua obra “Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988”, Di Pietro acrescenta, com muita propriedade, que, essa ilegitimidade decorrente da imoralidade “ocorre quando determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições”[108].

A moralidade, dentro dessa perspectiva, está intimamente ligada ao princípio da proporcionalidade, é dizer, deverá o administrador agir com prudência, razoabilidade e proporcionalidade para que se possa atingir os fins com a utilização moral dos seus meios. Apesar de ser novo no texto constitucional, inserido somente na Carta de 1988, a moralidade está inerente ao próprio ato da Administração, vez que os princípios podem estar ou não explicitados em normas.

É inegável, portanto, que a moralidade administrativa integra o Direito, não apenas porque rege a conduta do administrador, mas principalmente porque faz com que a atividade administrativa seja pautada pela honestidade, em face do locupletamento, pelo legal e pelo justo, em face dos seus antônimos. Nesse ínterim, cabe mencionar decisão do eg. TJSP, quando afirmou que “o controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, mas também com a moral administrativa e com o interesse coletivo”[109].

A conduta do administrador público em contradição com o princípio da moralidade se enquadra nos denominados atos de improbidade, que, além de possibilitar a anulação do ato administrativo, pode gerar conseqüências de índole cível, criminal e administrativa para com o administrador.

Violar este princípio, segundo ensinamento de Bandeira de Mello, “implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição”[110].

4.2.4. Publicidade

“A publicidade resulta, no Estado Contemporâneo, do princípio democrático segundo o qual sendo o poder do povo (art. 1º, parágrafo único, da CF) e, consequentemente, sendo o Estado o próprio povo reunido e constituído sob determinado modelo de Direito, para atingir seus objetivos definidos sistematicamente, tudo o que a pessoa estatal faça ou deixe de fazer, enfim, todos os seus comportamentos, deve ser de conhecimento público”[111].

De acordo com o exposto acima por Marília Mendonça Morais, a Administração Pública deve estar em consonância com as normas do Estado de Direito, aproximando-se dos administrados mediante condutas que possam fornecer confiabilidade e credibilidade aos seus súditos. Nesse sentido, Estado de Direito está diretamente relacionado ao tema da publicidade, ou seja, de uma administração transparente, que seja o oposto de uma administração fechada em si mesma.

Publicidade, de acordo com Meirelles, “é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos efetivos”[112]. Esta publicidade se faz pela inserção do ato no Diário Oficial ou por edital afixado no lugar próprio para divulgação de atos públicos, para conhecimento do público em geral e, conseqüentemente, início da produção de seus efeitos, haja vista que o objetivo da publicidade é prover transparência aos atos emanados da Administração e, por via de conseqüência, garantir seus efeitos externos, permitindo ao administrado tomar conhecimento daqueles e exercer o controle por meio de fiscalização.[113]

A publicidade constitui elemento essencial do ato administrativo, decorrendo daí o fato de que todo ato administrativo deve ser publicado, porque é a Administração que o realiza, exceção feita apenas aos casos previstos em lei como sigilosos ou de interesse público maior. Pode-se depreender, portanto, que a publicidade não é elemento formador do ato administrativo, mas sim pressuposto de eficácia e moralidade, devendo ser analisada como responsável pela transparência administrativa.

Os atos da Administração, em geral, devem ser publicados, uma vez que pública é a Administração, só sendo admitida sua excepcionalidade em casos em que o interesse público seja maior, como por exemplo, nos sigilos em casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração a ser preservado em processo previamente declarado sigiloso. Este princípio abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação de seus atos como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Para Hely Lopes Meirelles, a publicidade atinge “os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamento das licitações e os contratos com quaisquer interessados”[114].

Na obra Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Justen Filho procura demonstrar que, dentre os princípios norteadores da Licitação, há extrema relevância do princípio da publicidade, que, segundo o próprio autor, tem por objetivo garantir a qualquer interessado as faculdades de participação e de fiscalização dos atos licitatórios. A publicidade, segundo esse ensinamento, desempenha duas funções primordiais: “primeiramente, objetiva permitir o amplo acesso aos interessados ao certame. Refere-se nesse aspecto, à universalidade da participação do processo licitatório. Depois, a publicidade orienta-se a facultar a verificação dos atos praticados”[115].

