1. Introdução
Não há no Código Civil vigente conceituação do direito real de usufruto, mas pode-se extrair do tratamento legal dispensado a ele nos artigos 1.390 a 1.411 do citado diploma legal, que trata de direito real sobre coisa alheia, o que significa dizer que o direito é oponível erga omnes e sua defesa se faz por meio de ação real.
No usufruto a propriedade se desmembra entre dois sujeitos: o nu-proprietário e o usufrutuário. Para o primeiro, a propriedade fica nua, desprovida de direitos elementares, visto que conserva apenas o jus disponendi e, em função do princípio da elasticidade, a expectativa de reaver o bem, momento em que a propriedade se consolida. O segundo detém o domínio útil da coisa, que se verifica nos direitos de uso e gozo, e a obrigação de conservar a sua substância, em razão do mesmo princípio.
Na verdade, este desmembramento gera a posse direta do usufrutuário e a indireta do nu-proprietário. Isto ocasiona o exercício concomitante dos direitos do nu-proprietário e usufrutuário, que, em tese, se dá de forma harmônica. Assim é que, ocorrendo turbação na posse do usufrutuário, este dispõe da faculdade de protegê-la inclusive contra o proprietário. Por sua vez, o nu-proprietário poderá intentar ação de reintegração de posse caso o usufrutuário passe a esbulhar, como, por exemplo, em situação de término do usufruto e de negativa do usufrutuário em restituir a posse àquele.
Como informa Nader (2006, p. 423), os direitos dos beneficiários coexistem de forma simultânea, pois ao lado do direito de usufruto haverá sempre, em correspondência, um direito de propriedade sem o usus e o fructus. A propriedade é nua, vazia de conteúdo, por isso a nomenclatura nu-proprietário.
O fato de no usufruto o domínio ser fracionado acaba por restringir a posse direta do usufrutuário. Em sentido contrário, o usufruto não opera o fracionamento da propriedade, mas torna a propriedade um direito limitado, nunca um direito dividido. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 570)
O jus abutendi, que é o direito de consumir ou destruir a coisa, decorre da propriedade, logo não o possui o usufrutuário. No entanto, no usufruto este direito resta prejudicado para o nu-proprietário, assim como o jus utendi e o jus fruendi, pois, se conferido, afetaria também os direitos do usufrutuário.
Interessante a explanação de Nader (2006, p. 425) quanto à ambulatoriedade na relação jurídica formada no usufruto:
O usufruto apresenta uma ambulatoriedade passiva, pois acompanha a coisa, ainda que se modifique a titularidade do domínio. Ou seja, o pólo ativo da relação jurídica, integrado pelo usufrutuário, é permanente, vinculado sempre à pessoa física ou jurídica em favor de quem o direito real limitado foi constituído; já o pólo passivo não é personalizado. Seu ocupante é o detentor da nua-propriedade. Em caso de sucessão, a que título for, o novo proprietário passa a figurar no pólo passivo da relação.
Percebe-se que, ainda, que haja alteração quanto à figura do proprietário, não há interferência no instituto no que se refere ao usufrutuário, que não se modifica. Em relação à aplicabilidade do direito real de usufruto, vê-se que é ela extensa, conforme demonstra Gonçalves (2007, p. 448-449):
[...] a idéia de usufruto é muitodifundida por mais de uma província no direito civil, sendo cultivado: a) nas relações de família, precipuamente, como foi dito (usufruto do marido sobre os bens da mulher, usufruto dos bens do filho sob poder familiar); b) no direito das sucessões, como expressão de vontade testamentária; c) no direito das obrigações, ligado ao contrato de doação; e d) no direito das coisas, como direito real de gozo e fruição.
Apesar de reconhecer sua importância, Nader (2006, p. 423) comenta os defeitos do usufruto que “apresenta inconveniências, como a de impedir a plena circulação da riqueza e a de tolher, em relação aos imóveis, as iniciativas que visam à reforma e ampliação dos prédios”.
