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A prática trabalhista, a inspeção do trabalho e o problema da remuneração das férias concedidas em meses de 31 dias:

a tese da mutação contratual ex lege

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Quando as férias anuais são concedidas em meses de 31 dias, tem-se a polêmica em torno da remuneração do 31º dia: se já estaria embutida, ou não, na remuneração das férias.

I- INTRODUÇÃO

Há certas questões de ordem prática, no âmbito das relações de trabalho, cuja importância não pode ser negligenciada. No trato com a Inspeção do Trabalho, a solução adequada para uma situação de rotina trabalhista pode ser a diferença entre a regularidade e a infração, sendo certo que decisões equivocadas podem gerar não apenas desconformidades com a legislação, mas também prejuízos patrimoniais para o trabalhador.

A plurinormatividade trabalhista, representada pela CLT, pelas normas esparsas, pela jurisprudência pacificada e pelos instrumentos normativos, contempla um sem número de situações em que o dimensionamento dos salários depende de diversos atributos, tais como reflexos, médias, proporções, divisores etc. Os critérios de cálculo, no entanto, nem sempre estão estampados de forma clara e inequívoca nos textos legais. Nesses casos, a doutrina especializada em rotinas trabalhistas se encarrega de sugerir soluções que, frequentemente, são assimiladas pela jurisprudência e pelos precedentes administrativos.

Dentre todos os autores de obras direcionadas à prática trabalhista, talvez seja José Serson o mais festejado. É sintomático observar que mesmo tendo passado mais de quinze anos da última atualização do seu livro: Curso de Rotinas Trabalhistas, autor e obra ainda são abundantemente citados noutras publicações, em pareceres do Ministério do Trabalho e Emprego, em decisões judiciais, artigos, sítios da internet etc.

Um traço distintivo do trabalho de Serson, que seu ofício como Juiz Togado torna mais compreensível, é sua preocupação constante em não reduzir a rotina trabalhista a um conjunto de procedimentos algorítmicos e repetitivos, alheados da análise jurídico-normativa. A despeito da sua notória ousadia, que algumas vezes o levou a defender posições doutrinárias isoladas[1], a fundamentação empregada em seus métodos conferia-lhes um halo de respeitabilidade, o que os credenciava a se tornarem exemplos paradigmáticos.

Hipóteses insólitas no que tange à prática trabalhista não acossam apenas os profissionais de departamento de pessoal. A própria Inspeção do Trabalho não raras vezes se põe diante de certas situações controversas, que são enfrentadas ora em sede de processo administrativo de multas e recursos, ora através de pronunciamentos por Notas Técnicas.

Algumas dessas situações são, de fato, antológicas. É o caso, por exemplo, das férias anuais, quando concedidas em meses de 31 dias. Trata-se, na prática, da polêmica em torno da remuneração do 31º dia; se já estaria embutida, ou não, na remuneração das férias. Recentemente, nos casos em que a Inspeção do Trabalho cobra a remuneração e o recolhimento do FGTS desse dia, vem se observando, no Rio de Janeiro, uma tendência à assimilação dos argumentos das empresas. Em verdade, não se trata propriamente de endossar a tese da remuneração do 31º dia do mês de concessão das férias, quando do seu pagamento antecipado, mas de admitir a controvérsia e a ausência de posicionamento oficial por parte do Ministério do Trabalho e Emprego.

O fato é que esta controvérsia se sustenta à custa de uma das mais consagradas teses de José Serson, que se vê reprisada na grande maioria dos fóruns e sítios voltados ao debate da prática trabalhista, na internet. Trata-se de um critério de conversibilidade a ser adotado somente nos casos em que as férias anuais recaiam em meses de 31 dias, o qual, na prática, resulta no não pagamento do 31º dia.

O objetivo do presente artigo é, portanto, investigar a validade da solução sersoniana para esse caso, e, à maneira do mestre, buscar na teoria da mutação contratual ex lege o fundamento para uma solução alternativa para o problema.  


II- A FICÇÃO JURÍDICA DO SALÁRIO MENSAL

As lições clássicas de Catharino (1997), Nascimento (1951) e Süssekind (2005) identificam três modalidades de dimensionamento salarial. São elas: a) salário por unidade de tempo; b) salário por unidade de obra ou peça; c) salário misto ou por tarefa. No primeiro caso, o salário é mensurado em razão do tempo do trabalho. No segundo, em relação ao quanto o trabalhador consegue produzir, considerando uma jornada fixa. No terceiro caso, em relação ao cumprimento de determinadas tarefas, cuja execução definirá o salário e, a um só tempo, o dimensionamento da jornada de trabalho.

