Não há que se falar em decadência do direito subjetivo do consumidor, haja vista que, consoante está disposto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, “prescreve em 05(cinco) anos, a pretensão à reparação dos danos causados por fato do produto ou serviço prevista na seção II deste capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria".
Com certeza, data venia, os institutos jurídicos da decadência e da prescrição devem ser objetos de estudo e de um melhor aprofundamento acerca da matéria pelos profissionais de direito e principalmente pelos corpos jurídicos das empresas que via de regra figuram no polo passivo das relações jurídicas processuais, sendo que, inclusive, poderíamos citar despreendidamente um diverso número de características peculiares a cada instituto, e também inúmeras distinções entre um e outro; já que a doutrina, neste particular, é abundante. No entanto, fiquemos com algumas, de maior interesse no que adiante vamos discutir.
O Direito caduca, a pretensão prescreve. No caso específico do CDC, a decadência atinge o direito de reclamar, a prescrição afeta a pretensão à reparação pelos danos causados pelo fato do produto ou do serviço. A decadência afeta o direito de reclamar, ante o fornecedor, quanto ao defeito do produto ou do serviço, ao passo que a prescrição atinge a pretensão de deduzir em juízo o direito de ressarcir-se dos prejuízos oriundos do fato do produto ou do serviço.
A decadência supõe um direito em potencial, a prescrição requer um direito já exercido pelo titular, mas que tenha sofrido algum obstáculo, dando origem à violação daquele direito.
A prescrição não fere o direito em si mesmo, mas sim a pretensão à reparação. Segundo Serpa Lopes (Curso de Direito Civil, vol. 1, 7ª edição, Rio de Janeiro, Ed. Freitas Bastos, 1989), “o que se perde com a prescrição é o direito subjetivo de deduzir pretensão em juízo, uma vez que a prescrição atinge a ação e não o direito."
O CDC separou as duas realidades. Tratou da decadência no artigo 26 (o direito... caduca...) e da prescrição no artigo 27 (Prescreve... a pretensão...). Prazo é o lapso de tempo, período fixado na lei entre o termo inicial (dies a quo) e o termo final (dies ad quem), cujo implemento vem a constituir o fato jurídico, in casu, decadencial ou prescricional, extintivo de direito.
Convém salientar que os prazos decadenciais e prescricionais do CDC são de ordem pública e, portanto, inalteráveis pela vontade das partes. Há prazos gerais fixados no Código Civil e prazos especiais fixados nesse mesmo Código e na legislação extravagante em relação a ele, como é o caso do CDC.
Os prazos prescricionais referem-se à pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista no mesmo CDC. Neste sentido, esclarece Arruda Alvim (Código de Defesa do Consumidor Comentado, 2ª Edição, Revista dos Tribunais, 1995): “O objeto da reclamação é substancialmente diferente do pedido de reparação de danos. A reclamação é exclusiva do vício, a reparação se prende as perdas e danos, fato do produto ou do serviço. "
Fato do produto é todo e qualquer dano, podendo este ser oriundo de um vício, que, por sua vez, traz em si, intrínseco, uma potencialidade para produzir dano. Assim, caso o vício não cause dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, vindo a causar dano (hipóteses do artigo 12), deve se ter em mente o prazo quinquenal, sempre que se quiser pleitear indenização.
A posição de alguns doutrinadores estudados é no sentido de que se o consumidor tiver sido prejudicado, poderá haver perdas e danos (além da reclamação pelo vício) e estas, apesar de originadas no próprio vício do produto ou do serviço, não necessitam integrar a reclamação, ficando sujeitas ao prazo prescricional fixado em leis para estas, pois se constituem as perdas e os danos, em sentido latu sensu, o fato do produto ou serviço, abrangendo o que o consumidor perdeu e o que deixou de ganhar em razão do vício.
Arruda Alvim (ob. Supra citada) esclarece, no entanto, que: “Não há diferença entre os danos advindos de vício do produto e o fato do produto. A interpretação diversa, ainda segundo ele, levaria a entender que a indenização pelo vício, restaria à margem das leis de consumo, e que a sua prescrição se regeria pelo direito comum (15 dias CC, 10 dias Ccom havendo rescisão, ou por 20 por ação pessoal, no caso de não se dar a rescisão contratual). Continua: O vício do produto ou do serviço e a sua sanação recebe um tratamento jurídico que não é dispensado ao dano; este importa em fato do produto ou do serviço. Nada obsta a que um produto ou serviço seja viciado e que, este vício ocasione prejuízo, devendo ser considerado como fato”.
Entendemos a propósito dessa discussão que fazer esta distinção entre fato do produto ou serviço e dano decorrente do vício é supérflua até mesmo para negá-la. Qualquer perda ou dano implica em fato do produto ou do serviço, que vem a ser precisamente o dano resultante do vício.
William Santos Ferreira (Prescrição e Decadência no Código de Defesa do Consumidor, Revista do Direito do Consumidor, nº 10, págs. 77/96, abril/junho, 1994) faz observação relevante ao observar que quando falamos do direito à incolumidade físico-psíquica do consumidor falamos de direito não sujeito a decadência. Temos então que a prescrição tem início com o nascimento da pretensão. Da lesão ou violação de um direito faz nascer à ação. Ora, o direito a vida, a segurança, a saúde, nunca deixarão de existir, ao haver o dano, este implica em direito resistido, enseja ação e enseja também a prescrição decorrente.
Assim sendo, podemos verificar que o CDC, constituindo diploma especial, estabelece regras também especiais no que tange aos institutos da decadência e da prescrição quando aplicados às relações de consumo.
Tais regras são atinentes aos prazos mais dilatados, ao termo inicial e ao termo final, hipóteses de interrupção e suspensão, etc. Todas elas partindo do pressuposto fundamental da hipossuficiência do consumidor nesta classe de relações. Portanto, sob este ângulo devem ser interpretadas.
Pudemos verificar que existe alguma controvérsia doutrinária e também jurisprudencial, pelo menos em dois pontos principais. Primeiro, quanto à natureza jurídica e a consequente forma de aplicação, da obstação da decadência, inserta no parágrafo segundo do artigo 26 do CDC.
A segunda polêmica, versa como deve ser entendido o dano sujeito à disciplina do CDC e por via de consequência, sujeito ao prazo prescricional do artigo 27, se derivado do vício ou derivado do fato do produto ou do serviço.
Com base nos autores estudados e conforme o exposto acima, nos posicionamos, no primeiro caso, a favor da identificação de dois direitos exercitáveis pelo consumidor, quando da ocorrência do vício. Um é exercitável extrajudicialmente; o outro, judicialmente. A cada direito corresponde um dies a quo para o prazo decadencial. Cada um, depois de exercitado, impede que se volte a falar de decadência, pelo tão só fato de ter sido exercitado.
No segundo caso, nos posicionamos pela não distinção entre um e outro dano, considerando todos abraçados em uma mesma hipótese, qual seja, todo e qualquer dano que decorra do produto ou serviço, oriundo ou não do vício, resultará em fato do produto ou serviço, sujeitando-se as regras do CDC, inclusive no que concerne a responsabilidade objetiva.
Isto posto, cremos que interpretamos a norma jurídica da forma, sistematicamente mais lógica e teleologicamente mais adequada ao espírito que preside o Código Protetivo aos Direitos do Consumidor.