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A batalha pelos direitos sociais e os movimentos dos jovens pelo mundo

19/06/2013 às 14:12
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Qual é o critério de aceite do Estado para tolerar o exercício de um direito constitucional - de manifestação, de reunião e de liberdade - se não se pode percorrer ruas, gritar na porta de um estádio de futebol bilionário, expor faixas e cartazes com frases de efeito ou portar vinagre?

Se pudesse reproduziria como música ambiente para a leitura deste texto o ‘Hino da Revolução dos Cravos de Portugal’, qual seja: “Grândola, Vila Morena”... mas texto é texto, assim vamos as palavras:

Os direitos humanos e os direitos sociais não precisam de tantos instrumentos normativos ou fixações legais (na atualidade), mas sim de afirmação, aplicação e respeito! Esta é uma frase comum e verdadeira dentro dos núcleos de debates e lutas pelos direitos do homem.

E é certo que os movimentos dos jovens pelo mundo, incluindo aqueles presenciados recentemente no Brasil, são a prova e a evidência robusta de que a afirmação dos direitos humanos e sociais ainda está distante das metas almejadas pelas normas e pelos anseios do Povo.

Primeiramente, em recente manifestação popular os jovens na Turquia se insurgiram para a defesa do Direito Ambiental, ou seja, com uma proposta esdruxula o governo Turco tentou a desapropriação de parte de uma praça no centro da cidade de Istambul para a construção de um Centro Comercial. Imediatamente um grupo de jovens (e de forma pacífica) se opôs à desapropriação pugnando assim por mais qualidade de vida e com o pacto com as gerações futuras por intermédio do Meio Ambiente equilibrado[1]. O resultado foi desastroso, pois o governo reprimiu com muita violência as manifestações o que ocasionou o colapso social na Turquia. O efeito prático: os próximos dias dirão, aguardemos.

A manifestação na Turquia foi apenas mais uma dos recentes agrupamentos globais, já que em inúmeros outros países a população foi ou está nas ruas, como já tive oportunidade de me manifestar quando publiquei o artigo “Os Movimentos Jovens e a Ética”[2]. Isto demonstra que os impactos dos planos econômicos e políticos e ainda, todo o debate mercadológico-financeiro no mundo não estão surtindo efeitos, pois o homem continua a sofrer socialmente e o exército de excluídos não para de aumentar.

E no Brasil, o que se passa?[3] Em suma, nada diferente.

Pois bem. Recentemente, no Brasil (para ser preciso desde o início do ano de 2013) o Governo Federal solicitou que os Estados e Municípios não aumentassem as tarifas de transporte público, sobretudo, ônibus e metrô, para com isso evitar o impacto direto na inflação que está praticamente fora de controle! Após mais de seis meses segurando os preços das tarifas os governos estaduais e municipais, de forma organizada e agrupa, resolveram repassar à população um valor de reajuste de tarifa de transporte público abaixo da inflação do último ano, e o fizeram com o argumento da defasagem contratual e da necessidade de equilibrar os contratos e tudo pela ordem e pela função econômica do Estado.

Imediatamente inúmeros protestos surgiram aqui e acolá de norte a sul do país, e alguns Estados e Municípios recuaram e reduziram os reajustes ou até zeraram os valores amortecendo o pretenso “déficit” contratual. Ocorre que em casos como os dos Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro os governos se posicionaram pela intransigência quanto às reivindicações pelas reduções das tarifas e então, OS JOVENS FORAM ÀS RUAS.

Ora os agrupamentos dos jovens começaram de forma isolada e pontual, em algumas cidades, como em Porto Alegre ou em São Paulo. Em um primeiro momento eram 500 manifestantes, após 2000, para chegar a mais de 12 mil (no último dia 13/06/2013, em São Paulo). A consequência social, política, econômica e individual foi a pior possível, pois o Estado repressivo agiu de forma a “punir os baderneiros e vândalos” (como inapropriadamente sustentou um dos Governantes do Estado Paulista) e a população continuou ir às ruas para protestar pelos seus direitos, ou seja, quanto mais o governo reprime o Povo, mais manifestações correm.