2. Características do usufruto
Para uma perfeita identificação e individualização do usufruto, importante se faz conhecer suas características, que podem ser sintetizadas conforme se segue abaixo:
a) É direito real sobre coisa alheia: sendo direito real tem oponibilidade erga omnes e, em conseqüência, direito de seqüela, o que permite ao titular, usufrutuário, buscar a coisa nas mãos de quem estiver, de forma injusta, para dela usar e gozar como lhe é assegurado. A defesa de seu direito é feita por meio de ação real. Assim leciona Rodrigues (2006, p. 297):
Recai diretamente sobre a coisa, não precisando seu titular, para exercer seu direito, de prestação positiva de quem quer que seja. Vem munido do direito de seqüela, ou seja, da prerrogativa concedida ao usufrutuário de perseguir a coisa nas mãos de quem quer que injustamente a detenha, para usá-la e desfrutá-la como lhe compete. É um direito oponível erga omnes e sua defesa se faz através de ação real.
b) É um direito temporário: consoante dispõe o Código Civil o usufruto se extingue pela renúncia ou morte do usufrutuário (art. 1.410, I); pelo termo de sua duração (art. 1.410, II); pelo decurso do prazo de trinta anos da data em que se começou a exercer, se instituído em favor de pessoa jurídica (art. 1.410, III); e pela cessação do motivo de que se origina (art. 1.410, IV).
Deve o direito de usufruto ser temporário, pois, do contrário, seria prejudicial à expectativa do u-proprietário de recuperar a propriedade plena, não mais despojada dos elementos que lhe dão conteúdo.
Chamam atenção Farias e Rosenvald (2008, p. 571) para o fato de que “esse caráter transitório decorre de seu conteúdo intuitu personae, pois a única finalidade do usufruto é beneficiar pessoas determinadas”. Tanto assim o é que falecendo o usufrutuário, o direito não se transmite aos herdeiros, ainda que o usufruto tenha sido instituído por prazo certo e a morte tenha ocorrido antes do termo de duração. O prazo máximo de trinta anos de duração do direito, se o titular for pessoa jurídica, explica-se pela imprevisibilidade de sua duração. Apesar de jamais ser perpétuo, o que, frise-se, desconfiguraria o instituto, o direito pode ser vitalício, isto é, durar a vida inteira do usufrutuário.
De acordo com disposição do artigo 1.411 do Código Civil, constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, revertendo-se ao nu-proprietário paulatinamente, salvo se expresso o direito de acrescer, hipótese em que o quinhão cabe aos co-usufrutuários sobreviventes. Raciocínio diverso ocorre se legado um só usufruto de forma conjunta a duas ou mais pessoas, pois a parte da que vier a óbito acresce aos co-legatários (art. 1.946 do Código Civil), a não ser que lhes tenha sido legada certa parte do usufruto, em que não se aplica o direito de acrescer (parágrafo único do art. 1.946 do Código Civil).
Sobre o direito de acrescer constante no legado, Coutinho (2008, p. 03), afirma que a previsão do caput “é no sentido de que eventos como renúncia, pré-morte e exclusão de um dos legatários, não permitem que os herdeiros legítimos recebam a quota do faltante, ficando esta, para os co-legatários”. O legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se deixado ao legatário de forma vitalícia. Não se pode olvidar que não é dado ao direito de acrescer a possibilidade de violar a legítima do herdeiro necessário, conforme corrobora Gonçalves (2007, p. 457):
Tem a jurisprudência repelido a possibilidade de os pais, nas doações com reserva de usufruto, estipularem o direito de acrescer em favor do doador sobrevivente, por vulnerar a legítima do herdeiro. Entende-se que, em tal hipótese, extingue-se o usufruto com relação ao doador falecido.
c) É intransmissível: o usufruto é intransmissível tanto inter vivos quanto causa mortis tendo em vista seu caráter intuitu personae. Disto decorre a impossibilidade de usufruto sucessivo, ou seja, aquele em que se beneficia mais de um usufrutuário em momentos diferentes (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 571).
d) É inalienável: conforme disciplina o art. 1.393, 1ª parte, do Código Civil. O Código Civil de 1916, em seu art. 717, permitia a alienação do usufruto unicamente ao proprietário. Apesar de o permissivo legal não ter sido repetido no Código atual, há posicionamento doutrinário de que a exceção ainda pode ser aplicada, de maneira que ocorrerá a extinção do usufruto pela consolidação (art. 1.410, VI).
