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Responsabilidade civil nas medidas cautelares e nas medidas satisfativas

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24/04/2013 às 15:00
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6. Teoria da participação responsável do autor e do réu no processo civil

Willian Santos Ferreira preleciona que tanto o autor quanto ao réu devem zelar pela participação responsável no processo, de tal sorte, que o artigo 811, do CPC, incidirá na hipótese do réu, que conseguir a revogação de medida cautelar/ antecipação de tutela, se posteriormente, for prolatada sentença, de procedência, reconhecendo devida a medida requerida.[36]

O argumento do citado autor entitulado de teoria da participação responsável se amolda ao tratamento paritário às partes, bem como configura medida de se permitir maior celeridade e efetividade ao processo, especialmente quanto aos instrumentos correlatos às tutelas de urgência, que devem ser manejados com seriedade, responsabilidade.


7. Breves considerações sobre o Projeto de novo CPC

Com o objetivo de tecer alguns comentários a respeito do Projeto de novo CPC, a respeito da questão debatida neste trabalho, cumpre informar que, até a presente data, o Projeto mantém o regime de responsabilidade objetiva daquele que se beneficia de tutela de urgência, deferida em sede de cognição sumária, e venha a causar dano à outra parte, à semelhança do disposto no art. 811, do CPC, de tal sorte, que as indagações e questionamentos não serão elididos, mantendo-se, em geral, a mesma sistemática da responsabilidade objetiva, para o requerente das medidas de urgências, ressalvando que haverá um maior poder ao magistrado para deferir tais tutelas de ofício, acirrando ainda mais a problemática.

Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero ao analisarem o artigo do Projeto que trata do tema, firmam o entendimento de que haverá tratamento desigual entre as partes, pois se é verdade que o autor responde objetivamente pela obtenção de tutela a seu direito provável, em detrimento da parte contrário, no caso de improcedência do pedido, se a tutela de urgência for negada ao autor, acolhendo-se as alegações do réu, e ao final, em cognição exauriente, concluiu-se pela procedência do pedido, não há previsão de responsabilidade objetiva por eventual dano experimentado pelo autor.[37]

Os autores apresentam como solução a ampliação da incidência do dispositivo para o regime de responsabilidade objetiva para o réu, nos casos em que a tutela sumária deveria ter sido concedida e não foi e o autor tenha experimentado danos, ou então se institui o regime da responsabilidade subjetiva para o autor em face da fruição de tutela sumária, apresentando manifestação pela segunda hipótese.[38]

O texto do Projeto assim se apresenta:

“Independentemente da reparação por dano processual, o requerente responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a efetivação da medida, se:

I - a sentença no processo principal lhe for desfavorável;

II - obtida liminarmente a medida em caráter antecedente, não promover a citação do requerido dentro de cinco dias;

III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer dos casos legais;

IV - o juiz acolher a alegação de decadência, ou da prescrição da pretensão do autor.

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida.”

Os citados autores apresentam como proposta a seguinte redação:

“Independentemente da reparação por dano processual, o autor responde ao réu pelo prejuízo que dolosa ou culposamente lhe causar a efetivação da medida, se:

I- a sentença final ou no processo principal lhe for desfavorável;

II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não promover a citação do réu dentro de cinco dias;

III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer dos casos legais;

IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição do direito acautelado ou antecipado.

Parágrafo único. A indenização, sempre que possível, será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida.”[39]

Pela leitura do texto do projeto, o problema está longe de alcançar uma solução, tranqüila e paritária para as partes, devendo o julgador, mediante critérios de interpretação, encontrar a solução justa para o caso concreto, mas com a devida e adequada fundamentação, para que tal decisão não conflite com regras positivadas em nosso sistema, sem que haja uma decisão judicial, devidamente fundamentada, que a afaste.


8. Conclusões

Para que haja a obrigação de indenizar, com fulcro no art. 811, do CPC, é necessário que a sentença que julgar o processo principal condene expressamente a parte que se beneficiou da medida?

