INTRODUÇÃO
O processo de globalização, em seu âmbito material, intensifica sobremaneira o fluxo de comércio, capital e pessoas no mundo (HELD; MCGREW, 2001, p. 12). Diante disso, a velocidade de tramitação das relações, principalmente comerciais, aumentou exponencialmente. Em séquito, a intervenção do Estado, interessado em arrecadar recursos para o desenvolvimento dos serviços públicos, bem como balizar a influência dos produtos estrangeiros em seu mercado interno, ganhou, também, maior vulto.
Tal ingerência se deu de vários modos, dentre os quais se destacam os mecanismos de natureza tributária. O presente artigo tem como objeto de análise um destes mecanismos em específico, qual seja, a isenção tributária concedida pelo Estado brasileiro no plano internacional.
Nesse sentido, num primeiro momento, o trabalho será voltado à análise do instituto do tratado internacional. Deveras, esse é o meio utilizado para a realização dos acordos internacionais que concedem isenções tributárias. Aqui, a explanação será voltada a perfilhar seu procedimento de criação e suas implicações.
Em seguida, serão estudadas, propriamente, as isenções tributárias, abordando seu tratamento legal e doutrinário. Aproveitar-se-á o momento para demonstrar a complexidade que a concessão de isenções pode implicar na relação entre os entes federados. Estabelecidas essas bases, será possível, então, examinar a possibilidade da isenção de tributos no plano internacional e algumas das limitações e efeitos que produzem no plano interno do Estado.
TRATADOS INTERNACIONAIS
Ensina Francisco Rezek (2011, p. 38) que “tratado é todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito público interno, e destinado a produzir efeitos jurídicos”. O estudo dos tratados internacionais pode ser realizado em duas diferentes perspectivas, uma interna e outra externa. A interna diz respeito à análise dos tratados sob a ótica das normas jurídicas nacionais do Estado[1] que o celebra. A externa se relaciona ao direito internacional público e estabelece o modo pelo qual os Estados se compactuam para a realização do tratado.
Seguindo tal classificação, será dividido o presente tópico em duas etapas correlatas a acima mencionada. No plano externo, os tratados internacionais foram formalmente regulamentados pelas Convenções de Viena sobre direito dos tratados, sendo impossível, contudo, negar a influência que os costumes internacionais possuem em tal seara.
De fato, as convenções de Viena sobre direito dos tratados de 1969 e 1986 formalizaram num instrumento físico (tratado) o que, antes, em grande parte, era aplicado como norma costumeira. Assim, regulamentaram a disciplina dos tratados internacionais no âmbito externo, destacando-se o fato da última ter reconhecido o direito das organizações internacionais firmarem tratados. Neste passo, tendo por base o referido tratado sobre tratados, tem-se como válido o acordo internacional firmado por quem tenha capacidade para tanto, por meio de consentimento, e com objeto lícito e possível (ACCIOLY; G. E.; CASELLA. 2009, p. 130-131).
Há de se observar que todo Estado tem capacidade para concluir tratados. Ademais, o consentimento deve ser dado por quem tenha pleno poder para tanto, sendo que a apresentação de plenos poderes, hodiernamente, é dispensada para os Chefes de Estado e de Governo, e para os Ministros das Relações Exteriores. Esse consentimento pode ser, ainda, mútuo, no caso de tratados bilaterais, e por maioria de dois terços nos multilaterais. Por seu turno, o tratado somente deve ter por objeto algo considerado possível e que não ofenda o direito ou a moral.
Uma vez realizadas as negociações necessárias à confecção do que se poderia chamar de minuta do tratado, resta aos países envolvidos emanar sua aderência às novas normas internacionais criadas. Essa manifestação,conforme disposto na Convenção de Viena, pode ocorrer de vários modos: da assinatura, da troca de instrumentos constitutivos do tratado, da ratificação, da aceitação, da aprovação ou adesão ou qualquer outro meio previsto.
