Multa por embargos procrastinatórios
O parágrafo único do art.538 do CPC diz que na hipótese de embargos manifestamente protelatórios o juiz ou tribunal condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% sobre o valor da causa. Na reiteração dos embargos, eleva-se a multa para até 10%, e novo recurso somente será admitido se o litigante de má-fé efetuar esse depósito[23].A doutrina diz que “o direito está emprenhado pela ética”[24].A “conductadel litigante es abusiva para com el Estado, no para com el adversário. La litigacióntemerariaconstituyepuesun ataque a lasinstituciones jus tutelares del Estado, unrequerimiento inútil, excesivo o antifuncionaldellostribunalesestatales”[25]. Josserand afirmou que “exercício de um direito não é incompatível com a noção de culpa, mas o conceito de culpa, que acolhe, quando trata do abuso de direito, não é o conceito clássico, mas o de culpa social, ou seja, o desvio da missão social do direito”. Embora se admita, modernamente, que a ação é um direito subjetivo e abstrato de agir, não se deve justificar a lide de má-fé a pretexto de dizer que qualquer ação, mesmo a que deduza lide temerária, deve ser acolhida e julgada porque se assenta num corolário constitucional. Ação e pretensão são coisas distintas, e isso já se sabe desde WINDSCHED e BÜLLOW, DEGENKOLB e PLÓTZ. CASTRO FILHO disse que “O embaraço desaparece se se recordam as modernas noções do direito processual, em que claramente se distinguem a ação e a pretensão. Assim, a ação, que é o poder ou faculdade de provocar a atividade jurisdicional, concede-se a qualquer um, sem cogitar a sua razão. Já a pretensão, que é a exigência da subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio (Carnellutti), só se admite posta em juízo aquela razoável, sendo repelida a pretensão abusiva. Pode-se, desta maneira, conciliar perfeitamente a tese da responsabilidade por lide temerária (pretensão infundada, manifestada em juízo),com o princípio de que a todos é lícito usar dos meios judiciais(ação),mesmo sem ter razão”. Está na jurisprudência:
“Dano processual — Litigante de má-fé —Pretensão sem fundamento.
Se a conduta do litigante no curso do processo, a par do notório conceito profissional de seus patronos, evidencia que não podia desconhecer a falta de fundamento de sua pretensão, inelutável é a aplicação da sanção processual do litigante de má-fé (1º TARJ, Ac. unânime da 5ª Câmara Cível, de 18/9/78,Ap.82.952,Rel.Juiz Astrogildo de Freitas).
“Dolo processual — Litigante de má-fé — Defesa protelatória.
Como litigante de má-fé deve ser havido aquele que argui pretensão ou defesa em fundamentos que saiba manifestamente sem base jurídica, com intuito protelatório (TARS, Acórdão unânime da 3ª Câmara Civil, de 25/4/79,Ap.20.256,Rel.Juiz Carlos Ignácio Sant’anna).
O art. 32 da Lei nº 8.906, de 4/7/94(Estatuto da OAB), diz que “o Advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”. Embora o parágrafo único ressalve que “Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria”, a culpa processual pode acarretar responsabilidade pessoal do advogado, e não da parte a quem representa.
O art.18 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei nº 8.952,de 13/12/94, diz que “O juiz, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a indenizar à parte contrária os prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e as despesas que efetuou”. Para o art. 17, litiga de má-fé todo aquele que “deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; alterar a verdade dos fatos; usar do processo para conseguir objetivo ilegal; opuser resistência injustificada ao andamento do processo; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; ou provocar incidentes manifestamente infundados”.
Apreciando arguição de litigância de má-fé em sede de embargos declaratórios, o E. STF disse:
“Embargos de declaração. Inocorrência de obscuridade ou omissão. Pretensão recursal que visa, na realidade, a um novo julgamento da causa. Caráter infringente. Inadmissibilidade. Pretendida imposição de multa. Ausência de intuito procrastinatório. Atitude maliciosa que não se presume. Inaplicabilidade do art.18 e do parágrafo único do art.538 do CPC. Embargos de declaração rejeitados.
