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Assédio moral organizacional

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20/07/2013 às 17:25

Resumo:


  • O assédio moral organizacional é uma prática insidiosa nas empresas, que visa aumentar a produtividade e reduzir custos, mas viola a dignidade humana e pode causar sérios danos físicos e psicológicos aos trabalhadores.

  • É uma violência velada, muitas vezes incentivada ou tolerada pela administração das empresas, e pode ser difícil de provar sem a cooperação de outros empregados.

  • Para combater o assédio moral, é essencial difundir informações sobre sua manifestação e encorajar a denúncia, além de o Poder Judiciário atuar com rigor, impondo punições exemplares às empresas que perpetuam essa prática.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O assédio moral organizacional é uma violência infligida aos empregados de uma organização e se não for coibida pode levar um indivíduo a desenvolver graves doenças físicas e psíquicas. Ao ser constantemente humilhado e denegrido no dia a dia de trabalho, o empregado sente-se cada vez mais diminuído, inútil, desamparado.

“Uma palavra contundente é algo que pode matar ou humilhar, sem que se sujem as mãos.”

Pierre Desproges

Resumo: O presente artigo traz como ideia precípua introduzir a discussão sobre o assédio moral organizacional nos dias atuais. Apresentar seu conceito, as formas de assédio que podem acontecer dentro das empresas, os danos causados aos trabalhadores e principalmente como o Poder Judiciário pode atuar para combater esta prática insidiosa. O assédio moral organizacional está cada vez mais frequente dentro das organizações, em virtude da busca desenfreada pelo aumento de produção e redução de custos. As empresas pressionam além do limite seus empregados, submetendo-lhes a tratamentos humilhantes e degradantes em nome do bom desempenho, infringindo a garantia primordial do ser humano, que é sua dignidade. Ainda se trata de uma violência velada, difícil de ser provada sem a cooperação de outros empregados e que pode levar um indivíduo a desenvolver doenças físicas e mentais. É necessário difundir informações sobre o assédio moral organizacional para que as pessoas entendam a sua manifestação e denunciem a sua prática. Da mesma forma, os casos que chegam ao conhecimento do Poder Judiciário devem ser tratados com o devido rigor e atenção, com punições exemplares as empresas que fecham os olhos para a problemática.

Palavras-chave: assédio moral organizacional –dignidade – violência.

Sumário: Introdução – 1. O trabalho e a dignidade da pessoa humana–2. Conceito de assédio moral –3. Assédio moral organizacional e suas espécies – 4. Consequências do assédio moral na saúde do trabalhador– 5. Jurisprudência – o dano moral como forma de coibir a prática do assédio moral –6. Considerações finais – Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O assédio moral organizacional, que é aquele praticado dentro das empresas. O tema assédio moral tem recebido maior atenção nos últimos anos, principalmente pelo Poder Judiciário, que reconheceu os danos causados pela sua prática nos indivíduos e tem como objetivo coibir tais manifestações.

Conforme Mônica ChiapettiFalkenbach (2007), o assédio moral nas relações de trabalho é um dos problemas mais sérios enfrentados pela sociedade atual, sendo resultado de um conjunto de fatores, tais como a globalização econômica predatória, tendo como objetivo somente a produção e o lucro, e a atual organização do trabalho, marcada pela competitividade agressiva e pela opressão dos trabalhadores através do medo e da ameaça. O constante clima de terror psicológico no ambiente de trabalho gera, na vítima assediada moralmente, um sofrimento capaz de atingir diretamente sua saúde física e psicológica, território propício à predisposição ao desenvolvimento de doenças crônicas. Marie-France Hirigoyen(2011, p. 65) descreve claramente o assédio moral como sendo:

[...] por assédio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-sesobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

Trata-se da espécie vertical de assédio moral, que se caracteriza por relações autoritárias e aéticas, onde predomina os desmandos, a manipulação do medo, a competitividade, os programas de qualidade total associado à produtividade. Exige-se dos empregados maior escolaridade, competência, eficiência, espírito competitivo, criatividade, qualificação, responsabilidade pela manutenção do seu próprio emprego (empregabilidade) visando produzir mais a baixo custo. Desta forma, os fins acabam justificando os meios.

