3 NOÇÃO CONTEMPORÂNEA DE INTERESSE PÚBLICO
O Judiciário se apresenta de forma peculiar, somente diz o direito a quem o procura. Dessa característica de inércia surge necessariamente uma lacuna para defesa de direitos que não são de uma, mas de muitos ao mesmo tempo. A inércia do Judiciário obstaculariza o exercício de determinados direitos. Aí é que se faz importante a instituição Ministério Público na defesa do interesse individual homogêneo, interesse coletivo e interesse difuso.
A instituição Ministério Público existe para levar a todos a defesa de direitos que adquirem particularidades de defesa dirigida a muitos e não à um só indivíduo. Reclama, por certo, um amparo coletivo não nominado individualmente pela sua grandiosidade.
Os interesses maiores da sociedade não podem ficar desguarnecidos pela inércia na busca do direito, eis que esses tipos de direitos são de todos e de ninguém especificamente. O Estado tem que garantir esses direitos, mas tem que existir alguma instituição que os defendam.
Em nome da imparcialidade, preserva-se a inércia e surge o campo de atuação do Ministério Público e os reais interesses de atuação ministerial que por vezes não coincidem com os interesses do Estado pela sua peculiaridade dirigida ao interesse geral e não da Fazenda Pública.
Vários doutrinadores pátrios entre eles MAZZILLI seguem a tendência contemporânea de trazer a classificação formulada pelo italiano Renato Alessi (1960 apud MAZZILLI, 2006, p. 47) como método de definição dos interesses do Estado.
Como interesse do Estado ou dos governantes não coincide necessariamente com o bem geral da coletividade, Renato Alessi entendeu oportuno distinguir o interesse público primário (o bem geral) do interesse público secundário (o modo pelo qual os órgãos da administração vêem o interesse público): com efeito, em suas decisões, nem sempre os governantes atendem ao real interesse da comunidade.
O interesse público primário é o interesse social (o interesse da sociedade ou da coletividade como um todo).
Coube ao Estado a promoção/proteção dos interesses públicos primários, bens maiores da sociedade: a justiça, a segurança e o bem-estar da sociedade e não o interesse secundário que é o interesse da pessoa jurídica de direito público identificado como interesse do erário, sendo este o de aumentar a arrecadação e diminuir as despesas.
Tem-se que definir os limites da verdadeira intervenção, como custos legis, do MP que deve ultrapassar o interesse de pessoa pública envolvida. O parquet não pode atuar como outrora, ao se transmutar em defender os poderes públicos e ao mesmo tempo servir de defensor da sociedade.
Dentro dessa perspectiva a Constituição lança duas esferas de atuação: a que cabe ao MP e a que cabe à Advocacia Pública. Ao primeiro cabe o amparo do interesse primário e ao outro do interesse secundário.
O interesse primário puro é que deve ser resguardado na hora da manifestação ministerial e o secundário sendo admitido e defendido por instituição criada para este fim, ou seja, a Advocacia Pública. Tal diferenciação é hoje albergada pela Carta Maior de 88 não restando dúvidas quanto ao tipo de interesse que deve intervir o MP, mesmo que uma das partes seja Fazenda Pública.
Essa noção contemporânea de interesse público está a obrigar a releitura e a reinterpretação dos dispositivos legais regedores da intervenção do Parquet, à luz da finalidade maior da instituição.
Na maioria dos casos em que se estabelece a manifestação ministerial resta desconfigurado o interesse geral que autorize o envio, pelo judiciário, de processos para ao MP. Imperioso considerar, também, que o parquet atende prontamente tais solicitações, sem proceder a análise profunda do caso.
Como preceitua Mazzilli (2006, 80):
É preciso deixar claro que, ao contrário do juiz, que é tecnicamente desistenressado da solução da lide, o Ministério Público sempre tem interesse a zelar dentro da relação processual. Ora esse interesse é indisponível e está ligado a uma pessoa ou a uma relação jurídica, ora diz respeito à defesa da coletivade como um todo e então terá caráter social. Em todos os casos, porém, o papel do Ministério Público não se confundirá com o do juiz: atua mal o membro do Ministério Público que, invocando a velha concepção de mero fiscal da lei, só contempla o que está ocorrendo dentro do processo e , ao final, dá um parecer como mero e desnecessário assessor jurídico do juiz. Na verdade, o papel do Ministério Público – seja enquanto agente ou interveniente – será o de concorrer de maneira eficiente para a defesa do interesse público cuja existência justificou seu ingresso nos autos.
4 O NOVO PERFIL DA INSTITUIÇÃO MINISTÉRIO PÚBLICO
Não é utopia afirmarmos que as leis brasileiras são avançadíssimas. A título exemplificativo, destaca-se o Estatuto da Criança e do Adolescente bastante moderno, porém ineficaz; a Lei de Execuções Penais, elaborada nos moldes europeus, não impõe respeito algum; o Código de Defesa do Consumidor é deveras avançado, todavia não surte efeito frente a uma grande massa de pessoas que sequer tem acesso ao consumo.