A doutrina firma o entendimento de que prescinde de qualquer declaração que reconheça a obrigação de indenizar[40], sendo efeito anexo da sentença.[41] Inúmeras decisões jurisprudenciais nesse sentido.[42]

Entretanto, se mostra difícil a assimilação de que haverá a sentença que julga improcedente ação, mas se mostra silente quanto à responsabilidade do requerente da medida, permite a liquidação dos danos, sem que haja o contraditório sobre o reconhecimento da responsabilidade.

Atualmente, a praxe forense sinaliza que há uma tendência do judiciário em acolher medida de natureza satisfativa, como se cautelar fosse.

Por exemplo: o autor ingressa com ação cautelar para realizar determinada cirurgia, pedido que é deferido pelo juiz. Uma vez realizada a cirurgia não ingressa com a ação principal, o que acarreta a cassação da medida, com a extinção do feito, sem a resolução de seu mérito. O réu, com fundamento no art. 811, requer, nos próprios autos, a indenização pelos prejuízos suportados com o custo da cirurgia. Pode o autor discutir, em sede de liquidação, a nulidade da cláusula contratual, para demonstrar que tinha direito contratual à cobertura da cirurgia?

Não há como conceber a responsabilidade tratada no art. 811, do CPC, como mero efeito anexo da sentença, sem a necessidade de pronunciamento jurisdicional, pois tal entendimento se aproxima da teoria do risco integral, não permitindo a discussão, por exemplo, da culpa exclusiva do réu, que por alguma razão induziu a parte a pleitear a medida cautelar.

Com fundamento no acesso à justiça, entendido de maneira ampla, não parece razoável que no exemplo acima, não possa ser trazida ao debate, questão que esbarre na responsabilidade do requerente da medida, não há como permitir que o autor, por uma questão processual, embora tenha o direito material (cláusula abusiva no contrato) tenha que indenizar o réu em razão da responsabilidade objetiva, como efeito anexo da sentença.

Portanto deve ser apreciada cum grano salis a responsabilidade do requerente da medida de urgência, verificada uma das hipóteses do art. 811, do CPC, devendo ser instaurado o contraditório.

E vale ressaltar que se mostra perfeitamente compatível a cumulação da indenização dos danos com fundamento na responsabilidade pelo requerimento da medida, nos moldes do art. 811, do CPC, com as multas decorrentes do reconhecimento de eventual litigância de má-fé, prevista nos artigos 16 a 18, do Código de Processo Civil, sem configurar bis in idem, vez que diversos os fundamentos.

Nas medidas cautelares de ofício incide a regra contida no art. 811, do CPC? Quem deverá ser responsabilizado?

É perfeitamente possível a aplicação da responsabilidade prevista no art. 811, do CPC, ao Estado, nas hipóteses de atuação de ofício, com as observações já expostas quanto a instauração do debate para que seja apreciada a responsabilidade pelo órgão jurisdicional.

Quanto ao advogado da parte ser responsabilizado objetivamente pela aplicação do art. 811, do CPC, tal situação se mostra possível, ademais, quando há disposição expressa informando que o advogado responde nos termos do Estatuto da Ordem dos Advogados.[43]

Cassada uma medida cautelar, com o julgamento de improcedência no processo principal, poderá a parte, que teve contra si decretada tal medida, requerer a indenização pela simples contratação de advogado?

A questão não apresenta maior complexidade, uma vez que a lei dispõe que serão ressarcidos os prejuízos comprovados pela parte, sendo perfeitamente possível incluir a verba despendida (e comprovada) na contratação de advogado, muito embora haja decisão judicial em sentido contrário[44].

Se deferida a medida cautelar, o autor não a executa dentro de 30 trinta dias (art. 808, II, do CPC), sendo extinta a ação cautelar, sem resolução de mérito, poderá o réu requerer a indenização com fundamento no art. 811 c.c. 808, II, ambos do CPC? Ou não há que falar em prejuízo, uma vez que a medida não foi efetivada?

