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O neocaudilhismo de esquerda e o natal venezuelano

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13/11/2013 às 06:07
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Trata da medida tresloucada do Presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, de alterar a data do Natal por decreto para o dia 01 de novembro próximo passado, com um estudo das repercussões políticas, jurídicas, éticas, sociais, religiosas e lógicas da questão.

Não existe ilusão maior do que pensar que a morte de um ideólogo carismático demagogo que disseminou seu ovo de serpente seria capaz de por cobro ao andamento e à multiplicação virulenta ou metastática de seu legado deletério.

Morto [1] Hugo Chávez por um tumor cancerígeno sobre o qual, antes de seu passamento se divulgou uma charge de humor negro, onde se noticiava que o tumor fora retirado e dizia (o tumor), já se sentir bem melhor, não há se falar em cura para o neocaudilhismo de esquerda que vem dominando países latino – americanos como a Venezuela e a Bolívia, sob os aplausos ou, no mínimo, a conivência omissa de praticamente toda a mídia e dos mais variados setores políticos.

Mas, quando se pensa que se chegou ao ápice do absurdo, da mentira deslavada e da incoerência patológica. Quando se pensa que se atingiu um limiar insuperável, eis que surge alguém mais “maduro” na arte nefanda do descaramento megalomaníaco.

Coincidentemente seu nome é Nicolas “Maduro” e ele realmente “amadureceu” a arte do populismo, da demagogia, da arbitrariedade, do totalitarismo, do cinismo e, por que não dizer, da mais absoluta “cara de pau”.

Em meio a uma mais que previsível crise econômica que assola a população venezuelana, ocasionando insatisfação de vários setores, eis que o líder carismático surge com duas pérolas que misturam incoerência, mistificação e imbecilidade elevadas à potência máxima.

Com a nítida finalidade de jogar um véu sobre a crise instalada, divulga, pasmem, uma “aparição” de Hugo Chávez para um grupo de operários que trabalhava no interior de um túnel no bairro Libertador de Caracas!!!! Maduro vai à televisão oficial e anuncia que isso é um sinal “do comandante” aos venezuelanos de que estaria sempre com eles. [2] Caracas!!!!!!

É interessante perceber que Jung certamente tinha alguma razão ao mencionar os chamados “arquétipos” presentes na psique humana. Na tradição Católica não são incomuns as narrativas de aparições de Santos, sendo uma das mais famosas a de Nossa Senhora de Fátima e seus segredos revelados. Será que “São Chávez” revelou algum segredo? Bom, se revelou, os operários e Maduro, não irão divulgar, pois, ao reverso de Nossa Senhora, não são propriamente ou somente de índole religiosa, mas são verdadeiros “segredos de Estado”, não é?

Mas, voltando a Jung e os “arquétipos”, bem como às manifestações psíquicas inconscientes, vale lembrar que normalmente as aparições dos Santos são descritas de forma que eles surgem descendo do céu entre nuvens ou luzes. Já “São Chávez” aparece no fundo de um túnel, tudo indicando, ainda que inconscientemente, a origem infernal de onde somente poderia exsurgir. Os “demais” Santos vêm de cima para baixo, ele vem das profundezas. Nada mais perfeito em termos de simbolismo da inversão de valores que permeia tudo isso.

Essa realidade distorcida, essa mentalidade caótica pode parecer distante, mas não o é. É bom não esquecer que nosso ex- presidente Lula, disse um dia em pleno Vaticano, ser “um homem sem pecados”. [3] E não parou por aí, também afirmou que sofreu perseguições políticas que o fizeram sofrer “mais que Cristo”, que seu “corpo estaria mais arrebentado que o corpo de Jesus Cristo depois de tantas chibatadas”. [4] Deus do céu!!!!

