7 O direito ao trabalho e a dignidade da pessoa humana frente ao caso concreto
O Direito do Trabalho surgiu com o objetivo de nivelar as desigualdades existentes no labor, melhorar a condição social do trabalhador, bem como consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana. Atualmente vem crescendo a valorização deste princípio (protetor do Direito do Trabalho) como medida de efetividade da proteção dos direitos fundamentais. Para que ocorra referida efetividade, necessário se faz assegurar um mínimo de direitos ao trabalhador.
A Constituição Federal prevê em seu artigo 1º, incisos III e IV, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como fundamentos do Estado Democrático de Direito. Assim, pode-se dizer que a preservação dos valores sociais do trabalho é uma maneira de se garantir a dignidade humana daquele que presta seu serviço de forma pessoal, qual seja o trabalhador, com vistas à efetiva justiça social.
[...] A aplicação dos direitos fundamentais no âmbito da relação de emprego não concerne a indivíduos abstratos, mas a pessoas, isto é, a seres humanos em situação determinada pelo meio social em que vivem. Ela só se justifica quando considera os seres concretos, vale dizer, as pessoas encaradas em sua diversidade e levando em conta suas peculiaridades e sua particularidade. A fórmula que preside à aplicação dos direitos fundamentais é a que eles concernem ao ‘homem situado’. A pessoa em causa deve ser considerada em sua integralidade, não somente do ponto de vista profissional, mas também em sua vida privada (ROMITA, 2005, p. 195).
Veja-se, a partir dos casos a seguir, como o conceito de dignidade humana pode conter variadas determinações.
7.1 O arremesso de anões
O caso do arremesso de anões é bastante conhecido, consistindo em suma no fato de que: “Uma empresa do ramo de entretenimento para juventude decidiu lançar nas discotecas em cidades da região metropolitana de Paris e do interior da França[...]” (BERTI, 2007, p. 1), uma competição para ver quem arremessa anões a uma maior distância. Aquele que conseguir arremessar o anão, que veste roupas de proteção, o mais distante possível em um tapete acolchoado, recebe o prêmio. Os anões se inscrevem voluntariamente recebendo em troca, uma importância em dinheiro.
Na referida cidade (Morsang-sur-Orge) do interior francês, o poder executivo municipal, fazendo uso do seu poder de polícia, interditou o evento:
“[...] fazendo valer sua condição legal, de guardião da ordem pública na órbita municipal. Do ponto vista legal, o ato de interdição teve por fundamento o Código dos Municípios. Por outro lado, a decisão administrativa do Prefeito se inspirou em uma norma de cunho supranacional, o art. 3º da Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais” (BERTI, 2007, p. 1).
Um anão proibido de ser arremessado, em litisconsórcio com a casa noturna, recorreu da decisão ao Tribunal Administrativo de Versailles que anulou o ato do Prefeito, sob a alegação que:
[...] a proibição baixada era ilegal, pois violava a sua liberdade de iniciativa. Por conta de sua baixa estatura, argumentou o anão, estava difícil conseguir um emprego na cidade. Dessa forma, ser lançado de um lado para outro na boate era o único emprego que ele havia obtido. E agora o Estado estava lhe retirando o seu próprio sustento (SOUZA, 2010, p. 8).
Referido caso acabou sendo submetido ao Conselho de Estado Francês, considerado o alto grau da jurisdição francesa, que acabou por anular a decisão do Tribunal Administrativo, por entender que a dignidade do anão estava acima da sua autonomia da vontade, ou seja, o arremesso de anão atentava contra a dignidade da pessoa humana.
Na decisão de 27.10.1995, o Conselho de Estado francês pela primeira vez reconheceu a dignidade da pessoa humana como elemento integrante da “ordem pública” e, consequentemente, declarou ser a prática do lançamento de anão uma atividade que atenta contra a dignidade da pessoa, não podendo, mesmo voluntariamente, ser exercida pela mesma (SOUZA, 2010, p. 8).
A atividade, segundo Leandro José Silva, “pode ser considerada um esporte ou um trabalho, ou ainda uma simples brincadeira, dependendo da óptica do observador, uma vez que a ausência de regulamentação impede a sua devida classificação.” (SILVA, 2010, p. 204).
Há quem defenda a prática de tal “esporte” sob argumento de que o anão é livre para escolher a profissão, ofício ou trabalho e que ofender a dignidade da pessoa humana seria deixar o anão em casa sem emprego e passando fome em vez de ganhar dinheiro sendo arremessado. Argumentam, ainda, que a insegurança “[...] não pode ser alegada como motivo de proibição da atividade, uma vez que outros esportes também oferecem risco aos participantes [...]” (SILVA, 2010, p. 205).
7.2 O mestre-cervejeiro
Caso ocorrido no Brasil foi o do mestre-cervejeiro da Companhia Cervejaria Brahma. O trabalho do mestre-cervejeiro é assinar as fórmulas dos tipos de cerveja ou chope, selecionar a matéria prima e acompanhar passo a passo o processo de fabricação da bebida, garantindo a qualidade da mesma.
