Resumo: O presente trabalho monográfico objetiva abordar a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que orbita acerca da natureza jurídica do pedágio. Para tanto, utilizou-se a metodologia bibliográfica e o método de abordagem foi o dedutivo, vez que se fez uso de obras, artigos científicos e jurisprudência e partiu-se de conceitos gerais para a análise da questão específica da natureza jurídica do pedágio. O capítulo inicial contextualizou o tema, expondo, em linhas gerais, o conceito de tributo, os princípios que lhe informam, bem assim as suas espécies. O capítulo seguinte abordou o modo como ocorre a contratação de serviços pela Administração Pública, dispondo sobre o conceito de serviço público, seus princípios e sua classificação, desaguando ao final nos regimes de contratação empregados pelo Estado. Por fim, com o objetivo de qualificar a discussão, foi efetuada uma análise crítica acerca da natureza jurídica do pedágio. Primeiramente, discorreu-se acerca do histórico do pedágio no mundo e no Brasil, sendo posteriormente vislumbradas as correntes que tratam da natureza jurídica do pedágio como tributo e como preço público, culminando ao cabo em nosso entendimento acerca do caráter do aludido instituto. As razões finais do estudo destacaram inexistir resposta única para a natureza jurídica do pedágio, podendo ora ser um tributo e ora ser um preço público, a depender da compulsoriedade da cobrança efetivada, havendo ainda sido ressaltado que, em virtude da ausência de compulsoriedade em razão da existência de via alternativa, a maior parte dos pedágios vistos em nosso país constitui preço público.
Palavras-chave: pedágio; natureza jurídica; tributo; taxa; preço-público.
Sumário: 1. Introdução. 2. Dos tributos. 2.1. Conceito e características dos tributos. 2.2. Os princípios constitucionais tributários. 2.2.1. Princípio da legalidade. 2.2.2. Princípio da isonomia. 2.2.3. Princípio da não-surpresa. 2.2.4.Princípio do não-confisco. 2.2.5. Princípio da liberdade de tráfego. 2.3. Espécies de tributos. 2.3.1. Os impostos. 2.3.2. As taxas. 2.3.3. As contribuições de melhoria. 2.3.4. Os empréstimos compulsórios. 2.3.5. As contribuições especiais. 3. Contratação de serviços pela administração pública. 3.1. Serviço público: conceito, princípios e classificação. 3.2. Regimes de contratação de serviço público. 3.2.1. Concessão de serviço público. 3.2.2. Permissão de serviço público. 3.2.3. Autorização de serviço público. 4. A natureza jurídica do pedágio. 4.1. Pedágio: histórico e noções gerais. 4.2. A natureza jurídica. 4.2.1. Pedágio como tributo. 4.2.3. Pedágio como preço público. 4.2.4. Pedágio: nosso entendimento. 5. Considerações finais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A doutrina e a jurisprudência pátria têm vislumbrado forte controvérsia na definição da natureza jurídica do pedágio, entendendo parcela que se trata de espécie de tributo, na modalidade taxa, ao passo que outros, todavia, o veem como se preço público fosse.
A necessidade desta definição reside na premissa de que, caso entendido o pedágio como exação tributária deve este obedecer aos princípios, limitações e obrigações incidentes sobre esta modalidade jurídica. Por outro lado, definido a exação como preço público, não se deparará em seu emprego as restrições alusivas às limitações constitucionais ao poder de tributar, devendo apenas ser respeitada a avença firmada entre o Poder Concedente e a concessionária de serviço público.
Sobreleva notar que a correta classificação do pedágio subsidiará o meio de perfectibilização de seus preços, bem assim nos dispositivos legais que necessitarão ser satisfeitos para sua instituição, majoração e criação.
Desse modo, a escorreita categorização do instituto e de sua natureza jurídica obstará a incerteza jurídica em que permeia a sociedade, na medida em que todos saberão de forma tranquila quais as regras relacionadas ao pedágio e como este se comportará diante da sociedade. Assim, os administrados poderão melhor se salvaguardar de eventuais atos impositivos adversos aos seus diretos.
2. DOS TRIBUTOS
2.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DOS TRIBUTOS
O conceito de tributo no ordenamento jurídico brasileiro é encontrado no artigo 3º do Código Tributário Nacional: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Parte dos doutrinadores, divergindo do conceito legal, apresenta sua própria definição de tributo.
