RESUMO: A educação tem como papel fundamental o desenvolvimento e a formação integral do homem e da cidadania. E é na escola, durante processos de socialização, que se tem a oportunidade de desenvolver a identidade e autonomia, interagindo, ampliando laços afetivos, reconhecendo, aprendendo e crescendo com as diferenças mútuas. Neste contexto, o imigrante convive com o preconceito, tentando se integrar, lutando contra o estranho e a estranheza. No espaço escolar, lugar onde não deveria acontecer qualquer tipo de discriminação contra o imigrante, é lá que se percebe que a palavra cidadania não tem qualquer significado na prática. Nunca é levado em consideração os problemas das crianças imigrantes, que enfrentam diferenças linguísticas e culturais e vivem numa posição socioeconómica difícil. Nesta situação, temas como o ensino diferenciado através das Tics, a educação para os direitos humanos e o uso das bibliotecas, entre outros, poderão fazer toda a diferença na transformação dos espaços escolares em locais ideais para integrar a criança imigrante. Nesta comunicação, vamos fazer uma reflexão sobre a importância da avaliação preventiva feita pelos educadores, aliada ao ensino diferenciado, de modo a fazer com que os espaços escolares sejam um elo com o país de acolhimento, trabalhando pelo desenvolvimento da cidadania e respeito ao imigrante, tornando aquele espaço um lugar aprazível, onde o imigrante não tenha de perder a identidade para se sentir parte da sociedade em que vive.
Introdução
Vivemos num mundo cada vez mais globalizado, onde a cada crise económica crescem os movimentos migratórios internacionais, levando milhares de pessoas para lugares até então só conhecidos nos mapas e nos cartões postais. Essas pessoas, ao deixarem o seu torrão-natal à procura de novas oportunidades em terras estrangeiras, lidam com todo tipo de adversidade: discriminação, preconceito, intolerância, associados à falta de dinheiro, tentando se integrar, lutando contra o estranho e a estranheza (Lima, 2009).
Justo no espaço escolar, onde não deveria acontecer qualquer tipo de discriminação contra o imigrante, é que se percebe, sem muita dificuldade, que a palavra cidadania não tem qualquer significado na prática. Nunca é levado em consideração os problemas enfrentados pelas crianças imigrantes, que se defrontam com diferenças linguísticas e culturais e vivem numa posição socioeconómica difícil.
Neste contexto, temas como o ensino diferenciado através das Tics, a educação para os direitos humanos e o uso das bibliotecas, entre outros, poderão fazer toda a diferença na transformação dos espaços escolares em locais ideais para integrar a criança imigrante.
Portanto, o problema ora discutido nesta comunicação tem por objetivo fazer uma reflexão sobre a importância da avaliação preventiva pelos educadores, aliada ao ensino diferenciado, de maneira a permitir que os espaços escolares sejam um elo com o país de acolhimento, trabalhando pelo desenvolvimento da cidadania e respeito ao imigrante, tornando aquele espaço um lugar aprazível, onde o imigrante não tenha de perder a identidade para se sentir parte da sociedade em que vive. Neste trabalho, utilizamos para a construção do referencial teórico a pesquisa documental e a pesquisa bibilografica de autores que versam sobre o tema.
A educação e a formação integral do homem e da cidadania
O debate sobre educação tem sua origem histórica, mas só após a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) - que conseguiu estabelecer e codificar um enorme espectro de direitos políticos, económicos e sociais - é que o direito à educação passou a ser visto como um direito universal. Neste sentido, preceitua o artigo 26, in verbis:
I) Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
II) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as actividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do género de instrução que será ministrada a seus filhos.[3]
Em conformidade com o que preceitua a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as constituições dos países passaram a garantir também esse direito. É o caso, por exemplo, da Constituição do Brasil que, em 1988, fixou um novo quadro de leis relativas aos direitos e deveres dos cidadãos, consagrando, em seu artigo 205, o direito à educação nos seguintes termos:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A educação, para o exercício da cidadania, é aprendido na escola. Segundo Westphal (2009, p.3), “o conhecimento adquirido nas escolas é uma ferramenta que liga a realidade do ser humano ao seu crescimento como cidadão”. Neste sentido, Silva (2000) acredita na educação, como um instrumento de formação da cidadania, e na escola, como instituição social que trabalha a socialização do conhecimento, formação de hábitos, valores e atitudes. Tal compreensão de educação se dá com a possibilidade da integração dos saberes através de enfoques interdisciplinares e transdisciplinares, evidenciando, sobretudo, o currículo escolar.
