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Evolução histórica dos direitos fundamentais

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Constituição dos EUA:

Ricardo Castilho afirma que a Constituição norte-americana foi a primeira do mundo, sendo importante ressaltar que ela continua sendo até hoje a única daquele país. (2013, p.67)

Preleciona José Afonso da Silva:

“A Constituição dos EUA, aprovada na Convenção de Filadélfia, em 17/08/1787, não continha inicialmente uma declaração dos direitos fundamentais do homem. Sua entrada em vigor, contudo, dependia da ratificação de pelo menos nove dos treze Estados independentes, ex-colônias inglesas na América, com que, então, tais Estados soberanos se uniriam num Estado Federal, passando a simples Estados-membros deste. Alguns, entretanto, somente concordaram em aderir a esse pacto se introduzisse na Constituição uma Carta de Direitos, em que se garantissem os direitos fundamentais do homem.” (1992, p. 143)

Estando concordes os Estados envolvidos, foram elaborados enunciados por Thomas Jefferson e James Madison, o que veio a dar origem às dez primeiras Emendas à Constituição dos Estados Unidos da América, aprovadas 1791.

A Constituição dos EUA e suas 10 emendas pretenderam limitar o poder estatal, estabelecendo a separação dos poderes, conjuntamente com diversos direitos humanos fundamentais:

  • - Liberdade religiosa
  • - Inviolabilidade de domicílio
  • - Devido processo legal
  • - Julgamento pelo Tribunal do Júri
  • - Ampla defesa
  • - Impossibilidade de aplicação de penas cruéis ou aberrantes

Consoante Ricardo Castilho,

“(...) é a marca basilar do constitucionalismo moderno. Representa uma das mais importantes revoluções burguesas, movimento iniciado na Inglaterra em 1688 e que culminaria na França em 1789. Mas tem raiz na Magna Carta de 1215, onde já estavam presentes elementos essenciais do constitucionalismo, como a limitação do poder do Estado e a declaração dos direitos fundamentais da pessoa humana.” (2013, p. 71)

Ingo Wolfgang Sarlet afirma não se tratar de coincidência histórica a proteção dos direitos fundamentais e o surgimento do moderno Estado constitucional. Ambos foram fruto de lutas sociais contra arbítrios e desmandos promovidos pelo Estado (2010, p. 36).

4.4 França:

4.4.1 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789:

A consagração normativa dos direitos humanos fundamentais, porém, coube à França, quando, em 26/08/1789, a Assembleia Nacional promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, com 17 artigos.

Alguns autores, como Alexandre de Moraes, costumam ressaltar a influência que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão sofreu da Revolução Americana. Todavia, esse não é o pensamento de José Afonso da Silva:

“na verdade, não foi assim, pois os revolucionários franceses já vinham preparando o advento do Estado Liberal ao longo de todo século XVIII. As fontes filosóficas e ideológicas das declarações de direitos americanas como da francesa são europeias” (1992, p. 143)

Na visão de José Afonso da Silva, a Declaração da Virgínia é mais concreta, preocupada com a situação particular que afligia aquelas comunidades, se distinguindo da Declaração francesa de 1789, mais abstrata e universalizante.

Para Jacques Robert (Apud SILVA, 1992, p. 145), os três caracteres fundamentais da Declaração francesa são:

- Intelectualismo:

“a afirmação de direitos imprescritíveis do homem e a restauração de um poder legítimo, baseado no consentimento popular, foi uma operação de ordem puramente intelectual que se desenrolaria no plano unicamente das ideias (...) A Declaração dos direitos era antes de tudo um documento filosófico e jurídico que devia anunciar a chegada de uma sociedade ideal.”

- Mundialismo:

“no sentido de que os princípios enunciados no texto da Declaração pretendem um valor geral que ultrapassa os indivíduos do país, para alcançar um valor universal.”

- Individualismo:

“só consagra as liberdades dos indivíduos, não menciona a liberdade de associação nem a liberdade de reunião, preocupa-se com defender o indivíduo contra o Estado.”

De acordo com Maurice Duverger,

“o texto da Declaração de 1789 é de estilo lapidar, elegante, sintético, preciso e escorreito, que, em seus dezessete artigos, proclama os princípios da liberdade, igualdade, propriedade e legalidade e as garantias individuais liberais que ainda se encontram nas declarações contemporâneas, salvas as liberdades de reunião e de associação que ela desconhecera, firmando uma rigorosa concepção individualista” (DUVERGER, Apud SILVA, 1992, p. 146)

Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta algumas características dos direitos declarados, seriam eles naturais, abstratos, imprescritíveis, inalienáveis, individuais (pertencentes a cada ser humano) e universais (pertencentes a todos os homens). (2010, p. 40-41)

Importante ressaltar que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi inspiração para a Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Assembléia Geral da ONU, em 1948.

