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A importância do inquérito policial no sistema jurídico brasileiro

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Resumo:


  • O Inquérito Policial no Brasil é um procedimento investigatório essencial para a preservação do estado de inocência, garantindo que acusações criminais só sejam feitas com indícios suficientes de autoria e materialidade, conforme a Lei 12.830/2013.

  • Esse procedimento é uma prática comum em países desenvolvidos, sendo conduzido por profissionais do Direito, como os Delegados de Polícia no Brasil, e conta com a participação do Ministério Público e Advogados para assegurar a isenção e imparcialidade na investigação.

  • O Inquérito Policial não é obrigatório para o início da ação penal, mas na prática, é raro que processos criminais comecem sem ele, devido ao seu valor probatório e à capacidade de fornecer elementos para a decretação de prisões cautelares e para a fundamentação de sentenças.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No inquérito policial, sob a presidência do delegado de polícia, a polícia judiciária, com o auxílio do Ministério Público e dos advogados, visa à elucidação dos fatos com o máximo de imparcialidade, pois o conhecimento gerado se apresenta como norte ao processo que o sucede.

Resumo:Pretende-se demonstrar com o presente trabalho, por meio de pesquisa bibliográfica, documental, consulta a bancos de dados e experiência empírica de um dos autores (que labora na seara criminal há quase dez anos), a importância do Inquérito Policial no sistema jurídico brasileiro, na medida em que se apresenta como um verdadeiro instrumento preservador, garantidor, do estado de inocência, indo além da garantia de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, resguardando a imagem, a honra e até mesmo o patrimônio (é cediço o quão dispendiosas são quaisquer contendas judiciais) dos investigados, assegurando que só tenham de se defender de uma acusação criminal (seja feita por denúncia ou queixa-crime) quando presentes “indícios” suficientes de autoria e materialidade (art. 2°, § 6°, da Lei 12.830/2013). Nesse diapasão, registre-se que em todos os países ditos “civilizados” há procedimentos investigatórios prévios, presididos por bacharéis em Direito (seja qual for o nome dado ao cargo que ocupem), que tencionam essa elucidação preliminar dos fatos. No Brasil, observa-se que muito embora não seja o Inquérito Policial uma “conditio sine qua non” para o início da ação penal (pode ser dispensado quando já se dispuser, de antemão, de provas suficientes para a propositura da ação penal), na prática, sabe-se ser ínfimo o número de Processos criminais que têm seu início sem a precedência de um Inquérito Policial. Isso porque no Inquérito Policial, sob a presidência do Delegado de Polícia, a Polícia Judiciária, com o auxílio do Ministério Público e dos Advogados (art. 7°, XIV, do Estatuto da OAB), visa à elucidação dos fatos com o máximo de isenção e imparcialidade, de modo que o conhecimento gerado se apresenta como verdadeiro norte ao processo que o sucede. Além disso, não se pode olvidar de outra finalidade – não menos importante – do Inquérito Policial, que é fornecer elementos probatórios ao Juiz, de modo a permitir a decretação da prisão cautelar. Isso porque a prova de existência do crime e de indícios suficientes de autoria, de que fala o art. 312 do Código de Processo Penal (Prisão Preventiva), somente é possível, em geral, mediante Inquérito Policial.

Palavras-chave: Inquérito Policial. Importância. Presunção de Inocência. Direito Penal. Direito Processual Penal.


1. Introdução

Este trabalho tem como objetivo demonstrar a importância do Inquérito Policial no sistema jurídico brasileiro, na medida em que se apresenta como verdadeiro instrumento garantidor de direitos do cidadão, resguardando o estado de inocência e assegurando que os investigados só tenham de se defender de uma acusação criminal (seja feita por denúncia ou queixa-crime) quando presentes “indícios” suficientes de autoria e materialidade.

Nesse aspecto, merece destaque o art. 2°, § 6°, da Lei 12.830/2013, cuja redação é a que segue:

“O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.”

Feita essa observação, cabe acrescentar que o princípio da presunção da inocência – ou da não culpabilidade – encontra-se previsto no art. 5°, inciso LVII [1], da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e assevera ser inocente todo acusado até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado.

Tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado-juiz a culpa do réu.

[...]

Integra-se ao princípio da prevalência do interesse do réu (in dubio pro reo), garantindo que, em caso de dúvida, deve sempre prevalecer o estado de inocência, absolvendo-se o acusado.

Reforça, ainda, o princípio penal da intervenção mínima do Estado na vida do cidadão, uma vez que a reprovação penal somente alcançará aquele que for efetivamente culpado.[2]

Sobre o princípio da presunção de inocência, Sérgio Ricardo de Souza ensina:

O princípio tem a ver com o ônus da prova, e impõe que o ônus processual de demonstrar o que consta da peça acusatória é integralmente do acusador e, caso este falhe nessa missão, aplica-se a máxima latina in dubio pro reo, absolvendo-se o réu pela incapacidade de a acusação demonstrar que ele não é inocente.[3]

Do Código de Processo Penal, em seu art. 386[4], incisos V e VII:

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

VII – não existir prova suficiente para a condenação.

Sob esse aspecto, cabe asseverar que o próprio caráter sigiloso do inquérito policial tem como um de seus objetivos basilares resguardar o estado de inocência do acusado, evitando que haja um julgamento antecipado por parte da sociedade em relação àquele que está sendo investigado.

Sobre o tema, Manoel Messias Barbosa assevera:

As investigações da Polícia Judiciária devem ser realizadas sigilosamente para se alcançar o sucesso na apuração do fato delituoso, conduta esta que garante o respeito ao direito à intimidade e ao princípio da presunção de inocência do investigado. [5] (grifou-se).

Observa-se portanto que se apresenta deveras benéfico ao cidadão acusado o caráter sigiloso do inquérito policial, indo ao encontro do princípio da presunção de inocência. Inclusive, merece registro o fato de que todos os países ditos “civilizados” têm procedimentos investigatórios prévios, presididos por bacharéis em Direito (seja qual for o nome dado ao cargo que ocupem em cada um desses países), que tencionam essa elucidação preliminar dos fatos (para que não se acuse ninguém sem um mínimo de provas). No Brasil, observa-se que muito embora não seja o Inquérito Policial uma “conditio sine qua non” para o início da ação penal (ele, como é cediço, pode ser dispensado pelo titular da ação penal quando o mesmo já dispuser de provas suficientes para dar início ao processo criminal, por meio da exordial acusatória), na prática, sabe-se ser ínfimo o número de processos criminais que têm seu início sem a precedência de um Inquérito Policial. Isso porque no Inquérito Policial, sob a presidência do Delegado de Polícia, a Polícia Judiciária, com o auxílio do Ministério Público e dos Advogados (art. 7°, XIV, do Estatuto da OAB), visa à elucidação dos fatos com o máximo de isenção, imparcialidade e respeito aos direitos do cidadão, de modo que o conhecimento gerado se apresenta como verdadeiro norte ao processo subsequente.

A importância de que a investigação seja presidida por um bacharel em Direito (no Brasil, precipuamente por um Delegado de Polícia) é muito facilmente depreendida ao se perquirir o objetivo de um Inquérito Policial, qual seja: “investigar crimes”. Por isso, de nada serviria um conhecimento técnico em qualquer área que seja se não houvesse o direcionamento da investigação por um profissional que saiba quais condutas estão sendo investigadas (que condutas são típicas) e que circunstâncias são juridicamente relevantes (por terem o condão de interferir na quantificação da pena, na dosimetria) para uma eventual responsabilização.

Ademais, em havendo a necessidade de conhecimentos técnico-científicos em alguma área, o Delegado de Polícia (assim como o Juiz de Direito ou o Promotor de Justiça, no decorrer dos processos criminais) se socorre de Peritos, que são profissionais com formações técnicas profundas nas mais diversas áreas do conhecimento e selecionados por rigoroso concurso público.

Nesse aspecto, vale fazer uma pequena digressão porquanto há alguns críticos do atual sistema que “dizem” defender uma forma de investigação semelhante à desenvolvida pelo FBI (Federal Bureau of Investigation, que é a Polícia Federal norte-americana), onde, segundo esses mesmos críticos, todos os policiais poderiam supostamente utilizar seus conhecimentos técnicos obtidos em suas respectivas graduações nos mais diversos campos de investigação. Lindo discurso, não fosse pelo simples fato de que esse tipo de direcionamento já existe no Brasil (e há muito tempo), nos setores técnicos científicos (SETEC) da Polícia Federal ou nos Institutos de Criminalística, que prestam suporte às Polícias Judiciárias estaduais (mas, frise-se, por pessoas que prestaram – e passaram em – concurso para essas atividades). Mas, colocando-se assim a questão, pode restar, a uma análise superficial, certa dúvida sobre então qual seria o pleito dessa irresignável categoria de policiais (sim, praticamente todos os críticos do inquérito policial são policiais – ou ex-policiais). Simples: apesar de terem prestado concursos para atividades mais corriqueiras (entrega de intimação, segurança de instalações, digitação de documentos, realização de campanas, análise documental etc.) do dia-a-dia policial (mas, consigne-se, não menos importantes), almejam um reenquadramento de suas atividades, e (é claro) principalmente de seu subsídio, sua remuneração, num patamar mais elevado (sem desnecessárias delongas, é exatamente esse o objetivo).

Além disso, já que a comparação com o FBI é feita com frequência, cabe ressaltar ainda que tanto no Brasil quanto nos EUA, são bacharéis em Direito que direcionam as investigações, pois, como já explicado anteriormente, somente esses profissionais têm condições de saber o que exatamente estão buscando, que provas são necessárias e suficientes para esclarecer todas as circunstâncias envolvidas em cada crime.

Outro aspecto que merece ser abordado é a eficiência de todo o “sistema” envolvido na persecução penal. Isso porque há um erro grosseiro (diz-se “erro grosseiro”, para não se dizer “mentira deslavada”) na forma como algumas entidades vinculadas a sindicatos de policiais vêm avaliando a efetividade dos Inquéritos Policiais, pois costumam fazer uma relação direta entre o número de inquéritos e o número de condenações. Ora, é da ciência de todos que tenham um conhecimento jurídico – ainda que parco – que o objetivo precípuo do Inquérito Policial nada mais é do que esclarecer fatos “supostamente” típicos (“supostos” crimes), ou seja, a conclusão que se chega ao final do referido procedimento, por vezes, é de que o fato que motivou a instauração do inquérito (seja por iniciativa do próprio Delegado de Polícia, seja por requisição do Poder Judiciário ou do Ministério Público) é atípico.

Vários são os exemplos de desfechos desse tipo, como no caso de instauração de inquérito por tráfico de entorpecentes que, ao final (por meio do laudo pericial definitivo), descobre-se que o material transportado não era proscrito (ou seja, não era uma droga ilícita). Ou no caso do crime de descaminho (art. 334 do CP), quando ao final da instrução se descobre que o valor do tributo suprimido com a internalização irregular das mercadorias apreendidas não ultrapassa o montante de R$ 20.000,00 (situação em que os Tribunais, em reiteradas decisões, já se manifestaram pela atipicidade da conduta). Ou ainda em casos de supostas fraudes em licitação, quando, ao final da instrução (após cálculos minudentes, feitos pelos peritos), chega-se à conclusão de que não houve logro.

Enfim, exemplos não faltam para demonstrar essa situação em que a ausência de condenação não indica falha do procedimento (muito pelo contrário, pois os fatos, nesses casos, foram esclarecidos e um inocente foi poupado do constrangimento de ser processado criminalmente). De outra feita, observando-se o número de inquéritos em andamento na Polícia Federal nos últimos cinco anos (numa média de aproximadamente 100.000 inquéritos em trâmite, em todas as unidades), constata-se que o sistema foi eficiente na quase totalidade das vezes, na medida em que elucidou, tanto quanto possível, os fatos sob investigação e, quando necessário (em havendo crime), serviu de adequado supedâneo à propositura da respectiva ação penal.

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Merece destaque também o fato de que, nas vezes em que eventualmente não foi possível esclarecer todas as circunstâncias, tal não se deu não em função de a apuração ter-se dado por meio de um Inquérito Policial. Ou seja, se tivesse sido instaurado desde o início um processo judicial, com uma acusação formal contra quem quer que seja (e a consequente abertura à ampla defesa e ao contraditório), o desfecho, quanto à elucidação dos fatos, teria sido o mesmo ou pior (pois qualquer demora em se iniciar a investigação não o tornaria mais eficiente, muito pelo contrário).

Pode-se afirmar isso porque – evidentemente – a prova colhida no calor dos acontecimentos é muito mais verossímil do que aquela produzida momentos depois, quando os investigados já tiveram tempo para refletir e criar uma versão dos fatos que, deturpando os acontecimentos, a torne menos gravosa aos seus interesses. A jurisprudência, por sua vez, não titubeia em confirmar esse entendimento, senão vejamos:

“CONFISSÃO NA FASE POLICIAL, A QUAL ESTÁ EM CONSONÂNCIA COM AS DEMAIS PROVAS. RETRATAÇÃO EM JUÍZO ISOLADA. PALAVRA FIRME E COERENTE DA VÍTIMA QUE RECONHECE O RÉU COMO AUTOR DA CONDUTA DENUNCIADA”. (TJSC, Apelação Criminal n. 2012.070361-5, de Itapiranga, j. em 13.06.2013, Relatora Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer).

E ainda:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A, CAPUT, C/C ART. 226, INC. I e II, NA FORMA DO ART. 71, CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL). [...] ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE, BEM COMO DA AUTORIA. LAUDO QUE NÃO APONTOU VESTÍGIOS DE ATO LIBIDINOSO. IRRELEVÂNCIA. CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR QUE, PELA SUA NATUREZA, NÃO DEIXA VESTÍGIOS. DEPOIMENTO DA VÍTIMA COERENTE CORROBORADO PELACONFISSÃO DO RÉU NA FASE POLICIAL, QUE ESTÃO EM CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA CONTIDO NOS AUTOS. PALAVRA DA VÍTIMA QUE TEM RELEVANTE IMPORTÂNCIA EM CRIMES DE CONOTAÇÃO SEXUAL. CERTEZA NECESSÁRIA PARA A CONDENAÇÃO DO ACUSADO. [...] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 2011.004790-9, de Joinville, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. 20-11-2012, grifo acrescido).

E também:

 NEGATIVA DE AUTORIA. PALAVRAS DAS VÍTIMAS EM SINTONIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. CONFISSÃO DO ACUSADO E DEPOIMENTO DE POLICIAL QUE INVESTIGOU O CASO DANDO CONTA DA EFETIVA PARTICIPAÇÃO DO DENUNCIADO NO ROUBO DE RESIDÊNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. (TJSC, Apelação Criminal n.  2013.018643-4, Relator Rodrigo Collaço, j. em 13.06.2013)

Sobre o assunto, Salles cita Mirabete:

Com relação à confissão, quando extrajudicial (e, portanto, sem garantias do Juízo), ‘é insuficiente, por si só, para embasar uma condenação, mas deve ser admitida como prova para condenação quando amparada em outros elementos colhidos nos autos’. A necessidade de estar em sintonia com o conjunto probatório aplica-se também aos ‘depoimentos das vítimas’, que, embora ‘em princípio sejam suspeitos, dependendo do caso em concreto, estando em sintonia com outras provas dos autos merecem fé, podendo servir de suporte a um decreto condenatório’.[6]

Além dos depoimentos colhidos, há diversas providências tomadas pelo Delegado de Polícia no decorrer do inquérito que têm valor probante independentemente de renovação em juízo, tais como exames periciais em geral, apreensão e avaliação de objetos. [7]

Enfim, feita essa observação, ainda é preciso ponderar que, ao se afirmar que o “sistema” foi eficiente, considera-se como “sistema” toda a estrutura envolvida na persecução penal, composta pelas Polícias Judiciárias (que, sob a presidência de um Delegado de Polícia, investigam), pelo Ministério Público, pelos Advogados e pelo Poder Judiciário, de modo que cada qual – em sua esfera de atribuições – dá sua contribuição para a conclusão dos trabalhos.

No que concerne a esse aspecto ainda – para se rechaçar qualquer dúvida porventura existente – faz-se mister frisar que não se está a afirmar que todos os casos investigados são solucionados pela Polícia Judiciária (nem mesmo a famigerada “Scotland Yard” alcança índices de 100% de resolução de crimes). Por óbvio, ainda que seja este o objetivo de todos os Órgãos envolvidos na persecução penal, não é isso que se está afirmando que ocorre na prática (em lugar nenhum no mundo, diga-se de passagem). O que se está dizendo é que as circunstâncias que eventualmente obstaram a elucidação de certos delitos não estão no sistema em si, mas sim na falta de qualificação profissional da equipe (não cabendo aqui ficar indigitando culpados, muito menos generalizando por categorias), falta de pessoal (a Polícia Federal, por exemplo, conta hoje com praticamente o mesmo efetivo que tinha em 1974, ou seja, aproximadamente 10.000 policiais para exercer suas inúmeras atribuições em todo o território nacional) ou ausência de meios tecnológicos adequados/suficientes.


2. Fundamentação Teórica

O Inquérito Policial é um procedimento administrativo investigatório, inquisitivo e sigiloso que tem como objetivo apurar fato criminoso de modo a estabelecer a autoria e a materialidade do crime. Encontra-se previsto no art. 4° a 23 do Código de Processo Penal.

Acquaviva assim conceitua Inquérito Policial:

Procedimento destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal. É o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária, para apuração de uma infração penal e sua autoria, para o titular da ação penal possa ingressar em juízo, pedindo a aplicação da lei ao caso concreto (Romeu de Almeida Salles Jr., Inquérito Policial e Ação Penal, São Paulo, 3ª ed., 1985, p. 3). O inquérito policial tem por objetivo levar até o Ministério Público informes sobre a infração; se esta se apresenta como crime de ação pública, ensejará o oferecimento da denúncia como início da ação penal, através do órgão do Estado-Administração (Ministério Público). Se o inquérito policial informar sobre fato previsto como crime de ação penal privada, dará oportunidade ao ofendido ou seu representante legal para apresentação da queixa-crie, dando início à ação penal (Carlos Alberto dos Rios, Teoria e Prática do Inquérito Policial, Bauru, 1986, pp. 15-6).[8]

Sua natureza eminentemente investigatória se compõe de peças escritas, de procedimento sigiloso e inquisitivo, conforme artigos 9° [9], 20 [10] e 107 [11], todos do Código de Processo Penal.

O caráter inquisitivo e sigiloso do inquérito se deve à sua finalidade precípua, que é levar a efeito uma investigação. Por ser uma peça informativa sobre fato delituoso e também sobre a identidade do seu suposto autor, não se sujeita ao contraditório. É inquisitivo, pois o Delegado o dirige com maior liberdade, não seguindo um rito ou procedimento preestabelecido.

Desse modo, o Delegado de Polícia o conduz procurando atingir a sua verdadeira finalidade, que é obtenção da verdade real dos fatos bem como sua autoria. Não se fala em contraditório no inquérito visto que não existem acusações nesta fase.

O inquérito se reveste também de oficialidade, oficiosidade, autoritariedade e indisponibilidade[12], a saber:

Oficialidade: o inquérito policial é uma atividade investigatória feita por órgãos oficiais, não podendo ficar a cargo de particular.

Oficiosidade: não precisa de provocação para ser instaurado, e sua instauração é obrigatória diante da notícia de uma infração penal, exceto quando é ação penal pública condicionada e ação penal privada.

Autoritariedade: é presidido por autoridade pública, no caso, a autoridade policial (Delegado de Polícia ou, excepcionalmente, representante do Ministério Público).

Indisponibilidade: é indisponível. Após sua instauração, não pode ser arquivado pela autoridade policial (CPP, art. 17).

Garcia [13] entende que, apesar de o Código de Processo Penal ditar determinadas normas de como proceder no Inquérito Policial (artigos 4° a 23) a ausência do contraditório regular e o poder discricionário exercido pelo Delegado de Polícia são suficientes para descaracterizá-lo como Processo, sendo, por conseguinte, assim um procedimento jurídico-administrativo.

Sua finalidade precípua é a investigação criminal e a descoberta de seu autor com o intento de fornecer elementos suficientes para que o titular da ação penal possa promovê-la em juízo. [14]Não se pode olvidar, todavia, de sua outra finalidade – não me nos importante – que é fornecer elementos probatórios ao Juiz, de modo a permitir a decretação da prisão cautelar. A prova de existência do crime e de indícios suficientes de autoria, de que fala o art. 312 do Código de Processo Penal (Prisão Preventiva), somente será possível, via de regra, mediante Inquérito Policial. [15]

Pois bem. Dito isso e dando seguimento ao estudo, no que tange aos diversos princípios orientadores do processo penal que guardam relação com o Inquérito Policial, merece destaque o princípio do contraditório. O referido princípio apregoa que para toda alegação fática ou apresentação de prova tem a parte contrária o direito de se manifestar.

Encontra-se previsto no art. 5°[16], inciso LV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Trata-se de princípio ligado fundamentalmente à questão processual, aproveitando-se tanto à acusação quanto à defesa [17].

Scarance[18], por sua vez, ao contrapor o princípio do contraditório à fase investigatória, afirma que “a maioria dos doutrinadores tem entendimento que o contraditório, no processo penal, só deve ser observado na fase processual, não atingindo a fase investigatória” em virtude de o art. 5°, inciso LV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 mencionar o contraditório apenas para “processo” judicial ou administrativo, não abrangendo o inquérito policial, por ser, um procedimento jurídico-administrativo.

Cabe registrar, no entanto, entendimento contrário, como o externado por Rogério Lauria Tucci, ao qual o próprio Scarance se filia:

“Assim, Rogério Lauria Tucci sustenta a necessidade de uma contraditoriedade efetiva e real em todo o desenrolar da persecução penal, e na investigação inclusive, para maior garantia da liberdade e melhor atuação da defesa.

Há, sem dúvida, necessidade de se admitir a atuação da defesa na investigação, ainda que não se exija o contraditório, ou seja, ainda que não se imponha a necessidade de prévia intimação dos atos a serem realizados. Não se trata de defesa ampla, mas limitada ao resguardo dos interesses dos mais relevantes do suspeito.” [19]

A seu turno, no que tange às provas cautelares, a observância do contraditório se dá em momento posterior à sua produção (por isso é chamado de contraditório diferido ou postergado), podendo o investigado contestá-las na fase processual. Isso, por evidente, deve-se ao fato de que se toda medida cautelar – em matéria criminal – tivesse sua implementação precedida de um procedimento contraditado, seria sempre inócua.

Ressalte-se que sobre o assunto, inclusive, Rogério Lauria Tucci [20], importante estudioso sobre os Direitos e Garantias individuais no Processo Penal brasileiro, manifesta-se pela possibilidade de sentença condenatória penal com base em prova cautelar por entender não haver violação do princípio do contraditório neste caso.