Dentre os citados mecanismos, destaca-se a ratificação, haja vista que, no Brasil, para que essa ocorra é necessária a aprovação do tratado pelo Congresso Nacional, conforme se verá mais adiante.
Assim, uma vez expressado o consentimento, torna-se vigente o tratado no plano internacional. O país signatário obriga-se aos termos do tratado, passando a ter responsabilidade internacional pelo seu cumprimento. Isso ocorre independentemente da regularidade do procedimento interno adotado pelo país signatário para a aprovação e expedição da autorização para que o representante do Estado manifeste o consentimento.
De fato, no direito internacional, presume-se, conforme pontuado acima, “que os governantes habilitados, segundo suas regras, à assunção de compromissos internacionais procedem na conformidade da respectiva ordem interna” (REZEK, 2011, p. 81). Caso o Estado, em casos tais de irregularidade no procedimento interno, entenda que não deve seguir o tratado realizado, faz-se necessário realizar a denúncia do tratado (DINH; DAILLIER; PELLET, 2003, p. 311), sem qualquer distinção de outros casos em que deseje abandonar o pacto.
No plano interno brasileiro, a disciplina para aprovação dos tratados internacionais é dada pela Constituição Federal, pela qual o processo é dividido entre os poderes executivo e legislativo. Nos termos do art. 84, III, da Carta Maior, é de competência privativa do Presidente da República a celebração de tratados internacionais, os quais se sujeitam ao referendo do Congresso Nacional.
Nessa esteira, a realização do tratado se inicia com a atuação do Presidente da República, o qual tem competência para sua negociação e assinatura – tais atos podem ser realizados pelo Ministro das Relações Exteriores ou outro sujeito que possua poderes para tanto outorgados pelo Presidente da República. De acordo com o art. 18 da Convenção de Viena sobre direitos dos tratados, uma vez aposta a assinatura pelo representante do estado, nasce a obrigação de abstenção da prática de atos que frustrariam o objeto e a finalidade do tratado.
Encerrada a negociação e assinatura, o tratado – que permanece sob reserva de ratificação – é enviado, obedecendo o disposto no art. 49, I, da CF/88, ao Congresso Nacional. Aqui, o procedimento para referendo tem tramitação analógica ao previsto para o processo legislativo, ou seja, inicia-se na Câmara dos Deputados, com o recebimento do texto convencional em língua portuguesa anexo em mensagem do Presidente da República.
Aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto do tratado é enviado ao Senado Federal. Ao final, restando também aprovado o texto pelo Senado Federal, é promulgado um Decreto Legislativo pelo Presidente do Senado Federal, o qual autoriza ao chefe do executivo a ratificar o acordo.
Com a ratificação, o Presidente manifesta, expressamente, a vinculação definitiva do Estado ao tratado. Vale ressaltar que o chefe de estado não está obrigado a ratificar o tratado após a promulgação do decreto legislativo, haja vista estar tal ato sujeito a livre apreciação de conveniência e oportunidade (GABSCH, 2010).
Não obstante, no plano interno, o tratado passa a ser vigente somente após a promulgação, que ocorre por meio de decreto do Presidente da República, o qual é publicado no Diário Oficial da União, junto com o inteiro teor do tratado outrora ratificado. Importante notar que, mesmo não promulgado e publicado o tratado internamente, o Estado responde por seu cumprimento no plano internacional, visto que nesse a vinculação se aperfeiçoa com a ratificação.
Nessa senda, mostra-se relevante analisar o status jurídico adquirido pelo tratado no plano interno. De fato, em regra, o tratado promulgado por decreto presidencial assume caráter de lei ordinária. Contudo, diante da evolução constitucional e jurisprudencial, duas outras situações surgiram no cenário jurídico.
A primeira, mais clara, decorre da inserção do §3º ao art. 5º da CF/88, pelo qual os tratados internacionais de direitos humanos, quando aprovados em dois turnos, em cada casa do Congresso Nacional, por dois quintos dos votantes, equiparam-se a emendas constitucionais.