Para Amaro (2002, p. 25), “tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público”.
Segundo Nogueira (1990, p. 159), os tributos:
são as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal (poder de tributar, às vezes consorciado com o poder de regular), mas disciplinado por normas de direito público que constituem o Direito Tributário.
Na visão de Martins (2003, p. 1999), o conceito de tributo seria:
uma prestação de dar, de pagar. Não se trata de obrigação de fazer ou não fazer. Tributo é o objeto da relação tributária. O tributo tem por objetivo carrear para os cofres do Estado meios financeiros para a satisfação das necessidades coletivas.
Alexandre (2011, p. 44-45) e Machado (2010, p. 62), todavia, sustentam que prevalente o conceito legal, mostra-se de nenhuma utilidade, no plano do direito positivo vigente, o exame dos conceitos formulados por juristas e financistas.
Nessa esteira, Coêlho (2001, p. 392) assevera:
O conceito de tributo do sistema brasileiro, fruto de intensa observação do fenômeno jurídico, é dos mais perfeitos do mundo. Se nos compararmos com os países do Common Law, com a Itália, França e Alemanha, no plano dogmático, a vantagem tributarística brasileira desponta com notável evidência [...].
Conforme o mestre Geraldo Ataliba, citado por Coêlho (2001, p. 392-393):
O Código Tributário Nacional conceitua tributo de forma excelente e completa. [...] Acolhemos o conceito formulado da disposição do art. 3º do CTN, que tem o notável mérito de, pela cláusula excludente das obrigações que configurem sanção de ato ilícito, evitar a abrangência também das multas, as quais, doutra forma, ver-se-iam nele compreendidas.
Assim, seguindo o entendimento dos últimos mestres, figura-se essencial analisar os elementos constitutivos do conceito legal de tributo. Machado (2010, p.62-67) pormenoriza cada um de seus elementos do seguinte modo:
a) Toda prestação pecuniária. Cuida-se de prestação tendente a assegurar ao Estado os meios financeiros de que necessita para a consecução de seus objetivos por isto que é de natureza pecuniária. [...]
b) Compulsória. [...] Embora todas as prestações jurídicas sejam, em princípio, obrigatórias, a compulsoriedade da prestação tributária caracteriza-se pela ausência do elemento vontade no suporte fático da incidência da norma de tributação. O dever de pagar tributo nasce independentemente da vontade. [...]
c) Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir. [...] O Direito brasileiro não admite a instituição de tributo em natureza, vale dizer, expresso em unidade de bens diversos do dinheiro, ou em unidades de serviços. Em outras palavras, nosso Direito desconhece os tributos in natura e in labore. [...]
d) Que não constitua sanção de ato ilícito. O tributo se distingue da penalidade exatamente porque esta tem como hipótese de incidência um ato ilícito, enquanto a hipótese de incidência do tributo é sempre algo lícito. [...]
e) Instituída em lei. Só a lei pode instituir o tributo. Isto decorre do princípio da legalidade, prevalente no Estado de Direito. [...]
f) Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. [...] a autoridade administrativa não pode preencher com seu juízo pessoal, subjetivo, o campo de indeterminação normativa, buscando realizar em cada caso a finalidade da lei. [...]
Na tarefa de esmiuçar o conceito contido no CTN, Borba (2002, p. 14-15) aponta as seguintes características do tributo, que o distinguem que qualquer outra receita estatal:
1) é um encargo financeiro de natureza pecuniária e compulsória, no qual o contribuinte é obrigado a entregar dinheiro, pecúnia, ao Estado;
2) o tributo deve ser pago em valor monetário direto (moeda, cheque ou vale postal), não podendo alguém liquidar uma dívida tributária mediante a utilização de efeitos patrimoniais ou simbólicos diversos, salvo se a lei tributária expressamente o autorizar;
3) o tributo não pode ser confundido com punição por comprometimento de ato ilícito. A sanção ou apenação por ato ilícito é representada pela penalidade pecuniária, que caracteriza uma outra modalidade de receita derivada estatal;
4) somente a lei pode instituir ou aumentar tributo, não podendo a administração fiscal fazer isso a seu critério; o princípio da legalidade é a primeira limitação constitucional à competência tributária;
5) a dívida constituída em relação aos tributos deverá ser cobrada por autoridade administrativa competente, que atuará atendendo ao que estabelece a legislação específica. O ato de cobrar tributos dos contribuintes não poderá ser discricionário, isto é, terá que ser vinculado à lei, nos limites da lei. Na atividade vinculada, a autoridade administrativa agirá exatamente como determina a norma legal;
6) tributo não se confunde com tarifa ou preço público, como é o caso de conta de luz residencial, conta de telefone, conta de gás, passagem de ônibus, metrô, barcas e outros preços públicos.
