4. ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS DA DESAPOSENTAÇÃO
Nas palavras de Ibrahim (2005, p. 35), a desaposentação:
[...] traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no regime geral de previdência social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. O presente instituto é utilizado colimando a melhoria do status financeiro do aposentado.
O termo é um neologismo da doutrina previdenciária, como defineMarcos Galdino de Lima, em seu artigo “O instituto da desaposentação”[24]:
É certo que a desaposentação é um neologismo da doutrina previdenciária que, agora nos últimos anos, vem sendo debatida açodadamente, mas ao que parece, foi mesmo introduzida no mundo jurídico precipuamente pelo Advogado previdenciarista Wladimir Novaes Martinez nos idos do ano de 1987, como ele próprio tem pugnado, no livro “Desaposentação”, de sua autoria, publicado em 2008, pela editora LTr.
A ideia de desaposentação pode ser também associadaà extinção do pecúlio, o qual consistia no ressarcimento ao aposentado de todas as contribuições que este realizou ao órgão previdenciário, durante os anos que trabalhou após o jubilo.
Cumpre destacar que o pecúlio foi criado pela lei nº 6.243 de 24 de setembro de 1975 e ainda resistiu à Lei 8.213/91, em seu artigo 81, inciso II, que dizia:
Art. 81 – Serão devidos pecúlios:
[...]
II - ao segurado aposentado por idade ou tempo de serviço pelo Regime Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, quando dela se afastar.
Com seu cálculo determinado no artigo 82 da mesma lei:
Art. 82 - No caso dos incisos I e II do artigo 81, o pecúlio consistirá em pagamento único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às contribuições do segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia primeiro.
Asua extinção foi obra das Medidas Provisórias do início de 1994, originadas na Medida Provisória nº 381, de dezembro de 1993, e culminando com a Lei 8.870, de 15 de abril de 1994.
Para que se entenda melhor a relação entre o extinto pecúlio e o surgimento da desaposentação, convém ilustrar com o seguinte exemplo: um indivíduo que se aposentou em 1980 e continuou trabalhando até 1992, contribuiu para a Previdência por doze anos após a aposentadoria. Findo este período, quando a pessoa foi dispensada da empresa e foi dada baixa em sua CTPS, procurou a agência do INSS para requerer o pecúlio sobre as contribuições pagas durante estes doze anos.
Insta observar quedepois de abril de 1994, com a extinção do pecúlio, o individuo que se aposentasse e continuasse trabalhando não teria mais direito a nenhum benefício referente a este período, pois as suas contribuiçõespassaram a ser destinadas ao custeio da Seguridade Social (saúde, assistência e previdência). Observemos o que diz o parágrafo segundo do artigo 18 da Lei nº 8.213/1991:
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
A legislação, portanto, prevê apenas o recebimento do salário-família e da reabilitação profissional ao aposentado que retorna ou que mantem-se trabalhando depois da sua aposentadoria. Isso implica em dizer que se esse indivíduo adoecer, por exemplo, não poderá gozar de um auxílio-doença e quando precisar se afastar de vez do trabalho, por não ter mais condições físicas de laborar, não terá acrescido aos proventos de seu aposento o tempo que contribuiu após a jubilação.