A repressão do Estado foi tão desproporcional e irracional que durante as manifestações, inúmeros populares foram feridos pela truculência desenfreada da polícia e ainda outros foram presos arbitrariamente sob o pretexto, acredite, “de prática do crime de quadrilha”, tudo por se manifestarem de forma legítima nas ruas de suas cidades!

É certo que todo o debate social em torno do reajuste da tarifa do transporte público não passa somente pelos centavos de reajustes, passa antes por ser um GRITO REPRIMIDO de uma sociedade que há tempos não sabe o que é ir às ruas para pleitear dignidade, justiça social, lutar pelos direitos mínimos e sociais.  Este grito social de desespero por uma vida melhor e participativa na vida política (do País, dos Estados e dos Municípios) está representado pela juventude que se organiza por meio das redes sociais da internet e que começou a se movimentar independente de uma liderança.

Com efeito, no entanto é que não há uma só liderança no movimento, que o Governo do Estado de São Paulo é representado por um partido político e o Governo Municipal de São Paulo por outro e de oposição e nenhum deles participa do movimento pela redução das tarifas, ou ainda, autorizou sua militância e correligionários a participar. Ou seja, trata-se de um movimento “dos fora do poder estatal”.

Ocorre que o Estado não permitiu com que as manifestações ocorressem de forma pacífica e voluntária, uma vez que utilizou e ainda usa a repressão policial de forma desmedida, tudo com o argumento de que os manifestantes são “arruaceiros ou baderneiros e vândalos” o que por si é de causar arrepios a qualquer pessoa atenta às questões sociais e humanas, que são direitos mínimos e fundamentais insculpidos no texto constitucional[4].

A barbárie da repressão estatal foi tamanha que na última manifestação ocorrida em 13/06/2013, na cidade de São Paulo, a Policia Militar agrediu de forma desproporcional e com violência impar jornalistas, pedestres e transeuntes nas ruas em que os protestos ocorriam, além de jogar bombas de gás dentro de coletivos lotados e dentro das estações de metrô na região da Avenida Paulista. Inúmeras prisões arbitrárias foram realizadas e horas depois as pessoas que eram conduzidas às delegacias foram soltas sem qualquer imputação criminal. O absurdo foi tamanho que pessoas foram presas por portarem “vinagre”! Exato, aquele produto utilizado como complemento para tempero de saladas e legumes nos alimentos! (que em uma manifestação tem o condão de proteger o manifestante contra os gases lançados pela polícia).

As manifestações se alastraram pelo país. Em Brasília na porta do Estádio Mané Garrincha, no dia 15/06/2013, antes da abertura oficial dos jogos da Copa das Confederações a polícia também reprimiu de forma violenta uma manifestação pacífica que pleiteava melhor emprego da verba pública. E na cidade do Rio de Janeiro a população se reuniu para lutar pelas reduções das tarifas dos transportes públicos e ainda pleitear melhor emprego do dinheiro público, pois após a constatação de construções de estádios de futebol bilionários, um grupo de manifestantes se concentrou na porta do Estádio do Maracanã antes do início do primeiro jogo da Copa das Confederações, na data de 16/06/2013, e ali foram brutalmente açoitados pela Policia Militar (que atendendo a um apelo da FIFA tentou coibir manifestações durante os jogos).

Estas são as contradições dos fatos: de um lado “não” há dinheiro para melhorar o transporte público, sendo imprescindível aumentar as tarifas e reduzir a frota de ônibus em São Paulo obrigando o povo/passageiro a se aglutinar ainda mais “no contêiner de transporte”[5], e de outro se constrói estádios de futebol em que se emprega a “bagatela” de quase Um Bilhão de Reais para cada obra! Esta é apenas uma das contradições que cito para que o texto não se prolongue.

Mas todos os relatos das manifestações que ocorrem no Brasil e da própria contradição apresentada demonstram que vivemos uma verdadeira BATALHA PELOS DIREITOS SOCIAIS, ou melhor, PELA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E SOCIAIS e não apenas a luta de um grupo de pessoas pelos seus interesses individuais.

