3. A MODULAÇÃO DOS EFEITOS NA ADI JULGADA IMPROCEDENTE
Uma vez analisado o controle de constitucionalidade por via direta (controle concentrado-abstrato) e dois dos seus instrumentos – ADI e ADC –, percebe-se que esses mecanismos, de natureza ambivalente/dúplice, são de suma importância para a manutenção e defesa da supremacia da Constituição, e,
Quando se analisou a modulação dos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade, em sede de ADI, percebeu-se que o legislador, ao redigir o art. 27 da Lei 9.868 de 1999, apenas se referiu à inconstitucionalidade.
Fora isso, o art. 24, do mesmo diploma legal, dispõe que proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação direta, o que é tratado pela doutrina e pelo Pretório Excelso com a denominação de caráter ambivalente ou bifronte – natureza dúplice – da ADI e da ADC.
Ou seja, o art. 27 apenas refere-se à declaração de inconstitucionalidade e o art. 24 prevê que a ADI e a ADC possuem a mesma natureza (são ações iguais com sinais trocados[22]), o que faz com que o operador jurídico questione-se se, na hipótese de improcedência da ADI (que possui os mesmos efeitos de uma ADC julgada procedente), poder-se-ia restringir os efeitos da decisão (modular os efeitos).
A primeira conclusão que surge ao se tentar solucionar essa problemática é: se a ADI for julgada improcedente, quer dizer que a lei ou ato normativo objeto de análise é constitucional, confirmando-se, assim, a presunção de constitucionalidade inerente a todas as leis.
Outrossim, há uma segunda conclusão: se a ADI e a ADC têm caráter ambivalente (são iguais, mas com sinal trocado), a improcedência da ADI, segundo a exegese do art. 24, representa a procedência da ADC.
Logo, se a lei prevê a possibilidade de modular os efeitos da ADI, seria, então, possível a modulação dos efeitos da sentença declaratória de constitucionalidade (ADC).
Diante dessa problemática, buscou-se a doutrina, em que foram encontradas diferentes posicionamentos.
Inicialmente, há que se afirmar que, para alguns doutrinadores, em decorrência de uma interpretação literal do art. 24 da Lei 9.868 de 1999, não é possível a restrição dos efeitos da declaração de constitucionalidade em ADI ou ADC, mas apenas na declaração de inconstitucionalidade.
André Dias Fernandes (2010, p. 244) justifica sua posição:
De feito, se fosse permitido ao STF restringir os efeitos da declaração de constitucionalidade em ADIn e em ADC, inverter-se-ia a presunção de constitucionalidade de que desfrutam as normas, pois apesar de reconhecer a constitucionalidade da norma ab origine, que é presumida até declaração judicial em contrário, o STF estaria autorizando o seu descumprimento até a data por ele prefixada para que a norma pudesse ser considerada como constitucional, gerando uma enorme insegurança jurídica.
Assim, continua, Fernandes:
A ratio justificativa da restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade é exatamente preservar os efeitos concretos produzidos pela norma até o momento da declaração de inconstitucionalidade em virtude da sua presunção de constitucionalidade. Ora, esse motivo não está presente na restrição dos efeitos da declaração de constitucionalidade, uma vez que esta apenas confirma a presunção de constitucionalidade da norma, não se justificando, em princípio, a preservação de efeitos concretos produzidos em virtude do desrespeito à presunção de constitucionalidade da norma.
Uadi Lammêgo Bulos (2010, p. 356/357) também compartilha do entendimento que a modulação dos efeitos da sentença só é possível na declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo.
Nesse sentido já se posicionou a Suprema Corte, na ADI 1.040-ED[23], cuja relatora era a Min. Ellen Gracie:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 187 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 75/93. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Embargos que traduzem, na verdade, pretensão de declaração de constitucionalidade da norma com efeitos "ex nunc". Impossibilidade. Inversão do princípio da presunção de constitucionalidade das leis. 2. Embargos rejeitados.
