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Evolução histórica dos direitos fundamentais

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7. Teoria das Dimensões ou Gerações dos Direitos Fundamentais

Após esta nossa breve digressão histórica, podemos observar que a concepção dos Direitos Fundamentais é uma construção que avança no tempo, evoluindo e abarcando em si novas formas e características de direitos.

Ingo Wolfgang Sarlet, afirma que:

“(...) os direitos fundamentais são, acima de tudo, fruto de reivindicações concretas, geradas por situações de injustiça e/ou de agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano” (2010, p. 52).

Podemos observar que em cada momento histórico da humanidade nos deparamos com a descoberta de uma nova casta de direitos, os quais vão integrando o conjunto dos Direitos Fundamentais, acrescentando novas perspectivas protetivas à evolução da dignidade da pessoa humana.

Para Ricardo Castilho,

“(...) a história da humanidade parece revelar a existência de conjuntos de direitos fundamentais com diferentes conteúdos, eficácias e titulares. Tratou-se de um reconhecimento mais ou menos progressivo, marcado, em cada época pelo contexto histórico subjacente” (CASTILHO, 2013, p. 175)

Karel Vasak, jurista tcheco, buscando demonstrar a evolução histórica dos direitos fundamentais, fez uma associação do progressivo reconhecimento de tais direitos na órbita internacional com o afamado lema da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade (LIMA, 2003).

Contudo, antes de mais nada é necessário destacar que existe crítica doutrinária à expressão “gerações” de Direitos Fundamentais, pois passaria uma ideia de sucessão no tempo, o que conforme vimos não corresponde à realidade.

Neste sentido, Rafael Barretto:

“nos últimos anos parte considerável da doutrina passou a criticar o termo “geração” para designar as diferentes etapas das conquistas acima referidas. Isso porque o termo remete a uma ideia de superação, sucessão, ou mesmo de negação de uma geração por outra – o que não corresponde à realidade (...) as diferentes gerações de direitos humanos representam consagrações cumulativas. Isto é, remetem apenas a uma sucessão temporal – mais ou menos precisa – em que cada conjunto de direitos de natureza semelhante foi reconhecido” (2012, p. 43).

Podemos delimitar os ditos direitos de primeira dimensão como sendo aqueles correspondentes ao valor da “liberdade”, são referentes aos direitos de liberdade, civis e políticos, frutos das revoluções liberais e da transição do Estado Absolutista para o Estado Liberal. São direitos negativos, pois negam a intervenção estatal, sendo exercidos contra o Estado, limitando o poder de atuação dos governantes.

Importante notar que não são todos os direitos de primeira geração que se configuram como direitos negativos. Sem dúvida os direitos civis são, todavia, os direitos políticos não. Os direitos políticos não exigem abstenção do Estado, estes direitos conferem às pessoas a capacidade de participar ativamente da vida política estatal.

Podemos assinalar como marcos históricos dos chamados direitos fundamentais de primeira dimensão a Revolução Gloriosa na Inglaterra em 1688, a Independência dos Estados Unidos em 1777 e a Revolução Francesa de 1789.

No que tange aos marcos teóricos que fundamentam esta primeira classificação destacamos os trabalhos: “Segundo Tratado sobre o governo” de John Locke e “O Contrato Social” de Jean-Jaques Rousseau. Enquanto marcos jurídicos temos a Constituição Americana de 1787 e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 na França.

Seguindo na classificação, encontramos os chamados Direitos Fundamentais de segunda dimensão, que encontram correspondência à concepção de “igualdade”, são os chamados direitos sociais, econômicos e culturais, frutos da transição do Estado Liberal para o Estado Social. São direitos positivos, prestacionais, que obrigam o Estado a atuar positivamente, intervindo no domínio econômico e prestando políticas públicas de caráter social.

Destacamos a Revolução Mexicana de 1910 e a Revolução Russa, 1917, que levou a implantação do Estado Socialista na Rússia, como sendo os marcos históricos fundamentais da segunda dimensão dos Direitos Fundamentais. Isso com as devidas ressalvas sobre a abissal incongruência entre declarações teóricas pomposamente alardeadas e o Estado Totalitário e Genocida que exsurge do “ideal” (sic) comunista.