O Juiz Federal Marcelo Leonardo Tavares faz uma importante colocação a respeito:
A norma, além de possuir caráter extremamente injusto, desrespeita o princípio da contraprestação relativo às contribuições devidas pelos segurados, tendo em vista que as prestações oferecidas ao aposentado que retorna à atividade são insignificantes, diante dos valores recolhidos. Pode-se afirmar, inclusive, que pela natureza das prestações oferecidas (salário-família, reabilitação profissional e salário-maternidade), não haveria filiação a regime previdenciário; pois a lei não admite nova aposentação do segurado, recálculo da aposentadoria anterior ou prevê o pagamento de pecúlio – as novas prestações vertidas não garantem as espécies mínimas de benefícios para que se tenha um regime previdenciário: nova aposentadoria ou nova pensão. O salário-família, benefício pago somente a segurados de baixa renda empregados e avulsos, provavelmente não será devido ao idoso, e praticamente já seria em casos de aposentadoria sem novo exercício de atividade; os demais segurados não farão jus, de qualquer forma. O salário maternidade, provavelmente, não será fruído pela aposentada; de qualquer forma, os segurados homens não poderão fruí-lo. A reabilitação profissional é um serviço, não envolvendo qualquer tipo de retorno pecuniário ao utilizador que, uma vez aposentado, não terá, obrigatoriamente, desejo de se submeter a este tipo de tratamento. (Direito Previdenciário, ed.LumenJuris, 2ª ed., 2000, p. 58/59).
O magistrado observa, em sua fala, a inutilidade da norma acimareproduzida em relação ao aposentado que se mantém trabalhando. Pois referida legislação limita-se a assegurar ao aposentado prestações que, em regra, não lhe beneficiarão, como é o caso do salário-maternidade ou reabilitação profissional.
Outro importante elemento que contribuiupara o surgimento da desaposentação foi a criação do fator previdenciário, por intermédio da Lei nº 9.876/99:
A matéria passou a despertar maior interesse com o advento da Lei 9.876/99, que, ao regulamentar EC n. 20/98, criou o fator previdenciário. A nova sistemática de cálculo vinculou o valor inicial das aposentadorias à idade do segurado, à expectativa de sobrevida e ao tempo de contribuição, resultando em drástica redução desse valor, incentivando a continuidade no mercado de trabalho. MICHELON, Edmilso. Desaposentação ou Reaposentação. Em: <http://www.sinpronoroeste.org.br/publicacao-27092-Desaposentacao_ou_Reaposentacao.fire>. Extraído em 16.06.2012.
Com a criação do fator previdenciário, já mencionado alhures, houve uma redução do valor do benefício, principalmente em relação aos segurados que haviam entrado muito cedo no mercado de trabalho e breve completavam os requisitos necessários à jubilação, isso porque a idade incide no calculo da referida variável.
Diante da situação exposta, passou-se a estudar outra forma para que o aposentado que precisa voltar à ativa e se mantenha contribuindo à previdência, tenha incorporado ao seu benefício o tempo de contribuição posterior à jubilação. Com isso, surge a ideia de desaposentação.
Saliente-se, contudo, que o instituto em análise ainda não tem embasamento legal, tendo sido apenas criação da doutrina, que foi acolhida pela jurisprudência brasileira, motivo pelo qual goza de arrevesados debates jurídicos favoráveis e contrários ao tema.
Porém, atualmente, chega a ser majoritária a corrente favorável, com sobra; discutindo-se acirradamente apenas questões técnicas como o alcance do instituto, limites/restrições, e, o grande calo continua sendo o equilíbrio financeiro e atuarial dos regimes previdenciários (restituição de valores recebidos durante a aposentadoria). LIMA, Marcos Galdino de. O Instituto da Desaposentação. Em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7952>. Acessado em 24.05.2012.
Cumpre observar que há umprojeto de lei nº 3.884/2008 de autoria do deputado federal Cleber Verde, do Partido Republicano Brasileiro, em tramitação na Câmara dos Deputados, que trata do assunto.Prevê o referido projeto acrescentar Parágrafo Único ao art. 54, modificar o inciso III do art. 96, acrescentar o Parágrafo Único ao art. 96 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Objetivando, com isso garantir ao segurado o direito a renúncia à aposentadoria sem prejuízo da contagem do tempo de contribuição.
Em sua justificativa, dispõe o deputado que:
Não havendo vedação constitucional ou legal, a renúncia de benefício previdenciário é possível na aposentadoria, por este um direito patrimonial disponível. A renúncia é possível, vez que é para se alcançar uma situação mais favorável ao Segurado.