Entretanto, há quem entenda ser cabível a modulação de efeitos da sentença declaratória de constitucionalidade, como leciona Marcelo Novelino (2008, p. 277/278), para quem seria possível, por exemplo, no caso do STF conceder medida cautelar em uma ação direta de inconstitucionalidade suspendendo a vigência e a eficácia de lei instituidora de um tributo; e, em razão da decisão, durante o período de vigência da medida os contribuintes deixam de efetuar o pagamento do referido tributo, todavia, na decisão de mérito, o Tribunal decide pela constitucionalidade da exação, revogando a medida cautelar que havia suspendido o seu pagamento por longo período. Assim, nessa hipótese, razões de segurança jurídica e excepcional interesse social poderiam justificar que a declaração de constitucionalidade produzisse os seus efeitos tão-somente a partir da decisão (ex nunc), evitando, desse modo, que os contribuintes que agiram de boa-fé fossem penalizados pelo pagamento retroativo do tributo no tocante a fatos geradores ocorridos durante a sua suspensão pela medida cautelar.
Luís Roberto Barroso (2009, p. 212/213) também afirma ser possível a modulação dos efeitos na ADI julgada improcedente; referindo que, apesar de excepcional, já foi aplicada pelo STF na ADI 3.756/DF [24]:
Na hipótese, o Plenário julgou improcedente a ação direta, declarando, portanto, a constitucionalidade dos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal que aproximaram o regime fiscal do Distrito Federal àquele aplicável aos Estados-membros da Federação. Posteriormente, em sede de embargos de declaração, a Corte houve por bem modular os efeitos da decisão “para esclarecer que o fiel cumprimento da decisão plenária na ADIn 3.756 se dará na forma do art. 23 da LC 101/2000, a partir da data de publicação da ata de julgamento de mérito da ADIn 3.756, e com estrita observância das demais diretrizes da própria Lei de Responsabilidade Fiscal. Na prática, a decisão permitiu que o Distrito Federal empregasse 6% de sua receita corrente líquida com despesas de pessoal no Poder Legislativo – regra aplicável aos Municípios – até oito meses após a publicação da ata de julgamento da ADIn.
Diante do exposto, vislumbra-se que a questão não é pacífica tanto na doutrina como no Supremo Tribunal Federal. Mas, em que pese a discussão acerca do tema, deve-se considerar que, a sentença que julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade – confirmando a presunção de constitucionalidade da lei ou ato normativo –, quando puder provocar lesão ou perigo de lesão a direito consagrado constitucionalmente, deve admitir a ponderação dos valores em jogo, aplicando-se, assim, a modulação dos seus efeitos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Num Estado Democrático de Direito, a efetividade dos direitos fundamentais é pressuposto básico para a própria existência do Estado, o qual se legitima especialmente pela força normativa de sua Constituição, externada por seus princípios.
Exatamente para garantir a materialização dos princípios e direitos fundamentais da Constituição, é criado o processo constitucional, que visa, além da sua guarda, a segurança jurídica e social. Portanto, a atividade jurisdicional tem como objetivo verificar a concordância das normas infraconstitucionais com a Constituição.
Conforme referido anteriormente, para efetivar o controle dos atos normativos, o direito constitucional brasileiro criou, através da EC 16/65, o controle concentrado de constitucionalidade, que é exercido através de determinados mecanismos, nos quais a ADI e a ADC, ora analisadas nesse trabalho, se destacam.
Através do presente trabalho de conclusão de curso, pretendeu-se esclarecer se é possível a modulação numa ADI julgada improcedente ou numa ADC julgada procedente.
Para a formação de tal convencimento, verificou-se que o controle concentrado de constitucionalidade é um mecanismo importantíssimo para assegurar a supremacia da Constituição, tendo como dois grandes instrumentos a ADI e a ADC.
Constatou-se que a ADI e a ADC são ações iguais, mas com sinal trocado, ou seja, possuem caráter dúplice, ambivalente, o que implica na produção de efeitos iguais. Por isso, no caso da ADI ser julgada procedente, a ADC é julgada improcedente; e, no caso da ADI ser julgada improcedente, a ADC é julgada procedente. Desse modo, não há qualquer diferença entre os efeitos da decisão proferida nas duas ações, tanto que quando o mesmo objeto é questionado na ADI e na ADC, as ações são reunidas para o julgamento em conjunto.