A medida temporal do salário é, de fato, a mais usual. Neste caso, o salário do obreiro irá flutuar de acordo com as variações da unidade de tempo escolhida para mensurá-lo, sendo certo que a CLT se refere expressamente a três delas: hora, dia e mês (arts. 64 e 65), para as quais a Norma Consolidada prevê critérios de conversibilidade. Não é demais reprisar a lição de Süssekind (2005), que distingue a medida temporal dos salários da frequência com que ele é pago (CLT, 459). É o caso, por exemplo, da semana e da quinzena, referenciadas na CLT como intervalos de pagamento dos salários (art. 487, I e II), e não como medida da remuneração do obreiro.

Da associação dos artigos 58, 64 e 65 exsurge o que se pode chamar de regra geral de conversibilidade entre salários por unidade de tempo. No que se refere à fragmentação horária do salário mensal[2], o salário-hora é obtido atribuindo-se ao mês a duração de trinta dias[3]. Desse modo, para efeito da conversão do salário-mês em salário-hora, a CLT parte da ficção jurídica do mês trintídio. No caso do mensalista, a CLT prevê a padronização da unidade de tempo que dimensiona o seu salário, de modo que ele não sofrerá variações, ao menos no que se refere à parte fixa. Por seu turno, os estipêndios mensais dos trabalhadores que têm seus salários dimensionados por hora, ou dia, irão variar conforme o número de dias e horas trabalhadas no mês.

A verdade é que a padronização do mês, atribuída pela CLT, é uma exigência de ordem prática. As medidas diária e horária não sofrem qualquer variação, pois à exceção do horário noturno, a hora trabalhada será a do relógio (60 minutos), e o dia de trabalho terá 24 horas. Contudo, nosso calendário é organizado de tal modo, que os meses podem ter de 28 a 31 dias, o que exige a atribuição de um mês-padrão; no caso, o trintídio.

Não há outra regra (geral) de conversibilidade entre salários mensurados em razão do tempo[4], sendo certo que a ficção do mês trintídio só é adotada para este propósito. Diga-se isto porque a CLT, em diversos momentos, se expressa de forma muito clara, quando dispõe sobre o mês, na sua qualidade de período de tempo. Eis alguns exemplos:

Artigo da CLT

Assunto

Comentários

Par. único, art. 146 e art. 147

Férias

O chamado “mês de serviço”, para efeito de percepção das férias proporcionais, corresponde ao trabalho efetuado durante mais de quatorze dias.

§ 1º do art. 320

Professores

O dispositivo se refere à periodicidade quanto ao pagamento dos salários dos professores, parecendo sugerir uma cronologia completamente independente do calendário. Na verdade, há de se seguir a regra inserta no art. 459, § 1º, pois a simplificação: mês = 4,5 semanas serve para o cálculo da remuneração do repouso, caso o professor perceba seu salário mensurado em horas/aula.

Par. único, art. 346

Químicos

Suspensão do exercício profissional de um mês a um ano.

Art. 459 e § 1º

Remuneração

Periodicidade do pagamento dos salários.

Art. 478

Indenização

Para efeito indenizatório, um ano corresponderá a uma fração igual ou superior a seis meses.

Art. 600

Contribuição Sindical

Este dispositivo é interessantíssimo. Num único artigo o legislador difere, para efeito de contagem de tempo, “mês” de período de “trinta dias”.

Art. 666 e 689

Juízes Classistas

Estipulação do número mínimo de audiências por mês.

Art. 130 e 130-A

Férias

Periodicidade de doze meses, após a qual fará jus o empregado a férias.

Art. 133, IV

Férias

Perda do direito a férias em razão da percepção de benefício previdenciário em razão de doença, ou acidente de trabalho, por mais de seis meses.

Art. 134

Férias

Período concessivo de doze meses, após o prazo de aquisição do direito.

Art. 140

Férias Coletivas

Gozo de férias coletivas proporcionais.

Art. 142, § 3º

Remuneração das Férias

Nos casos de remuneração variável, apurar-se-á a média dos ganhos havidos nos doze meses que antecederem a concessão das férias.

Art. 393

Proteção à maternidade

Cálculo da remuneração durante a licença-maternidade. Média dos últimos seis meses de trabalho.

Art. 396 e par. único.

Proteção à Maternidade

Direito aos períodos diários para amamentação, até que o filho complete seis meses de vida.

Art. 442-A

Contrato Individual de Trabalho

Inexigibilidade de experiência prévia superior a seis meses.

Art. 452

Contrato Individual de Trabalho

Contrato a termo que suceder outro, num período de seis meses, será considerado sem determinação de prazo.