Ressalta [...] que a pretensão não é a cumulação de benefícios, mas sim, a renúncia da aposentadoria que percebe para o recebimento de outra aposentadoria no mesmo regime, mas, mais vantajosa, semadevoluçãodequaisquervalores,pois,enquantoperduroua aposentadoria anterior, os pagamentos eram de natureza alimentícia e caráter alimentar, ou mesmo porque o segurado preencheu os requisitos para recebê-la.
Boa parte da doutrina comunga com o pensamento supracitado, no sentido de que a aposentadoria é direito patrimonial disponível, sendo facultada ao segurado a renúncia a tal prerrogativa. Ademais, o que se pretende com a desaposentação não é a cumulação de benefícios e sim uma reanálise do benefício que o aposentado já percebe, incorporando-se aí o tempo que ele passou trabalhando após a jubilação.
Esse também é o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RENÚNCIA. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO.
EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO PARA AVERBAÇÃO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL.
1. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, por se tratar de direito patrimonial disponível, é cabível a renúncia a benefício previdenciário, com a expedição da certidão do tempo de serviço respectivo, ainda que visando à obtenção de nova aposentadoria em outro regime previdenciário, na medida em que não existe vedação legal à prática de tal ato pelo titular do direito. (Cf. STJ, AGRESP 497.683/PE, Quinta Turma, Ministro Gilson Dipp, DJ 04/08/2003; RESP 423.098/SC, Quinta Turma, Ministro Gilson Dipp, DJ 14/10/2002, e RESP 370.957/SC, Quinta Turma, Ministro Jorge Scartezzini, DJ 15/04/2002; TRF1, AC 1999.01.00.113171-5/GO, Primeira Turma Suplementar, Juiz Manoel José Ferreira Nunes, DJ 08/05/2003;AC 96.01.56046-7/DF, Segunda Turma, Juiz convocado Antônio Sávio de Oliveira Chaves, DJ 10/08/2001; AC 2000.01.00.063411-9/DF, Primeira Turma, Juiz Antônio Sávio de Oliveira Chaves, DJ 04/06/2001; REO 1998.01.00.074740- 8/DF, Segunda Turma, relator para acórdão o Juiz Jirair Aram Meguerian, DJ 31/05/2001; AC 1997.01.00.046010-1/DF, Primeira Turma, relator para acórdão o Juiz Carlos Olavo, DJ 29/05/2000, e AMS 96.01.40728-6/DF, Primeira Turma, Juiz Aloísio Palmeira, DJ 03/05/1999.)2. Apelação e remessa oficial improvidas.(AMSnº 1998.01.00.070862-9/RO, JUIZ FEDERAL JOÃO CARLOS MAYER SOARES (CONV), PRIMEIRA TURMA SUPLEMENTAR, DJ 11/09/2003).
Com relação a renuncia, é necessário frisar que no Direito Civil, é esta um negócio unilateral, bastando apenas a declaração do titular do direito, independente da anuência de outrem. Trata-se, portanto, do abandono, da desistência de um direito voluntariamente.
Há, com a desaposentação, a desconstituição de um ato jurídico perfeito, ou, de um direito social que não possui, todavia, valor absoluto, quando analisado à luz da dignidade da pessoa humana e da fundamentalidade do direito social. Afinal de contas, o que se deve alcançar com tal desconstituição é uma aposentadoria mais benéfica ao indivíduo, proporcionando-lhe uma vida digna.
Explana IBRAHIM (2005, p. 44),
Sem embargo da necessária garantia ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, não podem tais prerrogativas constitucionais compor impedimentos ao livre exercício do direito. A normatização constitucional visa, com tais preceitos, assegurar que direitos não sejam violados, e não limitar a fruição dos mesmos. O entendimento em contrário viola frontalmente o que se busca na Lei Maior.
