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Controle de convencionalidade: os direitos humanos como parâmetro de validade das leis

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14/06/2013 às 09:03

Resumo:


  • O trabalho discute o controle de convencionalidade das leis, destacando sua importância para assegurar que a legislação nacional esteja alinhada com os tratados internacionais de direitos humanos.

  • Explora a distinção entre o controle de convencionalidade e o controle de constitucionalidade, ressaltando que o primeiro utiliza como parâmetro os tratados internacionais dos quais o país é signatário.

  • Conclui que o controle de convencionalidade é crucial para o Estado de Direito, servindo como um mecanismo para garantir que as normas internas respeitem os compromissos internacionais na área de direitos humanos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O controle de convencionalidade não se confunde com o controle de constitucionalidade, tampouco se aplica de forma subordinada ou mesmo subsidiária. Sua natureza é complementar.

"O erro não se torna verdade por se difundir e multiplicar facilmente. Do mesmo modo, a verdade não se torna erro pelo fato de ninguém ver".  

(Gandhi)

Resumo: Este trabalho aborda do tema controle de convencionalidade das leis, tendo como objetivo a compreensão dos aspectos dessa espécie de controle de validade dos atos normativos. A pesquisa parte da doutrina sobre o tema, seu conceito e tratamento na jurisprudência da Corte Interamericana de direitos, bem como na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e demais cortes constitucionais latino-americanas. A seguir, pela distinção entre o controle de convencionalidade e o controle de constitucionalidade, é possível compreender com clareza os elementos fundamentais e característicos do primeiro. Passa-se à a análise dos fundamentos constitucionais para a sua aplicação no direito brasileiro, consideradas as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 45/2004, especialmente no que diz respeito à posição hierárquica dos tratados sobre direitos humanos no ordenamento jurídico. Conclui-se que o controle de convencionalidade é essencial ao Estado de Direito, figurando o respeito aos direitos humanos como verdadeiro parâmetro de validade da produção normativa nacional.

Palavras-chave: CONVENCIONALIDADE, CONSTITUCIONALIDADE, CONTROLE, VALIDADE, DIREITOS HUMANOS.

Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I. CONCEITO DE CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. Capítulo II. DISTINÇÃO ENTRE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. Capítulo III. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS. Capítulo IV. A POSIÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NA CR 88 – A TEORIA É COMPATÍVEL COM NOSSO ORDENAMENTO?Capítulo V. MODALIDADES DE CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. Capítulo VI. OS PARÂMETROS DO CONTROLE: BLOCO DE CONVENCIONALIDADE. Capítulo VII. ESTUDO DO CASO “GUERRILHA DO ARAGUAIA”.CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objeto o controle de convencionalidade das leis, espécie de controle de validade dos atos normativos que ainda não consta dos manuais nacionais de Direito Constitucional em geral, que têm se dedicado somente ao controle de constitucionalidade. De fato, poucas são as obras já publicadas na Brasil que abordam o controle de convencionalidade, sendo certo que o primeiro autor a enfrentar o tema foi Valério de Oliveira Mazuolli, em monografia de doutoramento defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul no ano de 2009 e publicada em 2010[1].

No âmbito do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, a obrigação de controlar a convencionalidade foi declarada pela Corte Interamericana em 26 de setembro de 2006, quando do julgamento do caso “Almonacid Arellano e Outros contra Governo do Chile”, onde se afirmou que “o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de ‘controle de convencionalidade’ entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos”.

Trata-se de formulação pretoriana, pela qual os Estados signatários do Pacto de São José da Costa Rica, em sua produção legislativa, têm a obrigação de adequar a sua produção legislativa às obrigações internacionais pertinentes à proteção dos direitos humanos das quais sejam signatários, sob pena de responsabilidade internacional. Fala-se em convencionalidade porque o paradigma de controle não é a constituição nacional, mas o texto das convenções internacionais a que o Estado se obrigou a cumprir, no que diz respeito à garantia dos direitos humanos.

Cumpre destacar a relevância do tema para o Direito Constitucional, pois, embora se adotem os direitos humanos como paradigma de controle (e não o texto da própria Constituição), o fato é que se trata de uma espécie de controle de validade das normas do ordenamento jurídico, com fundamento no respeito aos direitos humanos. Portanto, para a sua aplicação, é imperiosa a existência, na Carta Constitucional, de autorização para esse exercício.