Retornando à Venezuela, Maduro resolve usar do velho expediente do pão e circo (bem mais circo e palhaçada do que pão) para distrair os compatriotas bolivarianos. No campo jurídico há uma máxima que afirma que fatos notórios independem de prova (“Notoria vel manifesta non egent probatione). E o exemplo mais corriqueiro é aquele que diz que o Natal é notoriamente comemorado no dia 25 de dezembro, razão pela qual não necessita de prova no campo processual tal fato de trivial conhecimento. É sabido que não se tem uma data exata do nascimento de Cristo, mas há séculos essa data foi estabelecida para as comemorações natalinas por força de determinação do Papa Libério no ano de 354. Pode-se afirmar que é uma determinação arbitrária. Realmente, mas uma data deveria ser estabelecida e, como não se tem um dia exato historicamente, a tradição vem sendo respeitada há centenas de anos e a deliberação a respeito partiu de onde deveria, ou seja, do seio de uma instituição religiosa. Até que outras instituições de cunho religioso alterem em suas tradições respectivas essa data ou o que quiserem de acordo com suas crenças, é plenamente admissível no Estado Laico onde impera a Liberdade Religiosa. O que é absurdo, surreal mesmo, é que Maduro venha e, por decreto (aliás, ele pretende governar por decreto, abolindo a legalidade), estabeleça que o Natal na Venezuela é em 1º. de novembro! E force a população e todos os crentes a engolirem essa ingerência governamental em um âmbito que não lhe diz absolutamente nenhum respeito. Tudo isso com a pura e mais desbragada intenção de desviar as atenções populares da crise profunda e diminuir de alguma forma o descontentamento generalizado que se vai alastrando pelo país. [5]

Eis uma expressão nua e crua do paroxismo da “vontade de poder”, da megalomania da onipotência, em que se pretende ser capaz de distorcer a realidade de acordo com os ditames e necessidades de uma ideologia que tem por fim único a sua manutenção indefinida no poder.  E, como bem aduz Carvalho, “uma ideologia é, por definição, um simulacro de teoria científica. É, segundo a correta expressão do próprio Marx, um ‘vestido de ideias’ que encobre interesses ou desejos”. [6]

Mas, como é possível que um ser humano pense que pode enganar a todos o tempo todo com expedientes tão primários como a disseminação de uma mistificação do aparecimento “milagroso” de um líder demagogo morto em um túnel ou a alteração da data do Natal?

Em primeiro lugar, existe a questão, que pode ser considerada praticamente patológica, quanto à petrificação cerebral que faz com que os adeptos de certas ideologias se julguem acima do bem e do mal, bem como dotados de poderes e direitos ilimitados, já que mesmo que estejam no momento perpetrando as maiores barbaridades e absurdos, tudo isso é plenamente justificável com base em um futuro vindouro de glória, redenção e felicidade imorredouras.

No quadro acima delineado se conforma uma espécie de ética exclusivamente voltada para um futuro indeterminado, onde o passado e o presente são contingências no seio das quais qualquer ato, por mais nefasto e absurdo está justificado como uma espécie de efeito colateral de um remédio, por vezes amargo (se tanto), mas absolutamente imprescindível. O porvir é o que importa inclusive para a ética prática.

Arendt já diagnosticou isso há tempos como aquilo que denominou de “técnica de afirmações proféticas”, as quais, “do ponto de vista demagógico” são a melhor forma de evitar qualquer discussão, tornando o argumento “independente de verificação no presente”, já que somente “o futuro lhe revelará os méritos”. [7] E mais adiante descreve a síndrome patológica dessas pessoas imiscuídas em ideologias totalitárias e em teorias abrangentes: [8]

“O que une esses homens é uma firme crença na onipotência humana. O seu cinismo moral e sua crença de que tudo é permitido repousam na sólida convicção de que tudo é possível”. [9]

Toda argumentação torna-se retórica (no mau sentido) e sustentada numa espécie de pragmatismo onde a apreciação de um ato ou acontecimento se dá de acordo com suas hipotéticas consequências futuras favoráveis ou desfavoráveis. [10] Mas, frise-se, que essas consequências “hipotéticas” somente o são para aqueles que estão de fora do grupo ideologizado, porque para eles constituem verdades ou profecias incontestáveis. Neste ponto é possível atribuir um fim nobre a um crime e com isso, no mínimo, atenuá-lo, senão justificá-lo. Nesse contexto é muito fácil olvidar que

“conquanto seja verdade que o fim valoriza os meios, nem sempre ele os justifica, pois o uso destes pode ser condenável em si, ou ter consequências desastrosas, cuja importância pode ultrapassar a do fim buscado”. [11]

Muito bem exemplifica os malefícios e artificialidades dessa espécie de ética voltada para um futuro profético e utópico Hans Jonas ao comentar sobre a Teoria Marxista – Leninista (tão cara aos Maduros e Cia.) que se desprega da realidade circundante para aderir a uma suposta vontade política onipotente de transformação social:

