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Constitucionalidade da súmula vinculante número 5

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24/09/2013 às 16:44
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6. SÚMULA VINCULANTE NÚMERO 5 DO STF

O plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou por unanimidade a Súmula Vinculante número 5, do dia 07 de maio de 2008, que reza que: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

A súmula é o resultado do Recurso Extraordinário 434059, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e pela União, contra a súmula 343 do Superior Tribunal de Justiça, que exigia a presença de advogado em todas as fases do Processo Administrativo Disciplinar, posição discutida no capítulo anterior[26].

Esta decisão utilizou-se de três precedentes da Corte Suprema sobre o mesmo tema: Agravo Regimental no RE 244277, cuja relatora foi a Ministra Ellen Gracie; Agravo de Instrumento 207197, que teve como relator o Ministro Octávio Gallotti; e o Mandado de Segurança 24961, relatado pelo Ministro Carlos Velloso.

A decisão reafirma o direito do investigado ao contraditório e a ampla defesa, todavia a presença da defesa técnica, realizada por um advogado, é uma faculdade do agente público investigado, não representa uma obrigatoriedade à instituição pública. Esta faculdade está prevista no artigo 156 da lei 8.112 (Estatuto dos Servidores Públicos)[27].

Todavia, o próprio Supremo nos lembra das exceções: quando o servidor investigado estiver em local incerto, deve a administração indicar um procurador, ou quando o objeto do processo for muito complexo para o entendimento do servidor público; neste caso, deve ser indicado um advogado para defendê-lo, se o servidor não puder contratar um.

A Advogado Geral da União de então, José Antônio Dias Toffoli, advertiu que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça permite que servidores demitidos a bem da administração pública possam “voltar a seus cargos com poupança, premiados pela sua torpeza”[28], visto que poderão reclamar os salários atrasados. Não podemos esquecer que todas as decisões administrativas poderão ser discutidas novamente no Judiciário, com advogado e atendendo a todos os princípios inerentes ao processo judicial. No entanto, o simples fato do investigado não ter um advogado não pode ter o condão de anular o processo.

Segundo os advogados Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Dierle José Coelho Nunes[29], esta decisão enfraquece o processo administrativo sob a égide da Constituição, tudo com o manto da eficiência, que acaba tornando todo o processo inconstitucional. Para os autores, alguns doutrinadores confundem a defesa de direitos inerentes a todos os cidadãos como sendo a defesa de prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil.

Para os advogados, logo vão começar questionar a necessidade de defesa técnica nos Inquéritos Policiais, Processos nos Conselhos Nacionais da Magistratura ou do Ministério Público, entre outros processos administrativos.

Surgem, para os autores, duas questões a serem discutidas:

A primeira delas é que o processo administrativo pode acarretar a perda do cargo do servidor público, pena que envolve consequências sérias na vida de qualquer pessoa. Neste caso, o processo disciplinar deve respeitar as garantias inerentes ao processo judicial, de acordo com o previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal[30].

Não pode o Supremo, com uma decisão, esvaziar totalmente o conteúdo de um Princípio Constitucional. O cidadão comum não possui conhecimentos necessários para utilizar o arcabouço jurídico em sua defesa, em virtude da grande complexidade envolvida no direito atual. Mesmo para advogados é difícil, senão impossível, o conhecimento de todos os ramos do direito. Tudo em troca de uma suposta maior eficiência do serviço público.

Em segundo lugar, a defesa do servidor público é uma obrigação institucional da Administração pública, não podendo ser considerada um “interesse público secundário”, subjugado a busca por eficiência da administração pública. Pois se não for desta forma, quem garante que todas as demissões foram “a bem do serviço público”? Assim, processo administrativo sem defesa técnica não possui Ampla Defesa nem Contraditório, não podendo ser considerado processo, é simples inquisição.

Portanto, pelo texto em análise, cabe à Ordem dos Advogados do Brasil, que sempre defendeu os direitos dos cidadãos, pedir o cancelamento da Súmula Vinculante número 5.