Segurança jurídica, de modo algum, significa a imutabilidade das relações sobre as quais há incidência da norma jurídica, mas, muito pelo contrário, a garantia da preservação do direito, o qual pode ser objeto de renúncia por parte de seu titular em prol de situação mais benéfica.
Resta demonstrado, portanto, que é possível a desconstituição do ato jurídico perfeito, proporcionando-se a livre fruição e a preservação dos direitos, para uma posterior renúnciadestes em busca de algo melhor, o que se traduz na desaposentação.
Mencionado instituto carece de previsão legal, repita-se, todavia, tal fato não representa um impedimento à existência da desaposentação. O princípio da legalidade, previsto no art. 37, caput da Carta Magna, prega que a Administração Pública somente está autorizada a fazer o que a lei determina, em contrapartida, o administrado pode fazer tudo que não seja vedado pela lei.
Isso implica em dizer que a vedação, no sentido da impossibilidade da desaposentação, é que deveria estar prevista em lei. A sua autorização é presumida, desde que não sejam violados outros preceitos legais ou constitucionais. No caso, não há qualquer entrave expresso no ordenamento jurídico pátrio.
Assim manifesta-se o judiciário:
Ilegítima e ilegal a recusa do INSS em acolher o requerimento de renúncia à aposentadoria formulada pelo autor. Se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, não está o autor impedido pela lei de renunciar a um benefício previdenciário. Por outro lado, a administração está adstrita a agir dentro dos estritos critérios da legalidade, dentre outros (art. 37 da CF). Assim, somente dispositivo legal expresso poderia impedir o autor de exercer seu direito de renúncia. Não há óbice algum a que o autor renuncie legitimamente ao benefício que lhe foi concedido e tenha reconhecido a seu favor o direito à expedição de certidão de tempo de serviço prestado à iniciativa privada nos moldes de sua postulação. (São Paulo – Vara da justiça federal em Campinas. Direito à desaposentação – renúncia à aposentadoria por tempo de serviço, para utilização do período na contagem recíproca. Ação ordinária processo nº 92.0604427-3. Elidio Ramires versus INSS. Juiz Nelson Bernardes de Sousa. Sentença de 06. abr.1993. LTr – Revista de previdência Social, v.204, ano XXI, p. 116, nov.1997).
O entendimento exposto no julgado acima deixa clara a mencionada situação, se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, não faz sentido falar em impossibilidade de renuncia a benefício previdenciário por vontade do próprio beneficiário em questão.
Deste modo, entendendo pela viabilidade da desaposentação, espera-se que não tarde o legislador no preparo da norma sobre o tema, pois os pedidos de recálculo de benefícios previdenciários tem se proliferado nos tribunais.
Para que seja satisfativa a esperada norma terá que tratar de matérias como prazo prescricional e decadencial, periodicidade mínima para sua requisição, além da necessidade ou não de devolução dos valores pagos anteriormente à desaposentação, este último será explanado no tópico que segue.
4.1. Restituição dos Valores Pagos Anteriormente à desaposentação
Cabe agora a seguinte indagação: Os proventos percebidos pelo aposentado, ao tempo em que havia voltado a contribuir para a Previdência Social, deverão ser devolvidos aos cofres públicos, quando este indivíduo requerer, por vias judiciais, a sua desaposentação?
No sentido da devolução dos valores pagos:
Com a desaposentação e a reincorporação do tempo de serviço antes utilizado, a autarquia seria duplamente onerada se não tivesse de volta os valores antes recebidos. Já que terá que conceder nova aposentadoria mais adiante, ou terá que expedir certidão de tempo de contribuição para que o segurado aproveite o período em outro regime previdenciário.Com a expedição da certidão de tempo de contribuição, a Autarquia Previdenciária terá de compensar financeiramente o órgão que concederá a nova aposentadoria, nos termos dos arts. 94 da Lei nº 8.213/91 e 4º da Lei nº 9796, de 05.05.99.(...)O mais justo é conferir efeito extunc à desaposentação e fazer retornar o status quo ante, devendo o segurado restituir o recebido do órgão gestor durante todo o período que esteve beneficiado. Este novo ato que será deflagrado pela nova manifestação de vontade do segurado deve ter por consequência a eliminação de todo e qualquer ato que o primeiro possa ter causado para a parte contrária, no caso o INSS. (LIMAapud DUARTE 2003).