4.4.2 Constituições francesas, 1791 e 1793:

Alexandre de Moraes, afirma que a Constituição francesa de 1791 trouxe novas formas de controle do poder estatal, porém, coube à Constituição francesa de 1793 uma melhor regulamentação dos direitos humanos fundamentais. (2010, p. 9)

Entre outras previsões foram consagrados os seguintes direitos humanos fundamentais:

  • - Igualdade
  • - Liberdade
  • - Segurança
  • - Propriedade
  • - Legalidade
  • - Livre acesso aos cargos públicos
  • - Livre manifestação do pensamento
  • - Liberdade de imprensa
  • - Presunção de inocência
  • - Devido processo legal
  • - Ampla defesa
  • - Proporcionalidade entre delitos e penas
  • - Liberdade de profissão
  • - Direito de petição
  • - Direitos políticos

Vale destacar o conteúdo do preâmbulo da Constituição francesa de 1791:

“O povo francês, convencido de que o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do homem são as causas das desgraças do mundo, resolveu expor, numa declaração solene, esses direitos sagrados e inalienáveis, a fim de que todos os cidadãos, podendo comparar sem cessar os atos do governo com a finalidade de toda a instituição social, nunca se deixem oprimir ou aviltar pela tirania; a fim de que o povo tenha sempre perante os olhos as bases da sua liberdade e da sua felicidade, o magistrado a regra dos seus deveres, o legislador o objeto da sua missão. Por consequência, proclama, na presença do Ser Supremo, a seguinte declaração dos direitos do homem e do cidadão”


Constitucionalismo no século XX:

O início do século XX brindou o mundo com diplomas fortemente marcados pelas preocupações sociais, conforme poderá ser notado a seguir.

5.1 Constituição mexicana, 1917:

A Constituição mexicana de 1917 passou a garantir direitos individuais com fortes tendências sociais, como, por exemplo, direitos trabalhistas e a efetivação da educação.

Conforme ensina Ricardo Castilho:

“A Revolução Mexicana foi a primeira das grandes revoluções do século XX. Foi considerada uma revolução social porque postulava a reforma agrária e a justiça social. Como movimento constitucionalista, cumpriu seu papel em 1917. A Constituição mexicana, promulgada em 5 de fevereiro de 1917, é reconhecida como a primeira constituição liberal do mundo, moderna para a época, porque garantia direitos civis e políticos e reformas liberais como a reforma agrária e uma avançada legislação trabalhista, além de abordar temas religiosos e educacionais. É a Constituição que ainda rege os Estados Unidos do México” (2013, p.88)

Entre suas normas fundamentais destacam-se as seguintes:

  • - Outorga de garantias ou de direitos individuais a todos os tipos de pessoas, sem discriminação de classe social ou categoria econômica.
  • - Proíbe a escravidão
  • - Estabelece educação laica para escolas pública e particulares
  • - Prevê a liberdade de trabalho
  • - Proíbe a criação e os votos religiosos de ordens eclesiásticas
  • - Estabelece a liberdade de imprensa
  • - Estabelece a liberdade de crença, proibindo, porém, qualquer ato de culto fora dos templos ou casas particulares
  • - Distribuição de terras e perpétua nacionalização dos bens da Igreja, assim como proíbe a existência de escolha religiosas, mosteiros, bispados e outros
  • - Princípio da soberania nacional
  • - Sistema de governo é de república representativa, democrática e federal
  • - Divide o poder supremo da Federação em três ramos: legislativo, executivo e judiciário
  • - Estabelece bases do livre município
  • - Sistema de defesa da classe trabalhadores

5.2 Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, 1918:

Para Bernard Chenot, as declarações dos séculos XVIII e XIX se voltavam para garantias formais de liberdade, desta forma, considerando o indivíduo uma abstração. O homem era visto sem que se levasse em conta sua inserção em grupos, família ou vida econômica, estabelecendo-se uma igualdade abstrata entre os homens.

Com isso, o Estado deveria se abster, apenas devendo vigiar, ser simples “gendarme”. Esse prisma abstrato da liberdade e igualdade entre os homens foi duramente criticado pelos socialistas. Pois, segundo José Afonso da Silva, “apesar de retoricamente afirmadas e reconhecidas, permitiam medrassem a injustiça e a iniquidade na repartição da riqueza, e prosperasse a miséria das massas proletárias” (1992, p. 147)

O “Manifesto Comunista”, escrito em 1848 por Marx e Engels, é comparado por Harold Laski, por sua influência, com a Declaração de Independência americana e com a Declaração dos Direitos de 1789, pois foi o documento político mais importante na crítica socialista ao regime liberal-burguês.(Apud SILVA, 1992, p.148)

É a partir do Manifesto que essa visão crítica passa a ser fundamentada em bases teóricas, tornando-se mais coerente, provocando o aparecimento de outras correntes e outros documentos, como a Encíclica Rerum Novarum de 1891, elaborada pelo Papa Leão XIII.

Segundo Alexandre de Moraes:

“A Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, pelas próprias circunstâncias que idealizaram a Revolução de 1917, visava suprimir toda a exploração do homem pelo homem, a abolir completamente a divisão da sociedade em classes, a esmagar implacavelmente todos os exploradores, a instaurar a organização socialista da sociedade e fazer triunfar o socialismo em todos os países.” (2010, p. 13)

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Entre os seus preceitos, podemos destacar não ter se limitado a reconhecer direitos econômicos e sociais, efetivamente realizou uma nova concepção da sociedade e do Estado, também trouxe uma nova concepção de direitos, que buscasse libertar o homem de uma vez por todas de qualquer forma de opressão.

Outro ponto relevante foi a abolição do direito de propriedade privada, com todas as terras privadas passando a ser propriedade nacional e entregues aos trabalhadores sem qualquer espécie de resgate, na base da repartição igualitária em usufruto.

5.3 Constituição Soviética (Lei Fundamental), 1918:

Em seu artigo 22 proclamou o princípio da igualdade, independentemente de raça ou nacionalidade. Além disso, anunciou em seu artigo 16 a prestação de assistência material e outras formas de apoio aos operários e aos camponeses mais pobres, a fim de concretizar a igualdade.

Contudo, Alexandre de Moraes faz importante ressalva:

“Apesar desses direitos, a Lei Fundamental Soviética avança em sentido oposto à evolução dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, ao privar em seu art. 23 os indivíduos e os grupos particulares dos direitos de que poderiam usar em detrimento dos interesses da revolução socialista, ou ainda ao centralizar a informação e a obrigatoriedade do trabalho (art. 14) com o princípio quem não trabalha não come” (2011, p. 24).

Importa ressaltar que tanto a declaração como a constituição soviética de 1918 apresentam-se como “cartas de intenções” muito pomposas e idealistas. Porém, o que prevalece na prática é uma “ideologia revolucionária” que tende à supressão de uma ordem constituída e a ereção de outra, com nova concentração de poder. Desta feita o poder é concentrado no Partido Comunista e, na verdade, isso acaba gerando uma casta privilegiada politicamente e uma massa totalmente subordinada a um regime totalitário e genocida de seu próprio povo. A história do comunismo soviético, assim como na China, no Camboja, no Vietnã e em Cuba é marcada por prisões arbitrárias, execuções sumárias de milhões de cidadãos, repressão política, supressão de liberdades individuais e outras terríveis lesões aos direitos humanos. Dessa forma, o “ideal” comunista acaba se revelando como uma terrível “ideologia” fortemente violadora dos direitos fundamentais. Há um abismo total entre a teoria e a prática.

5.4 Constituição de Weimar, 1919:

Com o fim da I Guerra Mundial e a queda da monarquia na Alemanha, ocorreu a proclamação da República de Weimar por Philipp Scheidemann, assim chamada em função da cidade onde se reuniu a Assembléia Nacional Constituinte.

Alexandre de Moraes afirma:

“Além dos direitos sociais expressamente previstos, a Constituição de Weimar demonstrava forte espírito de defesa dos direitos sociais, ao proclamar que o império procuraria que assegurasse ao conjunto da classe operária da humanidade um mínimo de direitos sociais e que os operários e empregados seriam chamados a colaborar, em pé de igualdade, com os patrões na regulamentação dos salários e das condições de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças produtivas” (MORAES, 2011, p. 22).

A República de Weimar foi uma democracia liberal nos moldes ocidentais até 1933, quando os nazistas tomaram o poder, inaugurando uma ditadura totalitária que culminaria na II Guerra Mundial.

Previa em sua Parte II os Direitos e Deveres fundamentais dos alemães:

Seção I – previa os tradicionais direitos e garantias individuas.

Seção II – trazia os direitos relacionados à vida social

Seção III – direitos relacionados à religião e às Igrejas

Seção IV – direitos relacionados à educação e ensino

Seção V – direitos referentes à vida econômica

5.5 Carta do Trabalho, 1927:

Editada pelo Estado Fascista italiano, apesar de impregnada pela sua doutrina, trouxe grande avanço em relação aos direitos sociais dos trabalhadores, prevendo, principalmente:

  • - Liberdade sindical
  • - Magistratura do trabalho
  • - Possibilidade de contratos coletivos de trabalho
  • - Maior proporcionalidade de retribuição financeira em relação ao trabalho
  • - Remuneração especial ao trabalho noturno
  • - Garantia do repouso semanal remunerado
  • - Previsão de férias após um ano de serviço ininterrupto
  • - Indenização em virtude de dispensa arbitrária ou sem justa causa
  • - Previsão de previdência, assistência, educação e instrução sociais
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Sobre os autores
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Sandro Vergal

Advogado, Mestrando em Direitos Sociais, Difusos e Coletivos pelo Centro Universitário Salesiano de Lorena, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de Direito, professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direitos Humanos da Faculdade de Ciências Humanas da cidade de Cruzeiro - http://www.facebook.com/prof.sandrovergal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos ; VERGAL, Sandro. Evolução histórica dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3774, 31 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25515. Acesso em: 23 abr. 2024.

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