De acordo com o Desembargador Cláudio Brandão, do Tribunal Regional do Trabalho da 5º Região, no recurso ordinário n. 00730-2007-463-05-00-3, o assédio moral organizacional caracteriza-se pelo emprego de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercida de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação, constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio de ofensas a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos, os quais podem ser objeto de reparação em virtude da responsabilidade social atribuída às empresas, a partir da função social ostentada no artigo 170 da Constituição.A desumanização das relações de trabalho está impregnada dos valores organizacionais brasileiros.

Com o tempo essas práticas abusivas que causam humilhações ao indivíduo podem desencadear graves problemas psicológicos, morais e até físicos, com o desenvolvimento de doenças, como a depressão. Utilizando a expressão do autor Leymann Heinz (1996), trata-se de um verdadeiro psicoterror.

Conforme nos ensina Marie-France Hirigoyen(2011), o assédio nasce como algo inofensivo e propaga-se insidiosamente. Em um primeiro momento, as pessoas envolvidas não querem se mostrar ofendidas e levam na brincadeira desavenças e maus-tratos. Em seguida,esses ataques vão se multiplicando e a vítima é seguidamente acuada, posta em situação de inferioridade, submetida a manobras hostis e degradantes durante um período maior. Assevera Marie-France Hirigoyen (2011, p. 66) que “Não se morre diretamente de todas essas agressões, mas perde-se uma parte de si mesmo. Volta-se para a casa, a cada noite, exausto, humilhado, deprimido. E é difícil recuperar-se”.

Como se observa, o assédio moral organizacional praticado pelas empresas a fim de buscar cada vez mais lucro em detrimento do bem estar de seus empregados, a longo prazo, traz consequências nefastas para o indivíduo, capaz de desenvolver verdadeira aversão ao trabalho pelas práticas reiteradas de situações vexatórias e degradantes. É imperativo que se discuta cada vez mais o tema para que seja possível coibir a sua prática. Os empregados das empresas devem ser capazes de reconhecer o assédio moral organizacional e buscar auxílio para fazer cessar os abusos. Daí a importância do Poder Judiciário estar preparado para lidar com o tema e punir de forma exemplar as empresas que insistem nessas práticas, espalhando o psicoterror entre os seus funcionários.

A prática do assédio moral é destrutiva. Em um curto prazo é difícil perceber os efeitos, mas em longo prazo as consequências são visíveis, provocando a baixa estima dos empregados, pânico de ir trabalhar e desencadeando quadros graves de depressão, tendo em vista as constantes humilhações a que são expostos.

Numa tentativa de aumentar a produção e os lucros, as empresas acabam adotando meios insidiosos para fazer com que seus empregados tragam mais resultados, aumentando a competitividade interna, porque ninguém quer ser o último da lista e ser humilhado na frente dos colegas. Práticas como fixar lista dos piores empregados nas paredes, utilizar algum objeto na mesa ou crachá que identifique a pessoa como sendo a pior de determinado período e até agressões verbais pelos superiores que atingem diretamente a moral.

Desta forma torna-se imperiosa a atuação do judiciário para coibir as práticas abusivas dentro das empresas, evitando que o problema do assédio moral fuja do controle, atingindo cada vez mais indivíduos.


1. O TRABALHO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O trabalho para a sociedade e o indivíduo em si é de extrema importância, pois é através dele que o homem evolui. Como já se sabe, o trabalho dignifica o homem e é através dele que se conseguem os bens materiais indispensáveis à sobrevivência, representando uma necessidade vital e algo indispensável para a realização pessoal e valorização no seio da família e da sociedade.

A própria Carta Magna erigiu o trabalho como princípio fundamental indispensável ao Estado Democrático de Direito em que vivemos, em seu artigo 1, IV. Ademais, o trabalho também é um direito social previsto na Constituição em seu artigo 6 ao qual todos devem ter acesso. Conforme os ensinamentos da doutrinadora Maria Aparecida Alkimin (2009), o trabalho humano produtivo, e de acordo com a ideologia capitalista, é essencial para o desenvolvimento econômico, político e social de uma Nação, pois somente através da produção, distribuição e circulação de bens e serviços é que se atinge o progresso e as exigências do mundo globalizado.