Conclui-se, pois, que tributo é toda obrigação em dinheiro, exigida compulsoriamente pelos entes políticos de quem revele capacidade contributiva, ou que possua relação direta ou indireta com a atividade estatal específica, com o objetivo de angariar recursos para o financiamento do Estado, ou atividades realizadas por este, ou por terceiros no interesse público.
Sobreleva notar que a relação tributária deve, ainda, obedecer aos denominados princípios constitucionais tributários, que ora passaremos a apreciar.
2.2 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
2.2.1 Princípio da Legalidade
O postulado da legalidade está prescrito no artigo 150, I, da Constituição Federal vigente, e o seu teor é o seguinte: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
Segundo Sabbag (2011, p.10):
É fato que o preceptivo em epígrafe é a franca especificação do indigitado art. 5º, II, da CF/88, permitindo-se a adoção do importante aforismo nullum tributum sine lege. Em outras palavras, o tributo depende de lei para ser instituído e para ser majorado. Se o tributo é veículo de invasão patrimonial, é prudente que isso ocorra segundo a vontade popular, cuja lapidação se dá no Poder Legislativo e em suas Casas Legislativas. Tal atrelamento, no trinômio “tributo-lei-povo” assegura ao particular um “escudo” protetor contra injunções estatais feitas por instrumento diverso de lei.
Corroborando tal entendimento, são elucidativas as lições de Carrazza (2001, p. 217):
No campo tributário, o princípio da legalidade trata de garantir essencialmente a exigência de auto-imposição, isto é, que sejam os próprios cidadãos, por meio de seus representantes, que determinem a repartição da carga tributária e, em consequência, os tributos que, de cada um deles, podem ser exigidos.
Assim, o patrimônio dos contribuintes só pode ser atingido nos casos e modos previstos na lei, que deve ser geral, abstrata, igual para todos (art. 5º e art. 150, II, ambos da CF) [...].
Tal lei deve conter todos os elementos e supostos da norma jurídica tributária (hipótese de incidência do tributo, seus sujeitos ativo e passivo e suas base de cálculo e alíquotas) [...].
Machado (2010, p. 292), por seu turno, recorda que o aludido princípio não é absoluto, cedendo a exceções de índole constitucional:
Só mediante lei são possíveis a criação e a majoração de tributo. Não mediante decreto, ou portaria, ou instrução normativa, ou qualquer ato normativo que não seja lei, em sentido próprio, estrito. Essa regra, porém, admite exceções no que se refere à majoração de certos tributos, que pode ocorrer dentro de limites fixados em lei, por ato do Poder Executivo. Tais exceções, importante esclarecer, são somente as previstas na própria Constituição Federal.
Com efeito, o §1º do art. 153 da Constituição Federal de 1988 faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos sobre:
- importação de produtos estrangeiros;
- exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
- produtos industrializados;
- operações de crédito, cambio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários.
Assim, a legalidade estrita configura-se um direito fundamental do contribuinte contra o Estado, revelando-se uma verdadeira garantia constitucional.
2.2.2 Princípio da Isonomia
Explicita o caput do art. 5° da Constituição que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. O princípio da isonomia, revelado no aludido postulado, abrange todos os ramos do Direito e especialmente em relação ao Direito Tributário encontra previsão no art. 150, II, da Magna Carta:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Sobre o referido princípio, assevera Cassone (1999, p. 103) que:
A semente do princípio da igualdade, que guarda coerência com o postulado da fraternidade, foi lançada por Aristóteles, cuja tradução milenar permanece até nossos dias: a lei deve tratar igualmente aos iguais e desigualmente os desiguais.
Por disposição constitucional, U-E-DF-M não podem instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Clarificando as noções do aludido princípio, partindo das ideias sustentadas na Oração dos Moços, de Rui Barbosa, de evidente influência das lições de Aristóteles, aduz Alexandre (2011, p. 123) que:
A isonomia possui, portanto, uma acepção horizontal e uma vertical.
