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Contribuição de melhoria: uma alternativa viável para o incremento da infraestrutura brasileira

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18/04/2013 às 15:14
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3. A CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL PARA O INCREMENTO DA INFRAESTRUTURA BRASILEIRA

Em 1964, o mestre Geraldo Ataliba já se pronunciava acerca do pouco uso pelos entes políticos estatais da contribuição de melhoria, destacando a importância de sua instituição pelo Poder Público brasileiro, veja-se a sua contundente lição:

É insuficiente e injusto o sistema tributário que não reconheça êste instituto jurídico. Não reconhecê-lo e não explorá-lo importam no mesmo. Insuficiente porque desprezará preciosa forma de financiamento de obras públicas das quais tanta necessidade tem a sociedade moderna. Injusto porque onerará desigualmente os cidadãos e não respeitará as elementares exigências de justiça distributiva, abandonando sólidos indícios científicos de proporcionalidade, asseguradores de um sistema équo de repartição de encargos tributários.[101]

3.1. Do insucesso da contribuição de melhoria em nosso país

Estranhamente, apesar de ser uma boa forma de ressarcimento aos cofres estatais dos gastos com obras públicas, a contribuição de melhoria é raramente utilizada pelos entes políticos brasileiros. Importa-nos descobrir os motivos de seu insucesso em nosso país.

Célio Armando Janczeski, citando outros doutrinadores de renome, nos oferece algumas pistas acerca da razão do desuso da contribuição de melhoria no Brasil, in verbis:

Quanto à contribuição de melhoria, tal como posta no Direito brasileiro, apesar das críticas recebidas de juristas que infirmam a complexidade de instituição e cobrança, chegando João Batista Moreira a afirmar que o administrador a considera uma perfumaria dos teóricos, enquanto Ataliba, apesar de realçar seus aspectos positivos, a considera, na prática, mera peça de museu, seu desuso se dá especialmente pelo despreparo do Poder Público, que insiste na não obediência aos princípios do tributo.[102]

De outro lado, Hely Lopes Meirelles afirma que, ainda que pequena, existe a utilização do instituto da contribuição de melhoria por alguns municípios brasileiros. Não lhe dão efetividade alguma, entretanto, a União e os Estados da federação. Todavia, explicita o autor que, nos casos de sua utilização efetiva, esta é feita passando ao largo dos mandamentos dos textos legais maiores, eis que os Municípios, ao legislarem sobre o tributo em apreço, raramente acolhem a valorização imobiliária como parâmetro e limite a sua cobrança. Ao invés disso, se baseiam na extensão da testada do imóvel, critério absolutamente ilegal e inconstitucional.[103]

Kiyoshi Harada afirma ser o maior problema da instituição da contribuição de melhoria a difícil e complexa delimitação da zona de influência benéfica da obra pública. Isso porque há obras que ocasionam valorização longitudinal, ao longo da obra; outras ocasionam valorização radial, ao redor da obra; e, outras, ainda, causam valorização apenas em seus pontos extremos.[104]

Com a devida vênia ao mestre Harada, não cremos que este argumento, bem como o argumento da dificuldade de cálculo vergastado por alguns doutrinadores, possam ser o motivo do insucesso brasileiro na aplicação da contribuição de melhoria. Isto pois, apesar de para nós juristas esta delimitação da zona de influência benéfica e o cálculo do valor a pagar a título de contribuição de melhoria parecerem extremamente complicados, para os técnicos nas áreas de Engenharia, Arquitetura, Matemática e áreas afins contratados pelas prefeituras municipais para calcular o valor venal do imóveis para fins de IPTU – Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - e ITR[105] – Impostos sobre a propriedade territorial rural -, como para os técnicos estaduais encarregados do cálculo do ITBI – Imposto de transmissão de bens imóveis inter vivos – e do ITCMD – Imposto de transmissão de bens imóveis causa mortis ou doações - tratam-se, em verdade, de tarefas cotidianas.

Já, Hugo de Brito Machado acredita ser a exigência legal da obrigatoriedade de conclusão da obra pública antes da instituição e cobrança da contribuição de melhoria um dos elementos concorrentes para seu insucesso em nosso país.[106]

Porém, este argumento não pode prosperar, vez que o próprio Decreto-Lei nº. 195/67 que regulamenta a matéria, em seu artigo 9º, traz a possibilidade de cobrança de contribuição de melhoria por obras apenas parcialmente concluídas, desde que estas já tenham gerado valorização aos imóveis vizinhos.[107] Não pode prosperar, ainda, pois é de conhecimento vulgar o fato da maioria das obras públicas ser financiada por instituições financeiras nacionais e, muitas vezes, até internacionais.

