Resumo: O presente estudo tem o escopo de demonstrar que a concepção de Direitos Fundamentais é fruto de uma construção histórica, delineando uma linha evolutiva, pontuando os momentos e documentos de maior relevância para o tema. É certo que ao longo da história humana diversas culturas experimentaram diferentes níveis de consciência, porém o presente estudo tem o escopo de demonstrar que a ideia de um rol básico de direitos fundamentais, tidos como essenciais para a vida humana digna, sempre existiu. Além disso, busca-se afirmar que a concepção desses direitos se dá de forma ampliativa, de modo que cada etapa do desenvolvimento humano vem a contribuir de alguma forma para essa formulação.
Palavras-chave: s: Direitos Fundamentais - Direitos Humanos - Evolução Histórica - Aspectos Históricos.
Sumário: 1. Introdução. 2. Sociedades Primitivas. 3. Primórdios do Constitucionalismo. 4. Constitucionalismo na Idade Média. 4.1. Portugal. 4.2. Inglaterra. 4.2.1. Magna Charta Libertatum, 1215. 4.2.2. Petition of Rights, 1628. 4.2.3. Habeas Corpus Act,1679. 4.2.4. Bill of Rights,1689. 4.2.5. Act of Settlement, 1701. 4.3. Estados Unidos da América. 4.3.1. Declaração de Virgínia, 1776. 4.3.2. Declaração de Independência dos EUA, 1776. 4.3.3. Constituição dos EUA. 4.4. França. 4.4.1. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789. 4.4.2. Constituições francesas, 1791 e 1793. 5. Constitucionalismo no século XX. 5.1. Constituição mexicana, 1917. 5.2. Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, 1918. 5.3. Constituição Soviética (Lei Fundamental), 1918. 5.4. Constituição de Weimar, 1919. 5.5. Carta do Trabalho, 1927. 6. Universalização das Declarações de Direitos. 6.1. A II Guerra Mundial. 6.2. Organização das Nações Unidas. 6.3. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 7. Teoria das Dimensões ou Gerações dos Direitos Fundamentais. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas
1. Introdução
A concepção moderna dos direitos fundamentais é fruto de uma construção histórica. São tidos como fundamentais os direitos que compõem um núcleo existencial básico para a vida digna do ser humano. Resulta daí o motivo pelo o qual a concepção de historicidade se destaca entre as características dos direitos fundamentais.
Neste sentido, Alexandre de Moraes:
“Os direitos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das ideias surgidas com o cristianismos e com o direito natural. (...) Assim, a noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da ideia de constitucionalismo, que tão somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular” (2011, p.2 – 3).
No entendimento de José Afonso da Silva:
“O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem, em enunciados explícitos das declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa na conquista de novos direitos. Mais do que conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira entre proprietários e não proprietários” (1992, p.137)
No que tange a finalidade desses direitos tidos como fundamentais, Canotilho aponta uma dupla perspectiva:
“Constituem num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual (...) Implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).”’ (Apud MORAES, 2011, p. 3)
Miguel Ángel Ekmekdjian sintetiza da seguinte forma:
“o homem, para viver em companhia de outros homens, deve ceder parte de sua liberdade primitiva que possibilitará a vida em sociedade. Essas parcelas de liberdades individuais cedidas por seus membros, ao ingressar em uma sociedade, se unificam, transformando-se em poder, o qual é exercido por representantes do grupo” (Apud MORAES, 2011, p. 4)
Portanto, a previsão dos direitos humanos fundamentais direciona-se basicamente para a proteção à dignidade humana em seu sentido mais amplo. A concepção de dignidade é a viga mestra que dá sustentação a um verdadeiro Estado de direito democrático. Como nos ensina o Marco Aurélio Mendes de Faria Mello:
“Reafirme-se a crença no Direito; reafirme-se o entendimento de que, sendo uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este aquele, advindo a almejada segurança jurídica da observância do ordenamento normativo. O combate ao crime não pode ocorrer com atropelo da ordem jurídica nacional, sob pena de vir a grassar regime totalitário, com prejuízo para toda a sociedade” (STF – 2ª turma – HC nº 74639- 0/RJ – rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, 31-10-1996).
Importa ainda salientar que quando se trata do ”Garantismo Jurídico”, não se pode ater a uma visão monocular. É preciso sempre ter em mente que existe um “garantismo negativo” e um “garantismo positivo”. O garantismo negativo é aquele em que se limitam os poderes do Estado perante o indivíduo (v.g. proibição de tortura). O garantismo positivo é aquele em que se concede ao Estado certos poderes sobre o indivíduo, visando a proteção dos interesses sociais (v.g. pena de prisão, prisões provisórias etc.). Assim pode haver inconstitucionalidade por excesso quando uma lei é por demais invasiva ou violadora de direitos individuais (v.g. uma lei que permitisse a interceptação telefônica aleatoriamente). Mas, também pode haver inconstitucionalidade por deficiência protetiva quando o Estado não protege bens jurídicos relevantes de modo adequado (v.g. uma lei que permitisse matar ou roubar impunemente ou que previsse penas muito irrisórias para tais condutas).
