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O pagamento de gorjeta (os famosos 10%) é obrigatório?

20/10/2013 às 15:10
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Analisa-se, nesta oportunidade, a prática dos estabelecimentos comerciais que, abusando da ignorância do consumidor, impõem o pagamento de gorjeta, com base em Convenções Coletivas de trabalho.

É prática arraigada em nosso cotidiano a cobrança de gorjeta em bares, restaurantes, casas noturnas, pousadas etc., como forma de remunerar garçons e outros empregados desses estabelecimentos, no momento em que a conta do consumo é apresentada ao consumidor, fazendo com que sobre o total consumidor seja acrescido 10% a tal título.

Ocorre, contudo, que não é raro esse tipo de cobrança ser verdadeiramente imposta ao consumidor, o qual muitas vezes sente-se constrangido pelos estabelecimentos a efetuar o pagamento dessa importância.

Alguns estabelecimentos chegam até mesmo a veicular no rodapé das  “notinhas” que a cobrança possui respaldo legal, em razão da existência de Convenções Coletivas firmadas entre sindicatos de patrões e empregados, de modo a constranger o consumidor, fazendo-o crer que as Convenções Coletivas trabalhistas têm o condão de tornar a gorjeta exigível do cliente. Todavia, esse argumento não procede. Constranger o consumidor a pagar os 10%  é prática abusiva, e portanto ilegal.

Como se sabe, o art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988, estatui como direito fundamental a máxima de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (princípio da legalidade). Nesse sentido, cabe destacar que as Convenções Coletivas são fontes normativas do Direito do Trabalho, não produzindo efeitos em relação a terceiros totalmente estranhos à relação de trabalho. Sendo assim, não incide sobre a relação de consumo. Mas, aproveitando-se da ignorância do consumidor em relação a esse detalhe técnico, o qual não é de conhecimento amplo por parte do leigo, o fornecedor acaba ludibriando o cliente no momento da apresentaçõ da conta.

Sobre o tema, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já decidiu a respeito, conforme se infere da seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. COBRANÇA DE ACRÉSCIMO PECUNIÁRIO (GORJETA). PORTARIA Nº. 4/94 (SUNAB). VIOLAÇÃO AO PRINCÍPO DA LEGALIDADE E AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

I – O pagamento de acréscimo pecuniário (gorjeta), em virtude da prestação de serviço, possui natureza facultativa, a caracterizar a ilegitimidade de sua imposição, por mero ato normativo (Portaria nº. 4/94, editada pela extinta SUNAB), e decorrente de convenção coletiva do trabalho, cuja eficácia abrange, tão-somente, as partes convenientes, não alcançando a terceiros, como no caso, em que se pretende transferir ao consumidor, compulsoriamente, a sua cobrança, em manifesta violação ao princípio da legalidade, insculpido em nossa Carta Magna (CF, art. 5º, II) e ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90, arts. 6º, IV, e 37, § 1º), por veicular informação incorreta, no sentido de que a referida cobrança estaria legalmente respaldada (Apelação Cível AC 2001. 1.00.037891-8/DF, rel. Desembargador Federal Souza Prudente. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Publicado em 13/10/2008).

Assevera-se, ainda, que o rol de práticas abusivas estatuído pelo art. 39 do Código de Defesa do Consumidor é meramente exemplificativo (numerus apertus), a julgar pela parte final do preceptivo, contendo a expressão  dentre outras práticas abusivas”. Significa que, no caso concreto, eventual prática não prevista nos incisos do citado dispositivo poderá ser caracterizada como abusiva. Nada obstante, o inciso IV do mesmo artigo pode servir para rechaçar tal prática, já que o que se percebe é que o fornecedor prevalece do desconhecimento do consumidor acerca do alcance normativo da Convenção Coletiva. Vejamos:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(…)

IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.

De acordo com o dispositivo acima, fica evidente que a cobrança de gorjeta, nesses moldes, viola o Código de Defesa do Consumidor, na medida em que, abusando da ignorância do cliente em matéria legislativa, o faz crer que as Convenções Coletivas de trabalho têm eficácia contra todos (erga omnes), o que não é verdade.

Fica então a advertência: Convenção Coletiva, embora seja uma fonte do direito trabalhista, não é lei, pois não foi produzida pelo Poder tipicamente responsável por inovar o ordenamento jurídico, isto é, o Poder Legislativo. Dessa forma, pagar o acréscimo de 10% sobre a conta é uma faculdade do consumidor, não lhe sendo exigível, por não ser obrigatório.

 

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Sobre o autor
Vitor Guglinski

Advogado. Professor de Direito do Consumidor do curso de pós-graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (RJ). Professor do curso de pós-graduação em Direito do Consumidor na Era Digital do Meu Curso (SP). Professor do Curso de pós-graduação em Direito do Consumidor da Escola Superior da Advocacia da OAB. Especialista em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Ex-assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Autor colaborador da obra Código de Defesa do Consumidor - Doutrina e Jurisprudência para Utilização Profissional (Juspodivn). Coautor da obra Temas Actuales de Derecho del Consumidor (Normas Jurídicas - Peru). Coautor da obra Dano Temporal: O Tempo como Valor Jurídico (Empório do Direito). Coautor da obra Direito do Consumidor Contemporâneo (D'Plácido). Coautor de obras voltadas à preparação para concursos públicos (Juspodivn). Colaborador de diversos periódicos jurídicos. Colunista da Rádio Justiça do Supremo Tribunal Federal. Palestrante. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4246450P6

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUGLINSKI, Vitor. O pagamento de gorjeta (os famosos 10%) é obrigatório?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3763, 20 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25542. Acesso em: 17 nov. 2024.

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