Diante disso, buscou-se na doutrina uma resposta para questão central da presente pesquisa, em que se concluiu que (apesar de alguns entendimentos em contrário) a modulação temporal dos efeitos da sentença que confirma a constitucionalidade de determinado ato normativo, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, é possível quando se estiver diante de uma situação que pode provocar lesão ou perigo de lesão a direito consagrado constitucionalmente. Assim, nessas situações, deve-se lançar mão da técnica de ponderação dos valores, relativizando-se os valores em jogo. Ou seja, modulando os efeitos da sentença.
5. REFERÊNCIAS
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HARDAGH, C. C.; SOUZA, A. I.;PEREIRA, S. R. - Metodologia da Pesquisa Científica e
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Notas
[1] Art 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
I - processar e julgar originariamente:
k) a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República”
[2] BARROSO, Luís Roberto. Controle de Constitucionalidade no direito brasileiro. 4. ed.São Paulo: Saraiva, 2009, p. 154.
[3] STF, ADI 1434 MC, Rel. Celso de Mello, DJU 22/11/1996, p. 45664.
[4] STF, Rcl 397 MC QO, Rel. Celso de Mello, DJU 21/05/1993, p. 09765.
[5] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009, p. 257.
[6] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
[7] Há que se ressaltar que esse mesmo controle concentrado-direto é delegado aos Estados-Membros, cujos Tribunais são competentes para o julgamento de ADIs decorrentes de inconstitucionalidades de leis estaduais e municipais em relação às Constituições Estaduais (STRECK, 2002, p. 426).
[8] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Fonte: Controle de Constitucionalidade. 3. ed., Salvador: Editora JusPodivm, 2008, pp. 173-196. Material da 4ª aula da disciplina Direito Constitucional, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Público – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG.
[9] Marcelo Novelino afirma que não há partes formais (2008, p. 259).
[10] Na práxis, o STF utiliza a terminologia “requerente e requerido” para referir-se, respectivamente, ao autor do pedido e o órgão donde emanou o ato.
[11] Até a Constituição Federal de 1988, apenas o Procurador Geral da República era legitimado ativo para propositura da ação direta (BARROSO, 2009, p. 160).
[12] Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
[13] Lênio Streck questiona a constitucionalidade dessa lei, alegando que a natureza do texto normativo seria norma de jurisdição constitucional e não norma processual, portanto, deveria haver previsão expressa no texto constitucional acerca da possibilidade de sua edição. Diante disso, a Lei 9.868/99 careceria de legitimidade formal (2002, p. 426).
[14] Aqui, cabe referir que, apesar do inc. I do art. 3º determinar que a exordial deverá indicar “I - o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações”, a causa pretendi abrange todas as normas que compõem a Constituição, não se restringindo aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente (NOVELINO, 2008, p. 259).
[15] O efeito vinculante só foi atribuído à ação direta de inconstitucionalidade com o advento da Lei 9.868/1.999. Até então, a Constituição, face à EC 03/93, apenas reconhecia esse efeito à ação declaratória de constitucionalidade. Com a EC 45/2004, alterou-se a redação do §2º do art. 102, estendendo-se o efeito vinculante à ADI, firmando-se, assim, o caráter dúplice da ADI e da ADC.
[16] Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
[17] MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G.. Curso de Direito Constitucional. 2010. p.1465.
[18] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
[19] § 2.º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. (Incluído em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93) (Alterado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
[20] § 4.º A ação declaratória de constitucionalidade poderá ser proposta pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo Procurador-Geral da República. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)(Revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
[21] Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória.
[22] Novelino. Op. Cit. 2008, p. 259.
[23] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 187 da Lei Complementar nº 75/93. Constitucionalidade. ADI nº 1.040. Relator: Min. Ellen Grecie. Brasília, DF, 31 de maio de 2006. www.stf.jus.br
[24] STF, DJU, 23 de novembro de 2007, ED na ADI 3.756-DF, rel. Min. Carlos Britto)