E para garantir esse trabalho todos os indivíduos têm direito a um ambiente saudável para desempenharem as suas funções. É necessário que haja um equilíbrio dentro do local de trabalho, respeito entre as pessoas, boa comunicação, para garantir uma boa produtividade e a integridade física e psíquica dos empregados. Um ambiente de trabalho equilibrado também é uma garantia prevista em nossa Constituição, em seu artigo 225, e todos são igualmente responsáveis em zelar por este equilíbrio.

Entretanto, neste mundo globalizado e capitalista em que vivemos, em que se exige cada vez mais das pessoas para alcançar metas e aumentar lucros, as empresas deixam de enxergar os seus empregados como seres humanos, impondo objetivos inalcançáveis, deixando de investir em gestão de pessoas, pressionando ao extremo os indivíduos, tornando o ambiente de trabalho extremamente pesado e insalubre. Neste ambiente surgem os desentendimentos, as fofocas, o stress. Começam a surgir as agressões psicológicas, que se não forem combatidas podem causar danos irreparáveis, tanto físicos quanto mentais.

O assédio moral é um fenômeno social que pode ser observado em qualquer tipo de relacionamento e hodiernamente tem se intensificado dentro das empresas. À luz dos ensinamentos de Maria Aparecida Alkimin (2009, p. 37):

[...] essa agressão psicológica ou sofrimento invisível imposto ao trabalhador [...] é um assunto que se universalizou no mundo pós-moderno, onde se conquistou a liberdade individual e de trabalho e demais direitos inerentes à dignidade humana. Todavia, por meio da implantação de novas ideologias de produção e organização do trabalho, voltadas para a produtividade e competitividade, exigindo do trabalhador empenho, dedicação, capacitação e, ao mesmo tempo, gerando um clima de insegurança quanto àmanutenção do emprego e medidas de flexibilização, além de propiciar a gestão sob pressão para se atingir a todo custo a lucratividade e qualidade, leva à degradação do ambiente de trabalho e cria um ambiente propenso à violência moral.

No mesmo sentido nos ensina a autora Marie-France Hirigoyen (2011, p. 9):

Ao longo da vida há encontros estimulantes, que nos incitam a dar o melhor de nós mesmos, mas há igualmente encontros que nos minam e podem terminar nos aniquilando. Um indivíduo pode conseguir destruir outro por um processo de contínuo e atormentante assédio moral. Pode mesmo acontecer que o ardor furioso desta luta acabe em verdadeiro assassinato psíquico. Todos nós já fomos testemunhas de ataques perversos em um nível ou outro, seja entre um casal, dentro das famílias, dentro das empresas, ou mesmo na vida política e social. No entanto, nossa sociedade mostra-se cega diante dessa forma de violência indireta. A pretexto de tolerância, tornamo-nos complacentes.

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Ainda conforme Marie-France Hirigoyen (2011), uma pessoa que tenha sofrido uma agressão psíquica como a do assédio moral é realmente uma vítima, pois seu psiquismo é alterado de maneira mais ou menos duradoura.

Como se pode observar o assédio moral é um grande problema, principalmente dentro das empresas, uma vez que as pessoas passam grande parte de seu tempo junto com os colegas de trabalho. Consoante Maria Aparecida Alkimin (2009), essa prática do assédio contamina todo o ambiente de trabalho, violando a garantia constitucional de um meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado, além de agredir a dignidade da pessoa humana do trabalhador, atingindo seus atributos pessoais, tais como, imagem, saúde, liberdade, intimidade, honra e boa fama, ingressando na seara do dano moral. O assédio moral viola direitos e garantias fundamentais, tutelados pelo ordenamento jurídico constitucional.


2. CONCEITO DE ASSÉDIO MORAL

Atualmente não temos nenhuma lei no ordenamento jurídico sobre o assédio moral, que lhe dê alguma definição ou alguma previsão de sanção. É a doutrina e a jurisprudência que trataram de conceituar o assunto, levando em consideração outras áreas além do Direito, como a psicologia, psiquiatria e medicina do trabalho.

