Resumo: O presente artigo pretende analisar o instituto da prova no processo civil, aprofundando o estudo sobre a atuação do magistrado na sua determinação e produção. Analisam-se as opiniões doutrinárias acerca do tema, como também, os princípios constitucionais referentes à atuação do magistrado no direito às provas, tais como o princípio dispositivo, o inquisitivo, devido processo legal, a imparcialidade e o contraditório.
INTRODUÇÃO
Continua atual e necessária a reflexão sobre o papel da magistratura na consolidação e no permanente fortalecimento dos ideais democráticos através da aplicação da Constituição, da lei e dos princípios aos conflitos de interesse da sociedade.
A atuação do magistrado para a condução do processo civil é uma tendência que vem crescendo no Brasil. Diz-se que o processo contemporâneo, opondo-se à ideia de autonomia da vontade, está voltado para uma ordem de valores e princípios. Hoje, o Estado foi colocado como centro das atenções no direito processual, que deste modo, assumiu uma conotação distinta.
O juiz, órgão do Estado incumbido de dirimir os conflitos de interesse, presta a jurisdição, e diz diante de um caso concreto, quem efetivamente tem a razão. Já o processo é o instrumento de realização do direito, por intermédio do qual o Estado presta esta jurisdição, solucionando, de alguma forma, os conflitos presentes na sociedade.
O objetivo principal do processo jurisdicional é uma decisão judicial favorável a quem tenha razão, esta decisão é baseada nos fatos carreados ao processo, normalmente pelas partes, mas podendo ser suscitados pelo magistrado.
É imperioso reconhecer que modernamente o juiz vem ganhando uma posição de maior atividade no processo civil, abandonando sua antiga postura de mero espectador do embate dialético das partes, se ocupando do processo como interessado não no benefício individual que a decisão vai trazer, mas sim naquilo que de social e político ela vai realizar: a paz e a manutenção da ordem jurídica.
1. O DIREITO PROCESSUAL COMO SEGURANÇA CONSTITUCIONAL E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO
Segundo Oliveira (2004), o processo é uma ferramenta pública para a realização da justiça e da pacificação social, indo além da técnica buscando aplicação do direito constitucional, ou seja, a perspectiva constitucional do processo traz a realidade política e social, afastando do plano conceitual e técnico.
A Constituição Federal brasileira de 1988, no rol dos direitos fundamentais assegura a garantia do acesso à ordem jurídica justa (art. 5º, XXXV), a garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV) e as garantias da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV), que abarca o direito à prova. O direito à prova é um direito público subjetivo conquistado pelo Estado Democrático de Direito, assegurando as partes a utilizarem todos os meios de prova idôneos e úteis para demonstrar a verdade ou falsidade dos fatos alegados.
O vocábulo “prova” admite diversos significados no campo jurídico, segundo Cambi (2001), existe uma tripartição quanto ao significado de prova: como atividade, prova é os atos praticados pelo juiz e pelas partes para reconstrução dos fatos que servem de suporte para os mesmos, com o objetivo de convencer o julgador; como meio, forma que as informações entram no processo para convencimento do juiz; como resultado, é a convicção do juiz motivada racionalmente. Segundo Didier Jr. (2011), o vocábulo prova como atividade ou meio possui um sentido objetivo, porém como resultado o termo prova admite um sentido subjetivo.
De acordo com o art. 341 do Código Civil, “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”. Em resumo, no processo civil, a prova é o conjunto de atos para a formação da convicção do juiz sobre a verdade dos fatos controvertidos, que foram trazidos para o processo pelas partes.
O direito à prova é um meio legítimo de acesso à ordem jurídica justa, uma prática da garantia constitucional da ação e da defesa, logo ocupa uma importante posição no sistema processual garantindo o devido processo legal.
A infraconstitucionalidade do direito à prova implica na limitação do legislador em conferir restrições não razoáveis ou injustificáveis ao exercício deste direito. Aplicar-se-á o princípio da proporcionalidade no caso concreto, para decidir que valores irão prevalecer. Compete ao juiz o poder de controlar os limites impostos,
“se a limitação probatória não corresponder à tutela de um valor mais relevante que aquele que o direito à prova visa concretizar, a lei que restringe a atividade probatória deve ser considerada inconstitucional. O direito à prova pode ser sacrificado somente se outro valor considerado mais relevante justifique a sua restrição; caso contrário, a lei processual deve prestigiar a máxima eficácia do direito fundamental à prova, sob pena de violação da Constituição, cujo controle difuso ou concentrado deve ser feito pelos juízes, no curso dosa respectivos processos.” (CAMBI, 2001, p. 188).
