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O Instituto de Criminalística e a perícia cível

10/05/2013 às 16:14
Leia nesta página:

O Instituto de Criminalística e suas Seções Técnicas Regionais não possuem o dever de atendimento às requisições para atuação em demandas judiciais de natureza cível.

Resumo: discute a obrigatoriedade do Instituto de Criminalística atender requisições judiciais para realização de perícias de natureza cível, apresentando os fundamentos de ordem prática e legal.

Palavras-chave: Criminalística – perícia cível – perícia criminal – requisição judicial – finalidade institucional – processo penal – inquérito policial – obrigações contratuais.


O Instituto de Criminalística de Minas Gerais recebe, com relativa frequência, ordem judicial para realização de perícia cível. Discute-se a obrigatoriedade de atendimento em face de suas atribuições legais e dos inconvenientes que acarreta diante da pesada demanda de sua rotina funcional.

São muitas requisições de  perícia grafotécnica,  além de ordens judiciais, de primeira e segunda instância, para exames de autenticidade  de documentos inseridos em processos de natureza cível, onde se discutem interesses econômicos, patrimoniais e financeiros, em ações de  investigação de paternidade, obrigações contratuais de natureza alimentar, imobiliária, trabalhista, securitária e outras que refogem completamente da essência criminal e da finalidade institucional do Instituto de Criminalística.

Preliminarmente, há que se admitir o entendimento basilar de que a atividade pericial se relaciona à capacidade, destreza, habilidade e conhecimento técnico sobre determinada matéria ou como definem os próprios profissionais:

“A perícia corresponde ao exame de situações e fatos relacionados a coisas e pessoas, realizada por especialista na matéria que lhe é submetida com o objetivo de elucidar determinados aspectos técnicos com a utilização de conhecimento científico”.[1]

O Instituto de Criminalística, em Minas Gerais, é Órgão da estrutura da Polícia Civil, vinculado diretamente à Superintendência de Polícia Técnico-Científica, incumbido do gerenciamento central de toda atividade pericial no Estado, através de suas Seções Técnicas Especializadas, sediadas na Capital e das Seções Técnicas Regionais de Criminalística do Interior.

As atribuições do IC integram as atividades da chamada Polícia Judiciária, que possui como escopo o amparo e assessoramento da Justiça Criminal, contribuindo para produção das provas materiais nos inquéritos e processos penais.

A competência da Polícia Civil e da sua “Polícia Técnica”, como Instituição criada para atuar no campo criminal, além da previsão do artigo 144 da Constituição Federal, foi registrada na Constituição do Estado de Minas Gerais, como se pode demonstrar:

“Art. 139 – À Polícia Civil, órgão permanente do Poder Público, dirigido por Delegado de Polícia de carreira e organizado de acordo com os princípios da hierarquia e da disciplina, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração, no território do Estado, das infrações penais, exceto as militares, e lhe são privativas as atividades pertinentes a:

I – Polícia técnico-científica;

... omissis” (realçamos).

De modo geral, a Atividade Pericial atende a finalidades de cunho cível como também de natureza criminal e por isso ela é facilmente dividida pela nomenclatura de Perícia Cível e de Perícia Criminal, possuindo, inclusive, regulação na lei processual de maneira distinta.

O Código de Processo Civil prevê os seguintes assuntos e normas:

Artigo 145 – Do Perito

Art. 420 a 439 – Da Prova Pericial

Já o Código de Processo Penal assim distribui o assunto:

Art. 105 - Suspeição de peritos

Art.  112 - Incompatibilidade ou impedimento legal

Art. 158 - Corpo de delito

Art. 275 - Perito não oficial sujeito à disciplina judiciária

Art. 279 - Não podem ser Peritos.

Art. 280 - Suspeição de juízes e peritos.

Não se discute, aqui, o poder do Juiz de nomear perito para exame, vistoria ou avaliação para auxiliar a solução de determinados conflitos de natureza civil, facultando às partes, constituir assistência técnica, em conformidade com a regra processual. Frise-se, entrementes que, a despeito de não ferir a essência da carência financeira, na maioria esmagadora das oportunidades se buscam no processo judicial, sob o pálio da Justiça Gratuita, a satisfação de interesses econômicos e patrimoniais.

