A recuperação judicial é instituto jurídico que foi criado pela lei 11.101/2005 visando oportunizar às empresas que se encontram em momentânea situação de crise, seja ela econômico-financeira, de gestão, de liquidez (ou qualquer outra que esteja impedindo seu regular desenvolvimento), um auxílio legal para que se restabeleçam no mercado, em prol de um bem maior que o lucro almejado pelos sócios, qual seja, o fim social representado pela manutenção de postos de trabalho, arrecadação de tributos e geração de riquezas ao país etc. (artigo 47 da Lei 11.101/2005).
Todavia, atualmente seu uso tem sido desvirtuado, sendo utilizado por empresas em verdadeiro estado de insolvência que, aproveitando-se da falta de conhecimento, por parte da população em geral (e consequentemente dos credores), dos meandros da lei, acabam por “forçar” seus credores a aceitar o pagamento de seus créditos em prazos longuíssimos e com descontos que chegam até a 80% do valor original.
Este uso indevido pode ser atribuído a dois principais fatores, dentre outros:
I – A falta de conhecimento da lei por parte dos credores, em sua grande maioria os fornecedores;
II – A falta de comunicação entre os credores, os únicos detentores do poder de decisão sobre o futuro da empresa.
A questão do conhecimento passa pela própria questão cultural brasileira, onde mesmo empresários bem sucedidos possuem pouco conhecimento das leis que regem seu negócio e seus direitos - no caso, o crédito que possuem perante empresas que requerem a recuperação judicial.
Poucos são, no Brasil, os eventos direcionados à divulgação da recuperação judicial ao empresariado. Os que são realizados se voltam à comunidade jurídica, visando promover o debate entre operadores do direito, que, atualmente, são os responsáveis por indicar a recuperação judicial aos empresários como uma saída para a momentânea situação de crise. Ou seja, aqueles que detêm o conhecimento da matéria raramente o utilizam em favor dos credores da empresa em recuperação judicial.
Este falta de conhecimento, ou mais propriamente, intimidade com a lei, resulta na sensação, por parte dos credores, de que o destino do crédito fica nas mãos da empresa, de que não há mais o que ser feito.
E sendo conhecedora desta espécie de consciência que se estabelece na mente de seus credores, a empresa que se utiliza do processo da recuperação judicial abusa de seu direito, propondo pagamento nos moldes já mencionados, quais sejam, de parcelamentos a longo prazo com enormes descontos, dentre outras cláusulas abusivas.
Como consequência, a falta de conhecimento da legislação resulta na falta de comunicação entre os credores, que desconhecedores de seu direito não sabem que podem fazer muito mais do que rejeitar o plano proposto.
Há que se salientar que os credores da empresa em recuperação judicial tem verdadeiro poder de fiscalização da empresa, podendo analisar suas contas, seu patrimônio, a veracidade dos créditos arrolados, dentre outras medidas que entendam necessárias para garantir o maior recebimento possível de seu crédito. É a letra do artigo 22, inciso II, e 27, inciso II, alínea ‘a’ da Lei 11.101/2005, que são assim redigidos:
Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;
b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação;
c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;
d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata o inciso III do caput do art. 63 desta Lei;
Art. 27. O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstas nesta Lei:
II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;
Esse poder de fiscalização serve, primordialmente, para que se verifique a real capacidade da empresa em recuperação judicial de se reerguer, no sentido de que o instituto somente seja utilizado por empresas que realmente detenham tal capacidade, culminando na decretação da falência daquelas que usam o instituto de maneira indevida.
E uma vez tendo os credores pleno conhecimento da capacidade da empresa se restabelecer analisar com mais propriedade o plano de recuperação judicial apresentado judicialmente, podendo rejeitá-lo caso preveja condições esdrúxulas de pagamento, tais como os já mencionados parcelamentos a perder de vistas (15 parcelas anuais não são raras) e descontos absurdos (vários casos chegam até 80%).
Ou seja, como tudo na vida, o conhecimento, tanto da lei quanto da verdadeira situação da empresa, possibilita aos credores “tomar as rédeas” da recuperação judicial, e, principalmente, do destino de seu crédito.
E assim, sendo este conhecimento usado em favor dos credores, certamente os abusos que hoje vemos transubstanciados nas já ditas e reditas propostas constantes dos absurdos planos apresentados pelas empresas em recuperação judicial aos poucos deixarão de ser observados, fazendo com que o instituto da recuperação judicial recupere o prumo traçado pelo legislador, possibilitando a recuperação da empresa que se mostre efetivamente viável, preservando o interesse dos credores, e atingindo sua finalidade social.