IV – CONCLUSÕES
Observou-se no presente estudo que um dos critérios mais tradicionais de distinção entre princípios e regras como espécies do gênero norma jurídica implica análise de seu grau de generalidade e abstração e que, conquanto haja certa divergência conceitual, deve-se determinar generalidade como o substrato pessoal, subjetivo, da norma, é dizer, os sujeitos que estarão abarcados por sua incidência. No tocante à abstração, entende-se que se trata do substrato fático da norma (no duplo sentido do comportamento esperado e do fato que provocará, juridicamente, a aplicação normativa).
O critério sob análise sofreu críticas doutrinárias diversas, principalmente quanto a sua insuficiência, por ser distinção fraca, atinente apenas ao grau da generalidade e abstração da norma jurídica (quantitativa, pois), havendo, também, quem diga de sua superação, enquanto critério distintivo, por outras teorias, qualitativas e estruturais, mesmo porque identificada com uma teórica imprecisão semântica da norma.
Diante disso, observou-se que se trata de distinção adequada para o modelo histórico-social contemporâneo do Direito, no qual se necessita de aparato teórico jurídico que permita a apreensão e resolução legítima de expectativas normativas diversas e, por vezes, antagônicas, que vicejam em meio à sociedade hipercomplexa atual. Ainda, dentro da dupla função do Direito, estabilizadora e promotora de alterações valorativas das relações sociais, salientou-se que o critério da generalidade e abstração mostra-se flexível o suficiente para permitir uma maleabilidade e adequação do Direito, sem deixar de lado suas estruturas fixas no tempo (e, dessa forma, rígidas dentro da sociedade).
Ainda, observou-se que o critério ora analisado permite uma ótima adequação de sua proposta à distinção moderna que se faz entre texto normativo e norma, enquanto, respectivamente, significante e significado do processo de interpretação/aplicação do Direito, sendo que, um texto no qual se observe norma dotada de indeterminabilidade prima facie de seus substratos subjetivo e/ou fático não poderá ser chamado de norma-regra e vice-versa.
O critério, assim, mostra-se confiável e seguro para ser adotado, com pouca vulnerabilidade teórica que se lhe contraponha.
BIBLIOGRAFIA:
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Notas
[1] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 37ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 420.
[2] Idem, ibidem.
[3] Principios Constituccionaes. São Paulo: São Paulo Editora, 1926, p. 07/08.
[4] Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru: Edipro, 2001, p. 180. No mesmo sentido aqui utilizado, confira-se NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules. Princípios e Regras Constitucionais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013, p. 22: “Nesse sentido, pode-se dizer que a generalidade é concernente à dimensão pragmática dos destinatários da norma, dizendo respeito ao âmbito pessoal de sua vigência. A abstração refere-se, por seu turno, à dimensão semântica dos referentes da norma, relacionando-se ao domínio material de sua vigência e envolvendo a questão de definir os fatos jurídicos e casos que serão subsumíveis à norma. Tanto os princípios quanto as regras são normas gerais e abstratas.”
[5] Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 5ª ed. ampl. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, Tomo I, p. 50/54.
[6] Op. cit., p. 17.
[7] ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. 2ª tir, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, p. 18/19: “Os princípios são dotados de vagueza, no sentido de uma enunciação larga e aberta, capaz de hospedar as grandes linhas na direção das quais deve orientar-se todo o ordenamento jurídico. (...) Note-se que generalidade e vagueza não se confundem, quando se considera generalidade apenas em relação ao âmbito de abrangência (quantidade de situações) e não em relação ao conteúdo (tipo de situação).”
[8] TAVARES, André Ramos. Elementos para uma teoria geral dos princípios. in LEITE, George Salomão. (org.) Dos princípios constitucionais. Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 34: “Assim, o melhor traço para distinguir as normas, as regras, dos princípios é o maior grau de abstração destes, pois não se reportam a qualquer descrição de situação fática (hipotética) em específico, adquirindo, assim, a nota da máxima abstratividade (objetividade).” No mesmo sentido, cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª ed rev,, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 155.
[9] HECK, Luís Afonso. Regras e Princípios Jurídicos no pensamento de Robert Alexy. In LEITE, George Salomão. (org.), op. cit., p. 55.
[10] Op. cit., p. 22.
[11] Apesar de, aqui, haver já uma grande determinação do substrato fático (comportamento) disciplinado pela norma.
[12] Há outras funções que se podem reconhecer à distinção entre as espécies normativas, mas não se pode abarcar tal explicação nos limites do presente estudo.
[13] Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 26/27.
[14] Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.
[15] Op. cit., p. 24.
[16] A nova interpretação constitucional dos princípios. in LEITE, George Salomão. (org.). op. cit., p. 108/109.
[17] Nesse sentido, por exemplo, cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira. SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 378; NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 21/26; ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10ª ed., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 40/44.
[18] Cf. sobre o tema, por exemplo, SCHERZBERG, Arno. Para onde e de que forma vai o Direito Público? Trad. Kelly Susane Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, p. 23, que já antevia essas características de complexidade de expectativas como desafios do Estado Social: “O Estado Liberal de Direito do século XIX ainda estava revestido no substancial sobre a dominação do conflito entre sua garantia de ordem e a liberdade de interesses do cidadão. O Estado Social do início do século XX está prestes a levar a efeito a atividade desigualmente complexa do acordo de expectativas sociais e a pretensão de iguais oportunidades reais.”
[19] Cf., por exemplo, NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 118, quando afirma que os princípios constitucionais: “(...) passam a ser um filtro fundamental em face da pluralidade de expectativas normativas existentes no ambiente do sistema jurídico, com pretensão de abrangência moral.”
[20] ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Migrantes, Refugiados y Ciudadanos. Nuevos Paradigmas de la Democracia para la afirmación plena de los Derechos Humanos. In Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas. Programa de Pós-Graduação em Direito. Porto Alegre, V. 27, n. 1 (JAN./JUN.2011), p. 198.
[21] Op. cit., p. 119.
[22] El Derecho Ductil. Ley, derechos, justicia. 10ª ed., Madrid: Editorial Trotta, 2011, p. 110/111.
[23] GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 27.
[24] NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 05.
[25] Assim se passa, por exemplo, com NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 25: “Pode-se, sim, afirmar que os princípios tendem a ser mais gerais e imprecisos do que as regras. (...) Mas cumpre insistir que esta característica não tem uma relação necessária, mas sim eventual (embora se possa falar em tendencial) com sua maior generalidade e imprecisão em relação às regras.”
[26] Op. cit., p. 108/109.