Prelaciona Maria Aparecida Alkimin (2009) que se buscou inicialmente a conceituação do assédio moral na área da psicologia, porque o fenômeno foi precedentemente estudado pela psicologia do trabalho. A autora Marie-France (2011) destaca que esse fenômeno do assédio moral foi estudado principalmente nos países anglo-saxões e nos países nórdicos, sendo qualificado de mobbing, termo derivado de mob (horda, bando, plebe), que implica a ideia de algo importuno.

A psiquiatra Marie-France Hirigoyen (2002, p. 17) conceitua o assédio moral como sendo:

[...] qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

Portanto, assédio moral, conforme Maria Aparecida Alkimin (2009, p. 38):

[...] também conhecido como terrorismo psicológico ou psicoterror, é uma forma de violência psíquica praticada no local de trabalho, e que consiste na prática de atos, gestos, palavras e comportamentos vexatórios, humilhantes, degradantes e constrangedores, de forma sistemática e prolongada, cuja prática assediante pode ter como sujeito ativo o empregador ou superior hierárquico (assédio vertical), um colega de serviço (assédio horizontal), ou um subordinado (assédio ascendente), com clara intenção discriminatória e perseguidora, visando eliminar a vítima da organização do trabalho.

A palavra assédio, seguindo os ensinamentos de Maria Aparecida Alkimin (2009), deriva do verbo assediar que significa “perseguir com insistência, importunar, molestar, com pretensões insistentes”, ao passo que a expressão moral pode ser compreendida em seu aspecto filosófico, referindo-se ao agir ético, ou seja, de acordo com as regras morais ou normais escritas que regulam a conduta na sociedade, o ser e o dever ser, visando praticar o bem e evitar o mal para o próximo.

No tocante a expressão moral, assevera Marie-France (2002, p. 15 -16):

A escolha do termo moral implicou uma tomada de posição. Trata-se efetivamente de bem e de mal, do que se faz e do que não se faz, e do que é considerado aceitável ou não em nossa sociedade. Não é possível estudar esse fenômeno sem levar em conta a perspectiva ética ou moral, portanto, o que sobra para as vítimas do assédio moral é o sentimento de terem sido maltratadas, desprezadas, humilhadas, rejeitadas [...]

Para Maria Aparecida Alkimin (2009), considerando a organização de trabalho, o assédio moral agrega dois elementos, ou seja, o abuso de poder e a manipulação perversa, sendo que se instala no ambiente de trabalho de forma gradativa. Normalmente é precedido de um conflito direcionado, que se manifesta por erros e abusos na administração de pessoal ou nas relações interpessoais, e a evolução desse conflito gera o assédio moral, que, de início, manifesta alguns efeitos psicossomáticos (cansaço, fadiga, desinteresse) com consequente queda na produtividade e absenteísmo, sendo certo que tende a agravar a saúde psicofísica da vítima e excluí-la do ambiente de trabalho.

A prática do assédio moral através de comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos, degrada o ambiente de trabalho e desestabiliza a vítima, gerando desgaste emocional que evolui para causar prejuízo à saúde mental e física do trabalhador, marginalizando-o progressivamente, do processo produtivo e da organização do trabalho.

Conforme a psiquiatra Marie-France (2011) pequenos atos perversos são tão corriqueiros que parecem normais. Começam com uma simples falta de respeito, uma mentira ou uma manipulação. Não se acha isso tão insuportável, a menos que se seja diretamente atingido. Se o grupo social em que tais condutas aparecem não se manifesta, elas se transformam progressivamente em condutas perversas ostensivas, que tem consequências graves sobre a saúde psicológica das vítimas. Não tendo certeza de serem compreendidas, as vítimas se calam e sofrem em silêncio. Destaca Marie-France (2011, p. 66):

Um comentário ferino em um momento de irritação ou mau humor não é significativo, sobretudo se vier acompanhado de um pedido de desculpas. É a repetição dos vexames, das humilhações, sem qualquer esforço no sentido de abrandá-las, que torna o fenômeno destruidor.