Para Guará (2009, p.70), as práticas educacionais devem abrir-se a experiências e conteúdos transversais com “ênfase na articulação de conhecimentos e disciplinas que objectivam a integralização de experiências e saberes no processo educativo”. Segundo a autora, a interdisciplinaridade se funda na importância dada à unidade da realidade, cuja apreensão é compartimentada dentro do modelo de desenvolvimento da ciência moderna. Para ela, esta concepção de educação propõe uma estreita articulação curricular que contemple o conhecimento de maneira mais abrangente, global e, portanto, integral.
De acordo com Quevedo (2011, p.156), “a educação comprometida com a formação de cidadãos passa necessariamente por uma prática pedagógica que compreenda o ser humano na sua integralidade”. Não é apenas um processo institucional e instrucional, mas, fundamentalmente, um investimento formativo da pessoa. Portanto, educar para a cidadania significa disseminar um conjunto de valores universais, que se manifestam em cada cultura.
Para Grossi et al (2009, p.501), o contributo desta formação se dá, principalmente, quando se incorpora “valores essenciais para a cultura democrática, como a participação, diálogo, igualdade, tolerância, justiça social, respeito à diversidade e aos direitos humanos”.
Desta forma, resta claro que, além de outros meios, é na escola que o Estado promove a educação e a cidadania, através do desenvolvimento e da formação integral do aluno, que precisa desenvolver a identidade e autonomia, interagindo, ampliando laços afetivos, reconhecendo, aprendendo e crescendo com as diferenças individuais.
A escola: reconhecer, aprender e crescer com as diferenças
A escola, com seus múltiplos espaços, possibilita uma verdadeira miscelânea de diferentes valores, culturas, crenças e condição social, onde as individualidades reclamam seu espaço dentro dessa heterogeneidade. Para Gadotti (2007, p. 92)
A escola é um espaço de relações. Nesse sentido, cada escola é única, fruto de sua história particular, de seu projeto e de seus agentes. Como lugar de pessoas e relações, é também um lugar de representações sociais. Como instituição social ela tem contribuído tanto para a manutenção quanto para a transformação social. Numa visão transformadora, ela tem um papel essencialmente crítico e criativo.
Com efeito, a escola não é só um lugar para se buscar conhecimento, mas para se encontrar, conversar, brincar, conhecer o outro, discutir, aprender, reflectir e crescer com as diferenças, mas, principalmente, um lugar que possibilite a formação da personalidade da criança e do jovem. Entretanto, é neste contexto que muitas vezes se vê reflectida, dentro das salas de aula, as exclusões sociais e culturais existentes na sociedade, onde as crianças não estão livres de sofrerem o racismo, as discriminações, o preconceito e as consequências dessas concepções negativas (Ramos e Jesus, 2006).
Para Ramos e Jesus (2006, p. 3), “a falta de respeito à cultura e às diferenças do outro geram sofrimento e marcas profundas que nem mesmo o tempo pode apagar”. Neste sentido, os autores destacam que aqueles quesofrem algum tipo de discriminação se isolam e evitam a convivência com o grupo, tornando-se arredios, pois “já sofreram tanta rejeição que ficam sempre à espera que os chamem, convidem para brincar, convidem para as atividades lúdicas e para os trabalhos escolares”.
Já para Miranda (2009, p.62), não há cuidado na escola. Com efeito, não há reconhecimento, não há responsabilização moral e, principalmente, não há culpa pelo que ocorre na escola e com o outro, pois não se cria vínculo. Para o autor, a “escola que não oferece cuidado e envolvimento favorece o surgimento da violência”. Neste sentido, assevera: “É preciso criar um ambiente bom, acolhedor, autêntico, não perseguidor, que gere no aluno um sentimento de pertencimento e reconhecimento”.
Sobre isso, Almeida (2008, p.11) destaca que mesmo “as crianças chegando às escolas, iguais em direitos e com idades próximas, são muito diferentes em aspectos culturais e socias porque vêm de experiências familiares e origens socias diversas”. Essa “diversidade inicial é geralmente ignorada na escola que, tratando todos da mesma maneira, reforça o processo de diferenciação, adverte o autor”. Para Silva (apud Almeida, 2008, p.12):
A diversidade cultural existente entre os alunos e entre estes e os educadores, longe de ser aproveitada como maior riqueza, torna-se ocasião de choque cultural e de gerações, produzindo dificuldades de comunicação e impossibilitando a criação de vínculos construtivos e co-responsáveis.
