A Lei n° 8.666/1993, no seu art. 25, é taxativa ao prever, para os casos de inexigibilidade de licitação, que:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes; (...).
[grifos nossos]
Assim, vemos que a lei trouxe a hipótese de não poder se realizar o certame licitatório quando este for impossível (competição inviável), e esta impossibilidade, no caso do mencionado inciso, esteja caracterizada, dentre outras hipóteses, pelo fato do produto escolhido somente poder ser adquirido através de representante comercial exclusivo.
Portanto, desde que o produto seja único e não possa ser substituído por um similar, à administração somente resta a hipótese de adquiri-lo através de contrato firmado com o representante comercial exclusivo do fabricante, desde que esta condição seja comprovada através de atestado do órgão de registro competente, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, por entidades equivalentes.
Leciona Marçal Justen Filho[1] acerca do dispositivo acima transcrito:
6) Ausência de Pluralidade de Soluções (inc. I) Como visto, a modalidade mais evidente de inviabilidade de competição é aquela derivada da ausência de alternativas para a Administração Pública. Se existe apenas um único produto em condições de atender à necessidade estatal, não há sentido em realizar licitação. Seria um desperdício de tempo realizar a licitação. (...)
6.3.2) Existência de representante exclusivo
(...)
No caso do representante exclusivo, a Administração se depara com estrutura organizacional privada, em que certo fornecedor atribui a um certo agente econômico o direito privativo de intermediar negócios em certa região. No Brasil, existem diversos diplomas que regulam cláusulas de exclusividade. Podem lembrar-se os casos das Leis n° 4.886/65 (representação comercial), n° 6.729/79 (concessão de veículos automotores) e n° 8.955/94 (franquia empresarial). Isso significa admitir, desde logo, que a questão não envolve apenas representante comercial exclusivo, mas qualquer espécie de agente econômico titular de cláusula de exclusividade.
A situação caracterizadora parece clara, na medida em que informa que não se pode exigir licitação quando o produto seja único (seja imprescindível sua compra no caso concreto) e que este produto somente possa ser adquirido de um fornecedor exclusivo.
Por óbvio que, se for o próprio fabricante o fornecedor do produto (isto é, se ele não tiver representante), melhor ainda, pois ao fabricar e fornecer seu próprio produto, a empresa pode reduzir o custo final do bem, sem ter que remunerar a empresa responsável pela representação do seu produto.
Até aí nenhum problema, desde que os requisitos de inviabilidade de competição estejam atendidos e que o fabricante (contratado/ fornecedor/ representante) possua regularidade fiscal para contratar com a administração pública.
O óbice ocorre quando, mesmo atendidos os requisitos de inviabilidade de competição, o fabricante/fornecedor não possui regularidade fiscal. Neste caso nos parece impossível que este possa contratar com a administração com base na Lei n° 8.666/1993.
E se o fabricante/fornecedor, por não possuir regularidade fiscal, atribua a representação do seu produto, com exclusividade, a um representante comercial que possua regularidade fiscal, com o fim de atender ao art. 25, I da Lei n° 8.666/1993?
Apenas para elucidar o caso, imaginemos, por exemplo, que a administração, após comprovar a singularidade e inviabilidade de competição, queira contratar a assinatura de uma revista editada e fornecida pela mesma empresa, e que não possui regularidade fiscal, mas que, diante da ausência de quitação com o fisco, celebrou contrato de exclusividade de representação com outra empresa que possui regularidade fiscal. A contratação direta pode ser feita com o Poder Público?
A resposta é não. Ao nosso ver, o procedimento configura uma verdadeira fraude, na medida em que se está criando um artifício para que uma empresa que não possui regularidade fiscal possa contratar com a administração através de interposta pessoa que a possui.
E saliente-se que, para a caracterização da irregularidade, independe o fato de se esta segunda pessoa jurídica é ou não remunerada por estes serviços de representação por valores eventualmente embutidos no preço. Caso o seja, o procedimento é ainda mais grave, pois além de tudo, estar-se-ia atentando contra os princípios da eficiência e economicidade (a administração estaria pagando mais caro por um produto para comissionar uma empresa intermediária).
Vale ressaltar que o objetivo da lei prever a necessidade da regularidade fiscal para contratar com o Poder Público tem uma razão de ser: todo gestor tem o dever de zelar pelo patrimônio público, e isso inclui adotar condutas que visam favorecer a correta arrecadação de tributos, taxas, contribuições, etc. Por isso, a Administração Pública está obrigada a somente contratar com empresas que tenham suas obrigações quites perante o fisco (ainda que a contratação seja aparentemente mais onerosa), e não pode compactuar com procedimentos que ensejem postura diversa.
Por isso, somos da posição de que a referida triangulação, consistente na contratação direta pela inexigibilidade de licitação do art. 25, I da Lei n° 8.666/1993, de representante exclusivo nomeado como interposta pessoa jurídica para encobrir a irregularidade fiscal do fabricante/ fornecedor é, em tese, ilícita, podendo configurar fraude, e se distancia de diversos princípios que regem a administração pública, tais como o da legalidade, eficiência e economicidade.
Notas
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 10a ed., São Paulo: Dialética, 2004, p. 273.