Percebe-se novamente que o assédio moral ofende a dignidade do indivíduo, agredindo seus direitos de personalidade, afastando a vítima do emprego, o que pode causar um grave problema social gerado pelo desemprego forçado. Trata-se de uma conduta contrária à moral e ao próprio ordenamento jurídico constitucional, que defende e protege a dignidade humana e os direitos de personalidade, bem como contrária as normas celetistas, haja vista que se consubstancia em grave violação contratual, passível de gerar a demissão por justa causa (art. 482, CLT) ou rescisão indireta (art. 483, CLT).


3. ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL E SUAS ESPÉCIES

À luz dos ensinamentos de Maria Aparecida Alkimin (2009), a organização do trabalho, no final do século XX e início do século XXI, sofreu grandes mudanças em decorrência da eclosão da revolução tecnológica, marcada pela introdução da robótica e expansão da informatização e telemática. Tal fato implicou na busca de maior produtividade com menor emprego da força de trabalho humano, gerando o desemprego estrutural e ampliando o trabalho informal, além de forçar a flexibilização das condições de trabalho para ajustamento à nova realidade econômica e às exigências da nova organização de trabalho.

Ao longo dos anos, conforme Maria Aparecida Alkimin (2009), a globalização fortaleceu a política neoliberal, e os adeptos do Estado Liberal passaram a criticar o Estado Social sob o argumento de que a intervenção na relação capital-trabalho impede a integração do mercado globalizado. Além disso, é responsável pelo desemprego e subemprego, pregando a necessidade de privatização para haver corte nos gastos públicos, quebra das barreiras alfandegárias para permitir a livre circulação de bens e serviços, além do Estado mínimo nas relações de trabalho, a fim de permitir que as partes flexibilizem condições de trabalho de acordo com as leis de mercado, visando adaptar as condições de trabalho às necessidades empresárias, para permitir a operabilidade das empresas e manutenção do emprego formal. Assevera Alkimin (2009, p. 70) que:

O sistema neoliberal de implantação da reestruturação produtiva, privatização acelerada, estado mínimo, etc., também impôs novo método de gestão empresarial que, muitas vezes, sob o lema da flexibilidade e do estímulo à competitividade, acaba tornando a organização do trabalho rígida e campo fértil para a prática da gestão perversa, e, consequentemente para a prática do assédio moral.

Na busca desenfreada por lucratividade as empresas acabam reduzindo o número de trabalhadores através de medidas flexibilizadoras, aumentando o ritmo da produção, exigindo do empregado dedicação intensa aos interesses da empresa, adotando na hierarquia posturas utilitárias, autoritárias e manipuladoras através da relação de dominação, gerando no ambiente de trabalho insegurança, insatisfação, esgotamento e sofrimento invisível (mental), além da fadiga e stress, que são proibidos de se manifestarem na empresa. Neste sentido, merece novamente destaque o posicionamento de Maria Aparecida Alkimin (2009, p. 70):

A organização rígida e a gestão perversa na organização do trabalho levam ao assédio moral, haja vista que, deliberadamente degradam o ambiente de trabalho, porque tendem a introduzir, no ambiente de trabalho, atitudes abusivas através do exercício do poder de direção do empregador, além de atitudes humilhantes em relação aos empregados que se tornam indesejados, notadamente, àqueles que não se adaptam às reestruturações, medidas flexibilizadoras e que não conseguem atingir as metas de produtividade, enfim, não apresentam o perfil flexível do trabalhador moderno, tornando-se o assédio moral um mecanismo de pressão psicológica para forçar a exclusão sem os custos com a demissão sem justa causa.

Como já demonstrado anteriormente, o assédio moral é uma violência velada, que pode começar como uma simples brincadeira e desencadear uma série de consequências irreversíveis para a vida do indivíduo. Exposto durante longo prazo a constantes humilhações em frente aos colegas de trabalho, o assédio afeta a dignidade, autoestima e a saúde do trabalhador. Neste sentido prelaciona Marie-France Hirigoyen (2011, p. 98):

A própria empresa pode tornar-se um sistema perverso quando o fim justifica os meios e ela se presta a tudo, inclusive a destruir indivíduos, se assim vier atingir seus objetivos. Neste caso, é no nível da organização do trabalho que, por um processo perverso, a mentira serve ao desenvolvimento da empresa.