A segunda deriva da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que entende que os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, quando não aprovados nos moldes estabelecidos pelo §3º do art. 5º da CRFB/88, diante da importância da matéria disciplinada, assumem status supralegal. Isso quer dizer que tais tratados situam-se, hierarquicamente, entre a constituição e a lei em sentido estrito (PIOVESAN, 2008).
ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS
A isenção tributária é tratada pelo Código Tributário Nacional, em seu art. 175, como um dos modos de exclusão do crédito tributário – ao lado da anistia. Quando se fala em exclusão do crédito, está-se referindo à situação que:
[...] consiste na inviabilidade de sua constituição, ou seja, são situações em que, mesmo ocorrido o fato gerador e a obrigação tributária, não haverá lançamento e, consequentemente, não haverá o crédito tributário (SABBAG, 2010, p. 861).
Nesse passo, cumpre, logo de início, diferenciar essas duas modalidades de exclusão do crédito tributário. A isenção tem como alvo o tributo, enquanto que a anistia atinge a multa. Por consequência, uma norma que isenta tributo não afetará a multa deste decorrente. Do mesmo modo ocorre no sentido inverso em relação à multa anistiada.
Importante notar que a classificação da isenção como modalidade de exclusão do crédito tributário não é bem aceita pela doutrina.Nesse sentido, adverte José Alexandre Zapatero (2009, p. 127) que “a doutrina vem, quase à unanimidade, rejeitar esse entendimento legislativo, erguendo severas críticas à colocação do texto legal, algumas com acentuada razão”. Em decorrência dessa divergência doutrinária, a definição do instituto da isenção tributária pode ser observada, simplificadamente, de dois ângulos distintos.
Num primeiro, considerado tradicional e carreado pelo CTN, a isenção não passa da expressa dispensa legal do pagamento de um tributo devido. Isso quer dizer que há legítima incidência da norma tributária quando da ocorrência do fato gerador, sendo a obrigação excluída pela posterior incidência da norma de isenção. Ainda é esse o entendimento abraçado pelo Supremo Tribunal Federal, consoante é possível observar no julgado abaixo:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 268, DE 2 DE ABRIL DE 1990, DO ESTADO DE RONDÔNIA, QUE ACRESCENTOU INCISO AO ARTIGO 4º DA LEI 223/89. INICIATIVA PARLAMENTAR. NÃO-INCIDÊNCIA DO ICMS INSTITUÍDA COMO ISENÇÃO. VÍCIO FORMAL DEINICIATIVA: INEXISTÊNCIA. EXIGÊNCIA DE CONVÊNIO ENTRE OS ESTADOS E O DISTRITO FEDERAL. 1. A reserva de iniciativa do Poder Executivo para tratar de matéria tributária prevista no artigo 61, § 1º, inciso II, letra "b", da Constituição Federal, diz respeito apenas aos Territórios Federais. Precedentes. 2. A não-incidência do tributo equivale a todas as situações de fato não contempladas pela regra jurídica da tributação e decorre da abrangência ditada pela própria norma. 3. A isenção é a dispensa do pagamento de um tributo devido em face da ocorrência de seu fato gerador. Constitui exceção instituída por lei à regra jurídica da tributação. 4. A norma legal impugnada concede verdadeira isenção do ICMS, sob o disfarce de não-incidência. 5. O artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da Constituição Federal, só admite a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais por deliberação dos Estados e do Distrito Federal, mediante convênio. Precedentes. Ação julgada procedente, para declarar inconstitucional o inciso VI do artigo 4º da Lei 223, de 02de abril de 1990, introduzido pela Lei 268, de 02 de abril de 1990, ambas do Estado de Rondônia”. (ADI 286/RO – RONDÔNIA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 22/05/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno).(grifo nosso)
Noutra banda, respeitáveis autores, como Sacha Calmon Navarro Coêlho (2009, p. 792-793) e Luciano Amaro (2007, p. 282-284), entendem que, quando aplicada uma norma que isenta tributo, impede-se a incidência da norma tributante. Assim, a isenção atuaria como uma norma excepcional no mundo tributário, que impede o surgimento do fato gerador da obrigação tributária.