2. Sociedades Primitivas
Mergulhando no tempo, a jornada em busca dos primórdios das garantias fundamentais remonta às sociedades mais rudimentares da Antiguidade humana. Na lição de José Afonso da Silva, nessas sociedades primitivas os bens pertenciam ao conjunto, verificando-se uma verdadeira comunhão democrática de interesses, não existindo poder dominante, já que o poder era interno à sociedade, sem haver opressão social ou política. Contudo, o autor aponta que:
“Com o desenvolvimento do sistema de apropriação privada, contudo, aparece uma forma social de subordinação e de opressão, pois o titular da propriedade, mormente da propriedade territorial, impõe seu domínio, e subordina tantos quantos se relacionem com a coisa apropriada”. (1992, p.138)
Desta forma, surge o poder externo à sociedade, que, pela necessidade de se impor e fazer-se valer eficazmente, se torna em poder político. De acordo com ótica de Lewis Morgan, em sua obra “La Sociedad Primitiva”, aí está a origem da escravidão sistemática, diretamente relacionada com a aquisição de bens. O Estado, então, surge como um aparato necessário para sustentar esse sistema de dominação (Apud SILVA, 1992, p 138).
Ainda de acordo com Morgan:
“chegará o dia em que o intelecto humano se elevará até dominar a propriedade e definirá as relações do Estado com a propriedade que salvaguarda e as obrigações e limitações de direitos do seu dono. Os interesses da sociedade são maiores que os dos indivíduos e devem ser colocados em uma relação justa e harmônica. (...) A unidade na sociedade, a igualdade de direitos e privilégios e a educação universal antecipam o próximo plano mais elevado da sociedade, ao qual a experiência, o intelecto e o saber tendem firmemente. Será uma ressurreição, em forma mais elevada, da liberdade, igualdade e fraternidade das antigas gentes” (Apud SILVA, 1992, p 138)
Há, porém, nessas assertivas que fazem uma espécie de apologia ao primitivo um resquício muito forte da tendência à crença idealista numa espécie de “Idade de Ouro” da humanidade, uma versão materialista do “Paraíso”, uma espécie de “Paraíso Terrestre”, habitado por bons selvagens. Essa tradição idealista tem produzido muitos males em revoluções que somente produzem totalitarismo e morte e utopias que se convertem em coveiras da liberdade humana. Somente a título de exemplo, é possível identificar essa tendência em autores clássicos como Rousseau e Marx. Conforme ensina Mises:
“O dogma fundamental dessa crença proclama que a pobreza é resultado de instituições sociais injustas. O pecado original que privou a humanidade de uma vida feliz nos jardins do paraíso foi o estabelecimento da propriedade privada e da empresa. O capitalismo atende apenas aos interesses egoístas dos ferozes exploradores. Condena as massas de homens íntegros ao empobrecimento e degradação progressivos. O que é necessário para tornar prósperas todas as pessoas é a submissão dos exploradores gananciosos ao grande deus chamado Estado” (1987, p. 58).
Portanto, se as raízes dos direitos fundamentais podem ser buscadas também nas origens das sociedades humanas e da própria humanidade numa perspectiva de universalidade natural, não se deve permitir que a consciência seja entorpecida por idealizações de uma sociedade primitiva que jamais existiu e mesmo de um homem primitivo para o qual somente havia sentimentos nobres, fraternidade e compaixão, o qual teria sido um dia corrompido pela sociedade. Nem a ideia de uma tendência ao progresso irrefreável, nem também aquela saudosista de um passado idealizado (uma saudade do que nunca existiu), pode ser o norte do pensamento. É preciso manter os pés no chão, no chão do presente, que tem sim um passado que ensina e um futuro incerto para o qual se caminha paulatinamente e onde não se pode permitir a limitação ou o abandono de direitos fundamentais já conquistados ao longo da história.
3. Primórdios do Constitucionalismo
A doutrina aponta como marcos históricos do período pré-constitucional os Códigos de Ur-Nammu e de Hamurabi. O Código de Ur-Nammu (2100 a.C.), editado por esse soberano assírio, tinha por objetivo a instituição de penas pecuniárias para punir delitos, em substituição às radicais punições anteriormente previstas pela chamada “Lei de Talião”.
Por sua vez, o Código de Hamurabi (1690 a.C.) é tido como o mais conhecido conjunto de leis da Antiguidade, demonstrando em seu bojo uma forma de organização do Estado, ainda que rudimentar. No monólito gravado com 282 artigos, hoje em exposição no Museu do Louvre em Paris, encontra-se a famosa previsão de “dosimetria de pena” conhecida como “Lei de Talião”. Em que pese rigorosa, a previsão constituía, de fato, um avanço para a época, uma vez que representava uma limitação legal aos governantes, impedindo a aplicação de penas arbitrárias.
Na sociedade mesopotâmica daquela época, havia uma rígida divisão de classes sociais e a pena acabava por variar de acordo com a posição social ocupada pelo transgressor. Vejamos:
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Awelum: configurava a classe mais alta daquela sociedade. Quando estes cidadãos incorriam em alguma violação, o transgressor compensava o delito com parte de seu patrimônio.
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Mushkenum: tratava-se da classe intermediária daquela sociedade. Quando cometiam violação, o infrator muitas vezes compensava com a vida, parte de seu corpo ou com seu patrimônio.
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Wardum: tratava-se da classe do escravo marcado. Para essa casta da sociedade mesopotâmica as penas reservadas eram corporais e, portanto, mais cruéis.
Os autores Alexandre de Moraes (2011, p.4) e Ricardo Castilho (2013, p.23) apontam em suas obras o “Código de Hamurabi” como a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, contendo uma série de dispositivos relativos a direitos dos indivíduos, tais como:
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Valores como vida, propriedade, honra, dignidade e família;
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Supremacia das leis em relação aos governantes;
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Espécie de salário mínimo por dia de trabalho;
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Direito a alimentos da mãe e seus filhos em face do abandono do marido;
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Ajuda a fugitivos;
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Entre outros.
