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A responsabilidade pessoal dos sócios pelas dívidas sociais e o artigo 1.003 do Código Civil

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30/04/2013 às 09:35
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A NECESSIDADE DE MUDANÇA

Como demonstramos, a questão da responsabilidade pessoal dos sócios pelas dívidas da pessoa jurídica está, no mínimo, mal colocada pelo nosso direito positivo. De fato, como vimos a interpretação literal das normas aplicáveis ao tema concretizam o princípio de irresponsabilidade dos sócios pelos negócios sociais, desde que não tenham agido contra a lei ou contra o contrato ou estatuto social, mas tais disposições permitem e albergam a prática usual de fraude aos credores.

Por isso, pretendemos oferecer subsídios para o melhor enquadramento da matéria, resguardando o fundamento da própria existência da sociedade limitada, mas criando condições para se evitar a fraude a credores, quer pela interpretação literal dos dispositivos, quer pelo decurso do prazo prescricional de dois anos após a retirada.


NOVOS CRITÉRIOS

Há a necessidade de se fazer a revolução copernicana proposta por Kant no estudo dessa matéria. A base para tanto nos foi fornecida por FABIO ULHÔA COELHO, no volume II do seu Curso de Direito Comercial, ao abordar o tema da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais (Ed. Saraiva, São Paulo, 15ª. ed. 2011, pag. 432). Diz ele que: “A limitação da responsabilidade dos sócios é um mecanismo de socialização, entre os agentes econômicos, do risco de insucesso, presente em qualquer empresa. Trata-se de condição necessária ao desenvolvimento de atividades empresariais, no regime capitalista, pois a responsabilidade ilimitada desencorajaria investimentos em empresas menos conservadoras. Por fim, como direito-custo, a limitação possibilita a redução do preço de bens e serviços oferecidos ao mercado.”

Todavia, reconhece ele que os credores da sociedade empresária não são iguais para receberem tratamento único pela legislação vigente.  De um lado temos os credores negociais, que podem se defender das vicissitudes do negócio, carregando o preço a ser pago pela sociedade compradora, de um acréscimo conhecido como “taxa de risco”. Se a operação não for paga, “a limitação da responsabilidade dos sócios não representa nenhuma lesão” aos seus interesses, pois o prejuízo já foi compensado indiretamente pelo acréscimo da “taxa de risco” ao preço do contrato.

Diferentemente destes credores, temos os credores não-negociais, que não têm a possibilidade jurídica de se precaverem da inadimplência da sociedade. São os credores tributários (fisco e previdência social), os empregados, os consumidores e os titulares de direitos indenizatórios.

A revolução copernicana no tratamento dessa matéria consiste na consideração de que a questão da responsabilidade dos sócios deve ser vista do ângulo dos credores e não mais apenas da visão positivada da defesa do princípio da irresponsabilidade dos sócios nesse tipo societário. A realidade dos fatos aponta no sentido de que os credores - por serem diferentes - devem receber um tratamento diferenciado na legislação. Isto não afronta o princípio da responsabilidade limitada, como veremos, mas apenas a confirma na medida em que vai reconhecer a existência de situações diferentes que merecem um tratamento jurídico diferenciado. Se o empresário souber, de antemão, que sua responsabilidade pessoal começa na prática de atos ilícitos: não pagar tributos devidos; não pagar direitos trabalhistas previstos em lei; deixar de recompor os danos que causou ao consumidor e responder pela recomposição de prejuízos causados a terceiros, certamente procurará pautar a sua conduta com mais responsabilidade.

Assim, a redação do art. 1.003 do Código Civil deveria ser acrescida da discriminação para os credores não negociais, com a mesma interpretação dada pelo judiciário trabalhista responsabilizando o agente pelos seus atos ilícitos, sem a possibilidade de se esconder na prescrição ali traçada.


CONCLUSÕES

Do exposto podemos tirar as seguintes conclusões:

a) a responsabilidade limitada dos sócios é princípio jurídico que deve ser respeitado, nos exatos termos da legislação de regência, especialmente o disposto no art. 596 do Código de Processo Civil: “Os bens dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos caos previstos em lei.”, e no art. 1024 do Código Civil: ”Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.”;

b) a sociedade é uma ficção jurídica necessária ao funcionamento da economia, da vida em sociedade, e do próprio sistema jurídico, mas a imunidade dos sócios quanto à responsabilização do seu patrimônio pessoal, deve levar em consideração que todas as ações da pessoa jurídica são praticadas pelos administradores, no exercício da administração;

c) a prática da administração da sociedade impõe ao agente a prática de atos lícitos, pelos quais só a pessoa jurídica responde nos limites de suas forças (art. 1.052 do Código Civil), mas a prática de atos ilícitos atrai para o agente a responsabilização pessoal pela reparação dos danos causados;