Nessa seara, ganha importância a discussão acerca da natureza jurídica e da posição hierárquica dos tratados sobre direitos humanos no ordenamento jurídico nacional, tema que tem sido objeto de grande discussão no meio acadêmico e jurídico, em especial após a promulgação da emenda constitucional 45/2004, com destaque para a oscilação de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consideradas as relevantes decisões do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n° 466.343/SP e do HC 87.585/TO, no ano de 2008.

Embora o fenômeno somente tenha sido observado recentemente pela doutrina nacional, o amparo jurídico para a sua existência é mais antigo, remontando à entrada em vigor da própria Convenção Americana, em 18 de julho de 1972, ao passo que, em nosso ordenamento, encontra fundamento no próprio texto original da Constituição da República de 1988, em especial no seu artigo 5º e parágrafos, com relevante alteração após a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004.

Desse modo, após estabelecidas as premissas do controle de convencionalidade, bem como identificados os fundamentos constitucionais de sua aplicação em nosso ordenamento jurídico, passaremos à identificação das suas características no direito nacional, além das diferentes espécies de controle, bem como do âmbito de seu exercício (difuso e concentrado, interno e externo).

Analisaremos, também, o parâmetro de controle, buscando responder à seguinte pergunta: a convencionalidade diz respeito somente aos textos das convenções e tratados, ou também deve ser observada a jurisprudência manifestada pelas cortes internacionais?

Finalmente, merece destaque o estudo do caso Guerrilha do Araguaia, no qual o Brasil foi recentemente condenado pela Corte Interamericana de Direitos, consoante constou do parágrafo 177 da sentença, onde se afirmou que “não foi exercido o controle de convencionalidade pelas autoridades jurisdicionais do Estado e que, pelo contrário, a decisão do Supremo Tribunal Federal confirmou a validade da interpretação da Lei de Anistia, sem considerar as obrigações internacionais do Brasil derivadas do Direito Internacional, particularmente aquelas estabelecidas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento”.

Busca-se, desse modo, uma maior compreensão do tema controle de convencionalidade, bem como os parâmetros em que deve ser exercido em nosso ordenamento e o verdadeiro alcance desse instituto, cujo fundamento é a efetividade e a máxima proteção dos direitos humanos.


CAPÍTULO I – CONCEITO DE CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

O controle de validade das leis, em sua abordagem tradicional, adota por paradigma a compatibilidade entre a norma legal e o texto constitucional, tema estudado no âmbito da teoria do controle de constitucionalidade, dentro do Direito Constitucional. Trata-se da aferição da compatibilidade entre o ato normativo e os limites formais e materiais impostos pela norma fundamental do ordenamento jurídico, sem o que a lei, mesmo que vigente, reputa-se inválida por vício de inconstitucionalidade.

Por sua vez, a temática do controle de convencionalidade somente ganhou relevo, no que diz respeito continente americano, a partir do julgamento do caso “Almonacid Arellano e Outros contra Governo do Chile” pela Corte Interamericana, em 26 de setembro de 2006. Da referida decisão, merece destaque a afirmação, constante do considerando 124, no sentido de que “o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de ‘controle de convencionalidade’ entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos”.

Nesse sentido, observa-se que o controle de convencionalidade, nos termos da formulação pretoriana da Corte Interamericana, adota por paradigma a compatibilidade entre a norma legal nacional e as obrigações concernentes à proteção dos direitos humanos que um país se obrigou a respeitar por meio de tratados ou convenções internacionais, como é o caso da Convenção Americana.

No Brasil, o tema foi tratado pela primeira vez em monografia de doutoramento de Valerio de Oliveira Mazzuoli[2]. O pioneiro autor conceitua o controle de convencionalidade como uma forma de compatibilização entre as normas de direito interno e os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país[3]. Trata-se, portanto, de um controle de validade das normas nacionais, tendo por parâmetro não o texto constitucional, mas os compromissos internacionais assumidos em matéria de proteção aos direitos humanos.

Cumpre ressaltar que, embora os direitos humanos muitas vezes também possuam proteção constitucional, a convencionalidade é uma espécie diferente de controle, para além da constitucionalidade das leis, como será abordado minuciosamente em capítulo próprio. Isso porque o paradigma de proteção, em cada caso, é distinto, em razão do caráter subsidiário do Direito Internacional e do princípio pro homine, pelo qual as convenções sobre o tema somente têm aplicação quando a proteção do Estado nacional é insuficiente e, ainda assim, no que forem mais benéficas à proteção individual.

Portanto, o controle que compõe o tema desse estudo não se aplica quando a norma for incompatível com a Constituição, por si só, o que configuraria caso de inconstitucionalidade. De fato, uma lei somente será inconvencional quando, apesar de válida perante o texto constitucional, incutir em vício de invalidade por ser incompatível com os compromissos internacionais do país no que diz respeito á proteção de direitos humanos.

Deve-se observar que esse controle possui caráter complementar em relação à própria Constituição, uma vez que a proteção aos direitos humanos é fundamento do Estado Constitucional de Direito, de sorte que um país, quando firma compromisso visando à proteção da pessoa humana, nada mais faz do que reforçar essa proteção ao indivíduo, de modo a sempre garantir a aplicação da norma mais benéfica à dignidade individual, desígnio que se imiscui com a própria ideia contemporânea de Constituição.

Destarte, propõe-se a seguinte conceituação: o controle de convencionalidade é espécie de controle de validade de normas, complementar ao controle de constitucionalidade, pelo qual se verifica a adequação entre a legislação nacional e os compromissos internacionais assumidos pelo país perante a comunidade internacional para proteção dos direitos humanos.


Capítulo II. DISTINÇÃO ENTRE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

Conforme vimos no capítulo anterior, o controle de convencionalidade é uma espécie de controle de validade de normas. Assim, para melhor compreensão do primeiro instituto, mostra-se relevante uma abordagem comparativa com o tradicional controle de constitucionalidade, traçando-se as convergências e divergências entre as duas formas de controle.

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Nos termos da lição de Alexandre de Moraes, não se pode destituir o controle de constitucionalidade do ideal de supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, dos conceitos de rigidez constitucional e de proteção aos direitos fundamentais[4]. Nesse sentido, observa-se que o fundamento do controle é a ideia de que a produção normativa do Estado, por estar subordinada à norma constitucional, não poderá contrariá-la ou negar vigência ao seu texto, sob pena de invalidade, o que garante a unidade do sistema e a soberania representada pela constituição.

No que tange ao controle de convencionalidade, seu fundamento de validade está na proteção aos direitos humanos, podendo-se falar, inclusive, em supremacia dos direitos humanos sobre a normatividade interna. Cumpre destacar que essa supremacia não conflita, em momento algum, com a supremacia da Constituição nacional, uma vez que a própria ideia de constitucionalismo possui como fundamento intrínseco a garantia dos direitos fundamentais, como restou explícito, inclusive, da proposição de Alexandre de Moraes, acima referida.

Nesse sentido, esclarecedora a lição de Dalmo de Abreu Dallari acerca do alcance da expressão “direitos humanos”, quando afirma tratar-se de uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Para o ilustre autor, esses direitos são considerados fundamentais porque, sem eles, a pessoa humana não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente de vida, sofrendo óbice à sua própria existência[5]. De fato, a proteção aos direitos fundamentais é indissociável da Constituição, de modo em que não há de se falar em inconstitucionalidade quando uma norma amplia garantias fundamentais, seja essa norma legal ou seja um tratado internacional.

Estabelece-se, portanto, a fundamental distinção entre os dois controles: enquanto o primeiro tem por fundamento a supremacia da Constituição, o segundo tem como princípio fundamental a proteção aosdireitos humanos, no que esta estiver mais bem garantida pelos tratados internacionais de direitos humanos do que pelo texto constitucional, por si só.

Ademais, enquanto o controle de constitucionalidade tem por objetivo a unidade do ordenamento, retirando a validade das leis que contradizem a norma fundamental do sistema, o que se observa com relação à convencionalidade é um caráter complementar. Significa dizer que, enquanto a Constituição compõe o vértice da pirâmide normativa, servindo de fundamento para a unidade e coerência do ordenamento, o caráter das convenções de direitos humanos visa à garantia dos direitos humanos, pela exclusão de qualquer norma que, ainda que subsistente após um controle de mera constitucionalidade, implique em afronta a obrigações internacionais de caráter humanista.

É o que também afirma Mazzuoli, para quem “o controle de convencionalidade é um plus em relação ao seu controle de constitucionalidade”[6]. Nesse sentido, como bem identificou o autor, o filtro referente à convencionalidade das normas somente tem aplicação quando a proteção do tratado é mais ampla que aquela do texto constitucional, ou seja, quando houver conflito entre a norma e a convenção sobre direitos humanos. Conforme ensina o autor, a compatibilidade do direito doméstico com as convenções de direitos humanos é complementar do controle de constitucionalidade (e nunca subsidiário), tendo por finalidade a compatibilização vertical das normas domésticas, para adaptar ou conformar as leis internas aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado (na área de direitos humanos), que criam deveros no plano internacional com reflexos práticos no direito interno[7].

Portanto, verifica-se com clareza que, enquanto o controle de constitucionalidade tem por finalidade a garantia de unidade e coerência do ordenamento jurídico, a função do controle de convencionalidade é complementar, implicando em um reforço à proteção dos direitos fundamentais da pessoa humano.

Deste ponto já se pode extrair a terceira distinção, pois, enquanto o controle de constitucionalidade estabelece limites formais e materiais para toda a produção normativa do Estado, extirpando as normas contrárias tanto ao procedimento de criação de leis quanto ao conteúdo material da constituição, o controle de convencionalidade tem natureza unicamente material, afastando a validade das normas infraconstitucionais que, em seu conteúdo, representem violação de direitos humanos, apesar de não implicarem em afronta direta ao texto constitucional (daí porque se fala em inconvencionalidade e não inconstitucionalidade).

É nessa questão, aliás, que se afasta qualquer proposição no sentido de que o controle de convencionalidade poderia violar a Constituição. Isso porque, tratando-se de um controle material, sua aplicação somente tem o condão de ampliar a proteção à pessoa humana. Assim, do mesmo modo que a lei infraconstitucional pode contrariar a constituição para expandir direitos e garantias, também pode o tratado internacional ampliar a proteção, para além da Constituição, sem que isso implique em uma violação, não havendo que se falar em violação do texto constitucional.

Finalmente, quanto ao seu âmbito, vale anotar que o controle de constitucionalidade é sempre nacional, enquanto o controle de convencionalidade pode ser tanto nacional quanto internacional, no primeiro caso ensejando a declaração de invalidade da lei e, na segunda hipótese, dando margem à eventual responsabilidade internacional pelo descumprimento de compromissos assumidos pelo país. Assim, enquanto o controle de constitucionalidade tem por órgão máximo a corte constitucional nacional, é possível que o controle de convencionalidade seja atribuído a cortes supranacionais, como é o caso da Corte Interamericana, responsável pelo respeito aos direitos humanos no âmbito do continente americano.

Nesse ponto, estabelecidas as principais distinções entre as duas espécies de controle, a continuidade da análise torna oportuno o exame da jurisprudência da Corte Interamericana sobre o tema. Desse modo, poderemos compreender os fundamentos da origem pretoriana do instituto, com o objetivo de esclarecer mais aspectos de sua natureza e de sua aplicação como parâmetro de validade normativa, sendo certo que a comparação com o controle de constitucionalidade estará presente ao longo de todo o estudo.


Capítulo III. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS

A origem do controle de convencionalidade no continente americano deve-se, em grande parte, à decisão da Corte Interamericana de Direitos, quando do julgamento do caso “Almonacid Arellano e Outros contra Governo do Chile”, em 26 de setembro de 2006, embora antes desse julgamento já houvesse fundamentos jurídicos para o exercício desse controle[8].

O referido caso foi submetido à Corte em 11 de julho de 2005, originado pela denúncia número 12.057, recebida em 15 de setembro de 1998. A demanda teve por fundamento a ocorrência de violação de direitos humanos em prejuízo dos familiares de Luis Alfredo Almonacid Arellano, pela falta de investigação e punição, pelo Chile, dos responsáveis pela sua execução extrajudicial no ano de 1973, no início da ditadura, além da falta de reparação adequada dos familiares, encontrando óbice na lei chilena de anistia adotada em 1978.

Na ocasião do julgamento, a Corte Interamericana concluiu, em síntese, que o assassinato de Almonacid Arellano fez parte de uma política de Estado de repressão a setores da sociedade civil, exemplo do grande conjunto de condutas ilícitas similares que se produziram durante essa época, configurando violação às regras básicas do direito internacional e crime contra a humanidade.

Assim, considerado o descumprimento pelo Estado de se obrigar a adequar seu direito interno à convenção americana, pela manutenção do Decreto-lei 2.191 (lei da anistita chilena), o Estado do Chile violou direitos e garantias judiciais de proteção judicial, em prejuízo dos familiares da vítima, descumprindo os artigos 1.1 e 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos e violando os artigos 8.1 e 25 do mesmo tratado[9].

Da referida decisão, merece destaque o disposto no parágrafo número 124, onde foi feita referencia expressa à obrigação do Estado de controlar a convencionalidade das leis internas. Transcreve-se, em tradução livre (do espanhol para o português:

124.A Corte está ciente de que os juízes e tribunais internos estão sujeitos ao império da lei e, por isso, estão obrigados a aplicar as disposições vigentes do ordenamento jurídico. Contudo, quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus Juízes, como parte do aparato do Estado, também se submetem a ela, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam comprometidos pela aplicação de leis contrárias ao seu objeto e finalidade, e que desde sua origem carecem de efeitos jurídicos. Em outras palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma espécia de “controle de convencionalidade” entre as normas jurídicas internas que aplicam e os casos concretos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nessa tarefa, o Poder Judiciário deve ter em conta não somente o tratado, mas também a interpretação do mesmo pela Corte Americana, intérprete final da Convenção Americana. (grifei)

Como se vê, em sua primeira referência ao controle de convencionalidade, a Corte Americana fez menção expressa à existência de uma obrigação por parte do próprio aparato estatal, inclusive de seu Poder Judiciário e seus juízes, de controlar a convencionalidade das leis internas, reputando-se sem efeito desde a origem aquelas normas que violem as disposições da Convenção Americana, da qual a Corte Americana é a intérprete final.

Dessa afirmativa, observa-se claramente a existência de dois âmbitos no controle de convencionalidade: nacional e internacional, o primeiro exercido pelo próprio Estado signatário da Convenção, enquanto o segundo é realizado pela Corte Americana, destacando-se a prevalência do segundo sobre o primeiro, nos termos da jurisprudência da Corte.

Nesse mesmo sentido, a jurisprudência da Corte foi reiterada por ocasião do julgamento dos casos “Cantuta contra Perú”, de 29 de novembr0 de 2006 (parágrafo 173) e no caso “Boyce e otros contra Barbados”, de 20 de novembro de 2007 (parágrafo 78)[10].

Por sua vez, mais detalhes sobre a forma de exercício do controle de convencionalidade podem ser extraídos do caso “Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) contra Perú”, consoante os termos do parágrafo 128, mais uma vez em tradução livre para o português:

128.Quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes também se submetem a ela, o que os obriga a velar para que o efeito útil da convenção não seja obstruído ou anulado pela aplicação de leis contrárias às suas disposições, objeto e finalidade. Em outras palabras, os órgãos do Poder Judiciário devem exercer não só um controle de constitucionalidade, mas também “de convencionalidade” ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana, observados os limites de suas respectivas competências e das normas processuais correspondentes. Essa função não deve se limitar às manifestações ou atos dos demandantes em cada caso, mas não implica que esse controle deve ser exercido sempre, sem considerar outras ações formais e materiais admissíveis e tal.

Nesse caso, vê-se que a Corte faz menção ao controle de convencionalidade exercido “de ofício” pelo Poder Judiciário nacional, independentemente de provocação anterior ou de caso concreto em curso ou já decidido pela Corte Internacional, com a ressalva de que devem ser observados os procedimentos legais e as normas de competência do ordenamento de cada Estado.

De fato, implica em dizer que o controle de convencionalidade não se limita aos casos levados à Corte Interamericana ou à jurisprudência internacional e que, na forma desse entendimento, os juízes nacionais podem (e devem) observar e controlar a convencionalidade das normas legais em sua atuação, utilizando o texto da prórpia convenção como parâmetro de validade das normas do ordenamento, respeitadas, por questão de legalidade e competência, as regras nacionais pertinentes à sua atuação.

Destarte, consoante os aspectos delineados pela jurisprudência da Corte Interamericana de direitos, verifica-se que o controle de convencionalidade é exercido em âmbito nacional e internacional, no primeiro caso, nos termos das regras de competência de cada país, sendo a invalidade o principal efeito da inconvencionalidade, que implica na ausência de efeitos jurídicos, desde a sua origem, das normas nacionais que obstruam ou contrariem os dispositivos da convenção sobre direitos humanos.

Digno de nota, também, que o uso reiterado da expressão “quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana” pela Corte Interamericana em seus julgados permite inferir que o controle de convencionalidade somente possui lugar nos tratados que versem sobre direitos humanos, pois essa é a espécie de tratado na qual se enquadra a Convenção Americana. Isso porque, como visto no início deste trabalho, é o caráter fundamental dos direitos humanos que justifica a sua prevalência, por princípio, sobre as demais normas do ordenamento jurídico de ordem infraconstitucional[11].

 

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Marcos Thadeu Alvarenga. Controle de convencionalidade: os direitos humanos como parâmetro de validade das leis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3635, 14 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24711. Acesso em: 22 dez. 2024.

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