Vejamos:

 Pelo lado do Estado (repressivo e ditatorial) há um discurso de que “as manifestações pacíficas são e serão aceitas”, e que “badernas” ou “arruaças” não podem ser toleradas e assim serão reprimidas. Mas qual é o critério de aceite do Estado para aceitar e tolerar o exercício de um direito constitucional – de manifestação, de reunião e de liberdade -  se a manifestação não pode percorrer ruas, se não permite ao manifestante gritar na porta de um Estádio de Futebol Bilionário, se não se pode segurar e expor faixas e cartazes com frases de efeito e assim por diante, e por menos de portar vinagre pelas ruas das cidades?

Não há que se cogitar da proteção ao direito de ir e vir e ainda da livre circulação pelo espaço público de um grupo de pessoas que dentro de seus automóveis tentam se deslocar por um centro urbano, no momento de um manifestação popular, pois é normal que o direito de alguns seja mitigado em detrimento ao direito de outros à reivindicação – justa ou não –, isto sim é DEMOCRACIA e esta é a ponderação de direitos e princípios que a teoria dos direitos constitucionais tanto discute.

Ademais, a polícia repressiva do Estado age sempre com os mesmos argumentos: manter a ordem, evitar a violência, assegurar o direito e ir e vir, assegurar a liberdade alheia, enfim, são todos argumentos voltados a reprimir a manifestação legítima de uma massa, assemelhando-se portanto, a um Estado Fascista e Ditatorial, tanto rechaçado pelo Brasil há mais de 20 anos.

Do outro lado, os manifestantes desarmados e apenas aos gritos esticam e puxam a corda dos direitos humanos e sociais mínimos e básicos, para tentarem ali garantirem os direitos de liberdade de pensamento, de manifestação, de reunião e, sobretudo, de uma cidadania participativa na vida em sociedade.

Metaforicamente, a cada dia mais “o povo se sente como o gado confinado”, quer por obedecer a ordens e cumprir determinações absurdas de seus governantes, quer por ser transportado em “containers”, aliás, por andar em um transporte público sem qualidade ou mesmo por ser vítima de uma corrupção desenfreada.

Cumpre lembrar que a cidadania não está apenas no ato de votar e ser votado, mas sim de exercer amplamente os direitos assegurados no texto Constitucional dentro de um ESTADO DEMOCRÁTICO (de Direito), e ainda, de ser o cidadão um Elemento  Social repleto de dignidade e respeito e logo, de não passar forme, frio, de ter uma saúde de qualidade, uma educação mínima racional e adequada, o direito à habitação e ao trabalho decente, à segurança pública adequada, a um transporte eficiente e outros tantos direitos mínimos.

É certo e inquestionável que se está diante de um cabo de forças entre o Estado repressivo e acostumado com o silêncio e submissão pacífica das massas às injustiças sociais e de outro lado O POVO JOVEM que começa a acordar do ‘estado de coma’ que vivia desde 1992 quando participou do impeachment do ex-presidente Collor.

Os governantes precisam despertar e ouvir e ver que “o grito” pelo não reajuste da tarifa no transporte público, é um GRITO DE BASTA: à corrupção, ao “mensalão”, à saúde precária, à segurança publica inexistente, ao Judiciário falido e “injusto socialmente”, às misérias populares, à ‘desumanidade’ geral, à educação precária, ao transporte público pífio, ao dinheiro público empregado de forma inadequada, dentre outros tantos pontos! Ou seja, a discussão não passa apenas pelos R$ 0,20 de reajuste na tarifa do transporte e sim pelas demais questões sociais.

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A sociedade é um ser vivo que move e modifica seu pensar e agir. E na atualidade tem na juventude a sua busca por uma algo mais, um algo mais social e humano, e que assim quer deixar sua marca na história por um mundo melhor.

Recordo que os que lutam hoje, embora em minoria, pretendem assegurar os direitos individuais e sociais de milhões amanhã!