Para essa segunda posição, o entendimento contrário faria o conceito de isenção se confundir com o conceito de remissão tributária, a qual consiste numa forma de dispensa legal do pagamento devido, correspondendo, portanto, a uma forma de extinção do crédito tributário. Diante de tais fundamentos, no presente trabalho, em que pese o entendimento jurisprudencial mencionado, adota-se essa segunda corrente.
Cumpre observar, ademais, que a isenção pode ser concedida em caráter geral, que atinge a todos os sujeitos passivos da exação, independentemente da comprovação de qualquer característica pessoal. Pode ser concedida, ainda, em caráter específico, caso em que o benefício fiscal se estenderá apenas àqueles sujeitos que preencham determinados requisitos estipulados pela lei concedente da isenção. Na precisa lição de José Zapatero (2009, p. 218), ipsis litteris:
[isenção] É concedida, na maioria das vezes, por razões de ordem político-social, visando interesse público, podendo ser restringida a determinada região e revogada a qualquer tempo, desde que observado o princípio da anterioridade. (grifo nosso)
Como se vê, por mais que a isenção desonere o contribuinte, seu intuito precípuo é o atingimento de determinado interesse público e não aquela vantagem particular. Assim é, por exemplo, no caso de isenção do imposto sobre produtos industrializados produzidos nas Zonas Francas, em que o fim da concessão é o desenvolvimento da região isenta e não, propriamente, os sujeitos beneficiados pela isenção.
Contudo, há de se observar que, ainda que concedido por interesse público, a isenção não pode ser revogada a qualquer talante. Como mencionado acima, a revogação da isenção deve obediência ao princípio da anterioridade tributária, ou seja, somente pode incidir no exercício seguinte a sua promulgação.
De fato, Paulo de Barros Carvalho (2010, p. 570) é hialino ao afirmar que “é questão assente que os preceitos de lei que extingam ou reduzam isenções só devam entrar em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que foram publicados”. Importante ressalvar, contudo, que referido entendimento aplica-se tão somente aos tributos sujeitos ao princípio da anterioridade (AMARO, 2007, p. 286-287).
Superadas tais premissas básicas, é necessário analisar a competência para a concessão de isenções, ponto fulcral em seu estudo, a qual está diretamente ligada ao princípio da legalidade tributária. Isso porque a isenção tributária, consoante disposto no art. 150, §6º, da CRFB/88 e no art. 97 do CTN, somente pode ser veiculada por meio de lei específica. Por oportuno, destaca-se que, nos termos do art. 177 do CTN, a isenção não alcança, em regra[2], as taxas e contribuições de melhoria, bem como os tributos instituídos posteriormente à sua concessão.
Com efeito, vige a regra de que o ente tributante com competência para a instituição do tributo é quem detém, também, a competência para a edição da lei que concede isenção desse tributo. Nesse sentido, prescreve o art. 151, III, da CRFB/88, que não é permitido à União conceder isenção de tributos que estejam fora de sua competência tributária. Exceção a essa regra está prevista no art. 156, §3º, II, da CF, segundo o qual cabe à lei complementar – de competência da União – excluir da incidência do ISS exportações de serviços para o exterior. Contudo, fácil notar que referido preceito se dirige somente ao imposto sobre serviços de qualquer natureza – de competência dos munícipios – apenas confirmando a regra mencionada. Por simetria, aplica-se tal vedação aos demais entes da federação.
De fato, a ingerência de determinado ente federado na receita fiscal de outro, por meio da concessão de isenção tributária, é meio apto a agredir a autonomia do ente e o pacto federativo. Afinal, o potencial para a captação de receitas para a manutenção dos serviços públicos é elemento essencial em sua estrutura.