Outro documento deste período histórico que merece menção é a Torá, conjunto de cinco livros com apontamentos de caráter normativo, onde se incluem os mandamentos e leis que teriam sido entregues a Moisés, por volta do ano 1250, para organizar o povo de Israel. Assim como o Código de Hamurabi, a Torá fala em compensação à vítima em caso de roubo.
Apesar de o livro constituir documento de caráter religioso, como bem observa André Ramos Tavares, em um estado teocrático como Israel, governado pela classe sacerdotal, a própria lei religiosa acaba por constituir-se em um limite para o poder político (2004, p.12).
De acordo com Ricardo Castilho, na China, por volta de 340 a.C., o pensador Meng-tzu, principal seguidor de Confúcio, já insistia na bondade da natureza humana e no governo segundo o modelo dos reis sábios (2013, p.29).
O pensador chinês muito antes de Thomas Hobbes, já falava em um “mandato celeste” dos soberanos, ressalvava, porém, que a legitimação dos monarcas dava-se por meio da justiça. Portanto, o povo, a quem ele considerava naturalmente sábio, bom e poderoso, tinha o direito de rebelar-se contra os tiranos que usavam o poder em proveito próprio. O mal, segundo ele, consistia no abandono e na autodestruição.
Outro aspecto interessante no legado de Meng-tzu é sua proposta de um sistema econômico misto para a administração pública, que consistia em oito proprietários reservando, cada um, um terreno para compor um campo público, no qual os oito proprietários trabalhariam e os produtos ali gerados seriam destinados exclusivamente para o pagamento de impostos.
Os ensinamentos deixados por Buda (500 a.C.) também possuem importante papel e merecem menção nesse nosso estudo, de acordo com Alexandre de Moraes:
“a influência filosófico-religiosa nos direitos do homem pôde ser sentida com a propagação das ideias de Buda, basicamente sobre igualdade de todos os homens” (2011, p. 7)
Na antiga Roma, o Direito estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais. A chamada “Lei das XII Tábuas” compunha-se de regras destinadas a reger a vida da sociedade romana, criada entre os anos 451 e 450 a.C.:
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Liberdade
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Propriedade
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Publicidade
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Proteção aos direitos do cidadão romano.
Avançando no tempo, chegamos à antiguidade grega, onde Aristóteles (384a.C.–322a.C.) escreveu um dos mais representativos exemplos de reflexão sobre a necessidade de normas para uma sociedade política, um ensaio sobre a Constituição de Atenas, cujos fragmentos originais foram descobertos no Egito no final do século XIX.
Neste trabalho, Aristóteles percorre as experiências constitucionais da cidade-Estado de Atenas, conforme seus principais legisladores (Drácon, Sólon, Pisistrato, Clístenes e Péricles). No livro IV, intitulado “Política”, Aristóteles define a Constituição como “distribuição de poderes num Estado”, acrescentando que a constituição deve ter como princípios “a educação e os hábitos da população”.
Com base nas leis colocadas em prática nas cidades-Estado, a democracia direta grega se inicia no século V. Inicialmente os cargos públicos eram exercidos por sorteio, em mandato com prazo determinado. Mais tarde o sorteio foi substituído por um regime primitivo de votação, iniciando a participação do povo na vida política, uma forma imperfeita de democracia.
Os legados semeados por Jesus Cristo também são dignos de menção nesta singela cronologia que aqui se desenha. Para Ricardo Castilho, o Cristianismo:
“Trouxe a mensagem de igualdade de todos os homens, independentemente de origem, raça, sexo ou credo, o que veio a influenciar diretamente a consagração dos direitos fundamentais, enquanto necessários à dignidade da pessoa humana” (CASTILHO, 2013, p. 24)
4. Constitucionalismo na Idade Média
A Idade Média, período da história que compreende os séculos V à XV, constitui importante objeto de estudo na digressão histórica da evolução dos Direitos Fundamentais. Segundo José Afonso da Silva foi “no bojo da Idade Média que surgiram os antecedentes mais diretos das declarações de direitos.” (1992, p. 137)
Entretanto, apesar de deste período conter documentos pertinentes e de suma relevância, foi um momento marcado pela forte desigualdade social, onde as classes eram separadas por um verdadeiro abismo econômico e cultural.
Neste sentido, Ricardo Castilho:
“Talvez a Idade Média tenha sido a mais completa era da desigualdade social oficial. Quem nascia em um estamento permanecia nele. Não havia ascensão social, como não havia descenso social” (2013, p.33)
Conforme ensina Alexandre de Moraes:
“Este período da história da humanidade ficou marcado pelo Feudalismo, pela rígida separação entre classes e a consequente subordinação entre o suserano e os vassalos. Todavia, em que pese essa situação, surgiram diversos documentos jurídicos reconhecedores da existência de direitos humanos, limitando o poder estatal.” (2011, p. 13)
Portanto, na Europa feudal a sociedade era rigidamente segmentada em categorias, não havendo possibilidade de ascensão ou descenso social. Podemos destacar a seguinte divisão populacional:
- Guerreiros – eram os nobres, promoviam a guerra, sob o pretexto de reparar injustiças e espalhar a cristandade, invadindo países para anexar terras, pilhar e saquear.
- Sacerdotes – os quais Ricardo Castilho brilhantemente definiu como sendo aqueles que:
“interpretavam a intenção da divindade, quase sempre emprestando aos deuses palavras que representam aquilo que os governantes desejavam que estes tivessem dito” (2013, p.33)
- Trabalhadores – mais uma vez se mostra perfeita a definição de Ricardo Castilho, o qual designa a classe dos trabalhadores como sendo os seres humanos que “esfalfavam-se para sustentar os guerreiros e os sacerdotes” (2013, p. 33)
Diante deste quadro, podemos concluir que, apesar do forte papel desempenhado pela Igreja no seio da sociedade, o clero e seus seguidores acabaram por se esquecer das eméritas lições de igualdade deixadas por Jesus Cristo.