O entendimento da Advocacia Geral da União de que a súmula do STJ vem “premiar a torpeza de servidores demitidos a bem do serviço público”, está equivocado, pois a “torpeza” deve ser avaliada caso a caso, não por meio de uma Súmula Vinculante que tem efeitos “erga omnes”.

Alguns magistrados também criticam o fato de a Súmula Vinculante número 5 retirar a liberdade dos juízes, impedindo a sua análise do caso concreto, atentando contra a independência do magistrado, “engessando” a jurisprudência. Alguns afirmam que a Súmula torna desnecessária a atuação do magistrado, pois se a situação se enquadra no dispositivo a decisão já está tomada.

O tema é especialmente sensível às Forças Armadas, que dependem das Punições Disciplinares Administrativas para manter, em grande monta, a disciplina e a hierarquia dentro da caserna. É sempre bom relembrar que o uso de armas é um dos principais meios para os militares atingirem seu fim, que é garantir a segurança externa e, em alguns casos, a segurança interna do país. Estas armas, utilizadas pelos militares, são de grosso calibre, com grande poder de destruição. Todos os militares devem estar sob um controle próximo e constante, sob pena da insubordinação dentro da força afetar a ordem institucional, o que ocorreu diversas vezes em nossa conturbada história. A questão torna-se ainda mais importante em caso de combate, no qual o risco de morte é inerente à grande maioria das atividades. As ordens devem ser seguidas, como já dito, rápida e integralmente, sob pena de colocar em risco a operação inteira e a vida de milhares de pessoas, de forma mediata até a integridade do Estado brasileiro.

Neste sentido, foram criadas punições disciplinares no âmbito militar, não apenas no Brasil, mas em todas as Forças Armadas do mundo, para manter a disciplina dos comandados. Esse entendimento tem inclusive previsão constitucional, no artigo 5º, inciso LXI[31]”.

A Justiça Militar da União, que deveria ser a responsável natural pelas punições disciplinares militares, não o é. A Justiça Militar Estadual, segundo a Emenda Constitucional 45, de 2004, agora tem competência para analisar ações contra atos disciplinares militares[32]. A Justiça Militar Federal só é responsável pelos crimes militares, descritos no Código Penal Militar[33], embora já exista projeto de lei no sentido de trazer a esta justiça também as infrações disciplinares, como já o é na Justiça Militar Estadual.

 Esse seria o caminho ideal, visto que são estes magistrados os profissionais com o conhecimento técnico especializado exigido. No âmbito federal, contudo, não é isso que ocorre: as punições disciplinares estão sendo discutidas na Justiça Federal Comum, na qual os juízes e membros do Ministério Público não têm entendimento completo do que é a vida na “caserna” (dentro dos estabelecimentos militares).

O entendimento de muitos magistrados é no sentido da Súmula 343 do Superior Tribunal de Justiça, como apresentado anteriormente[34], de forma que não admitem a aplicação da Punição Disciplinar Militar de quem não foi assistido por advogado. Esta jurisprudência acaba afetando a disciplina e a hierarquia militar, que utiliza este instrumento administrativo como uma forma de controle.

Em resposta à crítica dos advogados e de parte da jurisprudência, devemos informar que a Administração militar não impede que o militar se utilize do trabalho de um advogado; ele pode inclusive pedir prorrogação de tempo para fundamentar melhor sua defesa. Pode, ainda, empregar todos os meios de prova não vedados pela lei, de acordo com os códigos de processo. Além disso, devemos lembrar que as punições disciplinares não têm implicações penais, nada além de consequências para a carreira do envolvido. Mesmo assim, após o término dos procedimentos administrativos, a decisão pode ser discutida judicialmente, não em seu mérito, mas em respeito às garantias e princípios constitucionais.

Complementando, os militares conhecem as regras caras a sua Instituição, e as formas de defesa para os fatos que lhe são imputados. Então, a afirmação de que a defesa de advogado é a melhor opção muitas vezes é equivocada.

