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Poder de polícia, poder ordenador e regulação

22/04/2013 às 16:21
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O grande desafio da implementação do Poder Ordenador está na dificuldade de definir os limites do Estado em regular a atividade privada, ou seja, de o Estado manter seus regulamentos dentro da legalidade.

1.Introdução

Em função da mudança da forma de atuação do Estado, de provedor e executor para regulador, o debate sobre o poder de polícia tem se manifestado com mais força. A correlação é simples, na medida em que o Estado deixa de executar diretamente inúmeras atividades e ao mesmo tempo entende que essas atividades devem continuar a ser prestadas, ele as entrega ao particular. No entanto, o particular ao assumir tais atividades seu compromisso é com o atendimento do seu interesse que não necessariamente é coincidente com o do Estado, assim o Estado passa a regular a ação dos agentes privados como meio de alcançar seus objetivos. Ou seja, quanto mais o Estado assume o papel de regulador mais ele restringe a liberdade dos agentes privados.

A forma como o Estado atua na limitação dos agentes privados é que tem sido motivo de questionamento. Em grande medida, as dúvidas que estão sendo lançadas são em relação ao fato da regulação estar sendo feita pelo Poder Executivo, ou seja, por meio do uso do poder de polícia. Assim este artigo pretende discutir se tal questionamento é cabível e quais as suas conseqüências.

Para tanto, o artigo está dividido em cinco partes além dessa introdução. Na primeira o conceito de poder de polícia é apresentado, na segunda trabalha-se a crítica a essa noção e apresenta-se a noção de direito administrativo ordenador. Na terceira parte apresenta-se o fenômeno da regulação e suas origens. Na quarta busca-se relacionar os conceitos de poder de polícia e regulação.  Na última parte as conclusões são apresentadas.


2.Poder de Polícia

A noção de poder de polícia foi se alterando ao longo do tempo. De fato como poderá ser percebido o Poder de Polícia conferido ao Estado vem, ao longo do tempo, sendo paulatinamente limitado. Durante o período absolutista, período o qual o poder de polícia era quase ilimitado permitindo ao Estado fazer tudo que fosse de sua conveniência para a boa administração da coisa pública. Ademais, o Estado valia-se do direito para controlar a sociedade, ordenando e coagindo, mas não se submetendo a ele.

Em um momento seguinte é estabelecida a noção de um Estado sujeito ao Direito. No entanto, é importante mencionar, que tal entendimento foi lentamente formado, podendo ter seus primórdios identificados na Magna Carta, durante o reinado de João Sem-Terra na Inglaterra.  Como resultado desse processo histórico, surge o denominado Estado de Direito, que fixa novas bases entre a relação do Estado e do cidadão (SUNDFELD, 2003).

Como principais corolários da concepção liberal do Estado de Direito, a liberdade e a propriedade constituem verdadeiros espaços de autonomia do cidadão frente ao poder público, impondo a este severas restrições em suas atividades. No entanto, por serem consideradas direitos, liberdade e propriedade devem estar submetidas ao que dispõe a lei, e essa regulação envolve duas fases. Durante a primeira fase, é traçada a relação entre os titulares de direitos de propriedade e liberdade entre si. A segunda fase, por sua vez, é caracterizada pela definição da relação entre os portadores desses direitos e o Estado. Nessa segunda etapa surgem as concepções de limitações administrativas e, a fortiori, o poder de polícia.

Poder de polícia, dessa forma, é utilizado para identificar os meios em que o Estado impõe aos particulares restrições e ordenações aos direitos de particulares, em especial quanto aos direitos de propriedade e de liberdade. Assim, o poder de polícia do Estado será sentido pelos particulares em função de grau de intervenção do Estado na vida privada o que irá variar ao longo da história e da sociedade.

2.1. O Conceito de Poder de Polícia

Sob o aspecto da técnica jurídica a expressão poder de polícia é moderna, teve origem no direito norte americano, no entanto, não tendo contornos nítidos. Mesmo hoje, a determinação de poder de polícia ainda é controversa considerando-se mais fácil defini-la no caso concreto do que construir uma formulação abstrata.