Foi um período em que o legado deixado pelas sociedades antigas foi deixado de lado, com a humanidade mergulhando na chamada “Idade das Trevas”. 1 Portanto, de acordo com o pensamento dominante à época, havia a noção clara de que os homens não eram iguais entre si, logo, não poderiam ser regidos por leis igualitárias.
Passamos agora a pontuar os principais documentos deste período histórico, dividindo-os de acordo com os países em que nasceram.
4.1. Portugal
Entre os séculos XII e XVI, as Cartas Régias de Foral foram concedidas em Portugal, pelo monarca D. Sancho, com a intenção povoar o território do reino, em especial as localidades conquistadas dos muçulmanos.
Estes documentos reais conferiam foro jurídico aos habitantes medievais de um povoado que quisessem libertar-se do poder feudal. Assim, ganhavam autonomia de município e podiam colocar-se sob domínio e jurisdição exclusivos da Coroa portuguesa.
Concedia terras baldias para uso coletivo da comunidade, regulava impostos, taxas, multas, bem como estabelecia direitos de proteção e obrigações militares para serviço real. Este sistema acabou por originar um estado fragmentário, com cada município tendo suas leis particulares, com o poder dos senhorios se sobrepondo ao direito público, gerando arbitrariedades.
No início da Idade Média, as cidades eram patrocinadas pelos senhores feudais, que submetiam os habitantes à sua absoluta autoridade. A importância, portanto, desses forais ou cartas de franquia residem no fato de que, por meio deles, os senhores feudais faziam constar, por escrito, direitos concedidos aos membros do grupo beneficiado, a fim de que fossem conhecidos e respeitados.
4.2. Inglaterra
As contribuições dos documentos ingleses deste período são enormes e de importância crucial neste despretensioso trabalho. Assim sendo, destacamos o ensinamento do doutrinador José Afonso da Silva:
“Na Inglaterra, elaboraram-se cartas e estatutos assecuratórios de direitos fundamentais (...) Não são, porém, declarações de direitos no sentido moderno, que só apareceram no século XVIII com as Revoluções americana e francesa. Tais textos, limitados e às vezes estamentais, no entanto, condicionaram a formação de regras consuetudinárias de mais ampla proteção dos direitos humanos fundamentais” (1992, p. 139)
Seguimos, então, analisando resumidamente os principais instrumentos ingleses, em ordem cronológica:
4.2.1. Magna Charta Libertatum, 1215
Documento de caráter fundamental em qualquer estudo que envolva a temática dos Direitos Fundamentais. Nele se destacam as previsões dos seguintes direitos:
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liberdade da Igreja da Inglaterra;
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restrições tributárias;
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proporcionalidade entre delito e sanção;
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previsão do devido processo legal;
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livre acesso à Justiça;
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liberdade de locomoção ,
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livre entrada e saída do país, etc.
O Papa Inocêncio III convocou o Quarto Concílio de Latrão no ano de 1213, com o intuito de combate à heresia de seitas politeístas, entretanto, os barões ingleses aproveitaram o momento para debater as prerrogativas do Rei João I (o “Sem Terra”). Com isso, apoiados pelo pontífice, estes nobres exigiram que o rei renunciasse a direitos considerados por eles exagerados. O monarca, então, foi obrigado a editar a Magna Carta, em 1215.
Segundo Albert Noblet, em sua obra “A Democracia Inglesa”:
“longe de ser a Carta das liberdades nacionais, é, sobretudo, uma carta feudal, feita para proteger os privilégios dos barões e os direitos dos homens livres. Ora, os homens livres, nesse tempo, ainda eram tão poucos que podiam contar-se, e nada de novo se fazia a favor dos que não eram livres” (Apud SILVA, 1992, p 140)
José Afonso da Silva reconhece como verdadeira esta observação de Noblet, porém o autor brasileiro afirma a importância da Magna Carta como um símbolo das liberdades públicas, consubstanciando o esquema básico do desenvolvimento constitucional inglês, servindo de base para que juristas, especialmente Edward Coke, extraíssem dela os fundamentos da ordem jurídica democrática do povo inglês.
Para Nicola Matteucci o “princípio da primazia da lei”, inserido na Magna Carta, caracteriza-se como sendo a maior contribuição da Idade Média para a história do constitucionalismo:
“na Idade Média ele foi um simples princípio, muitas vezes pouco eficaz, pois faltava um instituto legítimo que controlasse, baseando-se no direito, o exercício do poder político e garantisse aos cidadãos o respeito à lei por parte dos órgãos do Governo” (Apud DALLARI, 1991, p. 47)
Ricardo Castilho aponta que este documento “marcou o início da monarquia constitucional inglesa e um primeiro passo para o constitucionalismo no mundo ocidental” (2013, p. 35)
A visão de Ingo Wolfgang Sarlet é de que o fato do documento somente se refere a “homens livres”, faz com que ele não fosse totalmente abrangente na sociedade inglesa daquele período, mas tão somente abarcando senhores feudais, cavaleiros e religiosos:
“a Magna Carta, como outros documentos que a seguiram não constitui uma verdadeira declaração de direitos no sentido moderno (...) representa uma real e efetiva limitação do poder estatal, porém também uma pequena parcela da população, possuindo, nesse sentido, caráter particularista e reduzido” (2010, p. 41)
4.2.2. Petition of Rights, 1628
Autores diversos apontam a “Petition of Rights” como a semente que deflagrou a Revolução Inglesa. Neste sentido, Ricardo Castilho:
“Em muitos países os cidadãos buscavam maneiras de limitar os poderes dos governantes, em especial nas monarquias absolutistas. Era o início da transição do absolutismo para o Estado liberal de Direito, onde o governo seria norteado por leis fundamentais, as chamadas cartas constitucionais” (2013, p. 47)
A assinatura da Petição de Direitos, elaborada por Edward Coke (1552-1634), é apontada como responsável pelo início do constitucionalismo moderno.