Em regra, os prejuízos decorrerão da efetivação da medida, mas em determinadas situações poderá haver dano, sem a efetivação da medida.

Para exemplificar, vamos analisar a situação de deferimento de medida cautelar de seqüestro de determinado bem imóvel, sem que seja efetivada a medida, e o réu, contra que restou deferida a medida, se encontre no decorrer da venda do referido imóvel, ao passo que o comprador, ao realizar a consulta da situação jurídica do proprietário do imóvel, verifica a existência de seqüestro (frise-se, medida ainda não efetivada) e desiste da compra.

Certamente houve prejuízo ao réu, sem que a medida tenha sido efetivada, sendo perfeitamente possível o pleitear a de reparação de danos, que deverão ser provados em liquidação.

A norma contida no artigo 811, do CPC entrou em vigor no ano de 1973, muito antes da Constituição Federal de 1988, em um contexto, no qual o processo gozava de total autonomia do direito material, em um esforço do legislador da época em negar autonomia à tutela cautelar[45], desprovidas, com a devida vênia, de uma visão instrumentalista moderna, com enfoque no acesso à justiça.

Não se quer levar a conclusão de que à parte é perfeitamente possível se socorrer das técnicas de aceleração da prestação jurisdicional, sem nenhum encargo, no caso de uma das hipóteses previstas no art. 811, do Código de Processo Civil.

Ao contrário, a visão moderna que se concebe do processo civil exige uma atuação responsável das partes, e no caso de extinção da medida de urgência, por uma das hipóteses do artigo 818, do CPC, ao lesado restará resguardo, nos próprios autos, pleitear a liquidação dos danos sofridos, sem a propositura de uma nova ação, oportunidade na qual, antes de ingressar da liquidação propriamente dita, o julgador deverá se pronunciar sobre a existência ou não da responsabilidade do requerente da medida cassada, analisando, inclusive, as excludentes da responsabilidade civil.

Ademais, poder-se-ia configurar hipótese de abuso de direito, conforme dispõe o artigo 187, do Código Civil[46].

Para Teresa Ancona Lopez o fundamento da limitação ao exercício dos direitos é o respeito aos direitos alheios e aos princípios e valores do sistema, conceituando que o abuso de direito é o ato antijurídico ou ato ilícito atípico que afronta os valores e princípios como a boa-fé, os bons costumes e a finalidade econômica e social do direito.[47]

Sendo assim perfeitamente possível, em sede de preliminar à liquidação do dano, que seja instaurado o debate, havendo pronunciamento jurisdicional à responsabilidade do requerente da medida cassada, e principalmente, para que seja garantido o contraditório, no qual excludentes podem ser alegadas.

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Não há como tolher o contraditório a respeito dos motivos que levaram a parte a requerer determinada tutela de urgência, ato este lícito, previsto em lei processual, para que assim, instaurado o debate, haja decisão judicial a respeito, a se evitar injustiças, incertezas, permitindo o amplo acesso à justiça, com a entrega da prestação jurisdicional qualificada, hábil à pacificação do conflito, e não para potencializá-lo.

Para finalizar o trabalho, traremos à reflexão o pensamento de Mauro Capelletti, no sentido de que o acesso à justiça pode ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.[48]


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Sobre o autor
Silvio Pereira da Silva

Advogado, mestre em direito pela FADISP/SP, especialista em direito processual civil pela UniFMU/SP, especialista em direitos do consumidor pela UniFMU/SP, bacharel em direito pela USJT/SP.<br>Membro do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo).<br>Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual). Professor de Direito Processual Civil na União das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Silvio Pereira. Responsabilidade civil nas medidas cautelares e nas medidas satisfativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3584, 24 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24278. Acesso em: 25 abr. 2024.

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