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A lei orgânica da assistência em favor do dependente químico.

Concessão do benefício de prestação continuada

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26/07/2013 às 11:00
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6. DA CONDIÇÃO DE DEFICIENTE MENTAL DO DEPENDENTE QUÍMICO PARA AFERIÇÃO DO BPC

É perceptível o número crescente de jovens que estão morrendo em função das drogas, e isso reflete sobremaneira na evolução social do país. Ora porque vivemos sob a égide do princípio da solidariedade contributiva, e as gerações atuais pouco contribuem para o sistema de repartição simples adotado pelo país, ora pelo enfrentamento de problemas com baixa qualificação profissional que reflete na escolha do trabalho informal pela maioria dos brasileiros.

O fato das novas gerações mal contribuírem para o sistema, resulta num enorme prejuízo as gerações futuras. Todos os anos a faixa etária do país cresce, o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH apurado é maior a cada ano, resultando na concessão de mais benefícios previdenciários. O fato é que os jovens, os que detêm o poder/capacidade de exercerem atividade laborativa, estão cada vez mais se afastando dessa realidade contributiva em decorrência do uso das drogas.

Segundo LUKAS, Scott (1998, p.9), a maioria das causas de morte em registros oficiais com jovens é de acidente, suicídio e homicídio e, na maioria das vezes com conexão ao uso de drogas, sejam ilícitas ou lícitas, como o álcool por exemplo.

Ultimamente o uso descontrolado das drogas é um problema sério de ordem social. E como problema de grandes proporções na vida particular do indivíduo, com grandes reflexos sociais, o Poder Público deve combate-lo estudando e avaliando quais as medidas necessárias para o fim desta mazela.

Durante anos a evolução tecnológica permitiu que muitas substâncias químicas utilizadas para tratamentos médicos, fossem expostas as pessoas para o uso ilegal. São inúmeros viciados, com diferentes tipos de drogas, que vão desde tranquilizantes ao crack.

Assim, o fato da droga está presente há muito tempo no contexto do social, já deveria ter sido objeto de combate do Poder Público através da assistência social. Somente agora, meados dos últimos cinco anos, que alguns governos estão investindo no combate ao consumo das drogas de forma social, isto porque, sabemos que há muito mais tempo a droga vem sendo combatida como criminalidade.

Notadamente o problema deixou de ser exclusivamente da esfera criminal há anos, passando a ter uma grande relevância no contexto da sociedade, pois trata-se de uma contingência mundial que está destruindo muitas famílias. Dentre os objetivos traçados pela Seguridade Social na Assistência Social está a proteção da família. PERLINGIERI apud MOIMAZ (2002, p.65) defende a família como o “valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contrariedade aos valores que caracterizam as relações civis”.

O dependente de substâncias psicotrópicas sofre de vício. O vício é considerado uma moléstia, que muitas vezes gera a deficiência mental, segundo YOUNG, Patrick (1988, p.96) vício é o “estado causado pelo uso repetido de drogas, caracterizado pela necessidade compulsiva em continuar a toma-la, pela tendência para aumentar a dose e pela dependência física e/ou psicológica”.

As drogas mais comuns consumidas pelos jovens brasileiros são a cocaína, maconha, anfetaminas, e, a pior de todas, o crack. O consumo dessas substâncias trazem os mesmos efeitos para o usuário: sensação de bem-estar.

Segundo o pesquisador EDELSON, Edward (1989, p.57) o uso dessas substâncias químicas podem causar morte súbita, dependência, lesões cerebrais e um tipo de psicose surpreendentemente, a esquizofrenia paranoide.

O grande problema não está somente nas consequências físicas e mentais trazidas pelo consumo dessas drogas. Muitos dependentes abandonam seus lares ou são expulsos dele, passando a viver nas ruas das cidades. Como a droga mais consumida é o crack, alguns lugares das grandes cidades para onde esses viciados vão, são chamados de cracolândia.