Em um sistema econômico competitivo, inúmeros dirigentes só conseguem enfrentar essa competição e manter-se com um sistema de defesa destruidor, recusando-se a levar em conta os elementos humanos, fugindo de suas responsabilidades e chefiando por meio da mentira e do medo. Os procedimentos perversos de um indivíduo podem, então, ser utilizados deliberadamente por uma empresa que espere deles tirar um melhor rendimento.

Continua a psiquiatra Marie-France (2011) informando que uma sequência de comportamentos deliberados por parte do agressor destina-se a desencadear a ansiedade da vítima, o que provoca nela uma atitude defensiva, que é, por sua vez, geradora de novas agressões. Depois de certo tempo de evolução do conflito, surgem fenômenos de fobia recíproca: ao ver a pessoa que ele detesta, surge no perseguidor uma raiva fria, desencadeia-se na vítima uma reação de medo. É um reflexo condicionado agressivo ou defensivo. O medo provoca na vítima comportamentos patológicos, que servirão de álibis para justificar retroativamente a agressão. Ela reage, na maior parte das vezes, de maneira veemente e confusa. Qualquer iniciativa que tome, qualquer coisa que faça, é voltada contra ela pelo perseguidor. O objetivo de tal manobra é transtorna-la, levá-la a uma total confusão que a faça cometer erros.

Mas quem são as vítimas do assédio moral?

Qualquer um pode ser vítima de assédio moral, principalmente dentro de uma empresa cujo objetivo maior é a busca da alta produtividade. Novamente é importante trazer à baila os estudos da psiquiatra Marie-France (2011, p. 68):

Contrariando o que seus agressores tentam fazer crer, as vítimas, de início, não são pessoas portadoras de qualquer patologia, ou particularmente frágeis. Pelo contrário, frequentemente o assédio se inicia quando uma vítima reage ao autoritarismo de um chefe, ou se recusa a deixar-se subjugar. É sua capacidade de resistir à autoridade, apesar das pressões, que a leva a tornar-se um alvo.

O assédio torna-se possível porque vem precedido de uma desvalorização da vítima pelo perverso, que é aceita e até caucionada posteriormente pelo grupo.

A própria empresa pode impor aos seus funcionários medidas vexatórias para estimular o alto desempenho, acirrando a competitividade entre eles, fazendo com que desta forma os próprios colegas sejam os perpetradores do assédio moral. Ninguém quer ficar para trás, e se não seguirem as exigências impostas pela própria administração da empresa, podem eles se tornarem as próximas vítimas.

Por isso é tão difícil ainda o combate do assédio moral no ambiente de trabalho. As pessoas sentem medo de ao ajudar tornarem-se elas mesmas os novos alvos. Assim, acabam participando do assédio moral para se protegerem e não denunciam. Enquanto estão fora de alcance da violência psicológica, não se manifestam. Paira também o medo da perda do emprego.

Quando esse processo de assédio se estabelece, afirma Marie-France (2011), a vítima é estigmatizada: dizem que é de difícil convivência, que tem mau caráter, ou então que é louca. Atribui-se à sua personalidade algo que é consequência do conflito e esquece-se o que ela era antes, ou o que ela é em um outrocontexto. Pressionada ao auge, não é raro que ela se torne aquilo que querem fazer dela. Uma pessoa assim acossada não consegue manter seu potencial máximo: fica desatenta, menos eficiente e de flanco aberto às críticas sobre a qualidade de seu trabalho. Torna-se, então, fácil afastá-la por incompetência profissional ou erro.

Conforme se extrai dos estudos de Rúbia Zanotelli de Alvarenga (2012):

O assédio moral organizacional compreende, assim, um conjunto sistemático de práticas reiteradas, provindas dos métodos de gestão empresarial, que tem por finalidade atingir determinados objetivos empresariais relativos ao aumento de produtividade e à diminuição do custo do trabalho, por meio de pressões, humilhações e constrangimentos aos trabalhadores na empresa.

Diante das novas formas de gestão administrativa ou de reestruturação produtiva advindas dos efeitos da globalização na organização produtiva e do trabalho, as empresas precisam se reestruturar para adotarem padrões internacionais de qualidade a fim de enfrentar a competitividade e a lucratividade. Por isso, vivencia-se hodiernamente a era do controle da qualidade total. E o resultado disso é a busca cada vez mais desordenada de obtenção do lucro, que acontece através do estabelecimento de metas, por sua vez, abusivas.

Desde que os métodos adotados sejam suficientes para majorar os lucros das empresas, estas se omitem de reprimir o assédio moral praticado através de seus líderes, ou pior, na grande maioria das vezes a iniciativa parte da própria administração da empresa. Para Marie-France Hirigoyen (2011) as empresas são complacentes em relação aos abusos de certos indivíduos desde que isso possa gerar lucro e não dar motivo a um excesso de revolta. Em vez de permitir que as pessoas progridam, essas empresas muitas vezes não fazem mais que quebrá-las. Explana Marie-France (2011, p. 93):

Esse tipo de procedimento só é possível quando a empresa finge não vê-lo, ou mesmo quando o encoraja. Há diretores que sabem tomar medidas autoritárias quando um funcionário não é competente, ou quando seu rendimento é insuficiente, mas não sabem repreender um empregado desrespeitoso ou inconveniente em relação a um(a) colega. [...] Se a empresa é assim condescendente, a perversão gera a emulação entre indivíduos que não são propriamente perversos, mas que perdem seus referenciais e se deixam persuadir.

Importante destacar também os apontamentos de Adriane Reis de Araújo (2007), procuradora regional do trabalho:

A utilização da humilhação e constrangimento como instrumentos de disciplina em estabelecimentos disciplinares, como escolas, quartéis, fábricas e prisões, foi denunciada por Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, sob a denominação de sanção normalizadora. Na empresa contemporânea, essa prática abusiva tem sido utilizada de forma mais sofisticada e sutil, como mais um dos instrumentos de controle da subjetividade dos trabalhadores. Pelo temor da humilhação ou o medo do ridículo, os trabalhadores são impulsionados a produzir mais e se calar diante de irregularidades (ausência de emissão de CAT – documento necessário ao afastamento por doença, desvios de função).

De acordo com Marie-France (2011) a própria empresa pode tornar-se um sistema perverso quando o fim justifica os meios e ela se presta a tudo, inclusive a destruir indivíduos, se assim vier a atingir seus objetivos. Neste caso, é no nível da organização do trabalho que, por um processo perverso, a mentira serve ao desenvolvimento da empresa. Em um sistema econômico competitivo, inúmeros dirigentes só conseguem enfrentar essa competição e manter-se com um sistema de defesa destruidor, recusando-se a levar em conta os elementos humanos, fugindo de suas responsabilidades e chefiando por meio da mentira e do medo. Os procedimentos perversos de um indivíduo podem, então, ser utilizados deliberadamente por uma empresa que espere deles tirar um melhor entendimento.

Dentro de uma empresa podemos identificar alguns tipos de assédio moral:

1) Assédio moral vertical:se caracteriza por relações autoritárias e aéticas, onde predomina os desmandos, a manipulação do medo, a competitividade, os programas de qualidade total associado a produtividade. Exige-se dos empregados maior escolaridade, competência, eficiência, espírito competitivo, criatividade, qualificação, responsabilidade pela manutenção do seu próprio emprego (empregabilidade) visando produzir mais a baixo custo. Desta forma, os fins acabam justificando os meios.

O assédio vertical ainda se desdobra em outros dois tipos: descendente e ascendente. O primeiro é o tipo de assédio praticado por parte do empregador, compreendido na expressão o empregador propriamente dito, assim como qualquer outro superior hierárquico que receba a delegação do poder de comando. Esta espécie de assédio é o mais corriqueiro, porém, não tão raras as vezes que também poderá ser cometido pelo superior hierárquico, com o objetivo de eliminar do ambiente de trabalho o empregado que por alguma característica represente uma ameaça ao superior, referente ao seu cargo ou desempenho do mesmo. Um exemplo deste assédio é o chefe que não gosta do novo funcionário. Aos poucos o chefe começa a sabotar o trabalho deste indivíduo, passando informações erradas, humilhando-o na frente dos demais colegas, causando grande stress para a pessoa.

