Muito se tem discutido sobre a modernização do Judiciário não no sentido administrativo propriamente dito, porque isso já vem ocorrendo paulatinamente no âmbito da informatização do poder, mas no aspecto de adequação à nova realidade democrática do país. Segundo o ministro Celso de Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal, "a missão que foi confiada aos juizes e tribunais pelo povo, qualifica-se como uma das mais expressivas funções políticas do Poder Judiciário". Depreende-se, assim, pela ótica do ministro, que o Judiciário, como poder constituído da República, tem uma missão social e politicamente importante no correto desempenho de sua atividade jurisdicional.
Por outro lado, recentemente o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça, chegou a afirmar em artigo publicado na Teia Jurídica, via Internet, que o Judiciário está sendo objeto de um "processo de estrangulamento e destruição", cuja derrocada atingirá em cheio a "liberdade, a democracia e a República". Assevera, com argumentos fortes, que "...as vítimas serão o povo, a sociedade e a cidadania". Deus permita que isso não se concretize!
Não pretendo aqui tecer considerações sobre a concentração de poder do Executivo, como forma de sufocar os demais poderes, ameaçando, como entendem alguns, a normalidade institucional do país. Prendo-me à questão da "democratização da Justiça", como "tema emergente", capaz de atender aos anseios da maioria da população, que ainda hoje não tem acesso pleno ao Poder Judiciário. No entender do ministro Celso de Mello, "no processo de construção da igualdade e de consolidação da cidadania, revela-se essencial organizar um modelo institucional que viabilize o efetivo acesso de todos ao sistema de administração de Justiça, para que o reconhecimento constitucional dos direitos e das liberdades não se transforme em um inútil exercício de justas expectativas fraudadas pela omissão inconseqüente do Poder Público".
Na fase atual de maturidade política do país, nós brasileiros, de todas as classes, devemos encampar a idéia de que o Judiciário, doravante, deverá desenvolver uma "justiça democrática", sem a qual o próprio poder ficará a reboque da história. Essa é uma realidade talvez inquietante, porque, como assegura o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, "nada pode justificar a exclusão de multidões de pessoas do acesso essencial à jurisdição do Estado". Comungando com esse pensamento, não podemos concordar com idéias que venham frustar essa expectativa, afinal de contas a cada brasileiro assiste o "direito a ter direitos".
A palavra "Justiça" traduz idéia de força, de fundamental prestígio perante a sociedade. E para ser praticada, na conjuntura institucional vigente, necessita ser também democratizada, caso contrário estar-se-á deturpando princípio constitucional elementar, correndo-se o risco de se criar no seio da população verdadeiros "justiceiros". Não podemos concordar que a honorabilidade de cidadãos, construída ao longo dos anos, seja destruída em questão de horas. Que famílias inteiras sejam execradas, seja de qual for a origem. Para prevenir e coibir tudo isso, nada mais justo que se insira no âmbito do Judiciário uma "justiça democrática", permitindo, no dizer de Celso de Mello, "tornar efetivos e reais os direitos abstratamente proclamados pela ordem normativa".
Dentro desse contexto, vislumbro uma missão deveras importante para o Judiciário brasileiro, que é cobrar do Executivo, exaustivamente, a sua obrigação constitucional de levar Justiça a todos os rincões do país, enaltecendo e tendo como lema primordial a consolidação integral da cidadania. Eis, portanto, no meu pensar, a missão democrática mais nobre daquele poder que, segundo o ministro Celso de Mello, "constitui o instrumento concretizador das liberdades civis e das franquias constitucionais. É preciso construir a cidadania a partir do reconhecimento de que assiste a toda e qualquer pessoa uma prerrogativa básica que se qualifica como fator de viabilização dos demais direitos e liberdades".