Grecco Filho[21], de igual forma, também entende pela possibilidade de utilização das provas cautelares visto que a Constituição da República Federativa do Brasil não determinou que o exercício do contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato.

Por sua vez, seguindo-se no estudo, cabe aventar também outro princípio norteador do Direito Processual Penal que merece destaque por sua relação ambivalente com o Inquérito Policial: o princípio da publicidade. Trata-se de garantia relevante, visto que confere transparência às atividades, permitindo que o Poder Público – e inclusive a Polícia – seja fiscalizado pela própria comunidade, evitando-se com isso excessos e arbitrariedades. [22]

O princípio da publicidade, como é cediço, apresenta-se como uma garantia para que os atos processuais possam ser explicitados à coletividade, ao povo. Encontra-se previsto nos arts. 5°[23], LX, XXXIII, e 93 [24], IX, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Assim:

Art. 5°, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

Art. 5°, XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

Art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

Ressalte-se que o princípio da publicidade, inicialmente, fazia-se presente apenas na esfera processual penal, previsto no art. 792 [25] do Código de Processo Penal, tendo ganhado status constitucional com a promulgação da atual Constituição Federal de 1988. A inserção deste princípio no texto constitucional tornou aquilo que era exceção – a publicidade – em regra, e a regra – sigilo – em exceção, conforme salienta Tucci [26].

A publicidade, por sua vez, pode ser plena ou restrita. É dita plena quando os atos do processo forem abertos ao público em geral, e restrita quando o acesso limitar-se aos sujeitos da relação jurídica processual.

A regra no sistema processual e constitucional é de os atos terem publicidade plena. Todavia, há hipóteses, expressas em lei, que permitem restringir a publicidade, como ocorre quando a defesa da intimidade e interesse social exigirem (art. 5°, LX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). [27]

Pela limitação da publicidade, tem-se:

Deve-se evitar a publicidade desnecessária e sensacionalista, como as transmissões de julgamentos por rádio ou televisão. Expõe demasiadamente os protagonistas da cena processual ao público em geral e causa constrangimento ao acusado, à vítima e às testemunhas.

Na fase do inquérito policial, deve o Delegado de Polícia assegurar o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (art. 20).

Em obra específica sobre vítima, salientávamos a necessidade de cuidado nas divulgações de fatos e dados relativos à vítima na fase de investigação policial. Muito comum, entre nós, que, instaurado o inquérito, iniciada a investigação, os meios de comunicação passe a veicular fatos graves, sem a mínima preocupação com a vítima: seu nome é noticiado, é ela qualificada, seu endereço é mencionado, são relatados fatos desagradáveis da intensa repercussão na sua vida pessoal, familiar, social. Exemplo gritante é o dos crimes sexuais violentos em que a divulgação expõe a mulher ofendida à curiosidade pública, impondo-lhe, após o sofrimento do crime, novos dissabores e impedindo que possa logo retornar a sua vida particular, com a sua privacidade resguardada, protegida, amparada. Também, em certos crimes, cometidos por grupos organizados ou pessoas perigosas, a divulgação do nome da vítima, de seu endereço residencial, de seu local de trabalho, de seus hábitos, só contribui para aumentar o risco de ser novamente atingida e atrapalhar a investigação, por isso, norma relevante para acautelar os interesses da vítima seria a de não constar seu endereço nos autos quando há perigo de vingança ou, por outro motivo, não seja conveniente, sendo o endereço fornecido diretamente ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário em folha avulsa, a fim de poder a pessoa ser chamada para prestar declarações na fase processual. [28]

Por derradeiro, merece destaque no presente trabalho o princípio da busca pela verdade real. Para melhor entender este princípio, é mister inicialmente conceituar verdade.

Verdade, segundo Malatesta [29], “é a conformidade da noção ideológica com a realidade”, e certeza nada mais é do que “a crença na percepção desta conformidade”.

Dessa forma, pelo princípio da busca pela verdade real, tem-se que o Delegado deve, pautado na legislação vigente e com respeito ao direito dos cidadãos, buscar a verdade dos fatos para que o Juiz possa, ao final do respectivo processo, então dizer o direito.

Cabe citar alguns dispositivos todos do Código de Processo Penal que ilustram esse princípio na esfera processual penal, quais sejam os arts. 209 [30], 234 [31], 147 [32], 407 [33] e 566 [34]. Nota-se que essa colheita de provas de ofício pelo Magistrado é expressa referência à busca pela verdade real por parte do legislador. Este princípio dita que o direito de punir do Estado deve voltar-se tão somente contra aquele que cometeu o delito, devendo afastar-se qualquer presunção por mais forte que seja.

A título de argumentação, pondera-se que a verdade real se contrapõe à mera verdade formal. Segundo o princípio em tela, deve o Magistrado, para formar seu convencimento, determinar, conforme o caso, qualquer diligência ou ato ex officio, a fim de, suprindo as omissões das partes no processo, coletar novas provas que possam vir a fundamentar sua decisão sobre a questão que lhe foi submetida. [35]

Assim:

‘[...] estando em jogo direitos fundamentais do homem, tais como liberdade, vida, integridade física e psicológica e até mesmo honra, que podem ser afetados seriamente por uma condenação criminal, deve o juiz sair em busca da verdade material, aquela que mais se aproxima do que realmente aconteceu’ (O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 65). [36]

No entanto, esse princípio não deve inspirar o afastamento da aplicação literal da lei nem servir de subterfúgio para que o Estado-acusador, representado na pessoa do Juiz, possa perseguir o cidadão sob a alcunha de estar agindo pelo princípio da busca da verdade real. O princípio da busca verdade real deve estar sempre dentro dos limites da moral e legalidade das provas.

Neste sentido:

Deve-se destacar que a busca da verdade material não quer dizer a ilimitada possibilidade de produção de provas, pois há vedações legais que necessitam ser respeitadas, como, por exemplo, a proibição da escuta telefônica, sem autorização judicial. [37]

Esse ideal tanto do Inquérito Policial quanto do Processo Penal – a busca pela verdade real – não justifica, frise-se, que o Juiz saia das suas funções jurisdicionais, substituindo o Delegado de Polícia (art. 144, §, 4º, da CF), na condução do Inquérito Policial, ou as partes, quando iniciado o respectivo processo criminal.

Deve o Juiz atuar com cautela, observando o que dispõe o artigo 156 e parágrafos do Código de Processo Penal (com a redação introduzida pela Lei 11.690/08):

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

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Sobre os autores
Renato Silvy Teive

Bacharel em Direito, formado em 2002 pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, e graduado, em 2003, pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina - ESMESC. Exerceu por aproximadamente dois anos o cargo de Assessor Jurídico na Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por um ano o cargo de Escrivão de Polícia Federal – em Dionísio Cerqueira/SC. Aprovado para o cargo de Delegado de Polícia Federal, exerceu, na Superintendência estadual do Acre, em Rio Branco/AC, as chefias do Núcleo de Disciplina da Corregedoria e da DELESP (Delegacia de Controle de Segurança Privada). Atualmente, é o chefe substituto da Delegacia de Polícia Federal de Dionísio Cerqueira/SC e Coordenador da Operação Sentinela em Santa Catarina.

Rakel Silvy Teive

Bacharel em Direito, formada pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – e pós-graduada pela Escola do Ministério Público de Santa Catarina, sendo especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal. Aprovada em concurso público , passou a integrar os quadros do Poder Judiciário estadual de Santa Catarina, estando atualmente lotada na respectiva Corregedoria.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIVE, Renato Silvy ; TEIVE, Rakel Silvy. A importância do inquérito policial no sistema jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3761, 18 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25545. Acesso em: 20 dez. 2024.

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