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A posição dos tratados internacionais sobre direitos humanos, segundo o STF

14/06/2013 às 15:35
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Analisa-se o debate no STF sobre a posição, em nosso ordenamento jurídico, de tratado internacional que versa sobre os direitos humanos.

Sumário: 1. Introdução; 2. Teoria Monista; 3. Teoria Dualista; 4. Modelo adotado no Brasil; 5. Possibilidade do tratado internacional revogar uma lei; 6 - Exceção dos tratados internacionais sobre direitos humanos; 7. O Pacto de San Jose da Costa Rica; 8. Fim da prisão do depositário infiel; 9. Conclusão; Referências Bibliográficas.            


1. Introdução

Uma das questões centrais dentro do Direito Internacional reside na relação entre o direito internacional e o direito interno. Há a discussão sobre a prevalência ou não de um tratado ou convenção internacional sobre uma lei ordinária ou mesmo sobre uma lei complementar. A Constituição Federal não oferece a solução para este problema. O artigo 4º se limita a elencar os princípios que regem as relações internacionais, destacando, em seu parágrafo único, a busca pela integração econômica, política, social e cultural dos povos da América latina. O artigo 49, em seu inc. I, traz a previsão de que “compete ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.” O artigo 84, em seu inc. VIII, fixa que compete privativamente ao presidente da república “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.” Em síntese há toda um conjunto de normas definindo as competências e amparando a realização de atos de relações internacionais, mas não há uma previsão sobre em que posição do ordenamento jurídico eles estarão insertos. Logo, necessário se fez que esta questão fosse transferida para o campo doutrinário e jurisprudencial, com a finalidade de chegarmos a uma posição definitiva.

Para os doutrinadores, a primeira pergunta que emerge reside no fato de que os dois ordenamentos, o interno e o internacional, seriam independentes entre si, sem relação direta e sem convivência, ou todos coexistiram no mesmo ordenamento jurídico. Para uns, as diferenças são sensíveis, pois enquanto que as leis nacionais são elaboradas por um poder legislativo, são submetidas a sanção presidencial, são cogentes; as normas internacionais não são furtos de um poder legislativo internacional e não são dotadas de mecanismos capazes de impor a obrigação de seu cumprimento. Em síntese, o direito internacional é diferenciado em relação a outros ramos, pois não há, aqui, um acervo de normas cogentes impostas pelo Estado aos cidadãos. Mas, para outros, em termos jurídicos, não há diferença, pois tanto leis, como tratados são fontes do direito a serem aplicados sobre o território nacional, criando direitos e obrigações para os cidadãos. Estruturar-se-iam, assim, duas teorias, conhecidas como dualismo e monismo.  


2. Teoria Monista

Os monistas defendem que apenas existe um direito, com normas criadas internamente e outras advindas das relações internacionais. Tratados e leis coexistiriam no ordenamento jurídico brasileiro. Se imaginássemos a pirâmide de Kelsen hierarquizando as normas, teríamos a Constituição, no ápice, abaixo viriam as leis, e abaixo destas, os atos infralegais. Os tratados estariam no mesmo patamar das leis. A corrente  monista, por sua vez, se divide em duas. Primeiro, a do primado do direito internacional ou internacionalista, que defende, no casos de conflito de normas entre o tratado e a lei, a prevalência do tratado. A Corte Permanente de Justiça Internacional, em parecer de 1930, concluiu que “é princípio geralmente reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de tratado, as disposições de lei interna não podem prevalecer sobre as do tratado.” Igual concepção foi trazida pela Convenção de Viena sobre direito dos Tratados, ao fixar, em seu artigo 27, que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado.” A outra corrente monista, denominada de nacionalista ou do primado do direito interno , fixa que, em caso de conflito entre tratados e lei, ocorrerá a prevalência das leis internas.


3. Teoria Dualista 

Os dualistas concebem que não há apenas um ordenamento jurídico, mas sim dois : o internacional e o interno. Assim, a pirâmide de kelsen apenas englobaria o ordenamento interno, não contendo atos internacionais. Os dois direitos não se misturariam, apresentando-se separados e incomunicáveis. Em consequência, um tratado internacional terá que ser internalizado para ter validade e poder ser cumprido. Os dualistas se dividem em duas correntes : a extremada, que fixa a necessidade de transformação do tratado em uma lei interna do país. Por exemplo, o Pacto de San Jose da Costa Rica teria de ser transformado em uma lei nacional, para ser, aqui, cumprida e executada. A corrente mitigada, ou moderada, é aquela que não exige que ocorra a internalização como lei, podendo ser por outro ato, inclusive por decreto do Presidente da República.


4. Modelo adotado no Brasil

Como a Constituição foi silente em relação a qual teoria seguiríamos, coube ao judiciário, por meio da consolidação jurisprudencial, resolver a questão. Na década de 70, chegou ao STF, o RE 71.154-PA, originado pela controvérsia sobre a vigência, no plano interno, da lei uniforme sobre cheques, originada da incorporação da Convenção de Genebra, de 1931, que o Brasil expressamente aderiu. O tribunal de justiça do Paraná negou vigência à referida convenção, sob o fundamento de que “os tratados, as convenções internacionais não são auto-executáveis, dependendo, para que entrem no quadro da legislação interna, de lei elaborada pelo Congresso. Para vigorar no Brasil, a Lei uniforme de Genebra, há necessidade de uma nova lei cambial em substituição a lei 2.044, de 1908.” O Ministro Oswaldo Trigueiro, relator, analisando a questão, observou que esta convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional, sob a vigência da Constituição de 1946, mediante o Decreto-legislativo nº 54, de 8.9.64, e promulgada pelo Decreto nº 57.595, de 1966. Portanto, não havia uma lei de conversão e menos ainda havia regra expressa na Constituição acerca da necessidade ou não de uma espécie legal. Mas, segundo o relator, havia sim um princípio aplicável que estava implícito na lei maior. Isto porque o artigo 64, I, CF 1946, fixava como competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados e convenções celebrados com estados estrangeiros”. Se o Legislativo já havia decidido pela aprovação da convenção, por meio de um decreto-legislativo, não havia lógica de se proceder a um novo ato legislativo para que o tratado tivesse validade. E mais, com a aprovação legislativa e a ratificação do Executivo, o país se comprometia no âmbito internacional, mas se houvesse ainda necessidade de uma lei, o tratado não se aplicaria no âmbito interno. Na conclusão de seu voto, que saiu vencedor, há o destaque que a exigência constitucional está circunscrita a devida submissão e aprovação pelo Congresso, o que é feito pelo decreto-legislativo, não havendo necessidade de se proceder ainda a elaboração de uma lei, que teria de ser submetida à sanção presidencial. Com a decisão do STF pela aplicação do tratado, sem necessidade de uma lei, fortaleceu-se a jurisprudência que fixava a necessidade de internalizarmos um tratado internacional no plano interno, mas que poderia ser feito por ato não legal. Esse acórdão servirá de base para a decisão na Carta Rogatória 8.279, da República Argentina. O voto do Ministro Celso de Mello, na referida Carta, destaca, primeiro, a necessidade de transportar o conteúdo do direito internacional para ter validade e executoriedade no plano nacional. Como segundo ponto, ressalta que o sistema constitucional brasileiro não exige a edição de uma lei para incorporação do tratado, sendo aceita a aprovação legislativa e a promulgação por ato do executivo. Com este posicionamento, o Brasil consolidou a jurisprudência de que atendia a teoria dualista mitigada ou moderada. Os tratados e convenções internacionais não são transformados em lei, mas por um simples decreto do chefe do poder executivo. Basta observar que o Pacto de San Jose da Costa Rica foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico pelo  Decreto 678-1992.


5. Possibilidade do tratado internacional revogar uma lei

 Outra questão jurídica relevante emerge do fato de que se o tratado não é incorporado como lei, poderia este revogar uma espécie legal. O Supremo Tribunal Federal, até o ano de 1977, entendia que havia o primado do direito internacional, ou seja, os tratados internacionais assim que incorporados e postos em vigência, por meio da promulgação de um decreto, passavam a ocupar posição hierarquicamente superior em relação ao direito interno. No entanto, o divisor de águas para a mudança desta posição, ocorre com o julgamento do RE 80.004/SE. Neste caso, discutia-se a possibilidade de revogação das convenções de genebra sobre cambiais, incorporadas, no ano de 1966, ao direito interno, pelo Decreto-lei 427/69. O Ministro Xavier de Albuquerque decidiu, em seu voto, pela irrevogabilidade de tratado internacional por lei interna, destacando, em seu voto, posição do professor Rubens Requião que, em artigo elaborado, defende a impossibilidade de lei revogar tratado, nos seguintes termos :

“assentadas as duas premissas fundamentais anteriormente enunciadas, de que as Convenções de Genebra sobre cambiais se incorporaram ao nosso direito interno e de que os tratados e convenções não podem ser revogados por leis ordinárias, mas pela necessária denúncia, torna-se evidente ao nosso entendimento que a Lei n. 427, de janeiro de 1969, e seu regulamento baixado pelo Decreto n. 64.156, de março de 1969, que sujeitou a registro, sob pena de nulidade, as letras de cambio e notas promissórias, são inválidos ante ao texto e o sentido da lei uniforme sobre letras de cambio e notas promissórias, integrantes do anexo I, daquela convenção.”    

O Ministro Cunha Peixoto analisando a questão, de forma contrária, não se alinhou com o primado do direito internacional, destacando em seu voto :

 “Com efeito, se a lei uniforme transformou-se em direito positivo brasileiro, evidente que pode ser modificada ou revogada, como qualquer outro diploma legal. Do contrário, transformar-se-ia qualquer lei que procedesse de um tratado, em super-lei, em situação superior à própria Constituição Brasileira. ... Do contrário teríamos então, e isto seria inconstitucional, uma lei que só poderia ser revogada pelo Chefe do poder executivo, através da denúncia do tratado....Portanto, ou o tratado não se transforma pela simples ratificação em lei ordinária, no Brasil, ou ,então, poderá ser modificada ou revogada pelo Congresso, como qualquer outra lei.”

Por maioria, decidiu a corte maior que o tratado internacional tem a mesma posição hierárquica de lei ordinária, e, em consequencia, lei interna superveniente poderá afetar tratado em vigor, com exceção de matéria tributária, em face do que dispõe do art. 98, do CTN. A lógica era a de que se o tratado passava a integrar a legislação interna, após a sua incorporação, passaria a estar em igualdade de condições em relação as demais leis. Em consequência, por um lado, revogaria as leis anteriores que fossem com ele incompatível. Mas, por outro, seria revogado por leis que lhes fossem posteriores. Se, por exemplo, incorporarmos o pacto de San Jose, que fixa a regra da impossibilidade da prisão do depositário infiel, e, se posteriormente, entrasse em vigor uma outra lei, prevendo a possibilidade dessa prisão, restaria revogada esta disposição do pacto. Há de se destacar que a nova posição do STF não se mostra inédita e isolada, em relação a outros países. Os Estados Unidos, no artigo VI, Constituição de 1787, atribui aos tratados a mesma força das leis federais, colocando as duas categorias de normas no mesmo plano.

No entanto, a nova jurisprudência que rejeita o primado do direito internacional não é de todo pacífica, pois vai de encontro às regras do direito internacional. Primeiro, porque, neste caso, estar-se-á a alterar disposições de um tratado, que foi livremente negociado, acordado e celebrado entre chefes de estado, por terceiros que não tem competência para a celebração de atos internacionais. Segundo, porque, em conformidade com o direito dos tratados, para que um acordo internacional não seja mais cumprido por uma das partes signatárias, necessário se fazia que houvesse a denúncia. O Ministro Cordeiro Guerra, em seu voto no RE 80.004-se, opôs-se à corrente  que fixa a necessidade de denúncia do tratado, destacando : 

“Argumenta-se que a denúncia é o meio próprio de revogar um tratado internacional. Sim, no campo do direito internacional, não porém no campo do direito interno. Quando muito, poderá, face à derrogação do tratado por lei federal posterior, ensejar reclamação de uma outra parte contratante perante o governo, sem contudo afetar as questões de direito interno. Fosse a denúncia internacional o único meio de nulificar um tratado, não se compreenderia pudesse o Supremo Tribunal Federal negar-lhe validade por vício de inconstitucionalidade.”

Mesmo com as controvérsias, o STF manteve por décadas o entendimento de que tratado e lei ordinária estão no mesmo plano, aceitando somente duas exceções : primeira, a prevista no artigo 98 do Código Tributário Nacional, que fixa que os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observadas pelas que lhes sobrevenham. É dado um caráter de supralegalidade a esses tratados, pois mesmo que haja lei posterior contrária, os mesmos não seriam atingidos. Somente haveria revogação por emenda constitucional, já que esta está acima das leis e em status constitucional.


6. Exceção dos tratados internacionais sobre direitos humanos

A segunda exceção é bem mais polêmica e refere-se ao status dos tratados de direitos humanos que forem incorporados ao nosso ordenamento jurídico. Com a Emenda Constitucional nº 45, foi inserto o parágrafo 3º, ao artigo 5º, fixando que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, que forem aprovados em cada casa do congresso nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes a emendas constitucionais.” Assim, versando sobre direitos humanos, e se submetendo ao congresso nacional, para votação qualificada em dois turnos, em cada casa, passam a ser norma constitucional. Mas, logo emerge a pergunta sobre os tratados ratificados antes desta emenda. Esta questão continuou levantando dúvidas no meio jurídico. Era o caso do pacto de san Jose da costa rica, ratificado em 1992. Vários doutrinadores afirmavam que, nos termos do art 5º, par 2º, ao fixar que “ os direitos e garantias expressos nesta constituição não exclui outros ...e dos tratados internacionais, ...”, este tratado fora incorporado com status constitucional, até mesmo pelo caráter de direito fundamental de suas normas. A controvérsia aumentou na medida em que a Constituição trouxe, em seu artigo 5º, inciso LXVII, a previsão de que não pode haver prisão civil, com exceção do depositário infiel e do devedor de alimentos. Ora, o pacto de san Jose fixava o contrário, de que poderia haver sim prisão civil, mas apenas em caso de dívida alimentícia, nunca no caso do depositário infiel. Alguns tribunais entenderem que deveria o pacto prevalecia, pois tinha status constitucional. O STF não adotou a posição de que o tratado revogou a constituição, pois seu status não era de norma constitucional. Como se poderia sustentar que o tratado aprovado com quorum de lei ordinária poderia modificaria a constituição, logo na parte dos direitos fundamentais. E mais, se fosse modificar a constituição precisaria de três quintos em dois turnos. Portanto, este não teria forças para revogar a prisão civil. Já temos um tratado devidamente aprovado pelo congresso nacional, que é a convenção da ONU sobre deficientes físicos. 

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7. O Pacto de San Jose da Costa Rica 

Também conhecida como Convenção Americana de Direitos Humanos, traz, em seu texto, um acervo de 81 artigos, incluindo disposições transitórias, tendo por base a declaração universal dos direitos do homem (1948), dispondo sobre direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, meios de proteção, funcionamento da corte interamericana de direitos humanos, dentre outros assuntos. Foi assinado no ano de 1969, na cidade de San Jose, Costa Rica, por inicialmente 11 integrantes. O Brasil apenas o aprovou, pelo Congresso Nacional, em 26 de maio de 1992, por meio do Decreto legislativo nº 27, e o ratificou, também em 1992, por meio do Decreto nº 678, passando a cumpri-lo no seu ordenamento interno. A alegação para a demora residia na argumentação de que éramos soberanos e estaríamos sendo regidos por normas internacionais. No entanto, com a incorporação, a questão passou a ser o status conferido ao pacto de san Jose da Costa Rica, se este teria ou não caráter constitucional. Como a jurisprudência consolidada do STF conferia o status de lei ordinária aos tratados internacionais, logo, para a corte, disposições da convenção não poderiam derrubar normas constitucionais.


8. Fim da prisão do depositário infiel

A Constituição Federal de 1988 apesar do significativo avanço em relação aos direitos fundamentais, previu expressamente a possibilidade de prisão civil, com a finalidade de coagir o devedor a pagar, em dois casos : o primeiro, referente à dívida alimentícia, muito presente no direito de família; o segundo, bem mais polemico, referente  ao depositário infiel, muito utilizado por bancos e financeiras, em contratos chamados de alienação fiduciária. Pessoas adquiriam bens móveis com financiamento, portanto, tendo de pagar mensalmente as prestações, em muitos casos, por muitos anos. No entanto, na alienação fiduciária o veículo pertenceria ao banco ou instituição financeira, ficando o consumidor apenas como depositário. Até o ano de 2008, o credor em caso de não pagamento, ingressava na justiça para a retomada do bem, e caso não devolvido, solicitava-se a prisão civil do devedor (considerado como depositário). No entanto, no final do referido ano, o Supremo Tribunal Federal analisou três processos referentes a este tema : dois recursos extraordinários dos banco Itaú e Bradesco, que tiveram pedidos de prisão negado (RE 466.343-SP e RE 349.703-RS), e um habeas corpus impetrado por um consumidor contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (HC 87.585-TO), que permitia a sua prisão civil por ser depositário infiel. A controvérsia inicialmente residia em saber se esta prisão era ou não permitida, no entanto, na verdade, a discussão trazida era bem mais profunda. O conflito era claro, pois, de um lado, o Pacto de San Jose da Costa Rica que proibia expressamente, em seu artigo 7º, este tipo de prisão, ao dispor nos seguintes termos :

“Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”

 A discussão era saber se prevaleceria o tratado ou, pelo contrário, aplicar-se-ia a previsão constitucional que permitia esta prisão. Era chegada a hora de uma definição desta questão pela suprema corte. No HC 87.585-TO, o relator, Min Marco Aurélio, destacou, em seu voto vencedor o seguinte :

“A circunstância de o Brasil ter subscrito o Pacto de San Jose da Costa Rica, a limitar a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável da prestação alimentícia, conduz à inexistência de balizas visando à eficácia do que previsto no inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal, preceito que, a toda evidência, não se mostra auto-aplicável, até mesmo ante o silêncio quanto ao período de custódia. Em síntese, com a introdução no cenário jurídico nacional, do pacto referido, restaram derrogadas as normas estritamente legais definidoras da prisão do depositário infiel.”

No julgamento do RE 466.443-SP, a corte adotou a mesma posição. Para os ministros, a liberdade é um direito fundamental que somente em casos excepcionalíssimos poderia ser violado. Uma pessoa não poderia pagar com seu corpo por uma dívida, pois isto era um retrocesso. A discussão passou a ser precisar a posição do tratado internacional que versava sobre os direitos humanos em nosso ordenamento jurídico. Os ministros César Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau defendiam que esses tratados tinham status constitucional, isto porque o seu conteúdo, direitos humanos, era materialmente constitucional, ainda que formalmente não fossem. Mas o ministro Gilmar Mendes achou que seria um risco instituir a regra de que todo tratado que verse sobre direitos humanos passassem a integrar as normas constitucionais, inclusive para fins de utilização como parâmetro de controle de constitucionalidade. Saiu vitoriosa, por 5 votos a 4, a tese de que estes tratados tinham caráter não constitucional, e sim de supralegalidade, portanto, abaixo da constituição, mas acima das demais leis, inclusive do Código de Processo Civil, que regulamenta a prisão civil. Em consequência, toda a legislação empregada, direta ou indiretamente, para possibilitar a prisão do depositário infiel, restou revogada. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal, findou-se a possibilidade de prisão civil por dívida, em todas as hipóteses existentes. Ou seja, na prática, não existe mais esta prisão. Também restou revogada a Súmula STF 619 que autorizava a prisão do depositário judicial no próprio processo em que se constituiu o encargo. 


9. Conclusão 

Com a Emenda Constitucional nº 45 e com a decisão do STF, em 2008, nos RE 466.343-SP e RE 349.703-RS, a controvérsia sobre a hierarquia dos tratados, que se estendia há décadas, chegou a uma solução. Os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, ou terão status constitucional, se aprovados por quorum qualificado, igual ao exigido para emenda constitucional e em dois turnos, ou terão status supralegal, se a incorporação ocorreu antes da referida emenda. Em 2009, o STF aplicou seu novo entendimento ao negar, no Recurso Extraordinário RE 511.961, a obrigatoriedade do diploma universitário para jornalistas, prevista no Decreto-Lei 972-1969, por não ter sido recepcionado pela Constituição e contrariar o Pacto de San Jose da Costa Rica. Adotando um posicionamento de valorização dos direitos humanos, seja no plano internacional, seja no plano interno, o Brasil se alinhou aos países com forte tradição jurídica, trouxe para o mundo real muitos dos direitos fundamentais, que estavam apenas no papel, e, mais importante, deu a devido lugar a um dos princípios fundamentais basilares fixado no primeiro artigo de nossa Constituição, o da dignidade da pessoa humana.


Referências Bibliográficas

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Sobre o autor
Antonio José Teixeira Leite

Advogado em Brasília (DF). Especialista em Direito Público pelo IDP, MBA em Direito e Política Tributária pela FGV, Especialista em Políticas Públicas, pela Escola Nacional de Administração Pública e Pós graduado em Direito Societário pela FGV-Law. Professor em cursos de graduação, pós-graduação e extensão universitária.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Antonio José Teixeira. A posição dos tratados internacionais sobre direitos humanos, segundo o STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3635, 14 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24713. Acesso em: 22 dez. 2024.

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