Neste sentido, o Ministério Público pode exercer um papel vital na garantia da aplicação das leis que já existem. É necessário proporcionar aos promotores de justiça tempo e meios adequados para o desenvolvimento de um enorme trabalho, sobretudo com relação ao respeito aos direitos humanos.
Pode-se afirmar, desta forma, com absoluta segurança, que com o advento da nova Carta da República restou ampliada a atuação do órgão ministerial para contemplar também a defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente, de interesses difusos e coletivos, de direitos individuais homogêneos, dentre outros. Considere-se, ainda, que a interpretação dos termos da Constituição Federal, no tocante às atribuições conferidas ao Ministério Público, deve ser feita de forma lógica e sistemática, buscando conferir-lhe a máxima eficácia.
Ressaltem-se os trabalhos desenvolvidos pelas Curadorias da Infância e da Juventude, de proteção ao Meio Ambiente, de atenção ao Idoso, ao Cidadão, ao Consumidor, às minorias, às mulheres, dentre outras.
Além disso, mister destacarmos que quando a Constituição Federal promulgada em 1988 (2003, p. 125) conceituou a instituição Ministério Público referindo-se à defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, na visão de Machado (1998, p.12) exposta na obra A intervenção do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro, está ela querendo dizer que cumpre ao Parquet a defesa da ordem jurídica amplamente considerada (a defesa da Constituição Federal e das leis substanciais e instrumentais) nos processos em que os litígios envolvam leis de ordem pública, quer dizer, as que criam direitos indisponíveis.
Sendo assim, vislumbra-se o papel do Órgão Ministerial no sentido de abarcar valores que juridicamente são relevantes em prol da sociedade e não do Estado em si mesmo. Não sendo assim, o próprio sistema entra em desarmonia, eis que o parquet passa a atender as atribuições que não são a ele dirigidas pela Carta Constitucional.
Daí a grandeza do papel confiado à instituição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho pretendeu contribuir para a demonstração de questões que se amoldem ao novo perfil constitucional do Ministério Público, cooperando com o fiel alcance de suas atribuições legais, sempre em defesa dos interesses da coletividade.
Quis, também, demonstrar a condição de órgão independente frente às possibilidades de intervenção existentes na lei, ou seja, comprovar que cumpre somente ao Parquet a eleição de prioridades para a consecução de seu fim, com vistas a atuar tão somente nos feitos em que haja real interesse público a ser velado pela Instituição e não naqueles que tenham reflexos apenas patrimoniais, ainda que da Fazenda Pública.
O objeto proposto fora, de fato, bem esclarecido. Restou cristalinamente ratificado que o Ministério Público deve intervir, no processo civil, sempre em defesa dos interesses difusos e coletivos, preocupando-se em assumir fielmente a moderna roupagem trazida pela Constituição Federal de 1988.
Ficou também evidenciada a posição majoritária doutrinária e jurisprudencial de ser desnecessária a intervenção do Ministério Público em ações que envolvam interesses meramente patrimoniais da Fazenda Pública, quando inexiste, nestes casos, interesse público.
Responde a hipótese básica deste trabalho a consideração de que deve ser perseguida, pelo Ministério Público, a defesa do interesse do bem geral, da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Em suma, que a intervenção ministerial, na qualidade custos legis, em causas de reduzida repercussão social, não se coaduna com o perfil constitucional traçado para o Ministério Público.
Restou exaustivamente demonstrado, ainda, que o membro ministerial é livre para apreciar se existe ou se persiste o interesse que legitima sua iniciativa ou sua intervenção, sempre em busca da proteção aos interesses que tenham repercussão social e/ou digam respeito à sociedade como um todo.
Além disso, fora examinada se a visão de se atrelar o interesse público aos interesses da Fazenda é viável. Concluiu-se pela negativa, eis que a presença no pólo passivo de pessoa jurídica de direito público não determina, por si só, a intervenção do Ministério Público.
Verifica-se que, nessa espécie de intervenção, não obstante a presença de ente público na relação processual, o interesse versado enquadra-se como interesse público secundário, próprio da pessoa jurídica de direito público e relativo ao erário. Como exemplo pode-se citar a execução fiscal da dívida ativa, devendo-se, nesse caso, ser defendida por quem de direito: a Advocacia Pública.
Tal constatação pelo órgão Ministerial, dispensa, por certo, qualquer tipo de parecer que não seja para defender o interesse público primário, que na maioria dos casos, em que figura o ente público, está ausente.
Assim, acompanhamos a tendência atual e majoritária exposta acerca do tema. De fato, o Ministério Público tem muito a contribuir com o desenvolvimento social e humano, além de possibilitar garantias às classes menos favorecidas. É, desta forma, uma missão confiada à instituição pelo legislador constituinte originário.
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