A autora fala em garantir à desaposentação efeito extunc, para que assim a autarquia previdenciária não fosse duplamente onerada, tendo que pagar o beneficio previdenciário ao aposentado durante o seu período de labor, posteriormente ao seu jubilo e, mais a frente, quando esta pessoa fosse pleitear uma desaposentação.
O Tribunal Regional da Terceira Regiãopossui julgados que corroboram a opinião supracitada:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS PELA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. É plausível o direito à desaposentação, ou seja, renúncia à aposentadoria que foi concedida ao agravante, cessando, com isso, o pagamento de referido benefício previdenciário. 2. Mister a restituição dos valores recebidos a título do benefício previdenciário, em se pretendendo utilizar o tempo de serviço na atividade privada para obtenção de aposentadoria estatutária. Não se restituir os valores recebidos a título de aposentadoria implicaria em carrear prejuízos ao INSS, pois a compensação financeira se operaria sobre parte do seguro já transferido ao segurado. 3. Não se trata aqui de ato puro de renúncia à aposentadoria, para que seja dispensada a restituição dos valores recebidos a título de proventos, mas também pretensão de utilização do tempo de serviço que deu origem a tal benefício para fins de obter aposentadoria estatutária, o que torna inevitável, em princípio, a devolução de valores recebidos, sob pena de não se operar a compensação financeira ou fazê-la com prejuízos para o sistema do Regime Geral de Previdência Social. 4. O direito à obtenção de certidão de tempo de serviço tem assento constitucional. Todavia, a certidão não poderá retratar situação jurídica diversa daquela que ampara o interessado. 5. Sem a devolução das quantias recebidas, a certidão somente poderá ser no sentido de que não há tempo de serviço a ser considerado para fins de contagem recíproca. 6. A correção monetária dos valores objeto da restituição deverá ser idêntica àquela utilizada para atualização de benefícios pagos com atraso, em homenagem ao princípio da isonomia, mesmo porque a restituição em tela não é concernente a contribuições previdenciárias inadimplidas. 7. Agravo de instrumento parcialmente provido.(TRF3. AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO – 182848. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JEDIAEL GALVÃO. Data da decisão: 22/06/2004).
No caso acima, o Emérito Desembargador Federal Jadiel Galvão, relator do julgamento, ressalta que o caso em tela não é de simples renúncia de benefício previdenciário, mas também pretensão de utilização do tempo de serviço para a contagem de um novo benefício, em outro regime de previdência. Portanto, decidiu o Douto Relator pela necessidade da devolução dos valores recebidos, para que haja devida compensação financeira para a mudança de regime.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESAPOSENTAÇÃO. RESTITUIÇÃO DOS VALORESPAGOS PELA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. 1. [...]2. O julgado em questão foi extremamente claro e abordou expressamente a matéria ventilada nos presentes embargos, ainda que com solução diversa da pretendida pelo embargante, não podendo falar em omissão. No caso, para a obtenção da certidão de tempo de serviço, necessária a devolução de todos os valoresrecebidos pelo embargante, como assinalado na decisão embargada. Igualmente a decisão embargada se pronunciou sobre o pedido de parcelamento para a devolução dos valores pagospelo INSS. 3. Embargos de declaração rejeitados.(TRF3. AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO – 182848. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JEDIAEL GALVÃO. Data da Decisão: 09/11/2004).
Do julgado acima, pode-se depreender que tal restituição dos valores pagos, inclusive com possibilidade de parcelamento destes, refere-se ao caso em que a autarquia previdenciária deverá expedir a certidão de tempo de contribuição para que o segurado aproveite o período em outro regime previdenciário.