O real motivo do insucesso da contribuição de melhoria no Brasil nos é esclarecido por Hugo de Brito Machado, in verbis:

A verdadeira razão para a não cobrança da contribuição de melhoria, no Brasil, é a exigência legal de publicação do orçamento da obra, e do direito do contribuinte de impugnar o respectivo valor, porque as obras públicas em nosso país, desgraçadamente, são quase todas objeto de vergonhoso superfaturamento. Por isto mesmo a Administração Pública prefere não fazer as coisas com a transparência que a lei exige, como condição para a cobrança da contribuição de melhoria.[108]

De acordo com Rafael da Silva Santiago, a contribuição de melhoria constitui-se num fator de estímulo ao controle da população sobre os gastos feitos pelos gestores públicos com o dinheiro público, que nada mais é do que a receita advinda dos tributos pagos por toda a população brasileira. Dessa forma, constitui-se também numa ameaça aos governantes, que teriam de expor os gastos de sua administração para apreciação e, inclusive, impugnação pelos cidadãos.[109]

Sobre isto, bem discorre Fabíola Costa Acácio Pellini:

Por conta dos detalhes exigidos por lei para a publicação do edital e do memorial descritivo da obra, muitos administradores abdicaram de exigência da contribuição de melhoria, seja por causa das minúcias que tornam difícil o atendimento do exigido em lei, seja por causa dos orçamentos “inflados” de contratos para realização de obras públicas e aquisição de materiais aplicados nas mesmas, que vez ou outra chegam ao conhecimento da sociedade, apesar de serem práticas condenadas no âmbito da Administração Pública. Este é o aspecto mais delicado de todos, pois sua solução vai além das discussões doutrinárias.[110]

Assim, os governantes preferem abdicar desta forma ideal de ressarcimento dos gastos públicos, ao invés de se submeterem ao crivo da população, de tal sorte a poderem garantir a continuidade de seus mandatos e, até, possíveis reeleições futuras. Este o verdadeiro motivo, escuso é fato, do insucesso da contribuição de melhoria entre nós.

3.2. Das vantagens da utilização da contribuição de melhoria no Brasil

Conforme Sérgio Martins Guerreiro:

A contribuição de melhoria é um instituto de fundamental importância para a gestão urbanística. A obra pública, por certo, despende gastos elevados. Nos países subdesenvolvidos principalmente, o que se vê é um esgotamento da capacidade fiscal do Poder Público. A contribuição de melhoria, a seu turno, é um tributo previsto constitucionalmente, exeqüível, que poderia angariar importantes somas fiscais para o soerguer econômico de nosso Estado. Entretanto, não é utilizado, é um tributo esquecido.[111]

A efetiva utilização da contribuição de melhoria no Brasil, além de concretizar os princípios da igualdade e da justiça distributiva entre nós, possibilitaria aos entes políticos estatais um verdadeiro e substancial incremento nas obras públicas de infraestrutura, visto que os custos destas passariam a ser ressarcidos por aqueles que obtiveram valorização imobiliária decorrente de tais obras. Poderia, com isso, trazer, ainda, grande desenvolvimento sócio-econômico e um substancial aumento do IDH[112] – Índice de Desenvolvimento Humano - ao nosso país.

O povo brasileiro se ressente tanto da falta, na maior parte dos lugares, da infraestrutura mínima adequada a proporcionar-lhe um padrão de vida efetivamente humano e, ainda assim, por meras questões políticas, nossos governantes abdicam da utilização da contribuição de melhoria, único instrumento capaz de resolver adequadamente estas questões.

De acordo com Hely Lopes Meirelles, trata-se a contribuição de melhoria de “um instrumento tributário altamente eficiente e realizador da verdadeira justiça fiscal, por incidir sobre aqueles que diretamente auferem os benefícios e a valorização provocada pela obra pública em seus imóveis”.[113]

Além disso, destaca Roque Antonio Carrazza a grande utilidade deste tributo para a diminuição da especulação imobiliária:

[…] nos países onde a contribuição de melhoria é regularmente arrecadada, a especulação imobiliária diminuiu sensivelmente. De fato, neles, nenhuma pessoa adquire imóvel localizado em zona periférica com o fito exclusivo de, com as obras públicas que cedo ou tarde virão, locupletar-se às expensas da comunidade que as custeia. Por outro lado, com a cobrança de contribuição de melhoria, aumenta a arrecadação estatal e, graças a isto, novas obras públicas podem ser financiadas, mais rapidamente.[114]

Prática esta, a da especulação imobiliária, ainda bastante frequente no Brasil, justamente, em razão da não implementação da contribuição de melhoria pelos entes políticos estatais pátrios.