Tanto assim é, que, em determinados casos, a concessão de isenção por um ente federado pode causar desequilíbrio nas relações comerciais e na arrecadação fiscal dos demais entes. Para evitar tal situação, são adotadas estruturas de organização voltadas a harmonizar a tributação. Exemplo claro disso ocorre em relação ao ICMS, em que a isenção é concedida por meio de convênio celebrado e ratificado pelos Estados e Distrito Federal[3], buscando evitar uma disputa fiscal voltada a atrair empresas e, consequentemente, aumentar a arrecadação, a chamada guerra fiscal (SEIXAS FILHO, 1999, p. 73).
ISENÇÕES CONCEDIDAS POR MEIO DE TRATADO INTERNACIONAL
Diante de todos os conceitos explorados até o presente, fácil antever a celeuma que pode surgir internamente diante da concessão de isenção pelo Estado brasileiro no plano internacional. Fato que pode atingir a arrecadação de vários entes da federação. Apresentadas as premissas básicas acerca dos tratados internacionais e da isenção tributária, é possível, agora, unir tais considerações para visualizar a aplicação desse instituto na esfera internacional.
Como visto, cabe à União realizar as tratativas do acordo internacional. Em decorrência disso, entendem alguns que a decisão de conceder isenção de tributos estaduais ou municipais no plano internacional afeta, diretamente e de modo ilegítimo, tais entes tributantes. Seja porque estaria a vontade da União se sobrepondo a dos demais, seja porque há afetação de renda fiscal e, consequentemente, da autonomia assegurada pela federação.
Desde logo, é necessário apartar a posição assumida pela União no plano interno e internacional. Diante do sistema federado adotado pela constituição, a União assume dois papéis distintos. Na ordem internacional, a União representa o Estado Brasileiro, uno e indivisível, de modo tal que, para os demais países, somente este último existe, não importando a forma de repartição de sua estrutura interna. Já no ordenamento interno, a União expressa uma ordem jurídica parcial, completada pelos estados-membro e pelos municípios, todos autônomos entre si (COÊLHO, 2009, p. 576).
Em consequência, ainda que praticado pela União, mais especificamente pelo Poder Executivo, o ato de negociação e ratificação do tratado não tem o condão de representar a vontade do ente de direito público interno. Quando assim age, a União está manifestando a vontade do Estado, a qual engloba a de todos os entes. Assim, a análise dessa perspectiva, eminentemente formal, indica que não há qualquer problema de legitimidade da União para que celebre tratados em matéria tributária, inclusive concessivos de isenções.
Por isso é que a disciplina constante do artigo 151, III, da CF, vista no tópico anterior, não se aplica aos casos de isenções veiculadas em tratados internacionais. A proibição contida no art. 151, III, da CF, dirige-se apenas à União enquanto pessoa jurídica de direito público interno, não quando atua exercendo a soberania da nação diante de outros Estados.
Por outro lado, ainda que possa celebrar o tratado, há de se notar a necessidade de limitação à atuação da União, caso contrário, possibilitar-se-ia o indevido enfraquecimento da receita dos demais membros da federação.
Tal problema pode ser considerado resolvido, pelo menos em seu aspecto formal, quando se leva em consideração o fato de que,conforme estudado anteriormente, é necessária a autorização do Congresso Nacional para que seja ratificado o tratado, momento em que é realizado verdadeiro controle prévio dos termos do tratado. Fato que leva à conclusão que, sendo a aprovação do tratado um ato complexo, todos os entes manifestam sua concordância, nenhum podendo se imiscuir de seu cumprimento.
Contudo, é provável que se afirme que o Congresso Nacional representa, unicamente, o Poder Legislativo da União, não havendo qualquer interferência da vontade do Estado ou Munícipio atingido pela isenção fiscal em suas manifestações. Mais que isso, extremando tal pensamento, é possível encontrar manifestação no sentido de que o município, diferentemente do estado membro, sequer se encontra representado no Congresso Nacional, haja vista que, historicamente, o Senado Federal representa os estados-membro, enquanto que a Câmara dos Deputados representa a vontade do povo (MOSER, 2004).