Enquanto marcos teóricos deste período, podemos acentuar a “Encíclica Rerum Novarum sobre a condição dos operários”, da Igreja Católica, escrita pelo Papa Leão XIII, 1891 e o “Manifesto do Partido Comunista”, Karl Marx e Friedrich Engels, 1848. Já os marcos jurídicos são a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição alemã, 1919, também conhecida como “Constituição de Weimar”.

Avançando na classificação, nos deparamos com os chamados Direitos Fundamentais de terceira dimensão, correspondendo ao valor da “fraternidade ou solidariedade”. São eles os direitos difusos, coletivos, direitos dos povos, da humanidade.

Aqui não se trata da discussão acerca da posição do Estado, como ocorria nas outras dimensões. Tratamos aqui da própria compreensão que se tem do ser humano em relação aos seus semelhantes, pois são direitos reconhecidos ao homem pela mera condição humana, visando afirmar uma visão fraternal e solidária da humanidade.

O marco histórico deste período é o fim da II Guerra Mundial e o consequente surgimento da Organização das Nações Unidas em 1945. Destacamos como marco jurídico a Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada pela Assembléia Geral da ONU, 1948. Este é o documento que inaugura o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Recentemente alguns autores apontam a existência de outras dimensões dos Direitos Humanos:

“(...) com o passar dos tempos, as aspirações sociais e culturais continuam a evoluir, assim como continuam em constante e vertiginosa ascensão os conflitos e obstáculos que se apresentam ao ser humano em seu caminhar pela face da Terra” (BARRETO, 2012, p. 187)

Noberto Bobbio, em sua obra “A era dos Direitos” afirmou a existência de direitos de quarta geração, os quais seriam referentes aos efeitos da pesquisa biológica e da manipulação do patrimônio genético (Bioética ou Biodireito):

“(...) já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo” (1992, p. 6).

Paulo Bonavides defende também a existência dos direitos de quarta geração, com aspecto introduzido pela globalização política, relacionados à democracia, à informação e ao pluralismo, conforme abaixo transcrito:

“A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores. (...) Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que interessa aos povos da periferia. Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional. (...) A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (...) os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infraestruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia.” (2006, p. 571-572)

A visão de Marcelo Novelino é a de que:

“tais direitos foram introduzidos no âmbito jurídico pela globalização política, compreendem o direito à democracia, informação e pluralismo. Os direitos fundamentais de quarta dimensão compendiam o futuro da cidadania e correspondem à derradeira fase da institucionalização do Estado social sendo imprescindíveis para a realização e legitimidade da globalização política.” (2008, p. 229)

Aponta-se recentemente a existência de uma quinta dimensão dos Direitos Fundamentais, como salienta Raquel Honesko:

“...em recentes debates científicos (IX Congresso Íbero-Americano e VII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, realizados em Curitiba/PR, em novembro de 2006, bem como II Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais, realizado em Fortaleza/CE, em abril de 2008), BONAVIDES fez expressa menção à possibilidade concreta de se falar, atualmente, em uma quinta geração de direitos fundamentais, onde, em face dos últimos acontecimentos (como, por exemplo, o atentado terrorista de “11 de Setembro”, em solo norte-americano), exsurgiria legítimo falar de um direito à paz. Embora em sua doutrina esse direito tenha sido alojado na esfera dos direitos de terceira dimensão, o ilustre jurista, frente ao insistente rumor de guerra que assola a humanidade, decidiu dar lugar de destaque à paz no âmbito da proteção dos direitos fundamentais.” (2008, p. 195-197).

O entendimento de José Adércio Sampaio Leite é de que:

“como o sistema de direitos anda a incorporar os anseios e necessidades humanas que se apresentam com o tempo, há quem fale já de uma quinta geração dos direitos humanos com múltiplas interpretações. Tehrarian diz sobre ‘direitos ainda a serem desenvolvidos e articulados’, mas que tratam do cuidado, compaixão e amor por todas as formas de vida, reconhecendo-se que a segurança humana não pode ser plenamente realizada se não começarmos a ver o indivíduo como parte do cosmos e carente de sentimentos de amor e cuidado, todas definidas como prévias condições de “segurança ontológica” para usar a expressão de Laing. Para Marzouki, tais direitos seriam direitos oriundos de respostas à dominação biofísica que impõe uma visão única do predicado ‘animal’ do homem, conduzindo os ‘clássicos’ direitos econômicos, culturais e sociais a todas as formas físicas e plásticas, de modo a impedir a tirania do estereótipo de beleza e medidas que acaba por conduzir a formas de preconceitos com raças ou padrões reputados inferiores ou fisicamente imperfeitos. Essa visão de complementaridade é encontrada também em Lebech, todavia em relação ao direito à vida sob os desafios das novas tecnologias, derivando então um direito à identidade individual, ao patrimônio genético e à proteção contra o abuso de técnicas de clonagem” (2002. p.302).

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Contudo, alguns autores criticam a criação doutrinária dessas novas dimensões, como demonstra Ricardo Castilho:

“Esses direitos mencionados, de pronto percebe-se que não passam de meras pretensões de direitos, ainda buscando reconhecimento na órbita internacional (...) Além disso, uma vez reconhecidos, estes “novos direitos” poderão muito bem ser alocados em alguma das dimensões anteriormente expostas, sem qualquer necessidade da criação de uma nova, específica para eles” (2013, p. 187).


8. Conclusão

Conforme pudemos observar ao longo dessa despretensiosa reflexão sobre a evolução histórica dos Direitos Fundamentais, a concepção do que é tido como fundamental para a vida humana é fruto de uma construção, uma elaboração humana que vem atravessando os séculos, uma caminhada do homem rumo à real efetivação da dignidade da pessoa humana.

Buscou-se apontar, ainda que brevemente, os momentos históricos e documentos que julgamos primordiais para o entendimento da matéria. Aliando essa miríade de marcos à feliz classificação das dimensões dos Direitos Fundamentais temos um panorama desta evolução, alocando em cada dimensão os direitos, etiquetados de acordo com suas características e sua cronologia.

Contudo, concordamos com o posicionamento pelo afastamento da terminologia de “gerações” de direitos, pois esta nos dá a impressão de sucessão no tempo, com a geração anterior dando lugar à seguinte. Não é isso que ocorre, a geração que segue, vem a somar com a anterior, abarcando novos direitos e novas concepções.


9. Referências

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

ARENDT, Hannnah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.

BARRETTO, Rafael. Direitos Humanos. Salvador: Juspodium, 2012.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo : Malheiros, 2006.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo.São Paulo: RT, 2009.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1998.

CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7ªed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.

__________. Elementos de Teoria Geral do Estado. 16ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 1991.

FERRREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 12º ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

HONESKO, Raquel Schlommer. Direitos Fundamentais e Cidadania. São Paulo: Método, 2008.

LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4666> , Acesso em: 6 out. 2013.

MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Cabeça de Juiz. Fortaleza: Imprece, 2012.

MISES, Ludwig Von. A mentalidade anticapitalista. Trad. Carlos dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2ª.ed. São Paulo: Método, 2008

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 11ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

SARLET, Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais. 10ª Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ªed. São Paulo: Malheiros, 1992.

SCHMIDIT, Andrei Zenkner. Violência simbólica e precedentes jurisprudenciais. Boletim IBCCrim. n. 146, p. 16. – 17, jan., 2007.

SOARES, Guido Fernandes Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Altas, 2002.

TAVARES, André ramos. Curso de Direitos Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.


Nota

1 Destaque-se, porém, que a Idade Média trouxe importantes contribuições para a filosofia e inclusive, como já destacado no texto, para o reconhecimento de limitações aos poderes estatais. Remontam dessa época grandes autores e obras, de modo que o epíteto de “Idade das Trevas” tem sido atualmente muito criticado por historiadores de escol.

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Sobre os autores
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Sandro Vergal

Advogado, Mestrando em Direitos Sociais, Difusos e Coletivos pelo Centro Universitário Salesiano de Lorena, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de Direito, professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direitos Humanos da Faculdade de Ciências Humanas da cidade de Cruzeiro - http://www.facebook.com/prof.sandrovergal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos ; VERGAL, Sandro. Evolução histórica dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3774, 31 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25515. Acesso em: 28 nov. 2024.

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