E, por fim, o mestre Geraldo Ataliba enumera as razões pelas quais a contribuição de melhoria deve ser implementada em nosso país:

Razões financeiras o impõem: a necessidade de recursos com que enfrentar outras, ou a própria obra. Razões econômicas o recomendam: desestimular a especulação imobiliária, que se alimenta da esperança de valorização, pela simples posse prolongada (os inconvenientes da especulação são notórios: não uso e retenção de terrenos nos arredores das cidades, aguardando valorização, com consequente desvio de capitais de empreendimentos produtivos, criação de favelas etc.). Razões políticas o exigem: devolver à coletividade os benefícios e frutos de sua ação e não premiar a inércia, a improdutividade dos que adquirem imóveis por preço baixo, para aguardar sua valorização por efeito do progresso comunitário, expansão urbana e realização de obras públicas.

Razões de equidade o reclamam: que as obras de utilidade geral sejam custeadas por todos; as de utilidade restrita o sejam por aqueles que delas extraiam proveito e as que reúnam os dois requisitos sejam custeadas proporcionalmente pela comunidade e pelos beneficiários. Nesta última hipótese, grande parte dos benefícios contempla particularmente alguns contribuintes (os proprietários de imóveis vizinhos). Os recursos com que é suportada a obra devem ser retirados parcialmente destes especiais beneficiários (que, aliás, nada perdem, já que o valor de sua propriedade permanece intacto). O instrumento disso é a c. m.

Por último, são também razões éticas as que exigem a eficácia da contribuição de melhoria: banir o enriquecimento sem causa de alguns, à custa de todos.[115]

3.3. Da obrigatoriedade da instituição da contribuição de melhoria pelos entes estatais sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade por omissão

A obrigatoriedade da instituição da contribuição de melhoria pelos entes políticos estatais brasileiros advém da interpretação sistemática do artigo 145, III, da Constituição Federal, dos artigos 81 e 82 do Código Tributário Nacional, dos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº. 195/67, do artigo 2º, XI, do Estatuto da Cidade (LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001) e dos artigos 11 e 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000). Passamos, pois, a listá-los infra.

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A Constituição Federal assim dispõe sobre a contribuição de melhoria:

Art. 145. CF. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[...]

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. (Grifo nosso).[116]

Interpretar o caput deste artigo constitucional é tarefa que nos cabe, de forma a definirmos a carga semântica da expressão “poderão” utilizada pela Assembléia Constituinte, é o que faremos adiante.

Por sua vez, assim dispõe o Código Tributário Nacional sobre a competência para a instituição da contribuição de melhoria:

Art. 81. CTN. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.[117]

O Código Tributário Nacional, conforme supra citado, não nos dá qualquer dica acerca da obrigatoriedade ou não da instituição da contribuição de melhoria pelos entes políticos pátrios.

O Decreto-Lei nº. 195/67 assim estabelece acerca da competência para a instituição da contribuição de melhoria:

Art. 2º. Será devida a Contribuição de Melhoria, no caso de valorização de imóveis de propriedade privada, em virtude de qualquer das seguintes obras públicas:

I - abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas;

II - construção e ampliação de parques, campos de desportos, pontes, túneis e viadutos;

III - construção ou ampliação de sistemas de trânsito rápido inclusive tôdas as obras e edificações necessárias ao funcionamento do sistema;

IV - serviços e obras de abastecimento de água potável, esgotos, instalações de redes elétricas, telefônicas, transportes e comunicações em geral ou de suprimento de gás, funiculares, ascensores e instalações de comodidade pública;

V - proteção contra sêcas, inundações, erosão, ressacas, e de saneamento de drenagem em geral, diques, cais, desobstrução de barras, portos e canais, retificação e regularização de cursos d’água e irrigação;

VI - construção de estradas de ferro e construção, pavimentação e melhoramento de estradas de rodagem;

VII - construção de aeródromos e aeroportos e seus acessos;

VIII - aterros e realizações de embelezamento em geral, inclusive desapropriações em desenvolvimento de plano de aspecto paisagístico.