Além disso, não podemos afirmar que as súmulas vinculantes “engessam” a atuação dos juízes; elas apenas garantem o entendimento da Corte Suprema, o que é normal e previsto constitucionalmente. Todavia, se o magistrado de 1º grau entender que alguma característica da lide desconfigura o enquadramento da súmula, pode desconsiderá-la, desde que esta decisão seja fundamentada, como deve ser toda decisão.

Podemos perceber, dessa forma, que nenhum instrumento de defesa foi cerceado, já que se houver algum abuso na esfera administrativa, ele é corrigido na esfera judicial, não podendo, contudo, o juiz, anular o procedimento administrativo apenas pela falta da presença de um advogado. O Judiciário também não pode questionar a discricionariedade da autoridade pública, o mérito, inerente aos agentes do executivo com este poder, como dito anteriormente.

É claro que existem algumas punições, como a perda do cargo, função ou emprego público, destinadas à faltas gravíssimas, que possuem um procedimento mais elaborado. Em alguns casos são faltas menores praticadas reiteradamente, que também levam ao mesmo resultado. Afinal de contas, a sociedade exige cada vez mais eficiência dos agentes públicos; não só ela, mas também a própria Constituição Federal[35] e o Decreto Lei 200/67[36] fazem esta exigência. O próprio concurso público tem por objetivo escolher os melhores candidatos para o serviço público; todavia, mesmo aquele que for aprovado precisa mostrar durante os trabalhos que é apto para o cargo. É obrigação da autoridade pública zelar para que os funcionários públicos tenham um desempenho mínimo.

Nos casos que envolvem a perda do cargo, função ou emprego público, como dito, o procedimento é mais complexo e envolve a figura de um defensor e de um acusador. Nesta situação, toda a vida profissional é avaliada e, inclusive, fatores pessoais que possam ter influenciado a queda de rendimento. Forma-se um Conselho para avaliar as condições de o funcionário público permanecer no serviço. Aqui, todos os membros do conselho são funcionários mais graduados e experientes, mas não necessariamente advogados. Porém, o servidor público avaliado continua podendo utilizar o profissional jurídico.

O entendimento do Supremo veio dar um sentido a um tema controverso, que foi originado devido ao problema no Ministério da Previdência, mas tem sérias implicações perante a Administração militar.

Uma decisão recente da Justiça Federal, Subseção de Guarulhos/SP, por meio do Habeas Corpus número 2008.61.19.006084-0, nos parece em consonância com a decisão recente do Supremo. Foi proferida pela Juíza Federal Substituta Mara Lina Silva do Carmo:

“Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, objetivando a suspensão da punição disciplinar que lhe fora imposta, consistente em 04 (quatro) dias de detenção.

Fundamentando seu pleito, aduziu o impetrante que foi punido disciplinarmente, com pena de detenção, devido à acusação de que teria faltado, injustificadamente, aos expedientes. Entretanto, no procedimento administrativo que ensejou a referida punição, não lhe foi permitido exercer o direito à ampla defesa e ao contraditório, com auxílio de advogado, o que ofenderia, ainda, o princípio do devido processo legal e justificaria a concessão do pretendido salvo-conduto.

É o relatório.

DECIDO.

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Para a concessão de liminar em habeas corpus, dois são os requisitos: (i) a relevância dos fundamentos da impetração (fumus boni iuris) e (ii) a urgência da medida pleiteada, que não poderá ser concedido em momento posterior, sob pena de ineficácia da ordem judicial (periculum in mora).

O perigo da demora se revela patente.

Entretanto, entendo que não se afigura presente a relevância dos fundamentos da impetração.

Com efeito, da narrativa contida na inicial, com o objetivo de possibilitar a concessão do pretendido salvo-conduto, destaca-se o seguinte trecho:

“(...) O paciente foi acusado em mais 01 (um) procedimento administrativo, por ter, em tese, infringido o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, mas em momento algum foi lhe dado o direito constitucional de poder se defender, devidamente acompanhado de advogado e poder contrariar o contido no suposto procedimento, se é que existiu (...).”

Vê-se que a apontada ilegalidade da punição disciplinar imposta ao paciente repousa na ausência de oportunidade ao exercício do direito de defesa e contraditório, com o auxílio de advogado, bem como na ofensa ao devido processo legal.

O paciente faltou ao expediente em 2 (dois) dias, o que motivou a instauração do respectivo procedimento administrativo disciplinar, por meio do formulário de apuração de transgressão disciplinar – FATD.

Contrariando a tese esposada pelo paciente, o mesmo foi cientificado de que estava sendo acusado de ter faltado ao expediente, em 2 (dois) dias, conforme FATD, onde consta sua assinatura, logo abaixo da seguinte declaração:

“Declaro que tenho conhecimento de que me está sendo imputada a autoria dos fatos acima e me foi concedido o prazo de 7 (sete) dias úteis, para apresentar, por escrito, as minhas justificativas.

Declaro, ainda, ter conhecimento de que, neste prazo, poderei apresentar Defesa Técnica (por meio de advogado) e arrolar testemunhas para serem ouvidas em audiência, devendo comunicar tal intenção por meio de Parte encaminhada e esta autoridade, também no mesmo prazo de sete dias úteis”

O paciente apresentou justificativas para as faltas ao expediente, como se verifica no verso da FATD, oportunidade em que anexou documentos, sem apresentar defesa técnica ou arrolar testemunhas, como lhe foi facultado expressamente nesse documento.

Considerando o teor da prova produzida até este momento inicial, entendo que o paciente optou por se defender sem o auxílio de um advogado e por não arrolar testemunhas, embora lhe tenha sido assegurada a oportunidade para tanto.

Frise-se que, em relação à defesa técnica em procedimento administrativo disciplinar, o STF editou a súmula vinculante número 5, cujo o texto é o seguinte:

“A falta de defesa técnica por advogado no Processo Administrativo Disciplinar não ofende a Constituição.”

Em sede liminar, resta afastada a configuração de ilegalidade ou abuso no ato que impôs a punição disciplinar ao paciente, não se constatando, por ora, qualquer ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e devido processo legal.

Impõe-se então, o indeferimento da liminar pretendida.

Diante do exposto, INDEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR.

Oficie-se à autoridade coatora para ciência desta decisão, que deverá seguir por cópia.

Intime-se o impetrante e, em seguida, abra-se vista ao MPF.

Guarulhos/SP, 02 de agosto de 2008.”

 Também decidiu neste sentido o Juiz Federal Substituto João Miguel Coelho dos Anjos, da Subseção de Guarulhos, no Habeas Corpus número 2007.61.19.009376-2:

“Alegou o impetrante que a paciente, militar, vem sofrendo coação ilegal por violação aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal em procedimento administrativo contra si instaurado por suposta infringência ao Regulamento Disciplinar da Aeronáutica[37].

Concluído o procedimento disciplinar, foi-lhe aplicada a penalidade de 4 (quatro) dias de detenção, por ter questionado a conduta de superior hierárquico, no tocante ao trâmite de requerimento interno, causando desarmonia e desassossego, incorrendo em ação contra os princípios de subordinação da caserna.

Narra a inicial da impetração que o paciente teve cerceado seu direito de defesa assistido por advogado.

Foi concedida liminar para suspender a execução da penalidade aplicada no procedimento administrativo instaurado em fase da paciente, determinando à autoridade coatora que se abstenha da prática de qualquer ato executivo até o julgamento do mérito.

Requisitadas informações, o Comandante defendeu a legalidade do procedimento administrativo e a competência da autoridade militar, aduzindo que foram observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Esclareceu-se que o apuratório disciplinar foi instaurado contra a paciente por ter questionado a conduta profissional de superior hierárquico, no tocante ao trâmite de requerimento interno de seu interesse, causando desarmonia e desassossego no âmbito daquela unidade militar.

Foi concedido o prazo de 2 (dois) dias úteis para que a paciente apresentasse suas justificativas, o que fez.