Acrescente-se que, para suprir as necessidades das Varas Cíveis e das Comarcas do Interior, o Tribunal de Justiça mantém uma Central de Perícias e contribui, sob forma de parceria com aAssociação dos Peritos Judiciais, Árbitros, Conciliadores e Mediadores de Minas Gerais (ASPEJUDI) do “Guia de Peritos Judiciais”, que relaciona, sob forma de catálogo, todos os profissionais cadastrados dentro de suas especialidades, segundo informa o portal do TJMG (www.tjmg.gov.br), revisitado nesta data.

O princípio da Gratuidade Judiciária, instituído pelo artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, ao prever o dever do Estado de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, na defesa de seus direitos, com a isenção de pagamento das despesas inerentes ao processo judicial para a solução do litígio, não implica necessariamente que as perícias, em demandas de natureza civil,devam ser realizadas pelo Instituto de Criminalística e suas agências, que tem finalidade legal própria, mas podem ser procedidas por organismos e representações profissionais que o cenário estatal ostenta de forma alternativa. 

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De fato, as atividades da Perícia Criminal são definidas em norma que altera a Lei Orgânica da Polícia Civil,Lei Complementar de nº 113/2010, no seu Anexo V, da seguinte maneira:

“IV.3 - Perito Criminal:

a) a realização de exames e análises, no âmbito da criminalística, relacionados à física, química, biologia legal e demais áreas do conhecimento científico e tecnológico;

b) a análise de documentos, objetos e locais de crime de qualquer natureza para apurar evidências ou colher vestígios, ou em laboratórios, visando a fornecer elementos esclarecedores para a instrução de inquérito policial, procedimentos administrativos ou processos judiciais criminais;

c) a emissão de laudos periciais para determinação da identificação criminal por meio da datiloscopia, quiroscopia, podoscopia ou outras técnicas, com a finalidade de instruir procedimentos e formar elementos indicativos de autoria de infrações penais;

d) o cumprimento de requisições periciais pertinentes às investigações criminais e ao exercício da polícia judiciária, no que se refere à aplicação de conhecimentos oriundos da criminalística, com a elaboração e a sistematização dos correspondentes laudos periciais para a viabilização de provas objetivas que subsidiem a apuração de infrações penais e administrativas;

e) o exame de elementos materiais existentes em locais de crime, com prioridade de análise, a orientação para abordagem física correspondente e a interação com os demais integrantes da equipe investigativa;

f) a constatação da idoneidade e da inviolabilidade de local, bens e objetos submetidos a exame pericial, sob a garantia da autonomia funcional, técnica e científica a ser assegurada pelo Delegado de Polícia.”

Como se pode facilmente perceber, todas as alíneas acima, constitutivas da finalidade da Polícia Técnica, se referem a investigação policial, infrações penais e processos criminais, não lhes incumbindo por lei, nada que extrapole essa específica seara. Além disso, a regra do artigo 434 do CPC, que possibilita ao magistrado requisitar técnicos de estabelecimentos oficiais, não pode ser entendida como de validade absoluta, posto que relativizada no seu próprio texto com a expressão “de preferência” e também tem que ser interpretada de forma sistemática, considerando-se o universo administrativo onde deve/pode ser aplicada.

Por todo o exposto, é forçoso admitir que o Instituto de Criminalística e suas Seções Técnicas Regionais não possuem o dever de atendimento às requisições para atuação em demandas judiciais de natureza cível, por escapar de sua competência institucional estabelecida em legislação própria, além de prejudicar o desenvolvimento de suas atividades funcionais de rotina.


Nota

[1]http://www.psicologiananet.com.br/a-atuacao-do-psicologo-na-area-forense-como-perito/355/ , consulta em 27 abr 2013

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Sobre o autor
João Lopes

Delegado de Polícia (aposentado). Mestre em Administração Pública/FJP. Especialista em Criminologia, Direito Penal e Processual Penal. Professor do Centro Universitário Izabela Hendrix. Assessor Jurídico da Polícia Civil/MG.<br>Vice Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva-MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, João. O Instituto de Criminalística e a perícia cível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3600, 10 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24405. Acesso em: 28 mar. 2024.

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