Reside justamente aí uma das dificuldades da escola em solucionar este problema, pois se baseia em um modelo ultrapassado, onde não se dá a devida atenção às diferenças dos alunos, sejam estas geográficas, étnicas, culturais, sociais, religiosas e de género.
De forma a mudar esta realidade, urge que a escola, por ser uma instituição educacional, chame para si a responsabilidade de resolver estas questões, envolvendo toda a comunidade escolar, principalmente o professor, que não poderá se omitir ou concorrer para o aumento da discriminação. Neste sentido, deve incentivar na escola valores como a sinceridade, a amizade, o respeito aos mais velhos e ao próximo e o respeito às diferenças, para que façam parte do dia-a-dia da instituição.
Portanto, o reconhecimento de valores, especialmente os que dizem respeito à dignidade humana, aliado a um ensino diferenciado, utilizando a biblioteca escolar e as tecnologias, nos coloca perante um debate sobre a questão da educação em direitos humanos, tendo a biblioteca escolar e as tecnologias de informação e comunicação como recursos para uma mudança de atitude quanto a todo tipo de discriminação nos espaços escolares.
A educação em direitos humanos promovendo a integração e o sucesso educativo através de um ensino diferenciado.
Na tentativa de promover o sucesso das aprendizagens, e dar respostas as heterogeneidades que constituem uma classe, surge o ensino diferenciado. Não se trata de um ensino individual, e sim de um caminho pela busca da igualdade, que consagra a utilização de diferentes recursos na transmissão da informação que favorece o aprendizado do aluno.
O ensino diferenciado propõe nas práticas pedagógicas do professor a utilização de diferentes recursos de avaliação para a transmissão e recolha da informação, possibilitando não apenas a verificação da aprendizagem dos alunos como, também, a sua integração no âmbito escolar. Neste particular, surge a necessidade de inserir instrumentos avaliativos preventivos nas práticas pedagógicas que ajudem a fazer inferências sobre o processo de integração dos alunos.
Para Smole (2012, s/p), o desafio colocado por essa forma diferenciada de olhar o aluno propicia ao professor entendê-lo conforme suas necessidades educativas, em suas “dimensões cognitiva, afetiva e cultural, de forma a melhor compreendê-lo em suas diferenças, em suas crenças e em sua forma de aprender”.
Dentro deste contexto, é importante que o professor tenha aguçada percepção quanto ao comportamento de seus alunos, principalmente em sala de aula, para detectar possíveis desentendimentos e discriminações na turma contra o aluno imigrante. É evidente que a partir deste diagnóstico, o professor deverá propor diretrizes e estratégias de intervenção e de inserção na comunidade de acolhimento, desmistificando a ideia de que o aluno calado é um bom aluno porque não traz problemas, principalmente se esse aluno vier de outra pátria diferente daquela a qual está inserido.
Indubitavelmente, além da percepção do professor é necessário um ensino que transcenda a sala de aula (ambientes formais), vá além do quadro negro e do giz, e tome dimensões grandiosas, através de projectos educativos preventivos para a integração do aluno imigrante. Para Gonçalves e Trindade (2010, p.206), o princípio fundamental da “diferenciação é a democratização do ensino” em benefício dos alunos para a formação e o desenvolvimento da cidadania.
Nesse mister, a biblioteca escolar como ambiente formativo por excelência proporciona aos alunos e professores, pais e funcionários, informações e conhecimentos fundamentais a esta realidade específica, na medida em que possibilita que sejam supridas as deficiências da escola e do professor na efetivação da avaliação preventiva na mediação e integração de muitas atividades, tais como: formação de professores, funcionários, alunos e pais; palestras, utilização das TIC’s, serviços informacionais, livros, filmes e etc, constituindo-se num centro formativo do conhecimento, onde várias fontes de informação se interligam servindo de apoio pedagógico no processo de integração do aluno imigrante, além de encontrar em sua coleção livros com este tema.
Quanto às tecnologias de informação e comunicação - TICs estas podem e devem fazer toda a diferença, concorrendo para transformar a sociedade de modo a torná-la mais inclusiva e esclarecida, seja através de formação, da colaboração ou da disponibilização de material digital.