Os princípios constitucionais são valores suscetíveis a mudanças, ligados ao ambiente cultural de uma sociedade com caráter finalístico, e sem hierarquia entre eles. No processo civil há diversos princípios que são aplicados ao longo do processo, estabelecendo um fim pretendido que pode ser alcançado com determinados comportamentos.
O princípio do devido processo legal é o princípio básico, do qual decorrem outros, mas não quer dizer que seja o mais importante. Sua ideia central é que o processo deve estar em conformidade com o Direito como um todo. O devido processo legal pode ser compreendido em duas dimensões: formal, onde as regras processuais devem ser estritamente observadas, ou seja, as partes possuem o direito fundamental de agir em juízo de acordo com as prescrições legais; e substancial, não basta à obediência as normas, as produções das leis e decisões judiciais deverão ser proporcionais e razoáveis.
Outro importante princípio é o do juiz natural ou da imparcialidade, juiz imparcial é aquele que aplica a norma de direito material a fatos efetivamente verificados, sem que se deixe influenciar por fatores externos, aquele que possui capacidade subjetiva, isto é, que não possui interesse subjetivo na causa. Com o objetivo de resguardar o princípio da imparcialidade, a quem defenda a impossibilidade do juiz ter a iniciativa probatória. Mas não é limitando o poder do juiz que estará preservando a sua imparcialidade, e sim o respeito ao princípio do contraditório.
O princípio do contraditório significa direito à informação, mais a possibilidade de manifestação do processo. É dirigido tanto para o autor como para o réu, o juiz tem o dever de consultar as partes quando tenha dúvida e o dever de prevenir as mesmas quanto a determinadas condutas processuais. Este é complementado pelo princípio da ampla defesa que é a possibilidade de se valer de todos os instrumentos processuais colocados à disposição pelo ordenamento jurídico para a defesa dos seus direitos e interesses.
O direito à prova é um direito que está implícito na Constituição Federal, sendo derivado da garantia do contraditório, contida no art. 5º, inciso LV, da mesma. Deve-se analisar o direito à prova a partir de uma perspectiva constitucional, considerando-o os seus princípios. O direito constitucional à prova, que é uma garantia constitucional do processo, tem três dimensões: o direito de produzir prova em juízo; o direito de participar da produção da prova; e o direito de manifestar-se sobre a prova produzida.
2. A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO NO DIREITO ÀS PROVAS NO PROCESSO CIVIL
De acordo com Cambi (2001), a atividade do juiz é verificar a verdade ou falsidade dos fatos principais alegados pelas partes, e decidir racionalmente. O juiz é um terceiro imparcial, ele reconstrói os fatos com o auxílio das partes (envolvidos nos fatos), testemunhas (presenciaram os fatos), técnicos e auxiliares do juízo (possuem conhecimentos específicos) e procuradores.
Logo, a verdade absoluta é algo inatingível no processo civil, segundo Neves (2005), a obtenção da verdade pelo juiz é um obstáculo material no processo civil, já que aqueles que levam a prova objetiva seu favorecimento, os terceiros envolvidos apresentam de acordo com sua percepção e intenção, e o juiz admite as provas conforme chega a seu entendimento.
Há faça a distinção entre a verdade formal, uma verdade meramente processual, da verdade real, a utilizada no processo penal, com a idéia de que só neste é necessário buscar a verdade material. Porém, não devem existir diferentes tratamentos quanto a busca da verdade nos institutos processuais, a prestação jurisdicional sempre será o valor maior a ser buscado no processo, com a devida decisão motivada.
“Para poder motivar a sua decisão, o juiz, na atividade de valoração da prova, deve, basicamente, comparar aquilo que foi alegado com aquilo que foi provado. Havendo dúvidas quanto à existência dos fatos, o juiz, para melhor esclarecê-los, pode valer-se dos poderes de iniciativa probatória, previstos na lei processual, e, persistindo as incertezas, aplicar o art. 333 do CPC, como regra de julgamento.” (CAMBI, 2001, p. 49)
Segundo Fredie Didier Jr. (2011), há diversos modelos de direito processual em conformidade com o princípio do devido processo legal, a doutrina costuma identificar dois: o modelo inquisitivo e o modelo dispositivo.