Conforme Carvalho Filho (2005) a expressão poder de polícia comporta dois sentidos. O amplo que onde o autor define: “poder de polícia significa toda e qualquer ação do Estado em relação aos direitos individuais”,ou conforme Cretela Junior (1999) poder de polícia é o “conjunto de poderes coercitivos exercidos pelo Estado sobre atividades dos administrados, através de medidas impostas a essas atividades, a fim de assegurar a ordem pública”, portanto, como pode-se observar na lição de DiPietro (2007) “o fundamento do poder de polícia é o principio da predominância do interesse público sobre o particular, que dá à Administração posição de supremacia sobre os administrados”.

No sentido estrito Carvalho Filho (2005) coloca “o poder de polícia se configura como atividade administrativa conferida aos agentes da administração, consistente no poder de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade”. A partir do entendimento de poder de polícia no sentido estrito segue a definição de Carvalho Filho (2005):

“poder de polícia é a prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade”

Por sua vez Di Pietro (2007) define poder de polícia da seguinte forma:

“atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”

Para tanto, são atributos do poder de polícia a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercitibilidade.

Discricionariedade: Uma vez que não é possível que o legislador preveja todas as hipóteses que exijam a atuação de polícia, a lei, muitas vezes, deixa uma certa margem de liberdade de apreciação ao Administrador. No entanto, nem todas as medidas de polícia são discricionárias, em alguns casos são vinculadas, isto é, são os casos onde tais medidas são estabelecidas em lei.

Auto-executoriedade: É a capacidade que tem a Administração de por em execução suas decisões em que seja necessário recorrer ao judiciário.

Coercitibilidade: Essa característica, é oriunda da imperatividade que goza a Administração. Ou seja, ela permite que, em casos extremos, a administração chegue a usar a força em situações onde haja resistência dos administrados em aceitar as imposições postas.

Por óbvio, a despeito da capacidade repressiva do Estado ela não é ilimitada, ela deve respeitar as leis e a Constituição. Qualquer ação que transponha estes limites representa arbítrio e abuso de poder.

O próximo passo é analisar as críticas a essa noção de Poder de Polícia que está posta para averiguar se ela é suficiente para atender as demandas das sociedades na atualidade.


3.Crítica moderna ao conceito de Poder de Polícia

Partindo de qualquer das definições apresentadas anteriormente de poder de polícia se encontra o núcleo principal da crítica moderna. A noção de poder de polícia embute em si um forte timbre autoritário. Comumente, ao conceito de poder de polícia está mais que a mera aplicação da lei reguladora de direitos dos particulares, mas também, conforme Otto Meyer apud Sundfeld (2003): “na ação da autoridade para fazer cumprir o dever, que se supõe geral, de não perturbar de modo algum a boa ordem da coisa pública”.

Nessa concepção, ao Estado é dada a missão de preservar a boa ordem da coisa pública, tomando para esse fim quaisquer medidas que se fizerem necessárias, inclusive com a admissão de poderes implícitos, não expressamente previstos no ordenamento jurídico em vigor. É óbvio que esse entendimento está clara contradição com o princípio da legalidade administrativa.

Essa crítica que se apresenta foi profundamente desenvolvida por Augustín Gordillo, em seu Teoria General del Derecho Administrativo, que em seu esforço de enquadrar o poder de polícia nas modernas concepções de Estado Democrático de Direito propõe a própria eliminação desse conceito do panorama jurídico. Como bem exposto por Sundfeld (2003), a principal crítica de Augustin Gordillo ao conceito de poder de polícia “reside na sua inocuidade, visto isolar algo que, em tudo e por tudo, corresponderia ao exercício de qualquer função administrativa: aplicar a lei”.

A fim de melhor compreender a crítica ao poder de polícia, é importante considerar que esse conceito surgiu durante a concepção clássica de Estado, em que ele próprio assume mínimas atividades e está desinteressado de intervir na atividade econômica dos particulares, voltando-se apenas para a imposição de limites à atuação individual. Assim, a polícia administrativa, em grande parte, é caracterizada por imposições de abstenções, de comandos de não-fazer.