De acordo com informações colhidas no julgamento do caso abaixo descrito, no ano de 1999, o mestre-cervejeiro da Brahma moveu contra a mesma ação indenizatória por danos materiais e morais decorrentes da incapacidade para o trabalho por alcoolismo adquirido durante o longo tempo em que exerceu a função de mestre cervejeiro, que lhe exigia ingerir diariamente considerável quantidade de álcool. Aduziu, ainda, que nunca foi alertado dos riscos a que estaria sujeito pelo exercício da profissão.
Em primeira instância o Juiz julgou improcedente ao argumento de que não restou provada a culpa da empresa, sendo tal decisão apelada pelo autor que deu provimento ao pedido do mesmo.
Em recurso especial, a empresa alegou que:
[...] o v. acórdão recorrido teria sido omisso quanto à alegação de incompetência da Justiça Comum para apreciar causa que a CR atribui à Justiça do Trabalho, tema que foi suscitado nos embargos declaratórios. Afirma que a eg. Câmara "julgou a demanda em distonia com a causa de pedir inicialmente apresentada". Alega, ainda, ofensa a dispositivos legais por erro na valoração da prova (arts. 126 e 127 do CPC); na definição do alcoolismo como doença profissional, em descompasso com o art. 20 da Lei 8213/91; na estipulação do valor da indenização do dano moral, desconhecendo as regras das leis sobre telecomunicações e imprensa, divergindo de inúmeros precedentes, e, por fim, na distribuição dos ônus da sucumbência (STJ, 2000, p. 168).
O Superior Tribunal de Justiça deu ganho de causa ao mestre-cervejeiro conforme o acórdão abaixo:
Culpa da empresa de cervejas, que submeteu o seu mestre-cervejeiro a condições de trabalho que o levaram ao alcoolismo, sem adotar qualquer providência recomendável para evitar o dano à pessoa e a incapacidade funcional ao empregado (BRASIL, 2000, p. 168).
7.3 O peep-show
Os peep-shows são cabines onde belas mulheres ficam sob a proteção de uma grossa e transparente vidraça e ali tiram a roupa e se insinuam de acordo com o gosto do cliente.
[...] A Corte Constitucional alemã entendeu que o peep-show violaria a dignidade da pessoa humana e, portanto, deveria ser proibido. Na argumentação, o TCF decidiu que “a simples exibição do corpo feminino não viola a dignidade humana; assim, pelo menos em relação à dignidade da pessoa humana, não existe qualquer objeção contra as performances de strip-tease de um modo geral”. Já os peep-show– argumentaram os velhinhos do Tribunal – são bastante diferentes das performances de strip-tease. No strip-tease, existe uma performance artística. Já em um peep-show a mulher é colocada em uma posição degradante. Ela é tratada como um objeto para estímulo do interesse sexual dos expectadores (MARMELSTEIN, 2008, p. 2).
No Brasil, pode-se comparar as mulheres que se expõem em um peep-show às profissionais do sexo, pois ambas são vislumbradas como objeto, levantando igualmente a discussão acerca da violação ou não da dignidade humana em decorrência da liberdade de profissão.
8 Considerações finais
Diante da diversidade de valores existentes na sociedade não é possível tecer de forma genérica e abstrata a definição do que seja dignidade da pessoa humana, já que referido termo possui conceito amplo, abstrato, indeterminado e, portanto, mutável.
Pode-se dizer, pelo grau de generalidade do princípio da dignidade da pessoa humana, que ele pode até abarcar variadas definições, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Mesmo sendo um princípio fundamental e estruturante, deve-se efetuar uma ponderação caso a caso, sob o risco de ter sua força normativa banalizada.
O princípio da dignidade da pessoa humana estabelece limites à ação do Estado e protege a liberdade humana contra eventuais violações, exatamente para que a pessoa (sujeito de direito) não seja objeto de injustiças.
Em virtude da opressão e degradação sofridas pelos trabalhadores, os direitos fundamentais de liberdade e igualdade conquistados pelos próprios constituem exigência para a concretização da dignidade da pessoa humana, mesmo que, ainda hoje, em grande parte dos Estados essa situação indigna não tenha sido superada.
Prepondera respeitar, proteger e promover a igual dignidade de todas as pessoas, o que será conquistado, unicamente, quando do exame de situações concretas, as quais oferecerão os elementos para uma solução constitucionalmente adequada.
Enfim, pode-se afirmar que em havendo respeito ao ser humano, assegurando-se condições mínimas para a sua existência, com ênfase na tutela e efetividade dos direitos fundamentais de liberdade e igualdade, pode-se falar em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
9 Referências
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SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. Direito das Pessoas e dos Bens. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2010.
Abstract: The intention with this article, analyzing the relationship between human dignity and the right to freedom of occupation. More precisely, the comparison often exists between an individual the right to work and earn a living even though their work will tackle, apparently, the concept of human dignity.
Keywords: Human dignity. Freedom of profession. State.