O princípio do inquisitivo ou princípio da livre investigação das provas tem como característica a liberdade de iniciativa conferida ao juiz, tanto na instauração do processo como no seu desenvolvimento. O julgador procura descobrir a verdade real, independentemente da iniciativa ou colaboração das partes.
Já o princípio do dispositivo atribui às partes o impulso do processo, tanto com relação à instauração da relação processual como no seu desenvolvimento. Entende-se aquele em que o juiz depende, na instrução da causa, da iniciativa das partes quanto à produção de provas e às alegações em que se fundamentará a decisão, limitando o juiz a mero expectador.
O modelo processual clássico possui uma fisionomia individualista, que envolve somente as partes sendo o Estado apenas um fiscalizador, porém foram feitas alterações pelo legislador conferindo poderes ao juiz para a produção de provas, com uma tendência a maior participação do juiz no processo. “a participação no processo para a formação da decisão constitui, de forma imediata, uma posição subjetiva inerente aos direito fundamentais, portanto, é ela mesma o exercício de um direito fundamental.” (OLIVEIRA, 2004, p. 10).
Já se pode falar em princípio do dispositivo moderno, que surgiu no século XIX, momento em que os poderes do juiz foram aumentando, cabendo não só o impulso oficial do andamento processual, mas também o poder de determinar a realização das provas. O julgador não pode substituir a atividade das partes no campo probatório, pois a estes cabe o ônus da prova do que alegam. Somente após essa atividade, se o juiz sentir-se inabilitado para decidir a partir das provas carreadas ao processo, poderá o magistrado agir de ofício.
Nos países anglo-saxônicos (common law), o sistema é preponderado pelo princípio dispositivo, onde a iniciativa probatória cabe às partes do litígio, com a coleta e a apresentação de provas de suas próprias alegações, é uma disputa entre dois adversários diante de um órgão jurisdicional passivo, o adversarial system. Na Inglaterra, o juiz não admitia provas pela sua iniciativa, até que 1988, se atribui poderes ao magistrado podendo o mesmo determinar os fatos probandos, os meios de prova, etc.
No entanto, nos países da Europa Continental e da América Latina (civil law), o sistema é preponderado pelo princípio inquisitivo, em que são atribuídos poderes ao juiz na atividade instrutória, sendo ele o protagonista do processo, o inquisitorial system. Nos Estados Unidos da América, há uma extensão dos poderes do juiz, podendo de ofício determinar a produção de prova.
No ordenamento jurídico brasileiro, há certa resistência na iniciativa probatória do magistrado, devido à antiga visão privatista do direito processual. Hoje, a tendência do processo civil é conferir ao Estado-juiz amplos poderes instrutórios, adotando o inquisitorial system dos países latino-americanos.
Logo, nenhum dos princípios é adotado de forma pura, mas de forma mista. Se o interesse do conflito é das partes elas podem ou não procurar prestação jurisdicional. Mas, uma vez deduzida a pretensão em juízo, já existe outro interesse que passa a ser de natureza pública, que é a justa composição do litígio, segundo o direito material vigente e no menor espaço de tempo possível. Assim, embora a iniciativa de abertura do processo seja das partes, o seu impulso é oficial, de maneira que cabe ao Estado-juiz o desenvolvimento do feito até o final, independente da provocação dos interessados.
Segundo Bedaque (1995), a moderna ciência processual admitiu a necessidade de o juiz assumir a efetiva posição de condutor do processo, com amplos poderes instrutórios com participação no contraditório desenvolvido pelas partes, conforme o art. 130 do CPC “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.
A resistência à prática do art. 130 do CPC, como afirma Didier Jr. (2011), decorre do entendimento como uma ofensa aos princípios do dispositivo, da isonomia e do juiz natural (imparcialidade), o que na realidade não existe.
Quanto ao princípio dispositivo, o magistrado não irá intervir na prática do acordo de vontades sobre direitos disponíveis, apenas fiscalizará a regularidade dos atos.