Por outro lado, com o advento do Estado Democrático de Direito, isto é, o Estado é transformado como instrumento para atender demandas sociais e promover o bem-estar coletivo, garantindo e implementando direitos fundamentais de segunda e terceira gerações.

A concretização de Direitos Sociais trouxe um novo problema para a Teoria do Direito, pois rompeu os paradigmas então existentes do Estado liberal, que visava simplesmente garantir determinados direitos e liberdades. Nessa mudança, o Estado deixa de lado sua postura tipicamente absenteísta da vida de seus cidadãos para, cada vez mais, adotar um enfoque prestacional, oriundo das obrigações referentes aos direitos sociais (BUCCI, 2006). Aliás, o fundamento das políticas públicas reside justamente na necessidade de concretização de direitos via prestações positivas do Estado (BERCOVICI, 2006).

Essa transformação afeta a todos os Poderes, mas é agudamente sentida pelo Executivo, o poder administrativo por excelência. As implicações e mutações são de tal forma profundas que o ato de governar não é mais executar ou aplicar da lei, mas, conforme Bonavides (2008): “dar impulso à vida pública, tomar iniciativa, preparar as leis, nomear, revogar, punir, atuar. Atuar sobretudo”.

Dessa forma, sob a perspectiva dessa crítica, percebe-se como o conceito de poder de polícia torna-se problemático. A polícia administrativa é capaz de afetar apenas o universo microjurídico dos cidadãos e a necessidade moderna é de instrumentos legais que sejam capazes de interferir no universo macrojurídico, das relações econômicas entre segmentos sociais, a fim de serem alcançados os objetivos previstos no art. 4º da Constituição Federal (SUNDFELD, 2003).

Ante esse quadro acima descrito, apresenta-se um novo enfoque para a substituição e reorganização da teoria da ação administrativa, qual seja, a administração ordenadora[1]. Um breve conceito de administração ordenadora nos é dado por Sundfeld (2003):

“Administração ordenadora é a parcela da função administrativa, desenvolvida com uso do poder de autoridade, para disciplinar, nos termos e para os fins da lei, os comportamentos dos particulares no campo das atividades que lhe é próprio."

Contudo, ressalte-se que não é o intuito desse trabalho a descrição pormenorizada dessa crítica ao conceito de poder de polícia. O que se pretende é com esse arcabouço teórico observar como ele se relaciona com o tema da regulação que é apresentado a seguir.


4.Regulação: conceito, doutrina e jurisprudência.

Recentemente o Estado alterou a sua forma de intervir na economia, ele deixou de atuar diretamente, onde possível,e entregou a iniciativa privada a exploração de serviços públicos, por meio de concessões e parcerias público-privadas; atividades econômicas em sentido estrito por meio de processo de privatização; e tem buscado aumentar o papel de organizações sociais e organizações sociais civis de interesse público como agentes que atuam como gestores de serviços públicos com fins sociais. Tal mudançaacarretou em um redesenho na forma deatuardo Estado, ou seja, passou de executor para regulador das atividadesque passaram a ser exercidas pela iniciativa privada.A mudança na forma de intervenção no Estado na economiaestá a relacionada à agenda neoliberal, onde a regulação se justifica como formade garantira competição e conseqüentemente eficiência na atividade econômica.No entanto, a forma como esta agenda foi implementada não foi homogênea, os países que a adotaram a executaram de forma distinta.

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Essas mudanças chegaram ao Brasil a partir da segunda metade da década de 1990. Neste contexto, tornou-se fundamental definir com precisão o conceito de regulação, como forma de conciliar as diversas questões envolvidas e permitir uma melhor disciplina jurídica da nova realidade econômica. Sendo assim, o tema tem sido objeto de inúmeros trabalhos por parte da doutrina.