Como informado anteriormente, os contratos administrativos que omitirem ou desatenderem a publicidade necessária não só deixam de produzir seus efeitos regulares, como se expõem à invalidação por falta desse requisito de eficácia e moralidade. Conclui-se, dessa forma, que “a publicidade considera-se inerente a todo ato administrativo, uma vez que este somente passa a ter eficiência e validade, relativamente aos administrados, no momento em que dele tomem ciência”[116]. Por intermédio da publicidade, os administrados tomam conhecimento dos atos emanados da Administração e deles podem-se interpor eventuais recursos cabíveis.

É esse princípio que confere certeza e credibilidade às condutas estatais, além de segurança aos administrados, uma vez que “obriga a Administração Pública a expor tudo e qualquer comportamento que lhe diga respeito”[117], facultando aos súditos a verificação. Exatamente nesse ponto que Marília Mendonça de Morais argumenta que a exigência da publicidade dos atos do governo é importante não só para permitir ao cidadão “conhecer os atos de que detém o poder e, assim, controlá-lo, mas também porque a publicidade é, por si mesma, uma forma de controle, um expediente que permite diferenciar o lícito do ilícito”[118]. Segundo a autora, a ampla publicidade no processo de licitação pressupõe a igualdade de possibilidades entre os concorrentes no certame, não só informando os concorrentes eventuais da abertura, como dando-lhes conhecimento das condições gerais do contrato.

Especificamente no tocante à Licitação, Maria Garcia, em sua obra Estudos sobre a Lei de Licitações e Contratos, tratando especificamente do princípio da publicidade, argumenta que este:

“é elemento da essência do processo licitatório: se a lei busca preservar o atendimento ao princípio da isonomia no acesso dos interessados à realização dos serviços e todas as modalidades ad negotia dos particulares com a Administração Pública e, por outro lado, garantir a seleção ou escolha da proposta mais vantajosa ao interesse público – a publicidade dos atos desse processo demonstra-se de fundamental importância”[119].

De um modo geral, o princípio da publicidade representa uma garantia de lisura e de atendimento aos princípios norteadores da licitação, por exigência do art. 37, caput, da Carta Magna. Ao abrigo desse argumento, tem-se que o princípio da publicidade “impõe a divulgação e a possibilidade de pleno conhecimento por todos os interessados acerca da existência da licitação, da existência e do conteúdo do instrumento convocatório, das decisões da comissão de licitação etc.”[120]. Nesse sentido, interpretando o acima exposto, a violação deste princípio basilar terá como conseqüência a nulidade da licitação e a necessidade de sua reiteração.

A regra é decorrência direta do princípio da ampla publicidade da licitação e do contrato administrativo. Quando se assegura o acesso de terceiros aos documentos da licitação, a Lei pretende não apenas evitar contratações sigilosas, como, por via de conseqüência, evitar a prática de irregularidades. Há a plena convicção de que a tentação da desonestidade é reprimida pela convicção de que, a qualquer momento, ela poderá ser revelada a público, garantia esta provida pelo princípio da publicidade.

Com efeito, “o art. 37 da Constituição Federal estipula que a Administração Pública deve obedecer ao princípio da publicidade, devendo, portanto, retirar o caráter sigiloso da licitação e prover acesso ao público de seus procedimentos”[121]. Seria até certo ponto desnecessário informar que a maior publicidade da licitação, gerando maior credibilidade e lisura, estimulam a participação, aumentam a concorrência e trazem como resultado, comprovado pela experiência, uma redução dos preços pagos pelo Poder Público, inclusive em projetos financiados com recursos externos, haja vista também haver a presença de uma contrapartida de recursos por parte do governo.

No que se refere ao permissivo da Lei 8.666/93, já discutido no primeiro capítulo, Justen Filho, ao comentar o art. 42, § 5º da Lei 8.666/93, mostra a compatibilização desta Lei com as normas e procedimentos internacionais. Cabe salientar, no entanto, que “as normas impostas por entidades internacionais não poderão contrariar a Constituição”[122]. Assim, embora a aplicação de normas estrangeiras possa ser admitida em detrimento da Lei 8.666/93, aquelas não poderão suprimir os princípios constitucionais da Administração Pública.

De acordo com o referido artigo é facultado ao órgão internacional financiador utilizar seus procedimentos licitatórios, desde que estes estejam dispostos em acordos convenções, tratados internacionais ou protocolos aprovados pelo Senado Federal. A afirmação contida no parágrafo anterior traz consigo o princípio da primazia da Constituição Federal sobre demais leis ou normas do ordenamento jurídico nacional, sejam elas Acordos de Empréstimos, Convenções Internacionais ou mesmo Tratados, uma vez que estes, ao serem incorporados à legislação nacional, terão status de Lei Ordinária, conseqüentemente inferiores à Carta Magna, devendo, portanto, obedecer aos princípios nela contidos.