Quanto ao princípio da isonomia, o modelo adversarial system pressupõe um equilíbrio entre as partes, no entanto não é o que ocorre na prática, já que no processo civil enfrentam-se indivíduos com total disparidade seja econômica ou de posição social, temos como exemplo, quando uma das partes possui um advogado mais eficiente na conduta da atividade probatória, logo a inércia do magistrado pode desvirtuar o resultado da prova, não sendo uma ofensa à isonomia a atuação do magistrado na investigação probatória, e sim, “uma atuação da igualdade substancial no processo, com o equilíbrio, in concreto, da situação jurídica das partes.” (DIDIER JR., 2011, p. 24).
E por fim, quanto ao princípio do juiz natural, a ampliação do poder instrutório do juiz não beneficia nenhuma das partes, apenas o facilita a ter sua racional convicção quanto à decisão, sendo a motivação da mesma uma forma de afastar a parcialidade ou benefício de uma das partes. Imparcialidade não significa neutralidade diante dos valores a serem salvaguardados por meio do processo, logo o juiz deve conduzir o processo de tal modo que seja efetivo o instrumento de justiça.
Não se quer desvirtuar o princípio do dispositivo, mas adequá-lo conforme a moderna processualística que tem por finalidade tornar efetivo o acesso à jurisdição.
De acordo com Didier Jr. (2011), o poder de iniciativa probatória do juiz não é absoluto, possui algumas limitações feitas pelo legislador, como: a proibição de exercer esse poder sobre fatos e circunstâncias não constantes dos autos ou emitir convicção de natureza íntima, pois o juiz deve indicar, na sentença, a motivação; a necessidade de fundamentar o ato judicial que determina a colheita oficial de provas e de submissão das provas colhidas ao contraditório; e em casos de revelia, como não há controvérsia dos fatos, se os fatos deduzidos pelo autor não forem verossímeis, nada obsta que o magistrado determine que ele produza a prova das suas alegações, mas se for verossímeis, o juiz não está autorizado a exigir a comprovação.
Amplos devem ser os poderes do juiz no campo da investigação probatória, objetivando entregar a tutela jurisdicional qualificada, exigência de ordem pública no sentido de que os conflitos sejam solucionados na plenitude e com justiça.
Conforme disposto no artigo 130 do CPC, ao possibilitar que o juiz determine de ofício as provas necessárias, o objetivo está em esclarecer fato relevante da decisão da causa. Logo, a direção material do processo, desde que conduzida nos limites legais, respeitando-se os princípios que norteiam a marcha dialética do due process of law, em nada interfere na imparcialidade do juiz.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto ao tema da atividade instrutória do juiz há divergências e posicionamentos variados na doutrina, podendo-se verificar desde posicionamentos mais liberais, que conferem ampla iniciativa probatória ao magistrado, passando pelos posicionamentos moderados, que legitimam a iniciativa instrutória oficial, desde que seja necessário para esclarecimento dos fatos, resguardados o contraditório, a igualdade processual e a imparcialidade; até os posicionamentos que conferem mínimas hipóteses ou simplesmente negam a possibilidade de o juiz produzir provas, tendo por fundamento o princípio dispositivo.
A participação ativa do juiz na instrução do processo, determinando a realização das provas que entender necessárias ao esclarecimento dos fatos contidos na causa de pedir, não ofende a sua imparcialidade. Antes a evidencia, pois o seu objetivo é atingir a verdade real, dando a quem merecer o direito disputado.
O juiz deve agir sempre em busca da verdade. Ainda que não seja absoluta e límpida, o magistrado não pode se escusar de conhecer a realidade dos fatos sob seu julgamento. O juiz não deve agir em substituição à atividade das partes, mas deve ser imparcial, no sentido de dar razão a quem efetivamente a tem, mas para isso não deve se manter neutro e desinteressado.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
____ Código civil e Constituição Federal. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
____ Código de Processo Civil e Constituição Federal. 42 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. 1. ed. São Paulo: Revista Tribunais, 2001. v. 3.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2011. v. 2.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Algumas considerações sobre as limitações procedimentais à busca da verdade no processo civil brasileiro. Revista dialética processual. nº 30. Setembro, 2005.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Processo e Constituição. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004.
BIBLIOGRAFIAS
BARREIROS, José Otacílio. O papel do juiz no processo civil moderno. São Paulo: Sem Revisão.
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PEREIRA, Rafael Caselli. A compatibilidade do princípio e o da imparcialidade com a iniciativa probatória do juiz. Monografias.com. Acesso em: 23/01/2012.