O termo “regulação”, importado do direito anglo-saxão quando aportou no Brasilcausou algunsconflitos com outros institutos do direito público, tais como regulamentação, poder de polícia, ordenação econômica, desregulação, desregulamentação e outros (ARAGÃO, 2006). Uma das principaisconfusões está no sentido da utilização do conceito por brasileiros e norte-americanos, segundo Roberto Grau (2005): “A busca de ‘mais sociedade e menos Estado’ supõe a substituição da regulação estatal (= regulamentação) por regulações sociais. [...] Aí a deregulation, que designamos mediante o uso do vocábulo ‘regulação’”. Ou seja, o debate da regulação por si já evidencia a imposição da agenda neoliberal.

Outro problema advindo da importação do termo regulation está na dupla acepção que tem há sistema americano. Isto é, em sentido amplo, regulation equivale a todas as atividades dos Poderes Públicos de organização e configuração da realidade social. Enquanto em sentido estritoregulation consiste no regime jurídico de uma atividade econômica, indicando o uso do poder de coerção pelo Estado para limitar as decisões dos agentes econômicos.  Para este trabalho é utilizado o termo em sentido amplo, quando necessário for será informado o seu uso em sentido estrito.

O vocábulo regulação, em sua origem, é composto, em seu cerne, por dois elementos: regularidade e mudança. Ambos os elementos estão ligados a estabilidade, a regularidade está ligada a manutenção necessária a regulação, já a mudança, por sua vez,é o meio deincorporaçãode novos atributos para garantir a estabilidade. A tradução dessa realidadepode ser evidenciada nas atividades desenvolvidas pelas agências reguladoras que podem ser descrita da seguinte forma: a regularidade das atividades seria garantida pela Lei, enquanto a mutabilidade seria garantida pela atividade de regulação.

Na construção do conceito de regulação tem se que buscar integrar diferentes as formas de regulação, entre as quais se destacam três principais: a) regulação dos monopólios, para os casos em que a competição é restrita ou inviável, onde o Estado atua de forma coercitiva controlando os preços e serviços prestados; b) regulação para a competição, para os casos em que se busca aumentar a eficiência econômica por meio de redução de barreiras à competição, incentivos à inovação e à competição, utilizando para isto, principalmente a desregulamentação; c) regulação dos serviços públicos, onde se busca a universalização do serviço e a melhoria da qualidade a um preço justo (ARAGÃO, 2006).

O conceito que parecer mais adequado e abrangente para regulação é o desenvolvido por Aragão (2006), assim enunciado:

“regulação estatal da economia é o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis”.

Aos que questionam a legalidade dos regulamentos cabe o argumento de Eros Grau descrito por Bruna (2003) ao identificar os limites entre a lei (ato legislativo) e regulamento (ato executivo):

“(...) o mesmo Eros Grau procura identificar na Constituição duas ordens de legalidade.

A primeira, uma exigência apenas relativa, está contida no comando geral do inciso II do art. 5? da CF segundo o qual ´ninguém será obrigo a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei`. A essa legalidade, em termos relativos, designa ´reserva da norma´, campo no âmbito do qual pode haver, por ato legislativo, autorização (implícita ou explicita) à edição complementar de atos regulamentares pelo Executivo para, ´no exercício de função normativa, definir obrigação de fazer ou deixar de fazer que se imponha aos particular – e os vincule´. Trata-se, ai, de obrigações de fazer ou deixar de fazer de fazer alguma coisa `em virtude de lei´ e não necessariamente ´por lei´. O comando gerador de obrigação pode ser veiculado, destarte, no corpo do texto regulamentar.

A exigência de legalidade em termos absolutos, que o autor denomina ´reserva da lei´, propriamente dita, vem no texto constitucional, ao menos, em três  outras ocasiões, notadamente, no art. 5?, XXXXIX, no art. 150, I, e no parágrafo único do art. 170. Nessas hipóteses, ao contrário do que ocorre com a legalidade geral ou relativa (“em virtude de lei”, “reserva da norma”), somente podem surgir obrigações de fazer ou deixar de fazer por preceito integrante do próprio texto de lei, em sentido formal, emanada do Legislativo.”

Ou seja, conforme propõe o autor, a legalidade relativa que encontra amparo constitucional, é que garante a legalidade do regulamento.

No, que tange, à contribuição da jurisprudência dos tribunais para a construção do conceito de regulação, podemos dizer que é praticamente inexistente, pois as poucas manifestações que existem sobre o tema regulação se concentram basicamente nas limitações que são impostas a regulação estatal e não discutem pontos da doutrina.

Uma vez apresentados os conceitos de Poder de Polícia, Administração Ordenadora e Regulação é possível apresentar uma discussão sobre relação entre a noção de poder de polícia e regulação.


5.Relações entre Regulação e Poder de Polícia

O debate sobre a relação entre Poder de Polícia e Regulação aqui apresentado será circunscrito a seguinte questão: são conceitos que têm uma área de sobreposição ou são disjuntos?A resposta dependerá do doutrinador. A primeira afirma que são disjuntos, conforme assevera ANDRADE (2008):

“(...), a fim de demonstrar que a regulação, fiscalização e sancionamento relativos às atividades cuja titularidade é monopolizada, mas que se prestadas pela iniciativa privada, por meio de concessão ou permissão, não constitui, exercício de poder de polícia”.

Estes autores que defendem que, depende do campo em que a atuação administrativa é exercida, poder-se-ia conceituar o poder de polícia ou a atividade regulatória do Estado. Assim, como defende Andrade (2008):

“O exercício de poder de polícia recaisobre a sociedade como um todo, caracterizando-se por interferir na vida dos cidadãos quando desempenham as atividades pertinentes ao campo de atuação que lhes é próprio: as atividades de sua livre iniciativa”

Por outro lado, ainda conforme a mesma autora, caracterizar-se-iam como atividade regulatória apenas aquelas ocorridas em áreas cuja titularidade é própria do Estado, mas que são delegadas, por meio de concessão, permissão ou autorização, para a iniciativa privada.

Isso quer dizer, em outra volta, que o poder de polícia seria decorrente da sujeição geral a que todo indivíduo se encontra em relação à administração pública, e é por força desse vínculo geral que os cidadãos sobre obrigados a respeitar a lei e que medidas coercitivas são impostas independentemente do consentimento dos indivíduos.

Por sua vez, a regulação em sentido estrito justifica-se em razão do vinculo especial de sujeição estabelecido entre particular e administração, devido à delegação da atividade cuja titularidade é do Estado.

Não é essa, contudo, a relação que outros autores estabelecem a relação entre poder de polícia e regulação, e a confusão conceitual é compreensível. Como demonstrado supra, os conceitos de poder de polícia e de regulação econômica são próximos em vários aspectos. Em especial na intervenção da ordem econômica, em que há não muito tempo, era freqüente a utilização de instrumentos de fixação e tabelamento de preços, justificados por uma suposta preservação da “ordem pública econômica” (ARAGÃO 2006).

Em realidade, há o entendimento do mesmo autor, segundo o qual a relação entre poder de polícia e regulação ocorre muito mais dependendo do ponto de vista em que se põe o observador:

“Se partirmos de um conceito de poder de polícia tradicional, oitocentista, consistente na mera fiscalização da atividade para que não cause prejuízos à coletividade, certamente o âmbito conceitual de regulação será bem mais amplo que o de poder de polícia”

Por outro lado, caso se compreenda a noção de poder de polícia dentro da concepção de Estado Democrático de Direito, capaz de refletir as complexidades sociais e econômicas contemporâneas, bem como de atender ao interesse público, observados os limites legais, a relação entre os conceitos referidos acima é substancialmente alterada.

De fato, analisando-se a partir deste ponto de vista, os conceitos serão muito próximos, como mencionado acima, ocorrendo uma grande sobreposição, porém não totalmente, visto que o poder de polícia, mesmo numa acepção moderna, não é capaz de abranger a regulação de serviços públicos e a regulação para a competição.


6.Conclusão

Em grande medida as críticas sobre o excesso de regulação têm sido feitas por agentes econômicos que atuam em setores muito regulados e por agentes privados prestadores de serviço público. Assim, a acepção de poder ordenador, para tratar da limitação da liberdade dos agentes privados em atividades que lhe são próprias, e regulação, para atividades próprias (ou de titularidade) do Estado, é uma boa saída para resolução do conflito.

Ao entender a existência do poder administrativo ordenador e dele ser o instrumento do Executivo parainterferência no universo macrojurídico dos agentes privados, sempre com a atuação do Estado limitada pela lei, torna-se possível efetivar a consecução dos objetivos traçados na constituição. O Poder Ordenador permite que o agente público, que é a face do Estado mais próxima da realidade complexa, portanto, seu maior conhecedor, defina com maior precisão os limites de atuação dos agentes privados de tal forma que os objetivos traçados na lei sejam de fato alcançados.

O grande desafio da implementação do Poder Ordenador está na dificuldade de definir os limites do Estado em regular a atividade privada, ou seja, de o Estado manter seus regulamentos dentro da legalidade. Para tanto, pode-se buscar no ensinamento de Eros Grau, supra, sobre legalidade em sentido amplo e sentido estrito, a resposta. Ou seja, desde que definida em lei (ato legislativo) a capacidade do Estado regular as ações do agente privado, seus regulamentos serão legais.

Já o entendimento de regulação como meio do Estado interferir na ação dos agentes privados que atuam em arena de sua titularidade reafirma a autoridade do Estado sobre estes espaços. De tal forma que grande parte das celeumas entorno de agências regulador poderia ser superada de modo que aumentaria a segurança jurídica relativa aos seus atos.

De qualquer forma, a incorporação desses conceitos ao mundo jurídico ainda carece de mais debates de modo que tais conceitos sejam logo aceitos ou refutados. Deve-se ter claro ao assumir novas entendimentos jurídicos, principalmente estes que são baste amplos, significa afetar relações jurídicas estabelecidas, por isso a cautela deve ser constante.


Bibliografia

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ANDRADE. Letícia Queiroz. Regulação e Poder de Polícia: Distinções juridicamente relevantes. in: PIRES, Luis Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício. Intervenções do Estado. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2008.

ARAGÃO, Alexandre Santos de. "Regulação da economia: conceito e características contemporâneas" In: CARDOZO, José Eduardo Martins, QUEIROZ, João Eduardo Lopes e SANTOS, Márcia Walquíria Batista dos (orgs.). Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, vol. III. 2006.

BERCOVICI, Gilberto. “Planejamento e políticas públicas: por uma nova compreensão do papel do Estado.” In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006;

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 15ª ed, São Paulo: Malheiros, 2008.

BRUNA, Sérgio Varella. Agências Reguladoras: poder normativo, consulta pública e revisão judicial. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2003.

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CRETELLA JUNIOR, José. Do poder de polícia. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1999

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. "Omissões na atividade regulatória do Estado e responsabilidade civil das agências reguladoras". In: FREITAS, Juarez (org.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 249-267. 2006.

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NAVES, Rubens. "Agências reguladoras: origens e perspectivas" In: FIGUEIREDO, Marcelo (org.). Direito e regulação no Brasil e nos EUA. São Paulo: Malheiros, 2004.

ROBERTO GRAU, Eros. O Direito Posto e Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 6 ed., 2005.

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Ed. Malheiro, 1ª ed., 3ª tir., 2003.


Notas

[1]Sundfeld (2003) defende que, ao lado da administração ordenadora, encontram-se a administração de gestão e a administração fomentadora, e que toda a ação administrativa estaria enquadrada dentro de um desses três tipos de ação.

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Sobre o autor
José Flávio Bianchi

Procurador Federal, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP, mestrando da Faculdade de Direito da Universidade de Brasilia - UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIANCHI, José Flávio. Poder de polícia, poder ordenador e regulação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3582, 22 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24251. Acesso em: 21 nov. 2024.

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