Comentando o entendimento de Clóvis Beviláqua, que via na inalienabilidade sua principal vantagem por respeitar a vontade do instituidor, assim se manifesta Rodrigues (2006, p. 298):
O mestre talvez estivesse com a razão se a inalienabilidade fosse absoluta. Mas, como se permite a alienação em favor do proprietário, mais angustiosa se torna a posição do usufrutuário necessitado, que fica à mercê do nu-proprietário, quando precisar vender. No meu entender, não se justifica esse exagerado zelo do legislador, na proteção da pretensa vontade do instituidor.
Contudo, entendimento contrário demonstra Marco Aurélio Bezerra de Melo citado por Tartuce (2008, p. 2-3), segundo o qual “O Código revogado falava, a nosso sentir, equivocadamente, em alienação ao nu-proprietário e o atual suprime esta expressão infeliz”.
Farias e Rosenvald (2008, p. 572) vêem a necessidade de se imitar a inalienabilidade para que não surja a modalidade de usufruto sucessivo, proibida em no ordenamento brasileiro:
De forma coerente, nas doações cumuladas com cláusula de reserva de usufruto ao doador e de inalienabilidade, há de limitar-se a vigência da cláusula de inalienabilidade ao período de vida do doador-usufrutuário. De fato, se mantido o negócio jurídico em seus aspectos originários, surgiriam dois usufrutuários sucessivos: o doador (que se reservou o usufruto) e, após a sua morte, o donatário (pois, com a cláusula de inalienabilidade, poderia apenas usar e gozar do bem, jamais dispor dele).
Observe-se que o direito de usufruto não pode ser alienado, no entanto, o exercício do usufruto pode ser cedido a título gratuito ou oneroso (art. 1.393, 2ª parte, do CC). Isto se confirma pelo art. 1.399 do Código Civil, que dispõe que o usufrutuário pode usufruir em pessoa, ou mediante arrendamento, o prédio, mas não mudar-lhe a destinação econômica, sem expressa autorização do proprietário.
e) É impenhorável: devido à inalienabilidade, o usufruto também é impenhorável. O direito não pode ser penhorado em ação de execução movida por dívida do usufrutuário, pois o bem poderia, em último caso, ser vendido em hasta pública.
Devido à possibilidade de cessão do exercício do usufruto, mostra-se possível a penhorabilidade deste exercício. Se o bem tem expressão econômica, a penhora impedirá temporariamente a percepção pelo usufrutuário dos frutos e utilidades da coisa até que o exeqüente seja pago. Diniz (2002, p. 451) apresenta uma exceção à possibilidade de penhora do usufruto: “Todavia, o usufruto legal não poderá ter nem seu direito nem seu exercício penhorado”.
Caso a dívida seja do nu-proprietário, nada há que impeça a penhora, que poderá incidir sobre seus direitos. O proprietário possui o jus disponendi, que não afeta os direitos do usufrutuário. Sobre o imóvel alienado em hasta pública permanece imutável o direito real de usufruto, até que este venha a extinguir-se.
f) É divisível: pela leitura do art. 1.411 do Código Civil percebe-se a possibilidade de sua constituição em favor de duas ou mais pessoas, o que gera o co-usufruto. Afirma Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 431) que “o usufruto é divisível, podendo ser atribuído simultaneamente a mais de uma pessoa, mais de um usufrutuário, estabelecendo-se o co-usufruto”.
g) Necessita de conservação da forma e substância: ao exercer seus direitos de usar e gozar o bem, o usufrutuário deve fazê-lo de maneira responsável, nunca indiscriminada ou ilimitada, de modo a conservar a forma e a substância da coisa usufruída, que pertence ao nu-proprietário.
Encontra divergência na doutrina a situação de possibilidade de alteração da finalidade do objeto do usufruto, entendendo Borda citado por Venosa (2003, p. 431) que “deve ser entendido que ao usufrutuário é vedado praticar qualquer ato que transforme a coisa a ponto de desfigurar, alterar sua finalidade, seus elementos e qualidades constitutivas”. De forma contrária, Nader (2006, p. 430) defende que “diferentemente da locação, em que o locatário ao usar a coisa deve ater-se à sua finalidade, definida em contrato, no usufruto a exigência limita-se à preservação da forma e substância”.