Art 3º. A Contribuição de Melhoria a ser exigida pela União, Estado, Distrito Federal e Municípios para fazer face ao custo das obras públicas, será cobrada pela Unidade Administrativa que as realizar, adotando-se como critério o benefício resultante da obra, calculado através de índices cadastrais das respectivas zonas de influência, a serem fixados em regulamentação dêste Decreto-lei.

§ 1º A apuração, dependendo da natureza das obras, far-se-á levando em conta a situação do imóvel na zona de influência, sua testada, área, finalidade de exploração econômica e outros elementos a serem considerados, isolada ou conjuntamente.

§ 2º A determinação da Contribuição de Melhoria far-se-á rateando, proporcionalmente, o custo parcial ou total das obras, entre todos os imóveis incluídos nas respectivas zonas de influência.

§ 3º A Contribuição de Melhoria será cobrada dos proprietário de imóveis do domínio privado, situados nas áreas direta e indiretamente beneficiadas pela obra.

§ 4º Reputam-se feitas pela União as obras executadas pelos Territórios. (Grifo nosso).[118]

Por sua vez, o Decreto-Lei nº. 195/67 já nos dá algumas pistas da obrigatoriedade da instituição da contribuição de melhoria pelos entes políticos estatais, em razão de usar, no caput de seu artigo 2º a expressão “será devida a Contribuição de Melhoria” e no caput de seu artigo 3º utilizar a seguinte expressão: “A Contribuição de Melhoria a ser exigida pela União, Estado, Distrito Federal e Municípios para fazer face ao custo das obras públicas, será cobrada pela Unidade Administrativa que as realizar”, nela inclusas algumas palavras que levam a crer na obrigatoriedade da instituição da contribuição de melhoria, quais sejam: “A ser exigida” e “será cobrada”.

De outro lado, o Estatuto da Cidade estabelece a obrigatoriedade induvidosa dos municípios instituírem a contribuição de melhoria para fazer face às obras públicas que erigirem, in verbis:

Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

[...]

XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos. (Grifo nosso).[119]

Reputamos como induvidosa a obrigatoriedade da instituição da contribuição de melhoria pelos municípios brasileiros, eis que o Estatuto da Cidade estabelece as diretrizes gerais da política urbana, elegendo, dentre elas, a “recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos”. Ora, já sabemos que a contribuição de melhoria é o único instrumento tributário pátrio apto a fazer jus a esse mandamento do Estatuto da Cidade, tendo-se, portanto, a sua instituição como obrigatória, caso contrário, não faria parte das diretrizes gerais da política urbana nacional.

Por fim, temos os artigos 11 e 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que assim rezam:

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

[...]

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança. (Grifo nosso).[120]

A Lei de Responsabilidade Fiscal é ainda mais grave, prevendo não só a obrigatoriedade da instituição, como também da cobrança de todos os tributos da competência de cada ente federado. E, ainda, prevê uma série de requisitos que dificultam a renúncia fiscal, devendo esta, se havida, ser justificada e compensada adequadamente pelo ente político em questão. Sendo assim, percebemos que a obrigatoriedade de instituição e cobrança dos tributos, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é a regra geral, sendo a renúncia fiscal uma exceção condicionada ao preenchimento de diversos requisitos pelo ente competente para legislar e cobrar os tributos, neles incluída, logicamente, a contribuição de melhoria.

Do cotejamento dessas legislações, podemos depreender que, pelo menos, a partir do ano 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, se não antes, a instituição e cobrança dos tributos, incluindo a contribuição de melhoria, pelos entes políticos pátrios passou a ser obrigatória.

Porém, há controvérsias nesse sentido, posto que há quem sustente que desde a entrada em vigor do atual Código Tributário Nacional, em 1967, a instituição e cobrança dos tributos tornou-se obrigatória aos entes estatais, em face da definição de tributo nele existente, vejamos:

Art. 3º. CTN. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (Grifo nosso).[121]

Isso porque a definição de atividade estatal plenamente vinculada é aquela que refere que os atos dos servidores públicos dos entes estatais, para determinados fins, como o de instituir e cobrar tributos, devem estar estritamente vinculados ao mandamento legal, não havendo nesses atos qualquer brecha para a discricionariedade, ou seja, poder de escolha, dos servidores públicos, sendo estes obrigados a efetivar os atos administrativos contidos na lei.