A acepção horizontal refere-se às pessoas que estão niveladas (daí a nomenclatura), na mesma situação e que, portanto, devem ser tratadas da mesma forma.
Assim, os contribuintes com os mesmos rendimentos e mesmas despesas devem pagar o mesmo imposto de renda.
A acepção vertical refere-se às pessoas que se encontram em situações distintas e que, justamente por isso, devem ser tratadas de maneira diferenciada na medida em que se diferenciam.
Assim, a pessoa física que possui salário de quinhentos reais mensais está isenta do imposto sobre a renda; enquanto aquela cujos rendimentos são de cinco mil reais se sujeita a uma alíquota de 27,5% do mesmo imposto. [...]
[O Constituinte de 1988] tratou da isonomia no seu sentido horizontal, pois exigiu que se dispensasse tratamento igual aos que estão em situação equivalente, mas deixou implícita a necessidade de tratamento desigual aos que se encontram em situações relevantemente distintas (sentido vertical).
Registre-se que semelhantemente ao princípio da isonomia, há o postulado da capacidade contributiva, que se refere à aptidão do contribuinte para suportar e pagar o tributo. Acerca desse mandamento, manifesta-se Sabbag (2007, p. 36):
Esse subprincípio vem reforçar o Princípio da Isonomia Tributária. Apregoa a graduação de incidência quanto aos impostos pessoais no tocante à fixação de alíquotas diferenciadas, com o fito de promover a justiça fiscal. Traduz-se no brocardo “quanto mais se ganha, mais se paga”.
Desse modo, o legislador infraconstitucional possui limitação ao dispor sobre a matéria tributária, devendo primar pela elaboração de normas que busquem tratar os contribuintes sem esquecer da des(igualdade) de suas condições pessoais.
2.2.3 Princípio da Não-Surpresa
O denominado princípio da não-surpresa compreende os postulados da irretroatividade, da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal.
Sobre a irretroatividade da lei tributária, prevista no art. 150, III, a, da CF, Borba (2002, p. 74) dispõe o seguinte:
Por este princípio, a CF determina que todos os tributos sejam cobrados a partir da entrada em vigor da lei que os instituiu ou aumentou, isto é, dali para frente, não podendo incidir sobre fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da respectiva lei criadora. [...]
Não há exceção para esta limitação, admitindo-se a retroatividade da lei, somente em caso de interpretação de lei anterior ou quando, tratando-se de ato não definitivamente julgado, a nova legislação venha a beneficiar o sujeito passivo.
No que se refere à anterioridade anual, fundada no art. 150, III, b, da CF, Sabbag (2011, p. 100) leciona que:
O Princípio da Anterioridade Anual determina que os entes tributantes (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei majoradora ou instituidora do tributo.
Amaro (2002, p. 123) recorda, porém, que:
Alguns tributos escapam à aplicação do princípio da anterioridade. Trata-se de exceções que, por atenderem a certos objetivos extrafiscais (política monetária, política de comércio exterior) necessitam de maior flexibilidade e demandam rápidas alterações.
Dentre as exceções lembradas por Amaro, podem ser citados o imposto de importação, o imposto de exportação, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguro e operações de títulos e valores mobiliários, o empréstimo compulsório e as contribuições, excetuadas as de seguridade social (2002, 124).
Relativamente à anterioridade nonagesimal, prevista no art. 150, III, c, da CF, ressalta Alexandre (2011, p. 149) que “instituído ou majorado tributo, a respectiva cobrança só pode ser realizada após o transcorrer de no mínimo, noventa dias da data da publicação da lei instituidora/majoradora”.
Há, porém, exceções ao referido postulado. Depreende-se do art. 150, § 1º, da CF, que não se submetem à anterioridade nonagesimal os seguintes tributos: imposto sobre importação, imposto sobre exportação, imposto sobre renda, imposto sobre operações financeiras, imposto extraordinário de guerra, empréstimo compulsório para calamidade pública ou guerra externa e alterações na base de cálculo do IPTU e do IPVA.
Examinados os subprincípios derivados do princípio da não-surpresa, pode-se concluir que estes têm por escopo proteger o contribuinte contra a súbita mudança no regime tributário promovida pelo Estado.
2.2.4 Princípio do Não-Confisco
O princípio do não-confisco tem por base fundamental o direito constitucional de propriedade (art. 5º, XXII, da CF) e dispositivo explícito do sistema tributário nacional (art. 150, IV, da CF), sendo um limite máximo à tributação.