  “A lo anterior se añade un fenômeno predictivo, ilustrado por el ejemplo de Lênin, que tiene poço que ver con el análisis causal de lo concreto: la teoria especulativa global de la historia, que sabe de algo así como de una ley general de su objeto en el tiempo y deriva de ella los rasgos fundamentales de un futuro predeterminado. (...). Su ejemplo más destacado es, naturalmente, el marxismo. Nos encontramos aqui con pronósticos históricos a escala mundial fundamentados racionalmente, y,  al mismo tiempo – dada la singular ecuación entre lo que será por necessidad y lo que debe ser – con la fijación de una meta para la voluntad política; con ello ésta se convierte en un  factor para la confirmatión  de la teoria después que la verdad previamente conocida de ésta haya motivado por su parte a la voluntad. De esto se deduce que el obrar político así determinado provoca lo que de cualquier modo va a suceder; se trata de una curiosa mezcla de la máxima responsabilidad por el futuro y de una liberdad determinista de la responsabilidad. [12] (...). La teoría marxista, en cuanto teoria de la historia entera, de la anterior y de la venidera, define el futuro en unidad con la explicación  del passado a partir de un principio que los penetra; esto es, los define como lo que todavia queda por suceder tras lo que ya há sucedido. Toda historia anterior, que, secún su dinâmica esencial, es una historia de la lucha de clases, quederá a partir de ahora abolida en la sociedad sin  clases que surge en el proceso total. Y además debe hacer eso: la voluntad debe identificarse con la necessidad histórica, al menos en la clase llamada a su realización, el proletariado. La coincidência del interes con la meta comporta en este caso que el interes -  él mismo parte de la necessidad -  asuma la función del deber, con lo cual se supera el desagradable abismo entre el deber y el ser y se evita el idealismo de una exigência moral abstracta (la cual, según la teoria, es necesariamente inoperante)”. [13]

No entanto, não é somente essa ruptura com a realidade, esse sentimento absorvente de onipotência que domina os líderes e teóricos esquerdistas do neocaudilhismo latino – americano que caminha na esteira de um socialismo submetido a uma reengenharia que possibilita sua emergência e sustentação, bem como sua perigosa tendência à expansão. Aliada a isso está a condição deplorável de grande parte da intelectualidade, da mídia e, consequentemente, da população em geral em termos do mais comezinho bom senso. Até mesmo do senso de proporcionalidade e realidade. Vivemos no Brasil e na América Latina em geral e, por que não dizer, no mundo globalizado, em meio à disseminação da barbárie onde a cultura e os valores mais altos são corroídos por banalidades politicamente corretas com potencial imbecilizador jamais visto. Isso considerando principalmente o papel da difusão de informação (e informação não é o mesmo que formação) possibilitada pela ingente ampliação dos recursos midiáticos (internet, televisão, rádio, jornais, revistas etc.). Até mesmo a democracia que enseja necessariamente o desenvolvimento livre desses meios de expressão e comunicação, acaba criando o ambiente fértil para uma dominação ideológica e uma desproporção de poder entre o indivíduo e os Governos nunca antes experimentada na história da humanidade, mesmo pelos maiores tiranos do mundo. Que tirano da antiguidade poderia pensar em disseminar suas ideologias por meio da internet, dos jornais, da televisão (especialmente as oficiais) ou controlar de forma absoluta pela tecnologia a vida privada de seus governados e até de outras nações (vigilância acústica, ótica, interceptação telefônica e telemática, monitoramento por satélite etc.)? Dessa forma o igualitarismo que marca os discursos democráticos torna-se meramente formal e jurídico, já que a desproporção de poder inerente ao Estado contra o indivíduo se agiganta como nunca. [14] E quando essa dominação acaba por engolir todo resquício de democracia e liberalismo possíveis, se pervertendo em regimes como os da Venezuela ou da Bolívia (para restringir o campo à América Latina), o quadro que se desenha é o de uma sociedade civil fragmentada e perdida num mar de desorientação onde o único foco é uma espécie de “razão” de Estado coletivista mal formatada e até caótica, da qual é uma exemplar descrição a obra de Karl Kraus intitulada “Os últimos dias da humanidade”. Ali se vê transcrita uma possibilidade, mais que isso, uma realidade, que se constitui em estabelecer “penas de prisão pela difusão da verdade”. [15] Ora, pois não é o próprio Maduro que pretende governar por decreto, censurar a imprensa e prever penas para todos aqueles que difundirem críticas ao regime? [16]

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Retomando a temática das últimas imaturidades de Maduro, não parece mais necessário gastar tempo e tinta com a questão da suposta “aparição de São Chávez”. A absurdidade é tão medonha que seguir com o assunto pode ser indicativo de alguma tendência ao masoquismo intelectual.