Art. 476, IV

Suspensão e Interrupção do Contrato de Emprego

Doação de sangue: um dia para cada doze meses de trabalho.

Art. 476-A e §§ 2º e 5º

Suspensão e Interrupção do Contrato de Emprego

Suspensão contratual por período de dois a cinco meses, para que o trabalhador participe de programa de qualificação. Periodicidade para a suspensão: não inferior a dezesseis meses. Garantia de emprego durante três meses, após a suspensão contratual.

Art. 524, § 5º

Eleições Sindicais

Novas eleições sindicais dentro de seis meses, caso não tenha havido coeficiente legal no último pleito.

Art. 529

Eleições Sindicais

Condição de elegibilidade: ser associado há mais de seis meses.

Art. 553, d

Penalidades Impostas aos Sindicatos

Prazo máximo de fechamento das entidades sindicais não superior a seis meses.

Art. 731

Justiça do Trabalho

Suspensão do direito de reclamar perante a Justiça do Trabalho: seis meses.

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Em todos os casos acima relacionados, o mês é considerado uma categoria do calendário, pouco importando o número de dias que o compõe. Da mesma forma, a CLT também emprega o conceito de “dia” para designar interregnos de tempo, normalmente quantificados em número de dias. Eis alguns exemplos:

Artigo da CLT

Assunto

Comentários

Art. 13, § 3º

Carteira de Trabalho

Período de trinta dias em que o trabalhador pode laborar sem a CTPS assinada, nos casos em que ele não a possua, e na localidade não houver expedição do citado documento.

Art. 62, §§ 1º e 3º

Jornada de Trabalho

Período de 10 dias para comunicar à autoridade competente a ocorrência de necessidade imperiosa, que tenha provocado a prorrogação da jornada para além do limite legal. Prorrogação de 45 dias por ano, em caso de força maior.

Par. único do art. 68

Períodos de Descanso

Permissão transitória para o trabalho aos domingos, por período não excedente a 60 dias.

Art. 132 e 133 e incs., § 3º

Férias

Prazo para apresentação do trabalhador que cumpriu o serviço militar obrigatório: 90 dias. Perda do direito a férias, caso o trabalhador demitido não seja readmitido no prazo de 60 dias; interrupção contratual por mais de 30 dias.

Art. 135

Férias

Prazo para comunicação de férias: 30 dias.

Art. 139, § 2º

Férias

Prazo para comunicação das férias coletivas ao sindicato e ao Ministério do Trabalho: 15 dias.

Art. 143, § 1º

Férias

Prazo para requerimento do abono pecuniário: 15 dias antes do término do período aquisitivo.

Art. 145

Férias

Prazo para pagamento das férias: 2 dias.

Art. 150, § 2º

Disposições Especiais Sobre Férias

Conceito de grande estadia: permanência no porto por mais de 6 dias.

Art. 161, § 3º

Inspeção Prévia, Embargo e Interdição

Prazo para recorrer da decisão do Delegado Regional do Trabalho: 10 dias.

Art. 240

Serviço Ferroviário

Comunicação ao Ministério do Trabalho da ocorrência de serviços emergenciais, que impliquem prorrogação da jornada além do limite legal: 10 dias.

Art. 252

Portuários

Prazo para reclamação à DTM: 5 dias.

Par. único do art. 304

Jornalistas

Comunicação ao Ministério do Trabalho de fato que implique a prorrogação da jornada além do limite legal: 5 dias.

Art. 307

Jornalistas

Repouso obrigatório para cada 6 dias de trabalho.

Art. 320, § 3º

Professores

Período de gala ou luto: 9 dias.

Art. 350

Químicos

Prazo para apresentação do contrato entre o profissional e a fábrica ao órgão fiscalizador: 30 dias.

Art. 359, § 1º; 361; 362

RAIS

Prazo para entrega da RAIS, em se tratando de empresas novas: 30 dias, a contar do seu registro no órgão competente. Prazo para defesa em caso de infração relacionada com a RAIS: 10 dias. Prazo para concessão de certidões negativas: 30 dias.

Par. único do art. 445

Contrato Individual de Trabalho

Duração máxima para o contrato de experiência: 90 dias.

Art. 472, § 1º

Contrato Individual de Trabalho

Retorno ao cargo anteriormente ocupado, após o serviço militar obrigatório: 30 dias.

Art. 473 e 474

Interrupção e Suspensão do Contrato de Trabalho

Hipótese de interrupção contratual. Suspensão do empregado por mais de 30 dias impõe a rescisão do contrato.

§ 1º do art. 476-A

Interrupção e Suspensão do Contrato de Trabalho

Prazo para comunicação da suspensão ao sindicato: 15 dias.

§ 1º do artigo 486 e § 5º

Fato do Príncipe

Prazo concedido pela Justiça do Trabalho à autoridade, contra quem o demandado alegue o fato do príncipe: 30 dias. Prazo de 3 dias para a parte contrária se manifestar a respeito da alegação do fato do príncipe.

§ 4º do art. 524, 532 e §§

Eleições Sindicais

Nova eleição por falta de quórum: 15 dias. Renovação do quadro de diretores do conselho fiscal: máximo de 60 dias e mínimo de 30, antes do término do mandato, além de outros prazos.

Art. 542

Direitos dos Exercentes de Mandato Sindical

Prazo para reclamação ao Ministério do Trabalho de atos lesivos cometidos pela assembléia geral, diretoria ou conselho: 30 dias.

Art. 548 e sgs.

Gestão Financeira dos Sindicatos

Prazos para alienação de bens imóveis; aprovação de orçamento etc.

Art. 533 e sgs.

Penalidades Impostas aos Sindicatos e Dirigentes

Suspensão de diretor; novas eleições em decorrência da destituição da diretoria etc.

Art. 611 e sgs.

Acordos e Convenções Coletivas

Prazos para depósito do acordo ou convenção coletiva junto ao Ministério do Trabalho; vigência dos pactos normativos; instauração do dissídio coletivo etc.

Art. 625 e sgs.

Comissão de Conciliação Prévia

Prazo para realização da audiência de conciliação, a partir da provocação do interessado: 10 dias.

Art. 626 e sgs.

Processo de Multas Administrativas

Prazos administrativos, todos contados em dias.

Art. 643 e sgs.

Justiça do Trabalho

Prazos administrativos e judiciais, todos contados em dias.

Não há, portanto, uma única passagem em que a CLT estabeleça uma correspondência entre mês e número de dias, quando o propósito é medir certo intervalo de tempo. O que ocorre no art. 146 (férias proporcionais) não é propriamente uma regra de correspondência, mas de aproximação (período > 14 dias = 1 mês). Nesse contexto, a julgar pela redação do art. 600, pode-se afirmar justamente o contrário, isto é, que a CLT faz uma distinção expressa entre “mês” e “trintídio”.

Art. 600 - O recolhimento da contribuição sindical efetuado fora do prazo referido neste Capítulo, quando espontâneo, será acrescido da multa de 10% (dez por cento), nos 30 (trinta) primeiros dias, com o adicional de 2% (dois por cento) por mês subseqüente de atraso, além de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária, ficando, nesse caso, o infrator, isento de outra penalidade. (Redação dada pela Lei n.º 6.181, de 11-12-74, DOU 12-12-74) (Em vigor até que lei específica discipline a contribuição negocial - art. 7º da Lei nº 11.648, de 31/03/2008 - DOU 31/03/2008 - Edição Extra).

Portanto, só se observa a equivalência entre “mês” e “trintídio” quando o propósito for estabelecer uma correspondência salarial. Vê-se, inclusive, que a regra geral de conversibilidade se reapresenta noutras passagens da CLT, e sempre no contexto dos salários, como nos casos dos arts. 478, caput e § 2º e 582, § 1º, b. A ficção do mês trintídio é, portanto, a regra pela qual a CLT padronizou a decomposição do salário mensal em diário. Para tal, o número 30 aparece como um divisor (art. 64 caput e art. 582, § 1º, b, CLT), e também como um multiplicador (art. 478, § 2º, CLT), sendo, portanto, o único e suficiente conversor legal para o fim de estabelecer a equivalência salarial mês/dia. A única hipótese em que a CLT prevê um conversor diferente é a prevista no parágrafo único do art. 64, ou seja, no caso do mês de fevereiro, cujo número de dias é inferior a 30.

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Sobre o autor
Luiz Felipe Monsores de Assumpção

Economista (UERJ) e bacharel em direito (UNESA). Especialista em direito do trabalho e legislação social (UNESA). Mestre e doutor em direito e sociologia (UFF). Auditor-Fiscal do Trabalho. Professor do Centro Universitário Geraldo di Biase. Pesquisador e membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito (ABraSD), da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociais e Humanidades (ANINTER-SH) e da Rede de Pesquisa Empírica em Direito (REED).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUMPÇÃO, Luiz Felipe Monsores. A prática trabalhista, a inspeção do trabalho e o problema da remuneração das férias concedidas em meses de 31 dias:: a tese da mutação contratual ex lege. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3730, 17 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25302. Acesso em: 24 abr. 2024.

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