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Babás que agridem crianças: maus-tratos, tortura ou tortura-maus-tratos?

15/10/2013 às 08:08
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No crime de maus-tratos, a finalidade da conduta é a repreensão de uma indisciplina, na tortura, o propósito é causar o padecimento da vítima.

“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.” 

Jean-Paul Sartre 

A disciplina para as crianças é um assunto tormentoso. Mesmo para os pais legítimos, as mais leves punições físicas encontram barreiras intransponíveis frente aos estudiosos do tema.  

Na evolução histórica, o pai podia fazer do filho o que bem entendesse. O pater-familias era o que vigorava na Roma Antiga. Posteriormente, esse poder sobre os filhos diminuiu encontrando no Cristianismo importante barreira moral. Na Idade Média, o poder de disciplina infligindo castigo físico era permitido, mas limitado à morte ou a ferimento grave. No século XIX, a maioria dos códigos não dispunha sobre os maus-tratos, senão às lesões graves ou aos homicídios de maneira em geral. Aqui no Brasil somente com o Código dos Menores (1927) foi que se passou a caracterizar especificamente o crime em seus artigos 137 a 140. Hoje em dia, a matéria é disciplinada no Código Penal como crime de maus-tratos (art. 136) e impor punição física para educar é algo fora do contexto social ao ponto de termos no Senado da República em trâmite a “Lei da Palmada” (PL 7672) que visa coibir qualquer interferência agressiva dos pais contra os filhos para o fim de educar. É claro que não há um consenso a esse respeito e muita discussão ainda há porvir. Entretanto, é pacífico entre nós, e chega a ser odioso, quando há um comportamento agressivo e desproporcional, seja por quem for e por qual motivo se justificar, a prática de maus-tratos. Com maior razão, se a pessoa é contratada para cuidar da criança, como é o caso das babás.

Maltratar, no caso, é expor a perigo a saúde ou a vida de alguém, sob sua dependência ou guarda, a castigos imoderados, trabalhos excessivos e/ou privação de alimentos e cuidados. O crime de maus-tratos tem pena entre 2 meses a 1 ano ou multa com causa de aumento de 1/3 da pena se a vítima é menor de 14 anos.  Esse crime tem como sujeito ativo autoridades, guardiães ou vigilantes para as práticas educacionais, religiosas, para tratamento ou custódia em geral.  

Entretanto, por que não se fala, no caso, de tortura, crime muito mais grave? O que diferencia os maus-tratos do crime de tortura, já que em ambos há a imposição de sofrimentos? É possível que um pai ou uma babá sejam condenados por tortura?

A tortura é crime previsto na Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, cuja pena é bem maior variando de 2 anos a 8 anos de reclusão que, praticada contra criança ou adolescente, há também causa de aumento da pena de 1/6 até 1/3. Na oportunidade da publicação da lei, revogou-se o artigo 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, dando-se tratamento unitário e uniforme ao tema. Torturar significa infligir tormentos e suplícios, tanto na dimensão física ou mental, em vítima por atos de desnecessária crueldade. No caso em apreço, de uma babá que agride uma criança, estaremos nos referindo à figura típica esculpida no art. 1º., II, da Lei 9.455/97. Neste caso, não basta a ocorrência do sofrimento físico ou mental: ele tem de ser intenso (elemento indispensável, apesar de inexplicado porque um tipo aberto). Exige-se, ainda, a intenção específica de que funcione como forma de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Teremos aí o crime de tortura-maus-tratos. 

A diferença, pois mais comezinha entre os crimes diz conta, primordialmente, à intenção. No crime de maus-tratos, a finalidade da conduta é a repreensão de uma indisciplina, na tortura, o propósito é causar o padecimento da vítima. O crime de maus-tratos se castiga para educar, ensinar, tratar etc., o que denominamos ius corrigendi em Direito Penal. Esta é a finalidade de se impor o sofrimento ilegal. Essa espécie de maus-tratos, quando configurada, afastará a incidência do crime de tortura. No crime de tortura, há agressão gratuita, por motivos banais, ou para impor castigo pessoal por prazer, ódio ou qualquer outro sentimento vil. Sendo assim, a diferença não se encontra nem tanto na intensidade ou extensão do sofrimento, mas, sim, no elemento volitivo, nada obstante as características das lesões serem importantes indicativos e elemento integrante da tortura-maus-tratos.

O crime de tortura é equiparado a crime hediondo e seu início de cumprimento de pena é sempre fechado. Além do que é impossível substituir a pena de prisão por restritiva de direitos por ser crime praticado por violência.

Desta forma, via de regra e teoricamente, é possível que uma babá seja condenada por crime de tortura quando agride intensamente, não só no aspecto físico, uma criança com a simples intenção de menosprezá-la, subjugá-la ou humilhá-la. 


Bibliografia

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte especial 2, 12ª. Ed., São Paulo: Saraiva, volume 2, p. 301 e ss..

FRANCO, Alberto Silva ET all. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 7ª. Ed., São Paulo: RT, vol. 2, p. 2301 e ss. 

FRANCO, Alberto Silva ET all. Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. 7ª. ed., São Paulo: RT, vol. 2, p. 3098 e ss.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, 4ª. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 4ª. Ed., 1958, volume V, p. 445 e ss.

GOMES, Luiz Flávio. Estudos de Direito Penal e Processo Penal – Tortura, São Paulo: RT, 1998, p.122. 

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Breves considerações sobre a criminalização da tortura. São Paulo: Boletim Ibccrim, 56, julho, 1997, p. 3.

STF. HC 79.920. Rel. Maurício Corrêa.

TERRA, Rodrigo. Breves apontamentos sobre a lei da tortura (Lei 9455/97). Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 49, fev. 2001. Acesso em: 10 de junho de 2013.

TJPR. Ap. 82687900, Rel. Trotta Telles.

TJSP, RJTJSP 148/280.

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Sobre o autor
Warley Belo

Advogado criminalista em Belo Horizonte (MG). Mestre em Ciências Penais - UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BELO, Warley. Babás que agridem crianças: maus-tratos, tortura ou tortura-maus-tratos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3758, 15 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25510. Acesso em: 21 nov. 2024.

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