Expresso no art. 1.399 do Código Civil está que o usufrutuário não pode mudar a destinação econômica sem expressa autorização do proprietário. Essa proibição visa resguardar a expectativa do nu-proprietário de receber o bem no mesmo estado de quando foi posto em usufruto, salvo deteriorações naturais.
h) É suscetível de posse: para exercer o direito real de usufruto, o usufrutuário necessita, logicamente, deter a posse do bem para realizar os atos de administração, uso e gozo. A posse que lhe é concedida é a direta, ao contrário da posse indireta remanescente ao nu-proprietário. Na defesa de seus interesses, o usufrutuário pode utilizar as ações possessórias, inclusive contra o nu-proprietário, e a ação confessória de usufruto.
3. Objeto do usufruto
É na própria lei que se encontra qual pode ser o objeto do usufruto. Prevê o art. 1.390 do Código Civil vigente que “o usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades”. Os bens podem ser corpóreos ou incorpóreos. Diz Viana (2006, p. 301) que, em princípio, tudo o que está no comércio é passível de ser objeto do usufruto, reclamando-se apenas que seja alienável e gravável. Inclusive direitos podem ser objeto de usufruto, necessitando ter como característica a transmissibilidade, como por exemplo um direito de crédito.
Mostrando a importância de se delimitar o objeto do usufruto, expõe Nader (2006, p. 431) que:
A definição do objeto deve constar, com clareza, do termo constitutivo do jus in re aliena, juntamente com outros dados indispensáveis, como a identidade da pessoa beneficiada, tempo de duração e outras cláusulas que expressem a vontade das partes, isto quando a fonte for contratual.
O objeto se divide em próprio e impróprio. O próprio relaciona-se às coisas inconsumíveis e infungíveis, em que a substância é conservada e restituída ao nu-proprietário. O impróprio, também denominado quase-usufruto, recai sobre coisas consumíveis e fungíveis.
O usufruto será particular ou singular quando seu objeto for determinado de forma individual, sobre um bem específico; e universal, se incidir sobre uma universalidade de bens ou quota-parte. Assim, pode ter ainda como objeto um patrimônio, total ou apenas de parte. “Se o usufruto recair num patrimônio, ou parte deste, será o usufrutuário obrigado aos juros da dívida que onerar o patrimônio ou a parte dele” (CC, art. 1.405). Ademais, pode recair sobre florestas ou recursos minerais (CC, art. 1.392, § 2º).
Nader (2006, p. 432) apresenta a possibilidade de usufruto de um usufruto, que ocorre enquanto os pais estão no exercício do poder familiar: "Os pais, enquanto perdurar o poder familiar, detêm o direito de usufruto sobre o patrimônio do filho. Se este for usufrutuário de algum bem, a hipótese se caracteriza (art. 1.989, I)".
O usufruto sobre bem imóvel exige registro no Cartório de Registro de Imóveis, salvo se resultante de usucapião, em que o registro será declaratório. Segundo Venosa (2003, p. 430), “o registro imobiliário para os imóveis é essencial como ônus real que é, para gerar feito erga omnes”. No que se refere aos bens móveis, é imprescindível a tradição para a transferência do bem, sendo desnecessário algum registro. Outrossim, se derivar do poder de família, desnecessário o registro, eis que não possui natureza de direito real, sendo consectário lógico da administração dos pais sobre os bens dos filhos. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 575)
É importante mencionar o alcance do usufruto, que pode ser extraído do caput do artigo 1.392 do Código Civil vigente: “Salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos”. Recordando, tem-se que acessórios são os bens suplementares ao principal e os acrescidos referem-se à aluvião, à avulsão e às ilhas. A regra em caráter supletivo e as partes podem dispor de forma contrária, mas, se o fizerem, deve ser de maneira explícita a fim de coibir dúvidas.
Já o parágrafo1º do citado artigo prevê o usufruto impróprio, senão veja-se:
Art. 1.392 (...)
§1º. Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição.
Destarte, ao dissecar o dispositivo legal, Viana (2006, p. 305) chega à seguinte conclusão:
a) havendo entre os acessórios e acrescidos coisa consumível, ela é alcançada pelo usufruto;
b) findo o usufruto, cabe ao usufrutuário, se ainda houver coisa consumível, restituí-la;
c) se não houver, restitui o equivalente em gênero, qualidade e quantidade;
d) se não for possível, restitui o seu valor, estimado ao tempo da restituição.
Apesar do permissivo legal ter se referido unicamente aos bens acessórios e acrescidos, para Gonçalves (2007, p. 464) “a realidade é que, mesmo implicitamente, admitiu a possibilidade de o usufruto ter por objeto bens consumíveis”.
4. Modos de constituição do usufruto
Como já foi apontado, o usufruto constitui-se diferentemente se a coisa for móvel ou se for móvel. A constituição relativa ao bem móvel se conclui com a tradição, enquanto ao bem imóvel com o registro em cartório. Consoante o art. 108 do Código Civil, o instrumento deve ser feito por escritura pública se o imóvel tiver valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Nader (2006, p. 432) apresenta casos em que o registro não é necessário:
A Lei Civil (art. 1.391) dispensa do registro apenas o usufruto instituído por usucapião, mas neste ponto o legislador vacilou, pois o que se forma por testamento prescinde igualmente do ato registral. O usufruto dos pais, em relação aos bens dos filhos menores, dispensa, igualmente.
O ato pode ser gratuito ou oneroso, inter vivos ou causa mortis. São modos de constituição do usufruto:
a) Usufruto legal: a lei o institui em favor de certas pessoas, especialmente no âmbito familiar, como o usufruto dos pais sobre os bens do filho menor (art. 1.689, I, CC). Esse usufruto não é considerado um direito real, na medida em que é instituído como uma maneira de compensação pelo trabalho dispendioso dos pais na administração dos bens dos filhos. Assim ratifica Venosa (2003, p. 429), para quem “o usufruto decorrente de lei, encontrável no direito de família e no direito das sucessões, deve ser colocado à margem do instituto tradicional, ao menos quanto à forma de sua constituição”.
O cônjuge que estiver na posse de bens particulares do outro, se o rendimento for comum, responde perante o outro e seus herdeiros como usufrutuário, consoante o art. 1.652, I, do Código Civil. No entanto, o regime de bens não poderá ser o da comunhão universal. Nesta condição, poderá usar e fruir da coisa, preservando, porém, a sua substância (NADER, 2006, p. 433).
Estabelece o parágrafo único do art. 1.952, referente à substituição fideicomissária, que se, ao tempo da morte do testador, já tiver nascido o fideicomissário, adquirirá este a propriedade dos bens fideicometidos, transformando-se em usufruto o direito do fiduciário. Verifica-se, então, outro modo constitutivo de usufruto. Comentando esta disposição legal, tecem críticas Farias e Rosenvald (2008, p. 574-575) sobre a limitação à declaração volitiva que o parágrafo único impõe:
Em suma, há uma severa limitação à autonomia privada do testador, pois, ao instituir fideicomisso, pretende outorgar propriedade plena ao fideicomissário, quando alcançado o termo ou a condição resolutiva por ele estipulado em testamento. Mas agora, em razão da forte intervenção legislativa, o fideicomissário será equiparado ao nu-proprietário, sendo a sua propriedade limitada pela existência de um direito real de usufruto, em favor do herdeiro fiduciário, usufruto este de caráter vitalício, como se presume da dicção da norma.
b) Usufruto indígena: as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, isto é, por eles habitadas em caráter permanente e as utilizadas para suas atividades produtivas, são bens da União, a teor do disposto no art. 20, XI, da Constituição Federal. Aos índios é conferido o usufruto exclusivo de tais terras e sua posse permanente, conforme o art. 231, §2º, da Constituição. Portanto, apesar de pertencentes ao patrimônio da União, são bens afetados por efeito de destinação constitucional a fins específicos (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 577).
c) Usufruto judicial: O juiz pode conceder ao exeqüente o usufruto de móvel ou imóvel, quando o reputar menos gravoso ao executado e eficiente para o recebimento do crédito (art. 716, CC). O juiz da execução pode determinar, desde que as partes concordem, o usufruto de móvel ou imóvel do devedor, por prazo determinado, para que o credor receba seus créditos, nomeando-se, para tanto, um administrador. O usufruto destina-se ao pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios.
Destarte, o executado não perde a propriedade do bem temporariamente gravado. Farias e Rosenvald (2008, p. 578) comentam a natureza desta modalidade de usufruto:
O usufruto judicial detém natureza pro solvendo, isto é, ultrapassado o prazo convencionado para o proveito econômico da coisa pelo credor, sem que se consume a satisfação do saldo devedor, restará àquele a faculdade de excutir o bem gravado, visando à satisfação do valor residual pela arrematação ou adjudicação.
Para Venosa (2003, p. 429) não há possibilidade de instituir-se usufruto por sentença, salvo a hipótese de execução, mas afirma que “no processo executório não há atos decisórios de conhecimento, somente atos materiais satisfativos ao credor. O usufruto determinado na execução é de direito processual e não de direito material”.
Outra possibilidade de usufruto judicial é o usufruto de alimentos, regulado pelo art. 21 da Lei de Divórcio (Lei nº 6.515/77), o qual concede ao alimentário o pagamento do débito alimentar originário do usufruto de determinados bens do cônjuge devedor. O usufruto alimentar possui caráter cautelar e satisfativo. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 578)
d) Usufruto voluntário ou convencional: é constituído por negócio jurídico inter vivos ou mortis causa, unilateral ou bilateral, gratuito ou oneroso. O ato jurídico causa mortis é representado por testamento ou legado. Quanto a sua instituição, esclarece Venosa (2003, p. 430):
Por tratar-se de disposição de direitos é exigida plena capacidade para a instituição do usufruto por ato de vontade, assim como capacidade de adquirir por parte do beneficiário. Tratando-se de doação pura, independe da aceitação expressa do beneficiário.
A constituição voluntária pode ser criada por alienação ou retenção do usufruto. Na primeira, o proprietário conserva para si a propriedade e concede o direito real de usufruto a outrem. Também ocorre a alienação por testamento, se o testador transfere a nua-propriedade aos herdeiros e institui o legado de usufruto. Expõe Diniz (2002, p. 381) que: “A alienação opera-se por contrato ou testamento, quando o proprietário da coisa concede seu gozo a outrem, conservando apenas a nua-propriedade”. De outro modo, no usufruto por retenção, o proprietário em contrato de doação reserva para si o direito de usufruto e transfere a nua-propriedade a um beneficiário. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 579)
e) Usufruto por usucapião: além do modo de aquisição de direito de propriedade por usucapião, o art. 1.391 do Código Civil é expresso sobre a possibilidade de aquisição de usufruto por usucapião.
A hipótese de usufruto por usucapião pode ocorrer se um possuidor obteve o uso e gozo da coisa em relação entabulada com o proprietário, mas depois fica ciente de que aquele que lhe transferiu a posse direta não era o verdadeiro proprietário, caracterizando a posse a non domino. Ademais, devem ter sido respeitados os requisitos legais do usucapião. Em ambas as situações o possuidor deverá dispor de ânimo de usufrutuário.
Farias e Rosenvald (2008, p. 580-581) expõem com clareza:
Definitivamente, não fará jus à usucapião do direito de propriedade, pois sua posse não contou em nenhum momento com animus domini. Pelo contrário, houve respeito ao domínio e apenas se reputa presente a intenção do possuidor de ser usufrutuário. Por isto, a sentença de usucapião não privará o proprietário da titularidade formal, mas lhe limitará o domínio, pois terá de conviver com o usucapiente do usufruto até o término do prazo fixado no justo título.
Possível também que o objeto seja coisa móvel, em que se aplicam as regras contidas nos arts. 1.260 a 1.262 do Código Civil. Para Nader (2006, p. 436) importa observar que “o título a que se referem às disposições não é o de quem se encontra usufruindo a coisa, mas de quem faz as vezes de proprietário”.
O usufruto por usucapião, por disposição legal, dispensa a necessidade de registro. Complementa Viana (2006, p. 303) que “o registro da sentença virá apenas para regularizar o registro imobiliário, atendendo à publicidade. Mas, ao contrário do usufruto convencional, sua aquisição decorre da usucapião, e não do registro”.
f) Usufruto por sub-rogação real: Diniz (2002, p. 381) apresenta este modo constitutivo, que se verifica “quando o bem sobre o qual incide o usufruto é substituído por outro. Por exemplo, o usufruto de um crédito pode ser convertido em usufruto de coisa se o devedor pagar ao usufrutuário a coisa devida, que passa a ser propriedade do credor”.