Este é o posicionamento de Ingo Wolfgang Sarlet:
“(...) em sua obra e nas suas manifestações públicas como juiz e parlamentar, sustentou a existência de fundamental rights dos cidadãos ingleses, principalmente no que diz com a proteção da liberdade pessoal contra a prisão arbitrária e o reconhecimento do direito de propriedade tendo sido considerado o inspirador da clássica tríade vida, liberdade e propriedade, que se incorporou ao pensamento individualista burguês (...)” (2010, p. 39)
No mesmo sentido, o autor português J. J. Canotilho:
“(...) fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, cultural que, sobretudo, a partir de meados do século XVII, questiona nos planos político, filosófico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo a invenção de uma forma de ordenação e fundamentação do poder político. Este constitucionalismo, como o próprio nome indica, pretende opor-se ao chamado constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder. Estes princípios ter-se-iam sedimentado num tempo longo, desde os fins da Idade Média até o século XVII” (1998, p. 46)
Esta petição é um documento dirigido ao monarca. Liderados por Sir Edward Coke, os membros do Parlamento pediam o reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os seus súditos já reconhecidos na Magna Carta. Entre as exigências estava a de que o rei deixasse para o Parlamento o controle da política financeira e o controle do exército.
Para José Afonso da Silva:
“A petição constituiu um meio de transação entre o Parlamento e rei, que este cedeu, porquanto aquele já detinha o poder financeiro, de sorte que o monarca não poderia gastar dinheiro sem autorização parlamentar”. (1992, p. 140).
Conforme observa Alexandre de Moraes:
“Previa expressamente que ninguém seria obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolência e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento.” (2011, p. 14)
A resposta do rei foi radical, dissolveu o Parlamento e a Inglaterra mergulhou nos chamados “onze anos de tirania”, que culminaria na guerra civil e na Revolução Gloriosa, expulsando os católicos do poder. Derrotado e cercado o monarca cedeu grande parte de suas prerrogativas ao Parlamento, situação que perdura até hoje.
4.2.3. Habeas Corpus Act, 1679
Para Ricardo Castilho, o Habeas Corpus Act de 1679 representou um dos grandes destaques do reinado de Carlos II, o documento definia e fortalecia a velha prerrogativa do habeas corpus (já instituída na Magna Carta de 1215), segundo a qual a pessoa ilegalmente detida teria direito a ser levada para diante de um tribunal para que ali se decida a legalidade de sua detenção (2013, p. 52).
Na lição de Alexandre de Moraes:
“(...) regulamentou esse instituto que, porém, já existia na common law. A lei previa que, por meio de reclamação ou requerimento escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado da prática de um crime (...) o lorde-chanceler ou, em tempo de férias, algum juiz dos tribunais superiores, depois de terem visto cópia do mandado ou o certificado de que a cópia foi recusada, poderiam conceder providência de habeas corpus em benefício do preso, a qual será imediatamente executada perante o mesmo lorde-chanceler ou juiz; e se afiançável, o indivíduo seria solto, durante a execução da providência, comprometendo-se a comparecer e responder à acusação no tribunal competente. Além de outras previsões complementares, o Habeas Corpus Act previa multa de 500 libras àquele que voltasse a prender, pelo mesmo fato, o indivíduo que tivesse obtido a ordem de soltura” (2011, p. 8)
Albert Noblet ensina que:
“o Habeas Corpus Act reforçou as reivindicações de liberdade, traduzindo-se, desde logo, e com as alterações posteriores, na mais sólida garantia da liberdade individual, e tirando aos déspotas uma das suas armas mais preciosas, suprimindo as prisões arbitrárias” (Apud SILVA, 1992, p. 140)
Relevante se faz o reconhecimento da importância histórica deste documento, tendo em vista que ele serviu de inspiração e modelo para todas as garantias criadas a partir de então.
Neste sentido, Fabio Konder Comparato afirma:
“Na América Latina, por exemplo, o juicio de amparo e o mandado de segurança copiaram do habeas corpus a característica de serem ordens judiciais dirigidas a qualquer autoridade pública acusada de violar direitos líquidos e certos, isto é, direitos cuja existência o autor pode demonstrar desde o início do processo, sem necessidade de produção ulterior de provas” (2010, p. 101).
Importa neste ponto destacar a relevância do Habeas Corpus como uma conquista inalienável da humanidade diante de um quadro triste que se vem desenhando na jurisprudência das Cortes Superiores brasileiras, qual seja, uma tendência à limitação do uso do Habeas Corpus.
A primeira turma do STF indeferiu Habeas Corpus, sob o argumento de seu descabimento no caso concreto devido ao trânsito em julgado da decisão, bem como ao não esgotamento das vias recursais (Apelação e Recurso Especial).
A decisão do STF sob comento é perigosa, na medida em que nos sugere a seguinte indagação perturbadora: Qual o destino do Habeas Corpus na prática forense brasileira?
Fato é que tem havido um progressivo apequenamento da viabilidade do remédio heroico, revelando uma tendência perversa em fechar de todas as maneiras possíveis e imagináveis as portas desse meio defensivo do direito fundamental de liberdade frente a abusos e ilegalidades.