No mesmo sentido, o egrégio Tribunal Regional Federal da quarta região:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. REGIME DE FINANCIAMENTO DO SISTEMA. ARTIGO 18 PARÁGRAFO 2º DA LEI 8.213/91.: CONSTITUCIONALIDADE. RENÚNCIA. POSSIBILIDADE. DIREITO DISPONÍVEL. DEVOLUÇÃO DE VALORES.EQUILÍBRIO ATUARIAL. PREJUÍZO AO ERÁRIO E DEMAIS SEGURADOS.
- Dois são os regimes básicos de financiamento dos sistemas previdenciários: o de capitalização e o de repartição. A teor do que dispõe o art. 195 da Constituição Federal, optou-se claramente pelo regime de repartição.- O art. 18 parágrafo 2º da Lei nº 8.213/91 (com a redação dada pela Lei nº 9.528/97) proibiu novos benefícios previdenciários pelo trabalho após a jubilação, mas não impede tal norma a renúncia à aposentadoria, desaparecendo daí a vedação legal.- É da natureza do direito patrimonial sua disponibilidade, o que se revela no benefício previdenciário, inclusive porque necessário prévio requerimento do interessado.- As constitucionais garantias do direito adquirido e do ato jurídico perfeito existem em favor do cidadão, não podendo ser interpretado o direito como obstáculo prejudicial a esse cidadão.- Para utilização em novo benefício, do tempo de serviço e respectivas contribuições levadas a efeito após a jubilação originária, impõe-se a devolução de todos os valores percebidos, pena de manifesto prejuízo ao sistema previdenciário e demais segurados, com rompimento do equilíbrio atuarial que deve existir entre o valor das contribuições pagas pelo segurado e o valor dos benefícios a que ele tem direito. (TRF4, 6ª T., AC 461016, Proc. nº 2000.71.00001821-5, Rel. o MM. Juiz Néfi Cordeiro, j. de 07.08.2003).
O MM. Relator do caso acima se preocupou em refutar todos os argumentos contrários à desaposentação (ofensa ao ato jurídico perfeito, falta de previsão legal etc), mas manteve-se a favor da devolução das parcelas recebidas a titulo de benefício previdenciário, “sob pena de manifesto prejuízo ao sistema previdenciário”, palavras dele.
Também a Turma Nacional de Uniformização expôs a matéria no sentido de que a desaposentação só é possível mediante a devolução dos proventos já recebidos (PEDILEF, nº 2006.72.59.001383-7/SC, Rel. Juiz. Fed. Ronivon de Aragão. DJ 25/05/2010). Tal julgamento tem bastante importância, contudo a não restituição dos valores pagos também possui fortes defensores, como Fábio Zambite Ibrahim, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, estes dois últimos assim expressaram-se:
É defensável o entendimento de que não há necessidade de devolução dessas parcelas, pois, não havendo irregularidade na concessão do benefício recebido, não há o que ser restituído. Como paradigma podemos considerar a reversão, prevista na Lei nº 8.112/90[25], que não prevê a devolução dos proventos percebidos. (Lazzari e Castro, 2011, p. 601).
Esse entendimento se consolidou nas turmas do STJ.Reproduzem-se aqui alguns julgados, inclusive um muito recente, que menciona o RE 381367, cujo julgamento foi sobrestado, perante o Supremo Tribunal Federal, conforme se tratará com mais propriedade posteriormente.
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA PENDENTE DE JULGAMENTO NOSTF. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESCABIMENTO. RENÚNCIA DEAPOSENTADORIA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE.
1. A pendência de julgamento no STF não enseja o sobrestamento dosrecursos que tramitam no STJ. Precedentes.2. Admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamentodo tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontra osegurado.3. Agravo regimental não provido.(1300730 PR 2012/0011632-1, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 08/05/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, data de publicação: DJe 21/05/2012).