Sobre o referido princípio, assevera Amaro (2002, p. 142):
Não se quer, com a vedação do confisco, outorgar à propriedade uma proteção absoluta contra a incidência do tributo, o que anularia totalmente o poder de tributar. O que se objetiva é evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada. Vê-se, pois, que o princípio atua em conjunto com o da capacidade contributiva, que também visa a preservar a capacidade econômica do indivíduo.
Todavia, a Constituição não define o que seja confisco, cabendo, em última instância, ao Poder Judiciário estabelecer os contornos desta cláusula aberta a partir da proporcionalidade e da razoabilidade. Porém, pode-se adotar a definição de confisco como sendo a exigência tributária que inviabiliza a existência ou o desenvolvimento das pessoas jurídicas, ou que priva as pessoas físicas de suas necessidades básicas.
2.2.5 Princípio da Liberdade de Tráfego
Previsto no art. 150, V, da CF, o princípio da liberdade de tráfego proíbe os entes políticos tributantes de estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágios pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.
Explicitando esse princípio, Borba (2002, p. 78) afirma que:
Este princípio busca a defesa da unidade federativa, evitando que Estados e Municípios façam uso de tributos de suas competências na busca de privilégios para suas jurisdições. Este princípio leva em conta que o Brasil é uma federação e não uma confederação, que permitiria tais barreiras alfandegárias.
O aludido postulado, assim, corrobora a salvaguarda constitucional da liberdade de locomoção, devendo-se entender que o fato gerador de qualquer tributo deve ser distinto de transposição de Municípios e de transposição de Estados, sob pena de ser inconstitucional por prejudicar o tráfego de pessoas e bens no território nacional.
2.3 ESPÉCIES DE TRIBUTOS
Acerca das espécies de tributos são quatro as principais correntes doutrinárias: 1) dualista, bipartida ou bipartite (somente impostos e taxas), defendida por Geraldo Ataliba; 2) tripartida, tricotômica ou tripartite (impostos, taxas e contribuições de melhoria), capitaneada por Sacha Calmon e Paulo de Barros Carvalho; 3) quadripartida, tetrapartida ou tetrapartite (impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios), defendida por Ricardo Lobo Torres e Luciano Amaro; e 4) pentapartida, ou quinquipartida (impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios), que teve como precursor Aliomar Baleeiro (Sabbag, 2011, p. 396-399).
Pode-se dizer que prevalece na doutrina e na jurisprudência pátria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, a premissa de que o ordenamento jurídico brasileiro adota quanto às espécies de tributos a teoria pentapartida.
Elucida Sabbag (2011, p.396): “segundo entendimento doutrinário uníssono, defende-se que subsistem 5 (cinco) tributos no atual sistema tributário constitucional brasileiro, à luz da intitulada teoria pentapartida”. A aludida teoria baseia-se na distribuição de tributos em cinco autônomas exações: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Discorremos, a partir de então, acerca de cada uma dessas espécies tributárias.
2.3.1 Os Impostos
Os impostos são tributos não vinculados a qualquer contraprestação estatal específica, que tem a finalidade de custear serviços públicos gerais e universais (uti universi), não remunerados por taxas.
A vinculação da receita oriundos dos impostos a órgão, fundo ou despesa é proibida expressamente pela Constituição Federal (art. 167, IV). Portanto, além de serem tributos não-vinculados, os impostos são tributos de arrecadação não-vinculada.
A definição legal de imposto encontra-se prevista no art. 16 do Código Tributário Nacional: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.
Para Nogueira (1990, p. 162):
As duas características do imposto estão implícitas nessa definição, quais sejam, a de cobrança geral e a de não ser contraprestacional.
Com efeito.
O imposto é a viga mestra da arrecadação tributária, é um levantamento pecuniário junto aos particulares, baseado apenas em uma medida geral de capacidade econômica ou contributiva e em virtude da competência tributária.
Na mesma esteira são as lições de Carazza (2001, p. 440):
Imposto é uma modalidade de tributo que tem por hipótese de incidência um fato qualquer, não consistente numa atuação estatal. Não é por outra razão que Geraldo Ataliba chama o imposto de tributo não-vinculado. Não vinculado a quê? Não vinculado a uma atuação estatal. Os impostos são, pois, prestações pecuniárias desvinculadas de qualquer relação de troca ou utilidade.
Assim, pode-se concluir que os impostos são tributos que não possuem referibilidade, isto é, não são vinculados a uma atividade estatal, sendo que a sua lei instituidora deve levar em consideração fatos e situações vinculados ao contribuinte, estranhos a qualquer atuação do Estado direcionada especificadamente ao próprio contribuinte. Desse modo, não é facultado deixar de pagar imposto, sob o argumento fático de que o Estado não está prestando serviço à população.
2.3.2 As Taxas
As taxas, com definição no art. 77 do CTN, são tributos que podem ser cobrados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, tendo por fundamento (fato gerador) o exercício regular do poder de polícia ou a prestação, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.
Registre-se que a competência para a criação da taxa guarda estreita referência com a atribuição de prestar o serviço público ou exercer o poder de polícia. Desse modo, cabe ao ente responsável pela prestação do serviço ou pelo exercício de poder de polícia a cobrança da taxa respectiva.
Conforme explana Machado (2010, p. 447):
O essencial, na taxa, é a referibilidade da atividade estatal ao obrigado. A atuação estatal que constitui fato gerador da taxa há de ser relativa ao sujeito passivo desta, e não à coletividade em geral. Por isto mesmo, o serviço público cuja prestação enseja a cobrança da taxa há de ser específico e divisível, posto que somente assim será possível verificar-se uma relação entre esses serviços e o obrigado ao pagamento da taxa. Não é necessário, porém, que a atividade estatal seja vantajosa, ou resulte em proveito do obrigado.
Assim, diversamente dos impostos, as taxas são tributos vinculados a uma atuação estatal, ou seja, trata-se de tributos contraprestacionais. A hipótese de incidência da taxa indica que esta deve ser exigida em contraprestação ao exercício de uma atividade por parte do Estado referida ao contribuinte, concernente ao exercício do poder de polícia ou à prestação – efetiva ou potencial – de serviços públicos específicos e divisíveis.
Segundo Alexandre (2011, p. 62-63):
São dois, portanto, os “fatos do Estado” que podem ensejar a cobrança de taxas: a) exercício regular do poder de polícia, que legitima a cobrança da taxa de polícia; e b) a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição, que possibilita a cobrança de taxa de serviço. [...]
Vê-se, portanto, existirem dois tipos diversos de taxas: taxa de polícia e taxa de serviço público. A primeira objetiva cobrir os custos administrativos com o exercício do poder de polícia diretamente referido a certas pessoas que o provocam, ou o exigem, em razão de sua atividade. A segunda decorre da utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.
Acerca da especificidade e divisibilidade da taxa de serviços, esclarece Carazza (2001, p. 449):
Os serviços públicos específicos, também chamados singulares, são os prestados uti singuli. Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, pelo menos, determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada.
Por fim, importante destacar que a utilização do serviço público pelo administrado pode, nos termos da lei, ser compulsória ou facultativa. E, segundo Carazza (2001, p. 453), “apenas a disponibilidade dos serviços públicos de utilização compulsória autoriza o legislador da pessoa política competente a exigir a taxa de serviço fruível”.
2.3.3 Contribuições de Melhoria
A contribuição de melhoria, com previsão no art. 145, III, da CF, é caracterizada por ser um tributo cobrado em decorrência da valorização de imóvel (fato gerador) particular em virtude de uma obra pública. Tem fundamento ético-jurídico no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. Ela é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
Em sua obra, Borba (2002, p. 24) nos revela a origem do referido tributo:
Este tributo teve origem na Inglaterra, com o nome de “betterment tax”. À medida que o governo londrino ia fazendo obras públicas que valorizavam os imóveis, os proprietários não construíam nada e esperavam por esta valorização, obtendo ganhos com a especulação imobiliária e atravancando o crescimento da cidade.
O governo, então, considerando que o dinheiro que fez a obra pública foi de toda a população e não somente de quem teve os seus imóveis valorizados, resolveu tirar destes proprietários uma parte deste ganho ou mesmo todo ele, devolvendo à população, transformando-o em receita pública.
Amaro (2002, p. 48), por sua vez, explicita a necessidade de que da obra decorra efetiva valorização imobiliária, a permitir a cobrança do tributo:
A contribuição de melhoria se liga a uma atuação estatal que por reflexo se relaciona com o indivíduo (valorização de sua propriedade). Esse reflexo é eventual, já que da obra nem sempre resulta aquela valorização; por vezes ocorre o contrário: a obra desvaloriza o imóvel, ensejando pedido de reparação do indivíduo contra o Estado, com o mesmo fundamento lógico que embasa a contribuição de melhoria: se a coletividade não deve financiar a obra que enriquece um grupo de indivíduos, também não pode empobrecer esse grupo, para financiar uma obra que interessa à coletividade.