Toma-se a liberdade de transcrever a manifestação de Maia Filho:
“Eu me pergunto qual será o futuro do Habeas Corpus, e me respondo que é um futuro no qual minguará a sua utilidade; ele somente será usado, ou admitido o seu emprego, em casos escancaradamente ilegais ou abusivos, mas aí é óbvio o seu cabimento. Os magistrados evitam analisar as peças que instruem os pedidos de HC, não sei se por temor de encontrarem o que não desejam (a demonstração da ilegalidade ou da abusividade da prisão ou da ameaça de prisão) ou porque entendem ser a prisão ou ameaça de prisão devidas, dada a gravidade do ilícito, por exemplo. Mas o futuro do Habeas Corpus corre sérios riscos; eu penso que não o teremos mais por muito tempo como remédio heroico de préstimo valiosíssimo e rápido, capaz de eliminar, prontamente, uma prisão ilegal ou abusiva, ou a ameaça dessa mesma prisão” (2012, p. 43).
O Habeas Corpus é chamado propriamente de “remédio heroico” porque é um instrumento hábil a viabilizar a reparação de injustiças que ferem o direito de liberdade das pessoas. Sua configuração como garantia constitucional corre o risco de ser banalizada pela criação jurisprudencial de barreiras ao seu uso. Exigências como o prévio esgotamento de vias recursais ou mesmo o impedimento de seu manejo perante a coisa julgada são irracionais. Ora, se há injustiça, deve sempre haver um meio para corrigi-la. Não cabe à jurisdição criar proteções para a injustiça por meio da restrição do uso de um instrumento tão valioso como é o Habeas Corpus.
Como bem lembra Cambi, “a construção de sistema jurídico ideal decorre do equilíbrio entre os valores da segurança jurídica e da justiça” (2009, p. 89).
Será que alguém concorda que uma injustiça se cristalize somente por causa da coisa julgada ou da não utilização tempestiva dos meios recursais pertinentes? Não é isso sobrepor forma a conteúdo?
Nenhuma crítica haveria se o Supremo Tribunal Federal, ao analisar as razões do Habeas Corpus o indeferisse mediante fundamentação adequada. O problema é simplesmente fechar os olhos à avaliação de uma suposta ilegalidade ou abuso, deixando de apreciar a ação impugnativa.
Por isso é que tem razão o Ministro Marco Aurélio ao ponderar a ocorrência de um “retrocesso em termos de garantias constitucionais” (HC 110152/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 8.5.2012. HC-110152).
E o pior não é somente o caso específico sob análise e sim a sua repercussão em decisões por todos os tribunais e juízos, principalmente em se tratando de um posicionamento emanado do mais elevado órgão jurisdicional brasileiro. Há o perigo de que essa espécie de pensamento se dissemine por meio de uma jurisprudência precedentalista acrítica no bojo da qual as decisões emanadas de órgãos superiores são simplesmente repetidas sem a necessária reflexão.
Como bem lembra de forma irônica Schmidt, muitas vezes presenciamos o que o autor denomina de “teletubismo jurídico” na repetição da expressão cunhada pelo Desembargador Amilton Bueno de Carvalho. Trata-se de uma “doença crônica que atinge parte dos operadores jurídicos brasileiros”, podendo ser descrita como “um transtorno de personalidade argumentativa neutra que, em termos semelhantes àqueles ETs gordinhos do programa infantil, leva o doente do método de – novo – dedutivo. (...). Em seu estágio terminal, leva à petrificação dos neurônios e à incapacidade do uso do ‘por quê’” (2007, p. 16. – 17).
Esperemos que a decisão do STF ora comentada não cheque a gerar os frutos venenosos que podem matar a proteção devida ao direito fundamental à liberdade.
4.2.4. Bill of Rights, 1689
Na visão de José Afonso da Silva, a Declaração de Direitos (Bill of Rights) é o documento mais importante surgido neste período na Inglaterra:
“O documento mais importante é a Declaração de Direitos que decorreu da Revolução de 1688, pela qual se firmara a supremacia do Parlamento, impondo a abdicação do rei Jaime II e designando novos monarcas, Guilherme III e Maria II, cujos poderes reais limitavam com a declaração de direitos a eles submetida e por eles aceita (...)” (1992, p. 141)
Fábio Konder Comparato comunga do mesmo entendimento acerca da relevância do Bill of Rights:
“(...) Surge, então, para a Inglaterra, a monarquia constitucional, submetida à soberania popular (superou-se a realeza de direito divino), que teve em Locke seu principal teórico e que serviu de inspiração ideológica para a formação das democracias liberais da Europa e da América nos séculos XVIII e XIX” (2010, p. 102)
De acordo com Alexandre de Moraes:
“significou enorme restrição ao poder estatal, prevendo, dentre outras regulamentações: fortalecimento ao princípio da legalidade, ao impedir que o rei pudesse suspender leis ou a execução das leis sem o consentimento do Parlamento; criação do direito de petição; liberdade de eleição dos membros do Parlamento; imunidades parlamentares; vedação à aplicação de penas cruéis; convocação frequente do Parlamento”. (2010, p. 8)
Contudo, o autor salienta que “(...) apesar do avanço em termos de declaração de direitos, o Bill of Rights expressamente negava a liberdade e igualdade religiosa (...)” (2010, p. 8).