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. DIREITO À RENÚNCIA. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM RECÍPROCA. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS RECEBIDAS.
1. A aposentadoria é direito patrimonial disponível, passível de renúncia, portanto.2. A abdicação do benefício não atinge o tempo de contribuição. Estando cancelada a aposentadoria no regime geral, tem a pessoa o direito de ver computado, no serviço público, o respectivo tempo de contribuição na atividade privada.3. No caso, não se cogita a cumulação de benefícios, mas o fim de uma aposentadoria e o conseqüente início de outra.
4. O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos.5. Recurso especial improvido.(692628 DF 2004/0146073-3, Relator: Ministro NILSON NAVES, Data de Julgamento: 16/05/2005, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 05.09.2005 p. 515).
O Ministro Nilson Naves ressaltou que a aposentadoria tem efeitos “desde agora para frente”, não retroagindo, portanto. Nesse sentido, não há necessidade de se tratar das parcelas já recebidas, em momento anterior ao pedido de desaposentação, por tratar-se de verba de natureza alimentar.
PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE.
1. A renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento dotempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmoregime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos, "pois enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos" (REsp 692.628/DF, Sexta Turma, Relator o Ministro NilsonNaves, DJU de 5.9.2005). Precedentes de ambas as Turmas componentesda Terceira Seção.2. Recurso especial provido.(1113682 SC 2009/0064618-7, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 23/02/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2010).
As duas últimas decisões foram unânimes em destacar um ponto importante, se os proventos percebidos pelo segurado eram de natureza alimentar não há que se falar em devolução destes. Como se sabe, alimentos são irrepetíveis, isso implica em dizer que uma vez percebidos e consumidos não caberá devolução.
É digno de nota o convergente posicionamento de Ibrahim (2005 p. 60/61):
A adequada conclusão a respeito desta questão impõe, necessariamente, a análise do regime financeiro do sistema previdenciário de origem do segurado.
(...) sendo o regime financeiro adotado o de repartição simples, como nos regimes previdenciários públicos em nosso país, não se justifica tal desconto, pois o benefício não tem sequer relação direta com a cotização individual, já que o custeio é realizado dentro do sistema de pacto intergeracional, com a população atualmente ativa sustentando os benefícios dos hoje inativos. Se nesta hipótese o desconto fosse admitido, fatalmente o fundo acumulado do segurado poderia até alcançar cifras negativas, porque evidentemente o poder público não aplica tais recursos visando o futuro, ao contrário do sistema de capitalização, utilizando-os no momento, sendo improvável que se possa atualizar-se o montante pleno do segurado.
O autor explica que o adequado entendimento acerca do tema exige uma análise sobre o regime financeiro vigente, no nosso caso, o de repartição simples. O custeio do sistema previdenciário brasileiro obedece a lógica do pacto intergeracional, com a população economicamente ativa sustentando o benefício dos hoje inativos, desta forma, não se justifica o desconto, uma vez que o benefício percebido não tem relação com a cotização individual, em outras palavras, as contribuições pagas após a aposentação não se destinam a compor um fundo próprio e exclusivo do segurado, mas todo o sistema.
4.2. Desaposentação como tema de repercussão geral
Para finalizar o presente capítulo, é interessante destacar que a desaposentação já foi considerada pelo Supremo Tribunal Federal como tema de repercussão geral. É cediço que as matérias assim classificadas são consideradas relevantes do ponto de vista político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, na forma do § 1º do art. 543-A do Código de Processo Civil[26]. Reproduziu-se aqui a notícia retirada do sítio eletrônico do referido tribunal.
Sexta-feira, 09 de dezembro de 2011.
Desaposentação é tema de repercussão geral
O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de repercussão geral na questão constitucional suscitada em recurso em que se discute a validade jurídica do instituto da desaposentação, por meio do qual seria permitida a conversão da aposentadoria proporcional em aposentadoria integral, pela renúncia ao primeiro benefício e o recálculo das contribuições recolhidas após a primeira jubilação. A matéria é discutida no Recurso Extraordinário (RE) 661256, de relatoria do ministro Ayres Britto.
Segundo o ministro Ayres Britto, a controvérsia constitucional está submetida ao crivo da Suprema Corte também no RE 381367, cujo julgamento foi suspenso em setembro do ano passado pelo pedido de vista do ministro Dias Toffoli. No referido recurso, discute-se a constitucionalidade da Lei 9.528/97, a qual estabeleceu que “o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”.
“Considerando que o citado RE 381367 foi interposto anteriormente ao advento do instituto da repercussão geral, tenho como oportuna a submissão do presente caso ao Plenário Virtual, a fim de que o entendimento a ser fixado pelo STF possa nortear as decisões dos tribunais do país nos numerosos casos que envolvem a controvérsia”, destacou o ministro Ayres Britto ao defender a repercussão geral da matéria em debate no RE 661256.
Para o ministro, “salta aos olhos que as questões constitucionais discutidas no caso se encaixam positivamente no âmbito de incidência da repercussão geral”, visto que são relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e ultrapassam os interesses subjetivos das partes envolvidas. Há no Brasil 500 mil aposentados que voltaram a trabalhar e contribuem para a Previdência, segundo dados apresentados pela procuradora do INSS na sessão que deu início ao julgamento do RE 381367, no ano passado. (Extraído de <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp? idConteudo=195735> Acessado em 11/06/2012).
A notícia demonstra a importância que a desaposentação vem assumindo em âmbito jurisdicional, superando interesses meramente individuais, vez que tem aumentado gradativamente o número de aposentados que permanecem na ativa, contribuindo para o órgão Previdenciário.
O informativo menciona dois importantes recursos extraordinários: o RE 661256 e o RE 381367. O primeiro foi o recurso que teve reconhecida a repercussão geral da matéria constitucional debatida. Neste, o INSS ataca a decisão do STJ que reconheceu a um segurado aposentado o direito de renunciar à sua aposentadoria com o objetivo de obter benefício mais vantajoso, sem que para isso tivesse que devolver os valores já percebidos. O autor da ação inicial, que reclama na Justiça o recálculo do benefício, aposentou-se em 1992, após mais de 27 anos de contribuição, mas continuou trabalhando até atingir mais de 35 anos de atividade remunerada com recolhimento à Previdência.
O aposentado teve seu pedido negado na primeira instância, decisão esta reformada em segundo grau e no STJ, ao tentar judicialmente a conversão de seu benefício em aposentadoria integral. Para o INSS, o reconhecimento do recálculo do benefício, sem a devolução dos valores recebidos, fere o princípio do equilíbrio atuarial e financeiro previsto na Constituição[27], além de contrariar o caput e o inciso 36 do artigo 5º, segundo o qual a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito.
Quanto ao RE 381367, cujo relator é o ministro Marco Aurélio, trata de matéria constitucional idêntica, aposentadas do Rio Grande do Sul que retornaram à atividade buscam o direito ao recálculo dos benefícios que lhe são pagos pelo INSS, uma vez quevoltaram a contribuir à previdência, mas a lei só lhes assegura o acesso ao salário-família e à reabilitação profissional. As postulantesargumentam que a referida norma prevista na Lei 9.528/97 fere o disposto no artigo 201, parágrafo 11, da Constituição Federal, segundo o qual “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.
Referido caso começou a ser analisado pelo Plenário do STF em setembro de 2010, quando o relator votou pela procedência do pedido. O ministro Marco Aurélio ressaltou quecomo o trabalhador aposentado que retorna à atividade tem o ônus de contribuir, da mesma forma a Previdência Social tem o dever de, em contrapartida, assegurar-lhe os benefícios próprios, levando em consideração as novas contribuições feitas. O julgamento, no entanto, foi suspenso por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.