Assim, as contribuições de melhoria estão vinculadas a uma atuação estatal, referida ao contribuinte, que é a realização de obra pública que motive a valorização do imóvel, tratando-se de tributo vinculado.
2.3.4 Empréstimo Compulsório
O empréstimo compulsório é um tributo restituível e vinculado a atender despesas extraordinárias (guerra ou sua iminência, calamidade, investimentos públicos urgentes e relevantes). Cuida-se, pois, de tributo de arrecadação vinculada, cuja competência é exclusiva da União, que apenas pode institui-lo mediante Lei Complementar.
Acerca do aludido tributo, esclarece Cassone (1999, p. 94):
Empréstimo compulsório nada mais é do que um “empréstimo” (conceito do Código Civil) que deve ser feito obrigatoriamente pelos contribuintes eleitos pela norma impositiva.
Com efeito, empréstimo, por definição, é um contrato, que, para ser celebrado, depende na vontade das partes contratantes.
Já o empréstimo compulsório pressupõe a exclusão de vontade, pois a compulsoriedade contém em sua estrutura intrínseca e extrínseca a ideia de força, coatividade, ou seja, prestação pecuniária a que se refere o art. 3º do CTN, representando verdadeiro tributo restituível.
É importante registrar que embora a maioria dos tributaristas afirme ser o empréstimo compulsório uma espécie tributária, Machado (2010, p. 72) possui entendimento diverso:
Em face da Constituição Federal de 1988 temos, finalmente, os empréstimos compulsórios submetidos a regime jurídico próprio, diverso do regime jurídico dos tributos. E com isto temos garantias constitucionais contra a instituição arbitrárias desses empréstimos, que estão submetidos a regime jurídico específico, mais rigoroso que o regime jurídico dos tributos Indiscutível caráter extraordinário.
A posição do respeitado mestre, todavia, não prevalece. Como a definição de tributo, inserta no art. 3º do CTN, não contempla nenhum requisito relativo à definitividade do ingresso da receita tributária nos cofres públicos, o fato de o empréstimo compulsório ser restituível não retira a sua qualidade de tributo. Ademais, o STF considera o empréstimo compulsório como tributo (RE 146.733-9/SP).
2.3.5 Contribuições Especiais
As contribuições especiais, com fundamente no art. 149, da CF, são tributos cujo produto da arrecadação tem destinação específica.
Ao discorrer sobre as subespécies de contribuições especiais, Alexandre (2011, p. 83) aduz que:
Percebe-se que o legislador constituinte previu a possibilidade de a União instituir três espécies de contribuições, quais sejam: a) as contribuições sociais; b) as contribuições de intervenção no domínio econômica (CIDE); e as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas (corporativas).
As contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, assim como as contribuições de seguridade social, detêm cristalina função parafiscal. Possuem por finalidade suprir de recursos financeiros entidades do Poder Público com atribuições específicas, desvinculadas do Tesouro Nacional, no sentido de que dispõem de orçamento próprio.
Explicitando cada uma das subespécies das contribuições especiais, primorosa é a lição de Machado (2010, p. 71):
As contribuições de intervenção no domínio econômico caracterizam-se pela finalidade interventiva. A própria contribuição, em si mesma, há de ser um instrumento de intervenção, vale dizer, há de ter função tipicamente extrafiscal, função de intervenção no domínio econômico, e os recursos com a mesma arrecadados devem ser destinados especificamente ao financiamento da atividade interventiva. [...]
As contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, que poderíamos denominar, simplesmente, contribuições profissionais, caracterizam-se por serem instituídas em favor de categorias profissionais ou econômicas, vale dizer, por sua vinculação a entidades representativas desses segmentos sociais.
As contribuições de seguridade social caracterizam também pela vinculação à finalidade dos recursos que geram. Por isto mesmo integram a receita da entidade paraestatal responsável pelas ações relativas à seguridade social.
Em suma, pode-se dizer que as contribuições especiais são tributos com características semelhantes aos impostos, diferenciando-se destes por possuírem finalidades específicas.