1 — Os embargos de declaração — desde quando ausentes os seus requisitos de admissibilidade — não podem ser utilizados com a finalidade de sustentar eventual incorreção do acórdão impugnado ou de propiciar um novo exame da própria questão de fundo, em ordem a viabilizar, em sede processual absolutamente inadequada, a desconstituição de ato decisório regularmente proferido. Precedentes.
2 — A mera circunstância de os embargos de declaração haverem sido opostos com o objetivo de infringir o julgado não permite presumir que a parte recorrente tenha agido com o intuito de agredir o princípio da lealdade processual. É que não se presume o caráter malicioso, procrastinatório ou fraudulento da conduta processual da parte que recorre, salvo se demonstrar, quanto a ela, de modo inequívoco, que houve abuso do direito de recorrer. Comprovação inexistente, na espécie”.
Ou seja: sendo recurso de cognição estrita, os embargos declaratórios não podem ser utilizados para discutir eventual incorreção de julgamento ou paradesconstituir a decisão, mas o fato de haverem sido interpostos com essa intenção não basta, em princípio, para configurar lide de má-fé. É preciso demonstrar que a parte, ao embargar, abusou do direito de recorrer. É claro que a má-fé não se presume. A má conduta da parte tem de ser provada, assim como provado deve estar o prejuízo da outra parte para que a condenação por litigância de má-fé se sustente. É preciso considerar, no entanto, que é direito constitucional de quem reside em juízo o tempo razoável do processo. A parte que embarga sem nenhum fundamento, e fora das hipóteses específicas do art.535 do CPC, deduz lide temerária, manifestação explícita de abuso do direito de recorrer. A parte que sofre os efeitos dos embargos desarrazoados não precisa provar, objetivamente, qualquer prejuízo processual, pois isso deflui do simples retardamento desnecessário da entrega da prestação jurisdicional[26].
Embargos de embargos
É possível interpor embargos de embargos, mas, pelos princípios da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, os segundos embargos somente podem atacar omissão, contradição ou obscuridade eventualmente contidas na decisão dos primeiros embargos[27], e nunca na sentença ou no acórdão já embargados uma primeira vez[28].Por unirrecorribilidade, entende-se que cada ato processual eventualmente recorrível comporta um único tipo de recurso. A parte não tem a possibilidade de escolher dentre os recursos existentes o que melhor lhe convém. No processo civil, identifica-se esse princípio pela combinação dos arts.162,163,504,513 e 522 do CPC; no processo do trabalho, pela leitura dos arts.895,896 e 897 da CLT. O que define o tipo de recurso cabível contra cada ato judicial é o conteúdo desse ato, e não a sua forma ou o seu nomen juris. Pouco importa que o juiz dê ao ato forma ou nome distintos dos que prevê a lei; importa o conteúdo do ato atacável, pois é ele quem vai definir o tipo de recurso. Se a parte embarga e obtém uma sentença acolhendo ou rejeitando seus embargos, não pode, a pretexto de reembargar, alegar omissão, contradição ou obscuridade contidos na decisão ou acórdão porque, para esses possíveis defeitos, há preclusão consumativa. Apenas os defeitos contidos na primeira decisão de embargos podem ser objeto de novos embargos. Assim, não é possível embargar de declaração uma sentença ou um acórdão alegando, por exemplo, contradição e omissão, e, depois de julgados os embargos, interpor novos embargos alegando obscuridade da mesma sentença ou do mesmo acórdão já impugnados pelos primeiros embargos. Há preclusão para esse tipo de estratégia e quebra evidente do princípio da unirrecorribilidade.
Notas
[1]“Os embargos declaratórios não consubstanciam crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe ao aprimoramento. Ao apreciá-los, o órgão deve fazê-lo com espírito de compreensão, atentando para o fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal” (STF-2ª T., AI 163.047-5-AgrRg-EDcl, Min. Marco Aurélio, j.18/12/95, DJU 8/3/1996).
[2] “Os embargos declaratórios devem ser encarados como instrumento de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional”(STJ-1ª T., RMS 27.446, Min. Teori Zavascki, j.19/3/2009, DJ 30/3/2009).