Vivemos sim uma verdadeira BATALHA PELA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E SOCIAIS, e esta batalha é proporcionada pela juventude que mesmo “elitizada” (sob a ótica de ter um celular no bolso e uma educação formal que lhe permite um diploma na parede) demonstra ser contrária à mesmice da corrupção, da leniência com as injustiças e com as mazelas sociais e pugna por um mundo melhor para se viver.

Em ocasião pretérita tive a oportunidade de afirmar e aqui reitero: “jovens do mundo, uni-vos”[6]. Porém ressalto que a violência ou as atitudes voltadas a causar prejuízos a terceiros deverá ser sempre rechaçada, mas nunca com a brutalidade Estatal.

Por fim, resta um questionamento relevante: a quem interessa calar as massas?

Lembro de Geraldo Vampré que escreveu e cantou em plena ditadura militar brasileira:

Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

Pelos campos há fome

Em grandes plantações

Pelas ruas marchando

Indecisos cordões

Ainda fazem da flor

Seu mais forte refrão

E acreditam nas flores

Vencendo o canhão

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

Há soldados armados

Amados ou não

Quase todos perdidos

De armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam

Uma antiga lição:

De morrer pela pátria

E viver sem razão

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Somos todos soldados

Armados ou não

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

Os amores na mente

As flores no chão

A certeza na frente

A história na mão

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Aprendendo e ensinando

Uma nova lição

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer


Notas

[1] Estadão.com.br, 14 de junho de 2013, ISTAMBUL - O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disse nesta sexta-feira, 14, que pode suspender o projeto de reforma da Praça Taksim, em Istambul, até que a Justiça se pronuncie, o que marca um tom notoriamente mais conciliador do governo após semanas de protestos contra o premiê. (...) A repressão policial contra manifestantes pacíficos no parque, há duas semanas, provocou uma onda de protestos sem precedentes contra Erdogan e seu partido AK, de tendência islâmica. Os protestos reúnem principalmente cidadãos laicos, nacionalistas, profissionais liberais, sindicalistas e estudantes. (...) Ainda na quinta-feira à noite, Erdogan - acusado por seus críticos de ter um estilo autoritário - insinuou que os centenas de manifestantes acampados no parque poderiam ser expulsos à força. "Nossa paciência está no final. Estou fazendo um alerta pela última vez. Digo às mães e pais, por favor peguem seus filhos pela mão e os levem embora. O parque Gezi não pertence às forças ocupantes, e sim ao povo." / REUTERS. http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,erdogan-faz-gesto-conciliatorio-por-fim-dos-protestos-na-turquia,1042454,0.htm

[2] http://www.criticadodireito.com.br/todas-as-edicoes/numero-1-volume-25/os-movimentos-jovens-e-a-etica

[3] Se pudesse recomendaria aos governantes que ouçam a música de Milton Nascimento e Chico Buarque: “Cálice”

[4] Da Constituição Federal, Art. 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”, além de todos os direitos previstos no art. 5º do texto Constitucional.

[5] Frota de ônibus encolhe, mas número de passageiros cresce 80% em 8 anos. Mesmo com aumento de 30% no valor arrecadado nas catracas desde 2004, cada coletivo passou a transportar cerca de 80% mais pessoas em 2012. O Estadão, de 15 de junho de 2013, disponível em:  http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,frota-de-onibus-encolhe-mas-numero-de-passageiros-cresce-80-em-8-anos,1042858,0.htm

[6] http://www.criticadodireito.com.br/todas-as-edicoes/numero-1-volume-25/os-movimentos-jovens-e-a-etica

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Sobre o autor
Aarão Miranda da Silva

Advogado sócio do escritório Miranda advogados, professor de cursos de graduação e pós-graduação, especialista e mestre em direito. Autor de diversos artigos e livros jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Aarão Miranda. A batalha pelos direitos sociais e os movimentos dos jovens pelo mundo . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3640, 19 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24742. Acesso em: 16 abr. 2024.

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