Agora, quanto ao tema da mudança da data do Natal há ainda alguns pontos de natureza jurídica e mesmo lógica ((in)coerência) que precisam ser abordados:

Obviamente que mais do que por uma determinação papal, os cristãos comemoram o Natal no dia 25 de dezembro como a expressão de um costume secular. É de trivial conhecimento que o costume é fonte do Direito, normalmente classificado como uma fonte formal não estatal porque provém de fora do âmbito do Estado. [17]

Montoro o define como

“uma repetição constante de determinados comportamentos na vida de uma comunidade, acompanhada da convicção de sua necessidade, ao ponto de poderem os interessados exigir o respeito a esse comportamento pela força, em caso de transgressão”. [18]

São, portanto, requisitos e características do costume: sua “repetição uniforme” enquanto “modo constante de agir”; sua aderência geral, ou seja, sua realização “pela maioria das pessoas” e sua “repetição pública, à vista de todos”. [19]

O costume pode ser “secundum legem” (segundo a lei), “praeter legem” (além da lei) e “contra legem (contra a lei). [20] Para este texto importa o costume “praeter legem”, eis que a data do Natal é algo que independe de lei, não a contraria nem tem ligação com ela. Diz respeito ao agir espontâneo da sociedade civil e ao exercício da religião e da religiosidade livres de cada ser humano. Não se trata de campo aberto ao legislador e muito menos a um governante com pretensões totalitárias que decreta aquilo que bem entende, simplesmente desprezando e pisoteando o sentimento popular. Aliás, como bem destaca Montoro:

“O costume apresenta-se, pois, como verdadeira norma jurídica, cuja principal característica é ser criado espontaneamente pela consciência comum do povo e não editada pelo poder público”. [21]

A única coisa que um caudilho megalomaníaco pode obter com um decreto que muda o dia do Natal para 1º. de novembro a seu bel prazer, é a criação daquilo que Maciel bem identifica como uma “lacuna ontológica”, ou seja, “um desajustamento entre os fatos e as normas” que só pode resultar na prevalência dos fatos [22] e na comicidade, se não fosse tragédia, da espécie normativa que pretende confrontar o mundo real. Ademais é essa “lacuna ontológica” que permeia toda a construção de ideologias revolucionárias utópicas que se pretendem impor a fórceps ao mundo real. Nada mais constitui essa lacuna do que um efeito inevitável da chamada “paralaxe cognitiva” definida por Carvalho como “o hiato entre o eixo da experiência pessoal e o da construção teórica”. [23] O sujeito constrói sua ideologia, sua teoria, de forma totalmente dissociada da realidade que o circunda, o que não passaria de um problema pessoal a ser solucionado por um bom psiquiatra, se não fosse o caso de que tal indivíduo ou grupo pretende impor, muitas vezes pela via violenta, sua ideologia despregada do mundo da vida a toda a sociedade, senão à humanidade. A comparação ao insano, especialmente no caso do Natal e do imaturo Maduro, parece perfeita porque todos sabem que uma das primeiras abordagens de um psiquiatra para avaliar a sanidade de alguém é uma espécie de anamnese com perguntas básicas para verificar o senso de tempo e espaço, de conhecimentos comuns, tais como o próprio nome, a data em que se encontra, o nome do Presidente de seu país, o dia do Natal etc.  Responder erroneamente a uma dessas questões, dizendo, por exemplo, que o Natal se comemora em 1º. de novembro é meio caminho para o hospício ou pelo menos deveria ser porque talvez a mídia venha a louvar a insanidade e não é nada difícil que nosso governo considere isso uma medida bastante relevante e oportuna, adotando-a aqui também. Quem sabe poderíamos ampliar isso no Brasil? Note-se que se a data do nascimento de Cristo pode ser alterada a olho, então o que tem demais em que eu, por exemplo, que nasci em oito de agosto, resolva ter nascido em 05 de outubro? As mulheres, inclusive, em nome de uma “discriminação positiva”, poderiam também mudar o ano de nascimento, diminuindo consideravelmente a idade. Bastaria uma lei que nos permitisse requerer isso nos Cartórios de Registro Civil! Eis o admirável mundo novo! Quando poderia imaginar Erasmo de Rotterdam que o título irônico de seu livro “Elogio da Loucura” se tornaria a regra no mundo contemporâneo?

No entanto, não é somente sob o prisma jurídico que o decreto do imaturo Maduro é absurdo. Toda sua postura com relação à festa do Natal é incoerente e contraditória com sua nítida orientação política. Os uniformes vermelhos de Chávez (seu guru e santo de cabeceira), e do próprio Maduro, seus discursos nitidamente comunistas, estão a indicar, se houvesse alguma esperança de coerência nos atos dessas pessoas, uma total rejeição da festa do Natal, seja pelo ateísmo militante natural aos comunistas, seja pelo repúdio a uma festividade de matiz nitidamente capitalista e consumista que se foi moldando no mundo ocidental. Seria até mais compreensível, inobstante não se apagasse ou amenizasse a truculência e o totalitarismo da medida, se Maduro, com mais maturidade política e coerência, simplesmente proibisse a comemoração do Natal, enquanto manifestação de um “ópio do povo” convolado em via de alimentação do consumismo capitalista. Esse discurso e essa ingerência na liberdade religiosa, de expressão, de pensamento e na liberdade em geral das pessoas é, sem dúvida, hediondo. Porém, é muito mais coerente com a figura dos “Revolucionários Bolivarianos” do que um Presidente sorrindo em meio a presépios humanos num desfile público no Natal venezuelano de 1º. de novembro.

Afinal, o Natal somente pode ser visto sob esses dois prismas, como uma festa religiosa e/ou como um fenômeno pervertido pelo capitalismo consumista. Em qualquer caso, somente a rejeição seria coerente para um político totalitário sim, mas ao menos coerente. Entretanto, sinceridade e coerência são certamente o que há de mais utópico na esquerda latino – americana. Por incrível que pareça é “natural” o sorriso falso de um Maduro em meio a um desfile de Natal improvisado como um teatro macabro, onde a população também interpreta hipocritamente. O mundo, ou ao menos a Venezuela, é convertido em um teatro de fantoches, uma fantasia de felicidade, eis que o governante afirma que em meio à crise, para acalmar os ânimos dos pessimistas, adianta o Natal para “dar felicidade ao povo”. Embora a cobertura da mídia brasileira sobre o fato tenha sido sofrível e as manifestações críticas praticamente inexistentes, foi possível perceber toda a hipocrisia envolvida no episódio. Ou seja, trata-se de um teatro com péssimo figurino, atores horrorosos, texto desprezível e nenhuma, nenhuma mesmo, iluminação (trevas).

Uma das coisas que mais assusta é que Maduro disse imaturamente que com seu ato pretendia proporcionar “felicidade” ao povo em meio à crise. E essa coisa de “felicidade” já tem precedentes no Brasil por meio do esdrúxulo projeto de emenda constitucional 19/10, de autoria do Senador Cristovam Buarque, que pretende tornar a “felicidade” um direito fundamental dos brasileiros! [24] Por lei seremos felizes! De novo o maravilhoso mundo novo! Talvez com a única diferença entre Brasil e Venezuela de que aqui a “felicidade” seria um “direito do indivíduo” e na Venezuela é uma “obrigação”. Qual seria a pena? Cadeia até que o criminoso se esfalfe em gargalhadas?

Em suma, no Brasil, ao menos inicialmente, se alguém estiver infeliz, considerando que a malfadada emenda seja aprovada, a culpa será do governo, transformando imediatamente todo homem e mulher adultos em adolescentes rebeldes sem causa (imaturos, talvez em homenagem ao grande governante venezuelano). Já na Venezuela, pelo que se vê do teatro macabro encenado, se alguém estiver infeliz, a culpa será toda dessa pessoa mesma que não sabe enxergar o paraíso em que vive, o governante maravilhoso que tem e, por isso, deverá pagar. A questão será: pagar com o quê? Porque se for com a própria liberdade, esta já foi toda tomada. Então o que restará? A vida talvez? Certamente nada mais natural já que muitas pessoas deprimidas tendem a se suicidar...

A falta de sensibilidade humana que embota a mentalidade esquerdista em face de seus chavões e palavras de ordem impede a noção tão simples de que a felicidade não pode ser exigida nem imposta. É somente um sentimento passageiro que, aliás, somente pode existir e ser conhecido exatamente por seu movimento. Se ela fosse estagnada ou estática, imóvel, enfim, estaria imediatamente morta ou anulada porque não seria mais felicidade, mas apenas um estado de torpor, de tédio. Mas, quem está mesmo realmente interessado na felicidade das pessoas e não na simples e pura demagogia e manutenção do poder por meio de teorias autocontraditórias e plásticas que se moldam a qualquer circunstância ou ambiente, desde que não permitam sua destituição do comando?

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Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O neocaudilhismo de esquerda e o natal venezuelano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3787, 13 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25826. Acesso em: 23 dez. 2024.

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