Acrescentou que, após audiência com a paciente e apreciar os argumentos narrados em suas justificativas, a autoridade competente concluiu que o fato dispensava maiores dilações probatórias, entendendo suficiente para configurar a responsabilidade disciplinar da paciente, transcrevendo os seguintes trechos da decisão impugnada:

“Indefiro o pedido de oitiva de testemunhas, uma vez que os elementos mencionados, e que, por ventura, possam ser confirmados em depoimentos, nada acrescentariam ao objeto do processo, seu cerne” (...) “Não resta dúvidas, portanto, que a conduta da paciente, neste caso, gerou constrangimento, não só em relação à postura do outro militar, como também, no que se refere à rotina da Seção, falta essa classificada como média, pela repercussão negativa que gerou perante à Organização Militar, devido ao desrespeito hierárquico e à disciplina.”

Asseverou-se que as transgressões disciplinares estão previstas no Regimento Disciplinar da Aeronáutica – Decreto 76.332/75, associado à lei número 6.880/80[38], cujo artigo 47 prevê que os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão as transgressões disciplinares e estabelecerão normas relativas à aplicação das penas disciplinares.

Informou ainda que o contraditório e a ampla defesa se materializam pela confecção do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar (FATD), pelo qual o acusado toma conhecimento do fato cuja autoria lhe é imputada, confeccionando justificativa escrita com a juntada das provas que julgar convenientes.

Acrescentou que a prisão e a detenção militares visam mobilizar compulsoriamente o militar e reforçar o espírito de plena disponibilização, a título de punição por falta disciplinar, passando automaticamente à disposição da autoridade militar para engajamento em missões que surjam.

O Ministério Publico Federal opinou pela procedência da impetração para o fim de declarar a nulidade do procedimento administrativo disciplinar.

Argumentou que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pacificaram entendimento de que, segundo o artigo 142, § 2º, da Constituição Federal, é vedado o ajuizamento de Habeas Corpus em relação ao mérito das punições disciplinares militares, não impedindo, contudo, o exame de seus pressupostos de legalidade: Hierarquia, Poder Disciplinar, Ato Ligado à Função e Pena Passível de Ser Aplicada Disciplinarmente.

Observou que a autoridade coatora é competente para aplicação da penalidade impugnada, nos termos do artigo 42, 2, “f”[39], do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica.

Anotou ainda que a paciente poderia ter solicitado a presença de defensor técnico em sua justificativa escrita, somente vindo a fazê-lo em sede de habeas corpus.

Concluiu, todavia, que mesmo em processo administrativo disciplinar instaurado em face de militares se faz necessária a presença de advogado, pena de violação ao disposto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal[40].

É o relato do necessário.

Fundamento e decido.

Consoante o disposto no artigo 142, § 2º, da Constituição Federal: “Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”, o que não impede, contudo, a sua impetração para discutir aspectos formais, em atendimento ao artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

No caso em tela, entremostra-se necessária a intervenção judicial para análise de violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Entretanto, não assiste razão à impetrante.

Conforme jurisprudência consolidada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, “a extensão da garantia do contraditório aos procedimentos administrativos (C. F. 5º, LV) não exige a adoção da normatividade própria do processo judicial, em que é indispensável a atuação do advogado” (AI 207197 – AgR/PR – Relator Ministro Octávio Galotti – DJ 05.06.98).

Cabe ao legislador ordinário dar concretude aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, e não há no ordenamento jurídico brasileiro norma que demande a presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo na esfera do processo administrativo disciplinar.

Tanto é verdade que, na própria esfera judicial, a presença obrigatória de advogado na prática de atos processuais depende de previsão em lei. Note-se que, a título exemplificativo, a sua presença não é obrigatória em primeiro grau de jurisdição no processo trabalhista e apenas o é em grau recursal em face da necessidade de conhecimento técnico para a prática do ato. De igual modo, tal ocorre nos Juizados Especiais.

No que se refere a processos administrativos disciplinares, pode-se inferir que a lei número 8.112/90 assegura ao servidor público o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, afastando, por conseqüência, a obrigatoriedade na participação de advogado constituído ou defensor dativo, nos termos do artigo 156, in verbis:

“Artigo 156. é assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.”

Simili modo, não há norma que regule especificamente o processo administrativo disciplinar no âmbito militar que estabeleça a presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo.

Nenhuma ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa acarreta a disposição legal do artigo 156 da lei número 8.112/90 ou o silêncio eloquente no âmbito militar, evidenciando o ato ou a omissão legislativa a razoabilidade necessária na aplicação dos aludidos princípios constitucionais.

De fato, o servidor público, por sua própria condição, tem o dever de conhecer pormenorizadamente as normas legais e, portanto, tem a aptidão e conhecimento técnico necessário para o exercício do seu direito de defesa. Desse modo, a simples oportunidade de ser defendido por advogado constituído basta para que os princípios do contraditório e ampla defesa sejam prestigiados.

Ademais, a burocratização do processo administrativo disciplinar por mera formalidade, sem a existência de efetivo substrato constitucional, tem o condão de dificultar o exercício do poder disciplinar pela Administração Pública, causando efeito perverso na direção e prestação dos serviços públicos, em detrimento do princípio constitucional da eficiência.

O fato de se tratar de sindicância militar reforça ainda mais os argumentos já que delineados, uma vez que se está em discussão a hierarquia e a disciplina, base da organização das Forças Armadas, nos termos do artigo 142[41] da Constituição Federal.

Assim, a exigência pura simples da presença de advogado constituído ou defensor dativo em processo administrativo disciplinar não passa pelo crivo do princípio da razoabilidade, quando em ponderação com valores igualmente constitucionais, tais como a hierarquia e disciplina militares e o princípio da eficiência da administração pública.

Não acolho o entendimento do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado na súmula 343, DJ 21/09/2007, por entender que desconsidera o fato de o servidor público ter o dever de conhecer as normas legais.

Além disso, trata-se de questão constitucional, e, data máxima vênia, não compete ao Superior Tribunal de Justiça fixar orientações em matéria constitucional, especialmente quando a jurisprudência da Excelsa Corte se assentou em sentido diametralmente oposto. (MS 24.961 – Relator Ministro Carlos Veloso – DJ 04.03.2005)

Por fim, não verifico no caso dos autos inobservância de qualquer regra prevista na legislação de regência, pois em nenhum momento requereu a sua representação por advogado constituído ou defensor dativo e teve a oportunidade para se defender, fazendo-o efetivamente.

Nem mesmo há que se falar em cerceamento do direito de defesa em face do indeferimento da oitiva de testemunhas, pois não restou evidenciado ser imprescindível sua realização e a decisão restou devidamente fundamentada, cabendo à autoridade julgadora indeferir a produção de provas impertinentes, meramente protelatórias ou de nenhum interesse para os esclarecimentos dos fatos, nos termos do artigo 156, § 1º, da lei 8.112/90[42], aplicável subsidiariamente à espécie.

Ademais, a punição aplicada está prevista no artigo 10 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (Decreto número 76.322/75).

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, I, do CPC, para DENEGAR A ORDEM DE HABEAS CORPUS.”

Podemos observar, pela decisão de suas Excelências, que não há dispositivo expresso no ordenamento exigindo advogado para defesa em Processo Administrativo Disciplinar, e a própria Constituição estabelece explicitamente que não cabe habeas corpus nas punições disciplinares, de acordo com o descrito no artigo 5º, inciso LXI[43] e artigo 142, § 2º[44], ambos da Constituição Federal. O próprio texto constitucional atribui exceções às punições disciplinares militares, não sendo então esta interpretação, de que o advogado é dispensável em um Processo Administrativo Disciplinar, inconstitucional. Podemos observar que em outras áreas do direito o advogado é dispensado, como em algumas situações do Direito do Trabalho[45] e Juizados Especiais[46].

Além disso, como dito anteriormente[47], o magistrado nos lembra que não cabe ao Superior Tribunal de Justiça estabelecer interpretação constitucional “erga omnes”, já que isto é tarefa da Corte Suprema.

 

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Sobre o autor
Sandro Zancanaro

Advogado, especialista em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANCANARO, Sandro. Constitucionalidade da súmula vinculante número 5. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3737, 24 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25389. Acesso em: 17 nov. 2024.

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