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A dimensão filosófico-jurídica da equidade intergeracional: reflexões sobre as obras de Hans Jonas e Edith Brown Weiss

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15/04/2013 às 16:25
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4 O DIÁLOGO ENTRE A TEORIA DA RESPONSABILIDADE DE JONAS E A TEORIA DA EQUIDADE INTERGERACIONAL DE BROWN WEISS

Em uma de suas conferências na Alemanha, já na década de 80, após ter se reconciliado com sua terra natal, Hans Jonas falou que embora ele não fosse “futurologista”, o tema ética do futuro necessitava sim da Futurologia, “enquanto projeção adiante segundo um método científico, uma vez que nosso agir atual pode ser a causa de efeitos para os quais devemos manter nossos olhos abertos”.[47] Ele distinguiu, contudo, dois tipos de Futurologia – o primeiro de uma imagem ideal denominada utopia; o segundo a futurologia da advertência cujo ponto de partida é a meta a alcançar, é esta a que refere quando fala em ética do futuro.

Reside nessa “projeção adiante”, em uma “futurologia” da advertência o elo entre a teoria da responsabilidade de Hans Jonas e a teoria da equidade intergeracional de Brown Weiss. É latente a preocupação de ambos com o futuro das gerações que nos sucederão. A busca de ambos é 1) pela garantia de que tais gerações serão (no sentido do ser, da existência), no caso de Jonas, trazendo a lume a (nossa) responsabilidade ética pela existência das gerações vindouras; 2) assegurada a existência, que essa se realize pelo dever jurídico das presentes gerações observarem a equidade através da conservação da diversidade das opções, da qualidade e do acesso das futuras gerações aos recursos naturais e culturais do Planeta Terra.

Brown Weiss, sem citar Jonas em sua obra, estabelece com a doutrina do filósofo uma ligação, ao defender a necessidade de um novo ethos planetário:

 Para implementar a equidade entre as gerações, precisamos de uma ethos planetário que englobe todas as gerações. Isso exige conscientizar a população e educar as pessoas sobre o desenvolvimento ambientalmente sustentável. As comunidades têm o direito de saber sobre os contaminantes ambientais na sua área e sobre a sustentabilidade dos (atuais) padrões de consumo. Organizações não-governamentais, empresas e demais atores têm um papel particularmente importante para garantir isso. A revolução da informação que está em curso deve contribuir muito para prestar as informações necessárias, na mobilização da participação pública, no desenvolvimento e implementação de medidas para alcançar a equidade intergeracional.

Esse novo ethos planetário também já foi defendido pelo teólogo Leonardo Boff [48], principalmente quando ele afirma que o dever de cuidado é uma responsabilidade imanente de todos os seres humanos para com outros seres, é dizer vida humana e não-humana. Entretanto mesmo antes de defender expressamente a necessidade de um novo ethos planetário (ao final da obra) Brown Weiss expressa a necessidade de uma responsabilidade ética das gerações atuais na condução do Planeta. O termo que usa – conservação (da diversidade das opções, da qualidade, do acesso) – coloca à evidência que o princípio da equidade intergeracional é desenvolvido visando um compromisso ético-jurídico das gerações presentes com as próximas gerações. Somente conserva a diversidade biológica e cultural, a qualidade da água, do ar e do solo, e o acesso aos bens ambientais aquele que é responsável, o que tem um dever de cuidado! Assim, o diálogo entre a doutrina de um filósofo e a de uma jurista exsurge da interação entre os pensamentos de ambos em aspectos não conflitantes.

Embora a teoria de Brown Weiss advenha da tradição do Common Law, do pragmatismo norte-americano, e a de Jonas da filosofia alemã e da tradição e cultura continental européia, ambos pautam seus trabalhos pelo desenvolvimento de um agir ético das presentes gerações em relação às futuras. Quando explica o tripé que embasa a equidade intergeracional, ela reconhece que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras, ou seja, há um limite para as gerações atuais. Isso também se vislumbra na doutrina de Jonas quando trata da responsabilidade como centro de uma nova ética.[49] Não nos parece, portanto, que sejam teorias incompatíveis, ao revés, são dimensões que se interrelacionam.

Hoje, porém, o problema que tange especificamente à dimensão jurídica é a relacionada à representação das futuras gerações. Isso ainda é alvo de polêmica, como representar quem ainda não nasceu? A teoria dos direitos do nascituro é insuficiente para tal questão. As gerações futuras não são efetivamente representadas no processo de tomada de decisão hoje, embora tais decisões afetem o futuro. Isso requer que se entenda o direito fundamental entre as gerações corretamente, para que se reconheça que as gerações futuras têm uma reivindicação de igualdade com a geração atual. A representação poderia ocorrer por meio de um órgão coletivo (uma comissão, um “office”) ou um ombudsman, conforme inclusive a opinião de Brown Weiss.[50] No plano jurídico a implementação de um (legítimo) representante poderia assegurar a igualdade (real) entre as gerações, o que nada mais é do que um dos meios de concretização do princípio da equidade intergeracional.


 CONCLUSÕES

[...] Entre nós, a tarefa densificadora metódico-metodológica só pode partir da norma constitucional que elege o direito ao ambiente a direito fundamental do homem. Se só do homem ou de uma comunidade biótica que tem o homem como vértice é já uma leitura alternativa que nos levaria aos confins dos direitos da natureza. Ou mais simplesmente, a recuperar a mensagem ecologicamente panteísta do Il Poverello de Assis com os seus ‘irmãos lobos’ e os seus ‘cardos amigos’. As futuras gerações dirão da sua justeza e da sua justiça. Seja-nos permitida apenas uma profecia: estas futuras gerações viverão ainda com conforto, mas sem abundância. Mas para isso é preciso continuar a navegar e amar a Terra.[51] (Grifo nosso).

A Constituição brasileira em seu art. 225, caput, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de proteção ambiental às presentes e futuras gerações. Esta escolha pela proteção às futuras gerações não foi aleatória, ela se alinha com o que de mais moderno existe em termos de dogmática jurídico-ambiental. A partir daí, portanto, a doutrina nacional passou a estudar tão elevado preceito, cujas origens são encontradas no Direito Internacional.

O nosso objeto de estudo – a equidade intergeracional – tem mais de uma dimensão, não só a jurídica: a dimensão filosófica (moral) e a política. Coube-nos, porém, investigar as duas primeiras, buscando em doutrinadores considerados essenciais ao tema as reflexões pertinentes. Após a leitura e interpretação dos mesmos, fizemos um recorte do tema, trazendo a lume o que consideramos base sobre a dimensão filosófica e a jurídica.

Na dimensão filosófica é a ética baseada na responsabilidade que a conforma. A teoria da responsabilidade, de Hans Jonas, explica como e por que temos um compromisso ético com as futuras gerações. O arquétipo da responsabilidade dos pais para com os filhos é o novo paradigma tão bem descrito por Jonas desse nosso dever com a vida humana e não humana.

Já na dimensão jurídica, estudada sob a perspectiva do princípio (doutrina) da equidade intergeracional, de Edith Brown Weiss, estabelece-se a necessidade da conservação da diversidade das opções, da qualidade e do acesso aos recursos naturais e culturais pelos (atuais) beneficiários do Planeta Terra. Cabe a esses a função de guardiões do Planeta para que as futuras gerações tenham opção, qualidade e acesso equitativo aos recursos antes citados.

Ambas as doutrinas são aproximadas pelo diálogo entre as mesmas, o qual tem na ética planetária um elo que as une, por isso uma não exclui a outra.

A seguir os tópicos conclusivos sobre cada um dos itens abordados:

1) A proteção jurídica ao meio ambiente – direito fundamental ao ambiente saudável e equilibrado -, sob uma perspectiva histórica, é recente, tendo surgido primeiro em âmbito internacional e somente depois internalizada em constituições como a do Brasil (art. 225, CF) e a de Portugal (art. 66º). Foi a Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente (1972) que consagrou o direito ao meio ambiente como um direito humano fundamental;

2) Com o reconhecimento do Direito Internacional a esse novo direito humano – posteriormente positivado nos ordenamentos jurídicos nacionais – surgiu, também, a preocupação de que as futuras gerações devem ter (receber) as mesmas condições em relação ao Planeta Terra como as atuais gerações. Aparecem, assim, concomitantemente os direitos intergeracionais e os deveres intergeracionais;

3) Tais direitos e deveres são o objeto da denominada teoria da equidade intergeracional, a qual tem como fundamento a equidade (= igualdade) entre as gerações passadas, presentes e futuras. Essa equidade – no campo ambiental – diz respeito 1) à justa utilização dos recursos naturais (e culturais) pelas gerações; 2) à responsabilidade da preservação de tais recursos, disponíveis a todas as gerações, sem distinções entre elas;

4) A equidade intergeracional tem três dimensões: a filosófica; a jurídica; a política. As duas primeiras são estudadas a partir das obras de Hans Jonas e Edith Brown Weiss, enquanto a última não faz parte do objeto de análise do presente artigo;

5) A dimensão filosófica da equidade intergeracional tem na obra do filósofo alemão Hans Jonas - O Princípio Responsabilidade – o seu fundamento ético-filosófico. Ele desenvolve a teoria da responsabilidade, cujo arquétipo é o da responsabilidade parental, para explicar como é necessário um (novo) imperativo categórico que ultrapasse a noção kantiana de dignidade da pessoa humana e de solidariedade com o outro, baseada em uma (nova) responsabilidade, ínsita à existência do próprio ser e em relação não só à vida humana;

7) A dimensão jurídica da equidade intergeracional, por sua vez, tem na obra de Edith Brown Weiss o seu fundamento. A jurista norte-americana desenvolveu a teoria da equidade intergeracional , conformando-a por meio de três princípios: 1) o da diversidade das opções; 2) o da conservação da qualidade; 3) o da conservação do acesso. A observância desses princípios é fundamental à existência e desenvolvimento das futuras gerações.

8) Pode ser estabelecido um diálogo entre as duas obras, pois tanto Jonas como Brown Weiss propugnam por um novo ethos planetário e uma ética da responsabilidade. Ambos se aproximam quando defendem esse novo ethos planetário e a necessidade de um dever de cuidado das futuras gerações com o Planeta e seus recursos, o que implica em um compromisso ético-jurídico com as futuras gerações, o qual se traduz em uma palavra – responsabilidade.


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Sobre a autora
Simone Hegele Bolson

Advogada. Doutoranda em Direito Público - UNISINOS (RS). Bacharel em História - PUCRS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOLSON, Simone Hegele. A dimensão filosófico-jurídica da equidade intergeracional: reflexões sobre as obras de Hans Jonas e Edith Brown Weiss. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3575, 15 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24189. Acesso em: 22 nov. 2024.

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