O fato de essas pessoas viverem nas ruas das cidades, já deveria ter provocado uma imediata e alarmante cobrança por parte da população para que o Poder Público dirima este problema. Trata-se de indivíduos com distúrbios mentais que estão vivendo nas ruas das cidades, podendo, e causando desordem no meio social.

A psicose, uma das consequências do distúrbio mental acometido aos dependentes é delineada pelo pesquisador EDELSON, Edward (1989, p.61):

As vítimas dessa psicose sabem quem são e onde estão, mas ouvem vozes e experimentam um sentimento constante e progressivo de o mundo está conspirando contra elas. Tudo o que elas ouvem ou vêm parece ser parte dessa conspiração tramada por um exercito de inimigos que dominam seu mundo. Tais delírios e alucinações podem levar à violência, quando o viciado revida os golpes dos conspiradores imaginários.

Continua o doutrinador discorrendo que:

A cocaína e as anfetaminas produzem a sensação de euforia pela estimulação de partes do sistema límbico. Elas fazem os que as tomam se sentirem alertas pelo aumento da atividade motora, elas dão a impressão – que as vezes se confirma – de intensificação da força e da resistência dos músculos.

Ora, não resta duvidas que o dependente químico fica acometido de consequências decorrente do uso da droga, são ações destrutivas sobre os neurotransmissores cerebrais.

De modo que, ao enquadrarmos o viciado como aquela pessoa portadora de deficiência mental, estar-se-ia reconhecendo um dos requisitos necessários a concessão do beneficio de prestação continuada. O artigo 20 da Lei 8.742/93 é claro ao estabelecer o benefício de um salário mínimo ao portador de deficiência, desde que sua renda per capta seja inferior a ¼ do salário mínimo.

Na discussão sobre a definição de deficiente, podemos observar que o dependente químico se enquadra nas condições estabelecidas tanto pela lei, como pela doutrina. Concluindo-se pela indagação porque até agora não há a concessão do benefício assistencial as esses viciados, como forma de proteger a infância, a adolescência e expurgar as desigualdades sociais?

O Poder Público, digo, União, Estados, Distrito Federal e Municípios detêm mecanismos hábeis para colocar mãos a obra e instituir programas, e ou projetos de forma a, no mínimo, amenizar os problemas decorrentes do consumo das substancias psicoativas.

A despeito da tese para concessão do benefício assistencial ao dependente químico morador de rua, não se tem notícia de julgados, todavia, encontramos um julgado de concessão de auxílio doença decorrente da dependência de substância psicotrópica, como segue:

Trata-se de agravo legal interposto de decisão (fl. 47) que negou seguimento ao agravo de instrumento, ao entendimento de que o recurso é manifestamente improcedente.

Sustenta o Agravante, em síntese, ter restado comprovada a sua qualidade de segurado pelos documentos juntados aos autos.

Melhor examinando os autos, verifico que o autor, demitido em 23-10-2006 (fl. 83), permaneceu desempregado desde então, tendo mantido, portanto, sua qualidade de segurado até 23-11-2008 (24 meses, art. 13, § 2º, do Decreto 3.048/99). Dessa forma, à primeira vista, na data de início da incapacidade fixada pela Autarquia (15-03-2008 - fl. 26), o demandante detinha a qualidade de segurado.

Dessa forma, reconsidero a decisão de fl. 47. e passo à análise do pedido de concessão de efeito suspensivo.

Conforme atestado médico de fl. 29, o Agravante é dependente químico de drogas (crack). Ainda, consoante documento do Centro de Reabilitação Emanuel Região das Hortênsias (fl. 44), o autor está neste estabelecimento internado, desde 15-03-2008, por período indeterminado, em virtude de dependência química.

Assim, tenho como presente o requisito da verossimilhança.

Quanto ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, tenho-o como presente, pois, estando incapacitado para o trabalho, o Agravante não tem condições de prover os recursos necessários à sua subsistência e à subsistência dos que dele dependem. Agregue-se, a isso, o caráter alimentar do benefício.

Presentes os requisitos legais (artigo 273 do Código de Processo Civil), impõe-se o deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, deferindo-se, para tal fim, o efeito suspensivo ativo colimado.