Anteriormente, era prevista a possibilidade de adoção de regras e procedimentos sugeridos pelas instituições estrangeiras desde que fossem mantidos os princípios basilares da Lei. Corroborando o entendimento de Justen Filho, é extremamente problemático distinguir, na Lei 8.666, o que seriam princípios basilares.[123] Nesse sentido, o entendimento que se tem em voga é que, com a utilização da regra oriunda do organismo internacional, não se utilizariam as normas constantes da Lei de Licitações e Contratos, devendo obedecer, entretanto, os demais dispositivos constitucionais.

O descumprimento do princípio da publicidade, ou o seu cumprimento irregular, constitui um vício de forma, capaz de acarretar nulidade absoluta ou relativa, conforme o caso, do mesmo que se produz um vício de forma quando ocorra quebra ao princípio da igualdade.[124]

Em suma, o princípio constitucional da publicidade e as normas gerais de licitação exigem a publicação integral dos atos administrativos, sendo uma grande arma contra a corrupção. 

4.2.5. Eficiência

De acordo com a obra de Hely Lopes Meirelles, o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional.[125] É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.[126]

O princípio da eficiência, segundo Di Pietro, apresenta dois aspectos relevantes, quais sejam:

“pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a administração pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”[127].

Este princípio, inserido na Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 19/98, seguindo os passos de algumas legislações estrangeiras, visa, ante o exposto, a garantir maior qualidade na atividade pública e na prestação dos serviços públicos. Nesse sentido, faz com que a Administração Direta ou Indireta, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedeça em seus atos também a este princípio.

De acordo com Moraes, o “administrador público precisa ser eficiente, ou seja, deve ser aquele que produz o efeito desejado, que dá bom resultado, exercendo suas atividades sob o manto da igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade e imparcialidade”[128]. Conclui dizendo que o princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor versação possível dos recursos públicos, de modo a evitar desperdícios e garantir uma maior rentabilidade social.[129]

Para este autor, o princípio da eficiência traz consigo uma série de características que ajudam a moldá-lo, quais sejam, o direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, a imparcialidade, a neutralidade, a transparência, a participação e aproximação dos serviços públicos da população, a eficácia, a desburocratização e a busca da qualidade. Quatro dessas características merecem destaque, haja vista que são alicerces da formação deste princípio, quais sejam, a imparcialidade, a neutralidade (características estas está intimamente ligadas à isonomia e impessoalidade), a eficácia e a busca da qualidade.[130]

A imparcialidade possui sua importância na medida em que busca a salvaguardar o exercício da função administrativa e, por via de conseqüência, a bsca do interesse público da influência de interesses alheios ao interesse público em concreto prosseguido, qualquer que fosse a sua natureza, e, por outro lado, da interferência indevida no procedimento administrativo de outros sujeitos ou entidades da Administração Pública.

Nesse sentido, para ser eficiente, é necessária uma atuação da Administração imparcial e “independente dos interesses privados, individuais ou de grupo, perante os interesses partidários e perante os concretos interesses políticos do Governo”[131].

A neutralidade também possui importância demasiada na formação deste princípio. Para que a eficiência seja alcançada na realização da atividade administrativa, o Estado deve ser neutro na resolução de qualquer conflito de interesse, assumindo uma posição valorativa de simultânea e igual consideração de todos os interesses em presença.[132]

Quanto à eficácia e à busca de qualidade, estas se traduzem no adimplemento das atividades administrativas de maneira coerente, isto é, na execução e cumprimento dos entes administrativos dos objetivos que lhes são próprios. A qualidade do serviço público é, antes de tudo, qualidade de um serviço, sem distinção se prestado por instituição de caráter público ou particular. Busca-se, dessa forma, a otimização dos resultados pela aplicação de certa quantidade de recursos e esforços, incluída, no resultado a ser otimizado, a satisfação proporcionado ao consumidor, cliente ou usuário. Assim, para que a atividade administrativa seja prestada eficientemente, deve haver em sua gênese a eficácia e a busca da qualidade, características estas que visam não só o bem da Administração, mas principalmente de seus súditos, os destinatários finais.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Marcos Felipe Pinheiro Lima

Mestre pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e em Relações Internacionais (UnB). Analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União, atualmente requisitado pelo Superior Tribunal de Justiça, exercendo o cargo de Assessor Especial da Presidência.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Marcos Felipe Pinheiro. A constitucionalidade das modalidades de licitação do Banco Mundial vis-à-vis dos princípios constitucionais da Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3573, 13 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24185. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos