Artigo Destaque dos editores

Google: crime virtual e castigo real.

Resenha do livro de Siva Vaidhyanathan à luz das denuncias feitas por Snowden

07/11/2013 às 14:15
Leia nesta página:

O Google quer ser juridicamente irresponsável, inclusive para poder coletar na internet dados dos seus usuários e fornecê-los à NSA sem autorização dos interessados. Sua responsabilidade, entretanto, existe e tende a ser agravada em breve.

Antes de Snowden revelar que o Google forneceu e fornece terabites de informações sobre seus usuários para a NSA, os diretores da empresa costumavam dizer que a mesma era uma corporação do bem. Todavia, além de servir aos propósitos escusos do governo deu seu país, o Google é e sempre foi uma companhia com um propósito definido: obter o máximo de lucro com o mínimo de custo.

“...o Google é o vencedor da corrida ‘tudo ao vencedor’ pelo título de maior empresa de serviços da rede. Em 2010, no meio de uma violenta retração econômica de dois anos que prejudicou todos os setores da economia global e acabou com alguns deles, o Google foi avaliado em US$ 120 bilhões <mais ou menos 204 bilhões de reais> e teve um lucro líquido de US$ 4 bilhões <mais ou menos 6,8 bilhões de reais>. Mais de vinte mil pessoas trabalhavam para o Google em 2010, embora a empresa tenha dispensado alguns milhares de funcionários em 2008.” (A Googlelização de Tudo, Siva Vaidhyanathan, Cultrix, São Paulo, 2011)

Como é exatamente que o Google tem lucro? Esta pergunta é relevante, pois a empresa diz que vários serviços que presta aos usuários (Orkut, Google Earth, Google Book Search, Google Street View, Google Maps etc...) são gratuitos.

“Na era anterior ao Google, as empresas criavam produtos que vendiam aos clientes por meio de uma propaganda que levava informações a compradores potenciais. O Google reconfigurou totalmente esse modelo. Seu próprio produto, como afirmei, é na verdade a atenção e a lealdade de seus usuários. Ao mesmo tempo que fornece a seus usuários as informações que eles procuram, aparentemente sem cobrar por elas, o Google colega gigabytes das informações pessoais e o conteúdo criativo que milhões de usuários seus fornecem gratuitamente à rede todos os dias, e vende essas informações a anunciantes de milhões de produtos e serviços. Através de seu principal programa de publicidade, o AdWords, o Google faz um leilão relâmpago entre os anunciantes, para determinar qual deles será colocado no topo da lista de anúncios na parte superior ou inferior da coluna à direita de resultados de busca.” (A Googlelização de Tudo, Siva Vaidhyanathan, Cultrix, São Paulo, 2011)

O uso do Orkut (e de outros serviços agregados pelo Google) é realmente gratuito, mas isto não quer dizer que ele não produza lucro para a Google ou que isente a companhia de responsabilidade. O especialista em comunicação Siva Vaidhyanathan classificou as atividades do Google em três níveis:

Escanear e fazer links – “O melhor exemplo disso é o Google Web Search. O Google não hospeda o conteúdo relevante. O conteúdo fica hospedado em servidores ao redor do mundo, executado por outros e a eles pertence. O Google simplesmente envia suas aranhas (um pequeno programa que ‘rasteja’ pela Internet, seguindo hyperlinks de um arquivo a outro) para que encontrem e copiem em seus próprios servidores, de modo que possa oferecer links para o conteúdo original por meio de pesquisa na rede.” (A Googlelização de Tudo, Siva Vaidhyanathan, Cultrix, São Paulo, 2011)

Hospedar e servir – “...da qual os melhores exemplos são o Blogger e o YouTube*. Nesses casos, o Google convida os usuários a criarem e carregarem os conteúdos nos próprios servidores da empresa.” (A Googlelização de Tudo, Siva Vaidhyanathan, Cultrix, São Paulo, 2011)

* Este é o caso do Orkut, em que os usuários cadastrados hospedam conteúdos nos computadores do próprio Google.

Escanear e servir – “Nessas atividades, o Google esquadrinha o mundo real, põe as coisas reais em forma digital e oferece-as como parte da experiência Google. Os dois melhores exemplo são o Google Book Search, que provocou objeções e processos por parte de autores e editoras do mundo inteiro, e o Google Street View, que desencadeou verdadeiros protestos de rua e ações governamentais.” (A Googlelização de Tudo, Siva Vaidhyanathan, Cultrix, São Paulo, 2011)

Das três atividades catalogadas, costumava-se dizer que o Google só não era responsável pela atividade de Escanear e fazer links. Afinal, a empresa não é criadora ou autora destes conteúdos nem os hospeda diretamente em seus servidores. As revelações de Snowden, entretanto, acarretaram uma modificação na avaliação jurídica que se fazia desta atividade da empresa. Em razão do Google fornecer a NSA os dados que coleta de seus usuários sem a autorização deles me parece que a empresa pode sim ser responsabilizada. Caso o usuário sofra injustas represálias das autoridades norte-americanas por causa de dados coletados e fornecidos a estas pelo Google, a companhia pode e deve ser judicialmente acionada.