Portanto, ao se tirar proveito do uso da biblioteca e das TICs nas escolas, percebe-se logo uma mudança nas práticas pedagógicas dos professores e nas atividades em sala de aula, uma vez que todos os intervenientes participam na construção do conhecimento em aprender a lidar com situações adversas no âmbito escolar. Nesta perspectiva, as bibliotecas escolares e as TICs constituem um excelente recurso de enriquecimento e favorecimento na produção do conhecimento. Todavia, só o uso da biblioteca e das TICs não basta, é necessário que os recursos materiais estejam disponíveis ao professor para a concretização do seu trabalho, onde os intervenientes - sistema de ensino, currículo, professores, alunos e pais - estejam integrados e envolvidos com a realidade educativa através da prática reflexiva, e da (re) educação contínua para que o sucesso educativo ocorra.
Além da integração da comunidade escolar, outro fator importante é educar para prevenir contra a discriminação, o racismo e a intolerância, que exige que o educador se inclua no processo para não correr o risco de apenas prescrever normas, mostrando-se completamente comprometido enquanto executores das recomendações que fazem (Silva, 2000). Neste sentido, a autora assevera que prevenir contra o racismo e a intolerância requer que o trabalho educativo seja
organizado e executado coma intenção de aportar energia, firmeza para a educação dos cidadãos, sejam eles crianças, jovens ou adultos. E exige dos educadores permanecerem atentos, a fim de cultivar, em si próprios e em seus alunos, confiança na capacidade própria, orgulho de pertencimento a seu grupo étnico, seu grupo social, autonomia de pensamento e ação, controle de preconceitos e de atitudes discriminatórias, solidariedade e colaboração, criticidade. (2000, p.3)
No entanto, Silva (2000) chama a atenção para o que realmente é urgente ao aconselhar os educadores a eliminar primeiro em si próprios sentimentos de inferioridade, atitudes etnocêntricas, individualistas, comportamentos alienados e alienantes, e depois em seus alunos. Portanto, é preciso que os professores tirem pelo menos um minuto ao longo de um ano para que conheçam melhor seus alunos, para entender as causas de suas limitações, angústias e dificuldades (Ramos & Jesus, 2005).
Com estas considerações ressaltamos a importância da educação para os direitos humanos onde os alunos possam compreender que se aprende com os saberes dos outros, quer asiáticos, africanos, americanos, europeus, etc. E que na sociedade, e em particular nos espaços escolares, deve haver o respeito ao imigrante, pois não somos melhores uns que os outros.
Aparentemente simples de ser executada, a questão do combate a discriminação, ao racismo e a intolerância nos espaços escolares só ganha impulso quando o professor atento trabalha esse tema na sala de aula, pois como afirma Pinsk (2006, p.25) “(…) combater a discriminação (…) é não apenas uma atitude politicamente correta, mas racionalmente consequente e socialmente aconselhável”.
Portanto, acredita-se que a escola, espaço que hipoteticamente teria a função de formar o aluno cidadão, possa produzir sujeitos capazes de agir de forma a exercer sua cidadania plena e respeitar a pluralidade cultural presente em uma sala de aula. Neste sentido, para Miranda (2000) a escola pode mudar a concepção racista assimilada pelos alunos, que não trazem isso geneticamente, com um discurso racional e baseado em informações concretas, justamente porque as crianças estão em formação da personalidade e do caráter, desconstruindo as teorias sobre superioridade e inferioridade baseadas nas diferenças étnicas, culturais, sociais e religiosas. Para a autora, as relações que se desenvolvem na escola
poderão ser de tolerância e de respeito às diferenças étnicas e culturais se, nas trocas e nas mediações que ocorrem nas situações de ensino-aprendizagem estes valores forem democraticamente elaborados com o conjunto dos atores envolvidos no processo de construção do conhecimento (Miranda, 2000, s/p).
Aí reside a importância de ser trabalhado pelos professores temas relacionados com disciplina e resolução de conflitos, para evitar insultos, ameaças e xingamentos que desencadeiam, na maioria das vezes, as agressões físicas. É muito importante trabalhar nas diversas disciplinas a desconstrução das ideias prévias do imigrante, cujo aspetos negativos, associados à imigração, encontram-se muito próximos dos estereótipos produzidos pelos meios de comunicação e pela população em geral (Reis, Mendes & Lopes, 2002).
Além disso, como já dito anteriormente, aumenta a responsabilidade dos professores na identificação das agressões e dos agressores, agindo imediatamente para que não volte a ocorrer. Para Reis, Mendes e Lopes (2002, p.20) uma forma de resolver esse problema é desenvolvendo nos alunos “valores do respeito, tolerância, justiça, solidariedade, que são primordiais na construção do aprender a conviver com o outro”.
Diante desse quadro, é necessário discutir algumas soluções para acabar com toda forma de desrespeito ao imigrante nos espaços escolares, identificando pistas para a prevenção.