Dessarte, a instituição e cobrança de todos os tributos, neles inclusa, por óbvio, a contribuição de melhoria, é ato administrativo plenamente vinculado, portanto, obrigatório para todos os entes políticos estatais, desde a data da entrada em vigor do Código Tributário Nacional, em 1º de janeiro de 1967[122]. Sobre isso bem leciona Célio Armando Janczeski:

[...] f) Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada: dizendo o CTN que o tributo há de ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, quer significar que a autoridade administrativa não pode preencher com seu juízo pessoal, subjetivo, o campo de indeterminação normativa. Nada fica a critério da autoridade administrativa, ou seja, não há espaço para a discricionariedade. (Grifo nosso).[123]

Entretanto, a tese que consideramos mais hígida é a que considera obrigatória a instituição e cobrança da contribuição de melhoria para cada obra pública realizada por cada um dos entes políticos estatais desde a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. Passamos, na sequência, a explicitar as razões da eleição desta tese.

Primeiramente, é importante dizer que a contribuição de melhoria é o único instrumento de que dispõe a Administração Pública brasileira para a implementação do princípio da igualdade no que toca ao âmbito da especulação imobiliária. Eis que, somente através dela tem o Poder Público condições de reaver a mais valia imobiliária ocasionada a alguns particulares em razão da construção de obras públicas, evitando que uns poucos se locupletem às custas da imensa maioria da população. Isto tudo, já referimos ao longo deste trabalho.

Pois bem, então, se passarmos à interpretação sistemática da vontade do legislador constituinte ao legislar sobre a contribuição de melhoria no artigo 145, III, da Constituição Federal[124], sem deixarmos de lado a necessária implementação do princípio da igualdade, erigido no artigo 5º, caput, da CF[125], concluímos, necessariamente, que a instituição da contribuição de melhoria quando da construção de obra pública que crie mais valia aos imóveis particulares vizinhos se faz absolutamente obrigatória para o Poder Público. É o que nos explica Marcelo Jatobá Lôbo:

O primado da isonomia está a exigir, por tudo o que foi dito, o modal obrigatório para qualificar a conduta de legislar sobre o tributo em causa. Se estivéssemos diante de uma simples faculdade, o não exercício da competência importaria a inobservância permanente a esse princípio fundamental, legitimando o privilégio de alguns em detrimento do todo. Não parece ser essa a melhor exegese.[126]

Fazendo, entretanto, uma interpretação literal do caput do artigo 145 da Constituição Federal[127], nos deparamos com uma objeção a esta tese, vez que ele utiliza o vocábulo “poderão” quando define a competência dos entes políticos estatais para a instituição de todos os tributos ali listados, inclusive da contribuição de melhoria. Todavia, sabemos que para a maior parte da doutrina, a interpretação literal é a menos indicada quando se trata de interpretação legislativa, pois conduz a erros grosseiros. Dessarte, melhor continuarmos seguindo o caminho da interpretação sistemática, até porque, nos diz Carlos Maximiliano, citado por Marcelo Jatobá Lôbo:

Se, ao invés do processo filológico de exegese, alguém recorre ao sistemático e ao teleológico, atinge, - às vezes, resultado diferente: desaparece a antinomia verbal, pode assume as proporções e o efeito de deve. Assim acontece quando um dispositivo, embora redigido de modo que traduz na aparência, o intuito de permitir, autorizar, possibilitar, envolve a defesa contra males irreparáveis, a prevenção relativa a violações de direitos adquiridos, ou a outorga de atribuições importantes para proteger o interesse público ou franquia individual. Pouco importa que a competência ou autoridade seja conferida, direta ou indiretamente; em forma positiva, ou negativa: o efeito é o mesmo; os valores jurídico-sociais conduzem a fazer o poder redundar em dever, sem embargo do elemento gramatical em contrário.[128]

Portanto, concluímos ser possível a tese interpretativa de que o artigo 145 da Constituição Federal[129], pelo menos no que tange à contribuição de melhoria, exija a sua implementação e cobrança, quando da ocorrência de seu fato gerador, pelo ente político competente. Sendo assim, estaria o ente estatal em questão incorrendo em inconstitucionalidade por omissão se não instituísse a lei criadora da contribuição de melhoria quando da construção de obra pública que causasse mais valia imobiliária aos particulares vizinhos. Passível, pois, da proposição, pelos legitimados, de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADIN por omissão, sendo esta regulada pelo artigo 103, §2º, da CF.[130]

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Sobre a autora
Vanessa Kiewel Cordeiro

Advogada atuante nas áreas cível, imobiliária e tributária. Pós-graduanda em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho - UGF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Vanessa Kiewel. Contribuição de melhoria: uma alternativa viável para o incremento da infraestrutura brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3578, 18 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24196. Acesso em: 26 abr. 2024.

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