O segundo tipo, assédio moral ascendente, parte de um ou de vários subordinados contra o superior hierárquico, normalmente podendo ser praticado contra o superior que se excede nos poderes de mando, adotando uma postura autoritária e arrogante, estimulando, dessa forma, a competitividade e rivalidade. Pode ocorrer, também, quando o superior hierárquico, por insegurança ou inexperiência da função, não consegue manter o controle sobre os trabalhadores, sendo pressionado ou tendo suas ordens desrespeitadas ou deturpadas, implicando o favorecimento dos assediadores para se livrar do superior hierárquico indesejado. Um exemplo deste tipo de assédio é quando ocorre troca de gestor em uma determinada equipe e esta não aceita o novo integrante, como forma de retaliação pela troca. Assim, começam a desvirtuar as informações passadas pelo novo gestor, boicotam o seu trabalho de forma a demonstrar que este não tem capacidade de liderar uma equipe, forçando a sua saída.

2) Assédio moral horizontal: é aquele que ocorre de colega para colega, ou seja, entre pessoas que possuem o mesmo nível hierárquico. O assédio moral horizontal, explica Alkimin (2009), retira sua definição da colocação hierárquica daqueles que nele são envolvidos, uma vez que ambos estão em posição simétrica, sendo comum, quando dois empregados disputam a obtenção de um mesmo cargo ou uma promoção, e se caracterizar por brincadeiras maldosas, gracejo, piadas, grosserias, gestos obscenos, menosprezo,isolamento, etc., podendo ser resultante dos seguintes fatores: a) conflitos interpessoaisque provocam dificuldades de convivência por qualquer motivo pessoal (atributos pessoais,profissionais, capacidade, dificuldade de relacionamento, falta de cooperação, destaque junto à chefia, discriminação sexual, etc.); b) competitividade/rivalidade para alcançardestaque, manter-se no cargo ou disputar cargo, ou para obter promoção.

Um exemplo simples deste assédio são os colegas apelidarem um dos integrantes da equipe de maneira pejorativa, lhe causando grande humilhação perante os demais empregados da empresa.

Dentro das organizações identifica-se em maior número o assédio moral vertical ascendente, que é o assédio cometido pela empresa contra seus empregados com o objetivo de aumentar os lucros e a produtividade, sem ter que investir em novas contratações ou melhores estratégias. Baixo custo e alto rendimento. Entretanto, em decorrência da prática deste tipo de assédio moral, os próprios empregados acabam cometendo assédio contra seus colegas, para não serem punidos por baixo rendimento. Torna-se um ciclo de violência psicológica, em que a própria vítima acaba infligindo sofrimento a outra pessoa.

A psiquiatra Marie-France (2011) ensina que quer o ponto de partida seja um conflito de pessoas, quer nasça da má organização da empresa, cabe a esta encontrar uma solução, pois, se há um assédio, é porque ela assim o permite ou ela própria inflige. Há sempre um momento do processo em que a empresa pode intervir e buscar soluções. Mas, apesar de hoje existirem no mercado os diretores de recursos humanos, as empresas, salvo exceções, raramente levam em conta o fator humano, e menos ainda a dimensão psicológica das relações de trabalho.

A deterioração do ambiente de trabalho tem como corolário uma diminuição importante da eficácia ou do rendimento do grupo ou da equipe de trabalho. A gestão do conflito torna-se a principal preocupação dos agressores e dos agredidos, e por vezes até das testemunhas, que deixam de se concentrar em suas tarefas. As perdas para a empresa podem, então, assumir proporções significativas em longo prazo. Não há qualquer benefício para a empresa quando existe o assédio moral.

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Sobre a autora
Letícia Jördens Marques

Advogada. Bacharel em Direito pela Faculdade Guilherme Guimbala (FGG) de Joinville/SC. Pós-graduada em ciências penais e advocacia trabalhista pela Universidade Anhanguera-UNIDERP (LFG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Letícia Jördens. Assédio moral organizacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3671, 20 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24980. Acesso em: 27 dez. 2024.

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