4.2.5. Act of Settlement, 1701
Alexandre de Moraes afirma que este precedente histórico
“configurou-se em um ato normativo reafirmador do princípio da legalidade (Item IV) e da responsabilização política dos agentes públicos, prevendo-se a possibilidade, inclusive, de impeachment de magistrados” (2010, p. 9)
Neste momento, se faz importante a leitura do texto do Item IV do referido documento:
Item IV - “E considerando que as leis de Inglaterra constituem direitos naturais do seu povo e que todos os reis e rainhas que subirem ao trono deste reino deverão governá-lo em obediência às ditas leis e que todos os seus oficiais e ministros deverão servi-los também de acordo com as mesmas leis”
De acordo com Ricardo Castilho:
“o Parlamento promulgou a Declaração de Direitos, obrigando os novos monarcas a aceitá-la. Essa declaração foi a consolidação do parlamento inglês, nos moldes em que até hoje é praticado. Foi o documento mais efetivo na limitação dos poderes dos soberanos” (2013, p.54)
Da mesma forma Fábio Konder Comparato:
“a partir de 1689, na Inglaterra, os poderes de legislar e criar tributos já não são prerrogativas do monarca, mas entram na esfera de competência reservada do Parlamento (...)” (2010, p. 105)
Para Vladmir Oliveira Silveira e Maria Méndez, o Act os Settlement representou, também, importante marco na história dos direitos humanos, já que limitou o poder estatal em favor das pessoas a ele submetidas, no que constituiu um precursor do constitucionalismo contemporâneo (Apud CASTILHO, 2013, p. 55).
4.3. Estados Unidos da América
4.3.1. Declaração de Virgínia, 1776
José Afonso da Silva pontua este instrumento como a primeira declaração de direitos fundamentais, em sentido moderno (1992, p.153). Já Fábio Konder Comparato afirma se tratar do “registro de nascimento dos direitos humanos na História” (2010, p.43)
De acordo com Ricardo Castilho,
“Em 12 de junho de 1776, o povo da colônia da Virgínia divulgou um documento, escrito por Thomas Jefferson, que seria precursor da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América.” (2013, p. 65)
As teorias de Locke, Rousseau e Montesquieu vieram a inspirar fortemente a criação das Declarações de Direitos da Virgínia e de Independência dos EUA. Os preceitos consubstanciavam as bases dos direitos do homem, tais como:
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Todos os homens são por natureza livre e independentes;
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Todo o poder está investido no povo e, portanto, dele deriva, e os magistrados são seus depositários e servos, e a todo tempo por ele responsáveis;
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O governo é, ou deve ser, instituído para o comum benefício , proteção e segurança do povo, nação ou comunidade;
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Ninguém tem privilégios exclusivos nem cargos ou serviços públicos serão hereditários;
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Os Poderes Executivo e Legislativo do Estado deverão ser separados e distintos do Judiciário e, para garantia contra opressão, os membros dos dois primeiros teriam que ter investidura temporária e as vagas seriam preenchidas por eleições frequentes, certas e regulares
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As eleições dos representantes do povo devem ser livres
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É ilegítimo todo poder de suspensão da lei ou de sua execução, sem consentimento dos representantes do povo
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Assegurado o direito de defesa nos processos criminais, bem como julgamento rápido por júri imparcial, e que ninguém seja privado de liberdade, exceto pela lei da terra ou por julgamento de seus pares
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Vedadas fianças e multas excessivas e castigos cruéis e extraordinários
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Vedada a expedição de mandados gerais de busca ou de detenção, sem especificação exata e prova do crime
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A liberdade da imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade
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Todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião com os ditames da consciência.
Conclui José Afonso da Silva que “basicamente a Declaração se preocupara com a estrutura de um governo democrático, com um sistema de limitação de poderes.” (1992, p. 142)
Já para Leon Duguit,
“as declarações de direito, iniciadas com a da Virgínia, importam em limitações do poder estatal, como tal, inspiradas na crença na existência de direitos naturais e imprescritíveis do homem” (Apud SILVA, 1992, p. 142).
4.3.2. Declaração de Independência dos EUA,1776
Conforme é possível se extrair dos seguintes trechos do documento, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, documento de inigualável valor histórico e produzido basicamente por Thomas Jefferson, teve como tônica preponderante a limitação do poder estatal:
“A história do atual Rei da Grã-Bretanha compõe-se de repetidos danos e usurpações tendo todos por objetivo direto o estabelecimento da tirania absoluta sobre estes Estados. Para prová-lo, permitam-nos submeter os fatos a um cândido mundo: recusou assentimento a leis das mais salutares e necessárias ao bem público (...) Dissolveu Casas de Representantes repetidamente porque se opunham com máscula firmeza às invasões dos direitos do povo (...) Dificultou a administração da justiça pela recusa de assentimento a leis que estabeleciam poderes judiciários. Tornou os juízes dependentes apenas da vontade dele para gozo do cargo e valor e pagamento dos respectivos salários (...) Tentou tornar o militar independente do poder civil e a ele superior (...)”
Assevera José Afonso da Silva, em sua obra “Curso de Direito Constitucional Positivo”, que a Declaração de Independência teve maior repercussão que a Declaração de Virgínia, da qual o autor destaca o seguinte trecho:
“Consideramos estas verdades como evidentes de per si, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo criador de certos direitos inalienáveis; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para lhe realizar segurança e a felicidade” (JEFFERSON, Thomas, Apud SILVA, 1992, p. 142).
4.3.3. Constituição dos EUA
Ricardo Castilho afirma que a Constituição norte-americana foi a primeira do mundo, sendo importante ressaltar que ela continua sendo até hoje a única daquele país. (2013, p.67)
Preleciona José Afonso da Silva:
“A Constituição dos EUA, aprovada na Convenção de Filadélfia, em 17/08/1787, não continha inicialmente uma declaração dos direitos fundamentais do homem. Sua entrada em vigor, contudo, dependia da ratificação de pelo menos nove dos treze Estados independentes, ex-colônias inglesas na América, com que, então, tais Estados soberanos se uniriam num Estado Federal, passando a simples Estados-membros deste. Alguns, entretanto, somente concordaram em aderir a esse pacto se introduzisse na Constituição uma Carta de Direitos, em que se garantissem os direitos fundamentais do homem.” (1992, p. 143)
Estando concordes os Estados envolvidos, foram elaborados enunciados por Thomas Jefferson e James Madison, o que veio a dar origem às dez primeiras Emendas à Constituição dos Estados Unidos da América, aprovadas 1791.
A Constituição dos EUA e suas 10 emendas pretenderam limitar o poder estatal, estabelecendo a separação dos poderes, conjuntamente com diversos direitos humanos fundamentais:
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Liberdade religiosa
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Inviolabilidade de domicílio
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Devido processo legal
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Julgamento pelo Tribunal do Júri
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Ampla defesa
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Impossibilidade de aplicação de penas cruéis ou aberrantes
Consoante Ricardo Castilho,
“(...) é a marca basilar do constitucionalismo moderno. Representa uma das mais importantes revoluções burguesas, movimento iniciado na Inglaterra em 1688 e que culminaria na França em 1789. Mas tem raiz na Magna Carta de 1215, onde já estavam presentes elementos essenciais do constitucionalismo, como a limitação do poder do Estado e a declaração dos direitos fundamentais da pessoa humana.” (2013, p. 71)
Ingo Wolfgang Sarlet afirma não se tratar de coincidência histórica a proteção dos direitos fundamentais e o surgimento do moderno Estado constitucional. Ambos foram fruto de lutas sociais contra arbítrios e desmandos promovidos pelo Estado (2010, p. 36).
4.4. França
4.4.1. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789
A consagração normativa dos direitos humanos fundamentais, porém, coube à França, quando, em 26/08/1789, a Assembleia Nacional promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, com 17 artigos.
Alguns autores, como Alexandre de Moraes, costumam ressaltar a influência que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão sofreu da Revolução Americana. Todavia, esse não é o pensamento de José Afonso da Silva:
“na verdade, não foi assim, pois os revolucionários franceses já vinham preparando o advento do Estado Liberal ao longo de todo século XVIII. As fontes filosóficas e ideológicas das declarações de direitos americanas como da francesa são europeias” (1992, p. 143)
Na visão de José Afonso da Silva, a Declaração da Virgínia é mais concreta, preocupada com a situação particular que afligia aquelas comunidades, se distinguindo da Declaração francesa de 1789, mais abstrata e universalizante.
Para Jacques Robert (Apud SILVA, 1992, p. 145), os três caracteres fundamentais da Declaração francesa são:
- Intelectualismo:
“a afirmação de direitos imprescritíveis do homem e a restauração de um poder legítimo, baseado no consentimento popular, foi uma operação de ordem puramente intelectual que se desenrolaria no plano unicamente das ideias (...) A Declaração dos direitos era antes de tudo um documento filosófico e jurídico que devia anunciar a chegada de uma sociedade ideal.”
- Mundialismo:
“no sentido de que os princípios enunciados no texto da Declaração pretendem um valor geral que ultrapassa os indivíduos do país, para alcançar um valor universal.”
- Individualismo:
“só consagra as liberdades dos indivíduos, não menciona a liberdade de associação nem a liberdade de reunião, preocupa-se com defender o indivíduo contra o Estado.”
De acordo com Maurice Duverger,
“o texto da Declaração de 1789 é de estilo lapidar, elegante, sintético, preciso e escorreito, que, em seus dezessete artigos, proclama os princípios da liberdade, igualdade, propriedade e legalidade e as garantias individuais liberais que ainda se encontram nas declarações contemporâneas, salvas as liberdades de reunião e de associação que ela desconhecera, firmando uma rigorosa concepção individualista” (DUVERGER, Apud SILVA, 1992, p. 146)
Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta algumas características dos direitos declarados, seriam eles naturais, abstratos, imprescritíveis, inalienáveis, individuais (pertencentes a cada ser humano) e universais (pertencentes a todos os homens). (2010, p. 40-41)
Importante ressaltar que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi inspiração para a Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Assembléia Geral da ONU, em 1948.
4.4.2. Constituições francesas, 1791 e 1793
Alexandre de Moraes, afirma que a Constituição francesa de 1791 trouxe novas formas de controle do poder estatal, porém, coube à Constituição francesa de 1793 uma melhor regulamentação dos direitos humanos fundamentais. (2010, p. 9)
Entre outras previsões foram consagrados os seguintes direitos humanos fundamentais:
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Igualdade
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Liberdade
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Segurança
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Propriedade
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Legalidade
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Livre acesso aos cargos públicos
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Livre manifestação do pensamento
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Liberdade de imprensa
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Presunção de inocência
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Devido processo legal
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Ampla defesa
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Proporcionalidade entre delitos e penas
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Liberdade de profissão
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Direito de petição
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Direitos políticos
Vale destacar o conteúdo do preâmbulo da Constituição francesa de 1791:
“O povo francês, convencido de que o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do homem são as causas das desgraças do mundo, resolveu expor, numa declaração solene, esses direitos sagrados e inalienáveis, a fim de que todos os cidadãos, podendo comparar sem cessar os atos do governo com a finalidade de toda a instituição social, nunca se deixem oprimir ou aviltar pela tirania; a fim de que o povo tenha sempre perante os olhos as bases da sua liberdade e da sua felicidade, o magistrado a regra dos seus deveres, o legislador o objeto da sua missão. Por consequência, proclama, na presença do Ser Supremo, a seguinte declaração dos direitos do homem e do cidadão”