Ante o exposto, defiro o efeito suspensivo ativo colimado, determinando a imediata implantação do auxílio-doença ao autor.

Determino à Secretaria que: a) dê ciência desta decisão ao Juízo de origem, para que este tome as medidas necessárias à sua implementação, no menor prazo possível; b) intime, desta decisão, ambas as partes; c) intime o Agravado para, querendo, no prazo legal, apresentar sua contraminuta.

AI 2009.04.00.010393-0/RS. RELATOR: Juiz Sebastião Ogê Muniz. 17. de junho de 2009.

Ora, se a própria previdência social, que faz o gerenciamento e concessão do benefício assistencial através do INSS, caracteriza a dependência do viciado como um fator que gera incapacidade para trabalho realizando a concessão do benefício de auxílio doença, ainda que compulsoriamente, por que não conceder o benefício assistencial aos dependes químicos necessitados?


7. CONCLUSÃO

O Estado como gestor social esteve inerte quando permitiu que o ócio invadisse a vida da maioria dos jovens de baixa renda do país, excluindo-os do acesso a educação de qualidade, do lazer, das oportunidades de trabalho, da boa prestação de serviço saúde, da moradia, ou seja, das condições de vida minimamente digna. É justo então, que agora os necessitados clamem ao Poder Publico o tratamento adequado para superação das deficiências causadas pelo consumo de substâncias psicoativas.

A dependência de substâncias psicoativas ainda que não seja reconhecida como uma doença incapacitante pela autarquia federal INSS, é reconhecida judicialmente como vimos no julgado supramencionado.

A Lei 8.742/93 no paragrafo 2º do artigo 20 define o deficiente como aquele que tem impedimentos de longo prazo de natureza mental. O viciado em substâncias tóxicas, as vezes, atinge um estado de dependência que gera consequência na saúde das suas faculdades mentais.

Muitos desses dependentes químicos, hoje, vivem nas ruas das cidades, pois nem suas famílias detêm conhecimento específico para o tratamento, nem o Estado dar a garantia de um tratamento específico a esses marginalizados.

O fato é que, com a concessão do benefício assistencial, muitas famílias poderiam dar um direcionamento positivo da pecúnia auferida, para costear um tratamento específico e não ofertado pelo Poder Público aos dependentes químicos. A assistência social é uma garantia constitucional que deve ser aplicada, ofertada a todos os necessitados. Não resta dúvidas que essas pessoas que vivem nas ruas, abandonadas, e entregues as drogas são necessitados. Falta o amparo legal com a efetivação de políticas sociais.

É preciso que o Estado, em todos graus dos poderes adotem medidas sociais ao banimento deste caos, que é o grande avanço de dependentes químicos nas ruas. Não é só um problema que transcende a dignidade da pessoa humana, é também um problema de ordem pública que traz o crescente aumento da criminalidade. As internações compulsórias não estão sendo suficientes ao atendimento do problema, pois somente são realizados exames clínicos sem a oferta de tratamento adequado de longo prazo.

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O implicador para concessão do beneficio assistencial ao dependente químico morador de rua, é o fato deles não terem residência fixa e deste modo teriam complicação para perquirição da renda per capta familiar através da assistente social. A solução seria a criação de alojamentos públicos com equipes especializadas, desde médicos a defensores públicos.

Os médicos avaliariam o grau de dependência química dos viciados e os defensores se dedicariam a perquirir o beneficio assistencial devido a eles.

Portanto, assim estaria se efetivando o disposto contido no artigo 203 da Constituição Federal com o amparo da infância e adolescência dos carentes, bem como a garantia de um salário mínimo de beneficio assistencial mensal ao dependente químico que em virtude das drogas tornou-se enfermo mental. Garantido os primados sustentadores da Seguridade Social.


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Sobre a autora
Lorena Dayse Pereira Santos

Advogada atuante na seara previdenciária.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Lorena Dayse Pereira. A lei orgânica da assistência em favor do dependente químico.: Concessão do benefício de prestação continuada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3677, 26 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25011. Acesso em: 28 mar. 2024.

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