[3] “Nos embargos de declaração, o órgão julgador não está obrigado a responder a “questionário formulado pela parte com o intuito de transformar o Judiciário em órgão consultivo” (RSTJ 181/44: Pet. 1.649-AgRg-EDcl).
[4] “O órgão judicial, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Sua fundamentação pode ser sucinta, pronunciando-se acera do motivo que, por si só, achou suficiente para a composição do litígio” (STJ-1ª T., AI 169.073-AgrRg, Min. José Delgado, j. 4/6/98, DJU 17/8/98).
[5] “Não cabem embargos para a correção de errônea apreciação de prova, com alteração do resultado do julgamento”(STJ-3ª T., REsp. 45.676-2-SP, rel.Min.Costa Leite, j.10/5/94).
[6] “Os embargos de declaração não são palco para a parte simplesmente se insurgir contra o julgado e requerer sua alteração. Por isso, “não se admite embargos de declaração com efeitos modificativos quando ausente qualquer dos requisitos do art.535 do Código de Processo Civil” (STJ-Corte Especial, ED no REsp 437.380, Min. Menezes Direito, j. 20/4/2005, DJU 23/5/2005).
[7] “O interesse em recorrer na via dos (sic) embargos declaratórios prescinde da sucumbência”( STF-2ª T., RE 221.196-5-RS-EDcl, rel.Min. Marco Aurélio, j.30/6/98).
[8] “Se não foi apreciado integralmente pedido formulado, qualquer das partes pode embargar de declaração, e não apenas a que deduziu o pedido porque o julgamento integral da demanda a ambas interessa”(TFR-6ª T., Ag 57.702/RJ, rel.Min. Eduardo Ribeiro, j.26/10/1988).
[9] Súmula nº 421/TST, antiga OJ nº 74 da SBDI-II, do TST.
[10] “Os embargos declaratórios são cabíveis contra qualquer decisão judicial e, uma vez interpostos, interrompem o prazo recursal. A interpretação meramente literal do art.535 do CPC atrita com a sistemática que deriva do próprio ordenamento processual, notadamente após ter sido erigido a nível constitucional o princípio da motivação das decisões judiciais” (STJ-RF 349/235 e RP 103/327: Corte Especial; STJ-2ª T., REsp 1.017.135, Min. Carlos Mathias, j.17/4/2008, DJU 13/5/2008).
[11]L.nº 8.950/94.
[12] “Não é possível dar efeito infringente aos embargos de declaração sem a prévia intimação da parte contrária para responder ao recurso, sob pena de violação do princípio do devido processo legal”(STF-2ª T., RE 250.396-7, Min. Marco Aurélio, j.14/12/2000).
[13] “A atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração supõe a prévia intimação da contraparte; sem o contraditório, o respectivo julgamento é nulo” (STJ-RDDP 69/163: Corte Especial, AR 1.228-EDcl).
[14] “Não se configura cerceamento de defesa ou afronta aos princípios do contraditório e do devido processo legal a ausência de intimação da parte adversa quando os embargos de declaração são acolhidos para mera correção de erro material sem que haja fato novo trazido unilateralmente pela parte contrária” (STJ-3ª T., REsp 1.007.692, Min. Nancy Andrighi, j. 17/8/2010, DJ 14/10/2010).
[15] “Os embargos declaratórios produzem efeito translativo, o qual autoriza que regressem ao órgão prolator da decisão embargada as questões apreciáveis de ofício, como, por exemplo, as questões relacionadas aos requisitos de admissibilidade dos recursos” (STJ-1ª T., REsp. 768.475-EDcl, Min. Denise Arruda, j.21/10/2008, DJ 12/11/2008).
[16] “Os embargos de declaração intempestivos não interrompem o prazo para a interposição de outros recursos (STJ-3ª T., REsp. 434.913 – Edcl-AgRg, Min. Pádua Ribeiro, j. 12/8/2003, DJU 8/9/2003; STJ-4ª T., REsp. 230.750, Min.Sálvio de Figueiredo, j.9/11/1999, DJU 14/2/2000; STJ-5ª T., REsp.227.820, Min. Félix Fischer, j.26/10/1999, DJU 22/11/99).