Entretanto, tal não é a melhor tese. Seja pelos argumentos acima, seja em função de, adotando-se uma concepção histórica, a Câmara dos Deputados representar o povo brasileiro. De modo que, apesar de inexistente órgão de representação específica do município, uma vez que o povo que o compõe está representado, forçoso concluir que ele também o é. Em verdade, a observação da repartição de competência realizada pela Constituição Federal, que concentra grande parte da matéria nas mãos da União, denota a imprecisão da classificação acerca dos sujeitos políticos formadores do legislativo da União.
De fato, independentemente da casa em que se encontre, senador federal ou deputado federal, inequivocamente, representarão toda a nação brasileira, haja vista que para isso foram eleitos. Neles foi depositada a confiança para a elaboração das leis e fiscalização dos demais poderes, sem necessidade de se cogitar qual o ente federado ao qual se encontra ligado ou representa. A mencionada concentração de competência ocorre em virtude da necessidade de deliberação e harmonização da vontade de todos os entes federados sobre matérias de relevo nacional, o que vai ao encontro da atuação do Congresso Nacional.
Noutro ponto, uma vertente intermediária busca apaziguar as discussões, considerando que a União não pode obrigar os demais entes da federação ao cumprimento de tratado internacional por ela firmado. Motivo pelo qual, para que referido tratado tenha efetividade no plano interno, seria necessário “consultar as partes interessadas (Estados, Municípios e Distrito Federal) e negociar a alteração pretendida através de convênios ou da emanação dos competentes atos” (BASTOS; FINKELSTEIN; PEREIRA; in MARTINS (coord.), 1997, p. 120 apud GUIMARÃES, 2006, p. 275) a semelhança do ocorre no caso, já citado, do ICMS.
Não obstante, em que pese os entendimentos contrários apresentados, considera-se que não há qualquer problema de representação na atuação da União quando da celebração de tratado, sendo o procedimento decorrente de norma constitucional, pela qual se assegura a competência de todos os membros da federação. Nesse sentido, são hialinas as lições de Sacha Calmon Navarro Coêlho ao analisar os tratados internacionais sobre direito tributário, segundo o qual: “O tratado celebrado por quem pode fazê-lo, a União, uma vez referendado pelo Congresso Nacional, não fere nem a teoria nem a prática do federalismo” (2009, p. 577).
Em consonância com tal entendimento, necessário destacar a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao analisar a questão. Para a corte constitucional, durante pronunciamento na ADI n.º 1.600-8-DF, não há impedimento à celebração de tratado internacional em matéria tributária pela União, pois tal prática está inserida dentre as suas prerrogativas quando age como pessoa de direito internacional público.
Por consequência, não haveria sentido, ao menos prático, em se questionar a legitimidade para realização do tratado internacional concessivo de isenção tributária, porquanto se trata de questão pacificada perante o Supremo Tribunal Federal (HARADA, 2011).
Noutro giro, importante considerar a questão da autonomia dos entes. Isso porque, ainda que formalmente perfeita a atuação da União na esfera internacional, seus efeitos materiais podem abalar o equilíbrio federativo. Cada membro da federação é autônomo porque é independente, administrativa e financeiramente, dentro do Estado-nação (PYRRHO, 2008, p. 91-92). Em função disso, ao retirar receita de qualquer membro, estar-se-á talhando parte de sua autonomia, a qual é consagrada pelo art. 18, caput, da CRFB/88.
Nesse aspecto, interessante é a possibilidade de atuação legislativa dos demais entes federados contra os termos do tratado internacional que veicula a isenção. Como visto, em regra, o tratado internacional ingressa no ordenamento interno com hierarquia de lei ordinária. Diante disso, buscando evitar o enfraquecimento de sua autonomia, poderia o estado ou município editar lei posterior ao tratado revogando isenção por ele concedida? Entende-se que a resposta é negativa.