d) o direito precisa tratar desigualmente os desiguais de acordo com as suas desigualdades[12] para concretizar o princípio constitucional da igualdade. Fabio Ulhôa Coelho demonstrou que os credores prejudicados pela responsabilidade limitada dos sócios são completamente diferentes. O credores negociais que têm a possibilidade de se resguardarem da inadimplência do empresário devedor; e os credores não negociais, que ficam sujeitos às falcatruas do empresário;

e) o parágrafo único do art. 1.003 do Código Civil não pode ser aplicado às relações jurídicas do empresário com os seus credores não negociais, porque, como vimos, se transforma em instrumento de fraude. Qualquer ação judicial de cobrança contra a sociedade e que poderá resultar, à mingua de patrimônio social, na responsabilização pessoal dos sócios, com certeza leva mais de 2 (dois) anos para se resolver em definitivo e nada obsta que os sócios, cientes dessa possibilidade, transfiram, ficticiamente ou não, as suas quotas para “laranjas”, sem patrimônio para responder pelo pagamento ao final da ação;

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f) antes da necessária alteração legislativa para discriminar os credores não negociais na redação do citado artigo 1.003 do Código Civil, cumpre incentivar a prática jurisprudencial trabalhista, que pacificou o entendimento de que os sócio não se imuniza de seus atos após dois anos de sua retirada, mas responde integralmente pelos atos que praticou na administração da sociedade.


BIBLIOGRAFIA

BARBI FILHO, Celso, Apontamentos sobre a teoria ultravires no direito societário brasileiro, Revista Forense, São Paulo, v. 305, p. 22-28, 1990.

BORGES, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, 5ª. Ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1975, p. 321

CARVALHO, Lucila de Oliveira, Os artigos 47 e 1.015 do novo código civil e a teoria ultra vires, in www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf

COELHO, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, 15a.edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2011

MENDONÇA, J. X. Carvalho de: Tratado de direito comercial brasileiro. , 2ª edição,Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1933

MIRANDA, Pontes de: Tratado de Direito Privado. Tomo XLIX, 3ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1984.

REQUIÃO, Rubens, Curso de direito comercial, 26ª. Ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2005, vol. 1, p. 529


Notas

[1] - A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato tornadesnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial a

pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta.Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 229:

[2]Requião, Rubens, Curso de direito comercial, 26ª. Ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2005, vol. 1,p.529

[3]Borges, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, 5ª. Ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1975, p.321

[4] Miranda, Pontes de,Tratado de Direito Privado. Tomo XLIX, 3ª ed.São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1984.

[5] Carvalho de Mendonça, J.X., Tratado de direito comercial brasileiro. , 2ª edição,Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1933

[6]Carvalho.Lucila de Oliveira, Os artigos 47 e 1.015 do novo código civil e a teoria ultra vires, in www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf

[7] Barbi Filho, Celso, Apontamentos sobre a teoria ultravires no direito societário brasileiro, Revista Forense, São Paulo, v. 305, p. 22-28, 1990.

[8] Direito Civil. Pagamento. Teoria da Aparência. Código Civil, art. 935. Não incidência no caso. Recurso não conhecido.

I - A incidência da Teoria da Aparência, em face da norma do art. 935 do Código Civil, calcada na proteção ao terceiro de boa-fé, reclama do devedor prudência e diligência, assim como a ocorrência de um conjunto de circunstâncias que tornem escusável o erro do devedor.

II - Se as notas fiscais, nas quais se arrimou o devedor para efetuar o pagamento, expressamente consignavam que o negócio somente seria quitado pela empresa vendedora, lícito não era ao adquirente pagar a concessionária, especialmente quando reconhecidamente insolvente.

 STJ 4ªT. – Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira – REsp 2584/ES – j. 17/12/1991 - DJ 24/02/1992, p. 1871; RT, n. 686, p. 190.

[9] vide nota 7

[10]Coelho, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, 15a.edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2011, p. 41.

[11]Enunciado Aprovado na Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF (11 a 15.09.2002)

Enunciado nº 59: - Os sócios gestores e os administradores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990, 1.009, 1.016, 1.017 e 1.091, todos do Código Civil.

Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 220: - É obrigatória a aplicação do art. 1016 do Código Civil de 2002, que regula a responsabilidade dos administradores, a todas as sociedades limitadas, mesmo àquelas cujo contrato social preveja a aplicação supletiva das normas das sociedades anônimas.

[12] “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” Ruy Barbosapara paraninfar os formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Intitulado Oração aos Moços,parodiando Aristóteles.

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Sobre o autor
Luiz Gonzaga Modesto de Paula

Professor de Direito Comercial na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo desde 1978. Mestrando em Direito Empresarial na PUC-SP Advogado em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Luiz Gonzaga Modesto. A responsabilidade pessoal dos sócios pelas dívidas sociais e o artigo 1.003 do Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3590, 30 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24309. Acesso em: 5 nov. 2024.

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