[17] “A utilização dos embargos declaratórios com a finalidade ilícita e manifesta de adiar a efetividade de decisão proferida pelo Tribunal, em aberta tentativa de fraude processual, enseja o não conhecimento desses embargos e a concessão excepcional de eficácia imediata àquela decisão, independentemente de seu trânsito em julgado”(STF-Pleno, RE 179.502-6-EDclEDclEDcl, Min. Moreira Alves, j. 7/12/95, DJU 8/9/2000.
[18] “A contradição que autoriza os embargos de declaração é do julgado com ele mesmo, jamais a contradição com a lei ou com o entendimento da parte”(STJ-4ª T., REsp 218.528-EDcl, Min. Cesar Rocha, j.7/2/2002, DJU 22/4/2002).
[19] “É contraditório o julgamento cuja fundamentação conduz à negativa de provimento do recurso especial, mas que conclui pelo parcial provimento da irresignação” (STJ-2ª T., REsp 1.062.475-EDcl, Min. Eliana Calmon, j.1º/10/2009, DJ 14/10/2009).
[20]“À exceção das questões de ordem pública(“verbi gratia”, previstas no §3º do art.267 do CPC), não pode a parte suscitar questão nova( ou seja, que não constou das razões de apelação) em embargos de declaração” (STJ-2ª T., REsp. 127.643-SP, rel.Min.Adhemar Maciel, j.4/8/98).
[21]“Caracterizada a omissão de não haver sido juntado aos autos o teor do voto vencido, acolhem-se os embargos de declaração” (STJ-4ª Turma, REsp 110.336-PR-EDEcl, rel.Min. Sávio de Figueiredo, j.17/10/1962).
[22] “Sendo o voto vencido parte integrante do “decisum”, é direito da parte conhecer os seus fundamentos, emitidos na assentada de julgamento”(STJ-1ª Seção, ERsp 191.319-RS, rel.Min. Peçanha Martins, j.14/12/2000).
[23] “O prévio depósito do valor da multa somente passa a ser requisito de admissibilidade de recurso quando se trata de sanção imposta a embargos reiteradamente protelatórios. Se a parte teve um único embargos de declaração(sic) considerados protelatórios(sic), a admissão do ulterior recurso independe do recolhimento do valor da multa (STJ-Corte Especial, ED no REsp 389.408, Min. Francisco Falcão, j.15/10/2008, DJ 13/11/2008).
[24] LEÃO, Adroaldo. O Litigante de Má-Fé, Forense, Rio de Janeiro, 1982, p.9.
[25] ZEISS, Walter. El Dolo Procesal, Buenos Aires,1979,p.32,apudAdroaldo Leão, op.cit., p.10.
[26] “É protelatória a conduta processual que 1º) renova embargos de declaração sem causa jurídica ou fundamentação adequada; 2º não aponta nenhuma omissão ou vício no julgamento anterior; 3º visa modificar os fundamentos da decisão embargada; 4º) é reiteração de anteriores embargos de declaração, no qual a matéria foi expressa e fundamentadamente aclarada; 5º) retarda indevidamente o desfecho do processo; e 6º) há recurso cabível para a finalidade colimada”(STJ-2ª T., REsp 859.977-EDcl-EDcl, Min.Eliana Calmon, j.8/9/2009, DJ 24/9/2009).
[27] “Os segundos embargos de declaração se prestam para sanar eventual vício existente no julgamento do primeiro incidente declaratório, não para suscitar questão relativa a julgado anterior e que não foi arguida nos primeiros embargos declaratórios”(STJ-3ª Seção, MS 7.728-DF-EDcl-EDcl, rel.Min.Felix Fisher, j.23/6/2004).
[28] “Os segundos embargos declaratórios devem alegar obscuridade, omissão, dúvida, ou evidente erro material do acórdão prolatado nos primeiros embargos, não cabendo atacar aspectos já resolvidos nesta decisão declaratória precedente e, muito menos, questões situadas no acórdão primitivamente embargado”( STF-2ª T., RE 229.328 – AgRg-EDcl-EDcl, Min. Ellen Gracie, j.10/6/2003, DJU 1º/8/2003).