Sacha Calmon Navarro Coêlho (2009, p. 580), distingue a isenção tributária em duas categorias, a depender do instrumento normativo do qual emana. Isenção heterônoma seria a isenção decorrente de lei, cuja competência para concessão estaria limitada à esfera do ente competente para a instituição do tributo. Essa, conforme visto acima, é a regra no ordenamento. Isenção convencional seria a isenção recepcionada pelo ordenamento jurídico interno em razão da realização de um tratado internacional, ao qual a Nação deve obediência.
O fundamento dessa classificação reside na análise das teorias acerca da relação existente entre o ordenamento jurídico interno e externo. São, basicamente, três os pontos de vista a serem considerados. A teoria monista entende que os ordenamentos jurídicos internos e internacionais formam uma única ordem jurídica, sendo, a depender do posicionamento doutrinário adotado, prevalecente um ou outro ordenamento para que se resolvam as antinomias porventura existentes entre eles (PYRRHO, 2008, p. 99-100).
A teoria dualista crê que não há primazia entre o direito interno e externo, de modo que um não é capaz de implicar modificação sobre o outro. A terceira posição é intermediária ou moderada, apontando que “normas internas e externas são equivalentes, de modo que as eventuais antinomias, os conflitos porventura existentes entre a lei internacional e a lei interna, serão solucionados pelo critério cronológico” (MENDES NETO e CORTEZ, 2002, p. 04, apud PYRRHO, 2008, p. 104).
Fácil perceber que referida classificação adota a teoria monista, de modo que as isenções convencionais, dada a prevalência dos termos do tratado internacional, devem ser aplicadas por todos os sujeitos internos a elas submetidos, independentemente do arcabouço legal adotado internamente pelo ente membro da federação. Essa perspectiva é adotada pelo CTN.
O art. 98 do CTN, que tem status de lei complementar, disciplina a hierarquia dos tratados internacionais em matéria tributária face à legislação interna. De modo tal que os tratados podem ser considerados fonte autônoma do direito tributário, responsável pela harmonização fiscal, integração econômica e combate à evasão (COÊLHO, 2009, p. 574).
Com efeito, vai ao encontro de tal entendimento, a constatação fática acerca da existência de diversos tratados, dos quais o Brasil é signatário, cujo objetivo é combater, por exemplo, a bitributação. No caso das isenções não é diferente, visto que são elas concedidas, primordialmente, em função do interesse público. Consoante observado, não é possível a aplicação de isenção visando a vantagem auferida pelo sujeito passivo do tributo. De modo que o ineficaz subterfúgio de inovação legislativa contrária aos preceitos do tratado concessivo da isenção afronta diretamente o interesse público que a justificou, bem como as relações internacionais da nação.
Nesse aspecto, é inegável a necessidade de preservação da confiança que o Estado deve manter em suas relações internacionais, o que afeta diretamente a economia, o emprego e vários outros indicadores indispensáveis ao desenvolvimento nacional, inclusive daqueles que, possivelmente, venham a se sentir prejudicados pela criação da norma isentiva de tributo.
É inaceitável que uma discussão interna por receita fiscal implique em transtornos para todo o contingente da nação. Com efeito, o processo de globalização implica no entrelaçamento do comércio, fazendo com que a produção longínqua afete os preços praticados no mercado interno e as exportações realizadas pelo país.
A isenção tributária de âmbito internacional visa prospectos maiores do que a simples afetação deste ou daquele ente. Tem por finalidade a melhoria das relações entre o Estado e os demais sujeitos de direito internacional. Bem como a ampliação e regulação das práticas comerciais relacionadas a produtos dos mais variados gêneros, o que possibilita arrecadação de outros tributos além daqueles objetos da isenção concedida.