Nos dois outros casos (Hospedar e servir e Escanear e servir) a empresa sempre pode ser responsabilizada pelas suas atividades. Mesmo que estes serviços sejam gratuitos, o Google hospeda os conteúdos nos seus computadores e utiliza as informações pessoais dos usuários para criar perfis de consumo que possa vender com lucro aos seus anunciantes. Vem daí sua responsabilidade.

A alegação feita costumeiramente pelo Google de que não pode, por exemplo, ser responsabilizado pelo conteúdo ofensivo postado no Orkut é rigorosamente verdadeira. Mas isto não quer dizer que a empresa não possa ser responsabilizada por ter mantido o conteúdo ofensivo após o ofendido ter requerido a retirada do mesmo da Internet. O Google, a exemplo de todo e qualquer litigante no Judiciário, não quer ter responsabilidade alguma por suas ações e omissões. Este fenômeno foi notado até pelo especialista citado:

“Em resposta a reclamações sobre seu comportamento, os executivos do Google respondem que ficarão muito satisfeitos em eliminar conteúdos ofensivos ou problemáticos desde que alguém tome a iniciativa de informar a empresa a respeito de sua existência. A empresa não quer ser considerada responsável pelo policiamento de suas coleções, inclusive por aquelas que simplesmente não existiriam se o Google não as agregasse ou criasse. Por meio de seu extraordinário poder cultural, o Google consegue se manter a salvo de muitas ações regulamentares em todo o mundo.” (A Googlelização de Tudo, Siva Vaidhyanathan, Cultrix, São Paulo, 2011)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O poder cultural do Google, aliás, ficou bastante evidente nos últimos meses. Após a imagem da companhia  ter sido severamente afetada em virtude de Snowden ter revelado que o Google fornece dados dos seus usuários à NSA sem autorização dos mesmos, seus diretores financiaram a produção e difusão de um filme. Refiro-me obviamente a comédia The Internship. O filme é uma comedia leve e envolvente que ressalta o lado alegre e inovador do Google. Os protagonistas e personagens secundários são divertidos e se movimentam num ambiente de competição saudável e animada. O conflito de gerações é resolvido de maneira interessante e aparentemente estimulante.

Os donos do Google fizeram algumas aparições em The Internship, filme que foi parcialmente rodado nas instalações da empresa. O excesso de autoconfiança e de orgulho deles é evidente. Quando os vi no filme lembrei-me imediatamente de Apocalypto (2006), cuja cena mais significativa do ponto de vista político é aquela em que, no alto da pirâmide e durante os sacrifícios, os poderosos da cidade Maia usam um eclipse para reforçar seu nefasto poder sobre uma massa de ignorantes.

O ato falho cometido pelos donos do Google é evidente. No alto da sua pirâmide de dinheiro, empregada para financiar o filme que pretende melhor a imagem de sua controvertida empresa, eles também observam as massas ignorantes enquanto reforçam seu poder pessoal durante um eclipse cinematográfico. Feita esta digressão necessária, voltemos ao livro A Googlelização de Tudo.

Apesar de tratar de questões muito técnicas, o livro de Siva Vaidhyanathan foi escrito para o público em geral. Aborda temas relevantes de uma maneira bastante profunda, séria e equilibrada. Os impactos positivos e negativos da criação e expansão do Google para o mundo do jornalismo e da publicidade são cuidadosamente abordadas pelo autor, que deu um panorama de várias disputas entre o gigante da Internet e os conglomerados de comunicação ao redor do mundo. A obra de Vaidhyanathan tem méritos evidentes. Apesar disto ela envelheceu rapidamente, mas não por culpa do autor.

As relações perigosas entre o Google e a NSA, que eram tratadas como ilações absurdas de teóricos da conspiração, se tornaram um fato consumado e bem documentado. O impacto disto na avaliação da conduta empresa é evidente. Além disto, a espionagem massiva praticada pelos EUA com ajuda do Google está rapidamente se transformando num grande conflito internacional. A expressão mais recente e evidente deste desdobramento imprevisto e, provavelmente, indesejado pelos produtores de The Internship, foi a apresentação na ONU de um Projeto de Resolução em conjunto por Brasil e Alemanha. O texto, que será discutido na Assembléia Geral da ONU em breve, disciplina a garantia da privacidade dos cidadãos dos países membros da ONU na internet e afetará sensivelmente as atividades da NSA e do Google (http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/brasil-e-alemanha-apresentam-a-assembleia-geral-da-onu-projeto-de-resolucao-sobre-o-direito-a-privacidade-na-era-digital ).

Àqueles que acreditam que o Google poderá seguir fazendo o que faz sem sofrer as consequencias, sugiro que estudem História. Por mais poderosas que sejam, as empresas que não corrigem seu rumo quando enfrentam uma resoluta oposição da comunidade internacional costumam ser impiedosamente trituradas. Se o Projeto de Resolução de Brasil e Alemanha for aprovado, os países membros da ONU terão nas mãos os meios legais indispensáveis para adotar retaliações contra os EUA e contra as empresas norte-americanas que ajudam aquele país a violar a privacidade de seus cidadãos.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. Google: crime virtual e castigo real.: Resenha do livro de Siva Vaidhyanathan à luz das denuncias feitas por Snowden. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3781, 7 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25724. Acesso em: 2 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos